Prevalência da automedicação no Brasil e fatores associados

Paulo Sérgio Dourado Arrais Maria Eneida Porto Fernandes Tatiane da Silva Dal Pizzol Luiz Roberto Ramos Sotero Serrate Mengue Vera Lucia Luiza Noemia Urruth Leão Tavares Mareni Rocha Farias Maria Auxiliadora Oliveira Andréa Dâmaso Bertoldi Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Analisar a prevalência e os fatores associados à utilização de medicamentos por automedicação no Brasil.

MÉTODOS

Este estudo transversal de base populacional foi realizado com dados da Pesquisa Nacional de Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de medicamentos (PNAUM), coletados de setembro de 2013 a fevereiro de 2014, por meio de entrevistas em domicílio. Todas as pessoas que referiram usar qualquer medicamento sem prescrição por médico ou dentista foram classificadas como praticantes de automedicação. Foram calculadas razões de prevalência bruta e ajustada (regressão de Poisson) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% na investigação dos fatores associados ao consumo de medicamentos por automedicação. As variáveis independentes foram: aspectos sociodemográficos, de condições de saúde e de acesso e utilização de serviços de saúde. Adicionalmente, foram identificados os medicamentos mais consumidos por automedicação.

RESULTADOS

A prevalência da automedicação no Brasil foi de 16,1% (IC95% 15,0–17,5), sendo maior na região Nordeste (23,8%; IC95% 21,6–26,2). Após análise ajustada, automedicação mostrou-se associada a ser do sexo feminino, pertencer às faixas etárias 10-19 anos, 20-29 anos, 40-59 anos e 60 anos ou mais, residir na região Norte, Nordeste ou Centro-Oeste, e ter uma ou duas ou mais doenças crônicas. Os analgésicos e os relaxantes musculares foram os grupos terapêuticos mais utilizados por automedicação, sendo a dipirona o fármaco mais consumido. No geral, a maioria dos medicamentos usados por automedicação foram classificados como isentos de prescrição (65,5%).

CONCLUSÕES

A automedicação é prática corrente no Brasil e envolve, principalmente, o uso de medicamentos isentos de prescrição, devendo os usuários ficarem atentos aos seus possíveis riscos.

Automedicação; Uso de Medicamentos; Fatores Socioeconômicos; Farmacoepidemiologia; Inquéritos Epidemiológicos

INTRODUÇÃO

Medicamentos são importantes bens sociais. Sua utilização pela população brasileira é alta44. Carvalho MF, Oascin ARP, Souza-Junior PRB, Damacena GN Szwarcwald CL. Utilization of medicines by the Brazilian population, 2003. Cad Saude Publica. 2005;21(suppl 1):S100-8. DOI:10.1590/S0102-311X2005000700011
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e influenciada por vários fatores. Dentre estes, o aumento da expectativa de vida da população e o consequente aumento da carga de doença crônica, o surgimento de novas e velhas doenças transmissíveis, o aumento da prevalência dos transtornos de humor, as doenças resultantes da degradação do meio ambiente, da poluição ambiental e das mudanças climáticas, e os crescentes investimentos financeiros por parte do governo brasileiro para garantir o acesso universal aos serviços de saúde1717. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Saúde nas Américas: edição de 2012: panorama regional e perfis de países. Washington (DC): Organização Pan-Americana da Saúde; 2012. (Publicação científica e técnica, nº 636)..

Apesar dos avanços, persistem dificuldades de acesso, demora e baixa qualidade do atendimento nos serviços de saúde, tanto do setor público quanto do privado. Soma-se a esses aspectos, a veiculação de propagandas de medicamentos isentos de prescrição na mídia, a presença da farmacinha caseira nos domicílios e a crença de que os medicamentos resolvem tudo, constituindo fatores importantes para a prática da automedicação1616. Naves JOS, Castro LLC, Carvalho CMS, Merchán-Hamann E. Automedicação: uma abordagem qualitativa de suas motivações. Cienc Saude Coletiva. 2010;15(supl 1):1751-62. DOI:10.1590/S1413-81232010000700087
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.

A Organização Mundial da SaúdeaaWorld Health Organization. The role of the pharmacist in self-care and self-medication. Report of the 4th WHO Consultive Group on the role of the pharmacist. The Hague: World Health Organization; 1998. (1998) define automedicação como a seleção e o uso de medicamentos sem prescrição ou supervisão de um médico ou dentista. A automedicação é um fenômeno mundial e sua prevalência difere em função da população estudada, do método e do período recordatório utilizado: na Alemanha99. Knopf H, Grams D. [Medication of adults in Germany, results of the German health interview and examination survey for adults (DEGS1)]. Bundesgesundheitsblatt Gesundheitsforschung gesundheitsschutz. 2013;56(5-6):868-77. German. DOI:10.1007/s00103-013-1667-8.
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, a prevalência de uso de medicamentos por automedicação foi de 27,7%; em Portugal1414. Mendes Z, Martins AP, Miranda AC, Soares MA, Ferreira AP, Nogueira A. Prevalência da automedicação na população urbana portuguesa. Rev Bras Cienc Farm. 2004;40(1):21-5. DOI:10.1590/S1516-93322004000100005
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, foi de 26,2%; na Espanha77. Figueiras A, Caamano F, Gestal-Otero JJ. Socio-demographic factors related to self-medication in Spain. Eur J Epidemiol. 2000;16(1):19-26. DOI:10.1023/A:1007608702063
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, 12,7%; em Cuba88. García Milián AJ, Alonso Carbonell L, López Puig P, Yera Alós I, Ruiz Salvador AK, Blanco Hernández N. Consumo de medicamentos referidos por la población adulta de Cuba, año 2007. Rev Cubana Med Gen Integral. 2009;25(4):5-16., 7,3%; em Atenas-Grécia22. Athanasopoulos C, Pitychoutis PM, Messari I, Lionis C, Papadopoulos-Daifoti Z. Is drug utilization in Greece sex dependent? A population-based sudy. Basic Clin Pharmacol Toxicol. 2013;112(1):55-62. DOI:10.1111/j.1742-7843.2012.00920.x
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, 23,4%; na região da Catalunha-Espanha2020. Sans S, Paluzie G, Puig T, Balañá L, Balaguer-Vintró I. Prevalencia del consumo de medicamentos en la población adulta de Cataluña. Gac Sanit. 2002;16(2):121-30., 34,0% entre os homens e 25,0% entre as mulheres; e em Puducherry-Índia2222. Selvaraj K, Kumar SG, Ramalingam A. Prevalence of self-medication practices and its associated factors in Urban Puducherry, India. Perspect Clin Res. 2014;5(1):32-6. DOI:10.4103/2229-3485.124569
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, foi igual a 11,9%.

No Brasil, poucos estudos de base populacional traçaram o padrão de consumo de medicamentos da população brasileira como um todo55. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). A saúde na opinião dos brasileiros: um estudo prospectivo. Brasília (DF): Conass, 2003.,66. Eticha T, Mesfin K. Self-medication practices in Mekelle, Ethiopia. PloS One. 2014;9(5):e97464. DOI:10.1371/journal.pone.0097464
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. No estudo de Carvalho et al.44. Carvalho MF, Oascin ARP, Souza-Junior PRB, Damacena GN Szwarcwald CL. Utilization of medicines by the Brazilian population, 2003. Cad Saude Publica. 2005;21(suppl 1):S100-8. DOI:10.1590/S0102-311X2005000700011
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(2005), a prevalência geral de utilização de medicamentos pela população maior de 18 anos, nos 15 dias anteriores a entrevista, foi de 49,0% e a automedicação, de 24,6%. Outros estudos enfocam as populações de municípios brasileiros. Entre os moradores de São Paulo, SP, com idade acima de 40 anos2121. Schmid B, Bernal R, Silva NN. Automedicação em adultos de baixa renda no município de São Paulo. Rev Saude Publica. 2010;44(6):1039-45. DOI:10.1590/S0034-89102010000600008
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, a prevalência da automedicação variou entre 27,0% e 32,0%; já no estudo de Bambuí, MG, com pessoas de idade maior ou igual a 18 anos1212. Loyola Filho AL, Uchoa E, Guerra HL, Firmo JOA, Lima-Costa MF. Prevalência e fatores associados à automedicação: resultados do projeto Bambuí. Rev Saude Publica. 2002;36(1):55-62. DOI:10.1590/S0034-89102002000100009
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, a prevalência de consumo exclusivo de medicamentos não prescritos foi de 28,8%. Em Santa Maria, RS, 76,1% das pessoas entrevistadas afirmaram ter se automedicado pelo menos uma vez2424. Vilarino JF, Soares IC, Silveira CM, Rödel APP, Bortoli R, Leos RR. Perfil da automedicação em município do Sul do Brasil. Rev Saude Publica. 1998;32(1):43-9. DOI:10.1590/S0034-89101998000100006
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.

Nesse contexto, considerando os poucos estudos publicados com representatividade nacional, a Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM), desenvolvida pelo Ministério da Saúde, possibilita avaliar a situação da automedicação no País como temática relevante, dado os riscos inerentes à sua prática (intoxicações medicamentosas e reações adversas) e o possível aumento dos gastos em saúde1313. Martinez JE, Pereira GAF, Ribeiro LGM, Nunes R, Ilias D, Navarro LGM. Estudo da automedicação para dor musculoesquelética entre estudantes dos cursos de enfermagem e medicina da Pontifícia Universidade Católica - São Paulo. Rev Bras Reumatol. 2014;54(2):90-4. DOI:10.1016/j.rbr.2014.03.002
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,1818. Paula TC, Bochner R, Montilla DER. Análise clínica e epidemiológica das internações hospitalares de idosos decorrentes de intoxicações e efeitos adversos de medicamentos, Brasil, de 2004 a 2008. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(4):828-44. DOI:10.1590/S1415-790X2012000400014
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,1919. Rueda-Sanchez M. Cefalea por uso excesivo de analgésicos en Bucaramanga, Colombia: prevalencia y factores asociados. Acta Neurol Colomb. 2013;29(1):20-6..

Portanto, o presente trabalho teve por objetivo analisar a prevalência e os fatores associados à utilização de medicamentos por automedicação no Brasil.

MÉTODOS

Neste estudo transversal de base populacional, foram utilizados dados da PNAUM. O inquérito foi realizado no Brasil, de setembro de 2013 a fevereiro de 2014, por meio de sorteio de amostras probabilísticas em oito domínios demográficos segundo faixa etária e sexo, de pessoas residentes em áreas urbanas de cada região brasileira, incluindo as capitais, com amostragem por conglomerados em três estágios. No primeiro, foram sorteados os municípios (n = 60 por região); no segundo, os setores censitários (dois em cada município); e no terceiro, os domicílios. No total, foram entrevistadas 41.433 pessoas. Mais informações sobre o plano de amostragem e o tamanho da amostra estão descritas no artigo metodológico da PNAUM1515. Mengue SS, Bertoldi AD, Boing AC, NUL Tavares, Silva Dal Pizzol T da, Oliveira MA, et al. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM): métodos do inquérito domiciliar. Rev Saude Publica. 2016;50(supl 2):4s. DOI:10.1590/S1518-8787.2016050006156
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.

O questionário estruturado foi elaborado pela equipe de pesquisadores da PNAUM e testado previamente. As entrevistas foram realizadas nos domicílios selecionados por pesquisadores treinados, que utilizaram equipamento eletrônico (tablet) para coleta dos dados.

Informações relativas às pessoas com idade inferior a 15 anos e pessoas incapacitadas foram dadas por seus responsáveis (proxies). Para este subgrupo populacional, o questionário foi modificado, excluindo alguns blocos de perguntas que necessitavam do julgamento do entrevistado (ver artigo metodológico1515. Mengue SS, Bertoldi AD, Boing AC, NUL Tavares, Silva Dal Pizzol T da, Oliveira MA, et al. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM): métodos do inquérito domiciliar. Rev Saude Publica. 2016;50(supl 2):4s. DOI:10.1590/S1518-8787.2016050006156
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).

O estudo tem a utilização de medicamentos por automedicação como desfecho. A informação sobre o consumo de medicamentos foi obtida de três formas: a primeira, por meio de perguntas diretas sobre o uso de medicamentos com indicação médica para tratar doenças crônicas de alta prevalência (hipertensão; diabetes; doenças do coração; colesterol alto; acidente vascular cerebral; doença pulmonar crônica; artrite, artrose ou reumatismo; depressão) e outras doenças com mais de seis meses de duração, no momento da entrevista. A segunda, por meio de pergunta sobre o uso de medicamentos eventuais para tratar doenças agudas (infecção; medicamento para dormir ou para os nervos; problemas no estômago ou intestino; febre; dor; gripe; resfriado ou rinite alérgica; para náusea e vômito ou outro problema agudo), nos 15 dias anteriores à entrevista. A terceira perguntava sobre o uso de contraceptivos (orais e injetáveis), no momento da entrevista. Na segunda e terceira, foi perguntado quem indicava o medicamento (médico ou dentista; enfermeiro; farmacêutico; outro profissional da saúde; por conta própria; parente, amigo ou vizinho; esposo(a) ou companheiro(a); parceiro ou namorado; balconista de farmácia; outro). Dessa forma, todas as pessoas que afirmaram consumir pelo menos um medicamento sem prescrição médica ou de dentista, nos 15 dias anteriores à entrevista, incluindo contraceptivos, foram classificadas como praticantes da automedicação.

Os entrevistadores solicitaram a todos os entrevistados que lhes apresentassem os medicamentos de uso contínuo ou utilizados nos últimos 15 dias, no momento da entrevista. Os medicamentos foram classificados de acordo com o Anatomical Therapeutical Chemical Classification System, classificação ATC (nível 1, órgãos ou sistemas; nível 2, grupo terapêutico; nível 5, fármaco)2525. WHO Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology. Guidelines for ATC classification and DDD assignment 2014. 17 ed. Oslo: WHO Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology; 2013. e, conforme sua categoria legal, em medicamento isento de prescrição (MIP)bbMinistério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 138, de 29 de maio de 2003. Dispõe sobre o enquadramento na categoria de venda de medicamentos. Diario Oficial Uniao. 6 jan 2004., de venda sob prescrição médica e medicamento controladoccMinistério da Saúde. Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 344, de 12 de maio de 1998. Aprova o regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Diario Oficial Uniao. 1 fev 1999..

As variáveis exploratórias foram as seguintes: características sociodemográficas, descritores da condição de saúde, do acesso e da utilização de serviços de saúde. As variáveis sociodemográficas foram: sexo; idade em anos completos; cor da pele (branca, negra, amarela, parda, indígena); região do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul, Sudeste); escolaridade em anos completos (0-8 anos, 9-11, 12 ou mais anos de estudo); classificação econômica (A/B, C, D/E), segundo o Critério Classificação Econômica Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (CCEB 2013/ABEP – http://www.abep.org). Os descritores da condição de saúde foram: número de doença crônica referida pelo indivíduo (nenhuma; uma; duas ou mais). O descritor de acesso aos serviços de saúde foi: cobertura de plano de saúde (sim; não). O descritor de utilização de serviços de saúde foi: internação hospitalar nos 12 meses anteriores à entrevista (sim; não). No estudo, obteve-se a distribuição da prevalência da automedicação nas cinco regiões do País, segundo os aspectos sociodemográficos.

Realizou-se análise descritiva exploratória de todas as variáveis envolvidas no estudo e apresentação das frequências relativas e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Utilizou-se modelo de regressão de Poisson para estimar razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas e IC95%. Essas análises foram realizadas no programa estatístico Stata versão 12, utilizando o conjunto de comandos svy apropriado para a análise de amostras complexas e garantindo a necessária ponderação, considerando-se o desenho amostral. Variáveis com p < 0,20 foram incluídas no modelo múltiplo e adotou-se nível de significância de 5% para permanência das variáveis no modelo, com seleção backward das variáveis. A significância estatística das razões de prevalências obtidas nos modelos de regressão de Poisson foi avaliada pelo teste de Wald.

O presente trabalho foi conduzido conforme as recomendações da Declaração de Helsinque e legislação brasileira de ética em pesquisa e aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Parecer 398.131, de 16/9/2013).

RESULTADOS

Das 41.433 pessoas entrevistadas, foram excluídas 600 por ausência de informação sobre quem indicou o medicamento em uso.

A prevalência de automedicação na população brasileira foi de 16,1% (IC95% 15,0–17,5); maior no sexo feminino, na faixa etária entre 20-39 anos, entre os indivíduos que declararam ser de raça indígena e amarela, com nível de escolaridade igual ou maior que 12 anos de estudos, moradores da região Nordeste, entre os que tinham uma e duas ou mais doenças crônicas e os que foram hospitalizados uma ou mais vezes no último ano (Tabela 1).

Tabela 1
Prevalência da utilização de ao menos um medicamento por automedicação, segundo os aspectos demográficos, socioeconômicos, indicadores das condições de saúde e Indicadores de acesso aos serviços de saúde. PNAUM, Brasil, 2014. (N = 40.833)

Com relação à distribuição da prevalência da automedicação, segundo aspectos sociodemográficos, pelas cinco regiões do Brasil (Tabela 2), mulheres e pessoas que se encontravam na faixa etária de 20 a 39 anos tiveram maior consumo de medicamentos por automedicação em todas as regiões do País, em relação aos homens. Em ambas as situações, a maior prevalência ocorreu no Nordeste e no Centro-Oeste. Em todas as regiões, a prevalência aumentou gradativamente da faixa etária de 0-9 anos até 20-39 anos e depois diminuiu. A prevalência também aumentou com a escolaridade e o melhor nível socioeconômico, com exceção da região Norte.

Tabela 2
Prevalência da utilização de pelo menos um medicamento por automedicação, segundo aspectos demográficos e socioeconômicos por região geográfica. PNAUM, Brasil, 2014a. (N = 40.833)

Na análise multivariável (Tabela 3), o consumo de medicamentos por automedicação apresentou associação positiva para sexo feminino (RP 1,33; IC95% 1,21–1,47), as faixas etárias de 10 a 19 anos (RP 2,03; IC95% 1,66–2,47), 20 a 39 anos (RP 3,46; IC95% 2,94–4,08), 40 a 59 anos (RP 2,68; IC95% 2,26–3,17) e 60 ou mais anos (RP 1,95; IC95% 1,63–2,34), residir na região Norte (RP 1,76; IC95% 1,44–2,16), Nordeste (RP 2,33; IC95% 2,00–2,72) e Centro-Oeste (RP 1,74; IC95% 1,49–2,04), e ter uma (RP 1,17; IC95% 1,06–1,29) e duas ou mais doenças crônicas (RP 1,33; IC95% 1,18–1,50).

Tabela 3
Razão de prevalência bruta e ajustada da utilização de pelo menos um medicamento por automedicação, segundo aspectos demográficos, socioeconômicos, indicadores das condições de saúde e indicadores de acesso aos serviços de saúde. PNAUM, Brasil, 2014. (N = 40.833)

Os entrevistados referiram uso de 57.424 medicamentos, dos quais 8.545 (17,0%) caracterizavam-se por automedicação. Para 3.258 medicamentos, não foi possível caracterizar a indicação, sendo considerados perdas.

Os medicamentos mais consumidos de acordo com o primeiro nível da classificação ATC foram os utilizados para sistema nervoso central (34,3%), seguido dos produtos utilizados para o aparelho músculo-esquelético, trato alimentar e metabolismo, sistema respiratório, sistema geniturinário e hormônios sexuais, anti-infecciosos para uso sistêmico e outros. Quanto à distribuição dos medicamentos por grupo terapêutico da classificação ATC (segundo nível), os mais frequentes foram: os analgésicos (33,4%; IC95% 31,4–35,4), seguidos dos relaxantes musculares e anti-inflamatórios ou antirreumáticos, perfazendo 58,9% dos medicamentos consumidos (Tabela 4).

Tabela 4
Distribuição dos medicamentos utilizados na automedicação, segundo a classificação ATC (2º nível). PNAUM, Brasil, 2014. (N = 8.545)

Os fármacos mais consumidos por automedicação (Tabela 5) foram: dipirona, associação em dose fixa cafeína-orfenadrina-dipirona e paracetamol. No geral, a maioria dos medicamentos foram classificados como isentos de prescrição (65,5%), seguidos dos de venda sob prescrição médica (24,4%) e os de controle especial (0,5%) (Tabela 5). Entre os 12 fármacos mais utilizados na prática da automedicação, 48,5% eram medicamentos isentos de prescrição.

Tabela 5
Distribuição dos 12 fármacos mais utilizados por automedicação, segundo a classificação ATC (5º nível) e categoria legal. PNAUM, Brasil, 2014a. (N = 8.545)

DISCUSSÃO

A prevalência da automedicação no Brasil foi menor do que a encontrada por Carvalho et al.44. Carvalho MF, Oascin ARP, Souza-Junior PRB, Damacena GN Szwarcwald CL. Utilization of medicines by the Brazilian population, 2003. Cad Saude Publica. 2005;21(suppl 1):S100-8. DOI:10.1590/S0102-311X2005000700011
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(2005), em estudo realizado no Brasil, e por Knopf e Grams99. Knopf H, Grams D. [Medication of adults in Germany, results of the German health interview and examination survey for adults (DEGS1)]. Bundesgesundheitsblatt Gesundheitsforschung gesundheitsschutz. 2013;56(5-6):868-77. German. DOI:10.1007/s00103-013-1667-8.
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(2013), na Alemanha. Entretanto, foi maior do que a encontrada no Sri Lanka2626. Wijesinghe PR, Jayakody RL, Seneviratne RA. Prevalence and predictors of self-medication in a selected urban and rural district of Sri Lanka. WHO South-East Asia Journal of Public Health. 2012;1(1):28-41., em Cuba88. García Milián AJ, Alonso Carbonell L, López Puig P, Yera Alós I, Ruiz Salvador AK, Blanco Hernández N. Consumo de medicamentos referidos por la población adulta de Cuba, año 2007. Rev Cubana Med Gen Integral. 2009;25(4):5-16. e na Espanha77. Figueiras A, Caamano F, Gestal-Otero JJ. Socio-demographic factors related to self-medication in Spain. Eur J Epidemiol. 2000;16(1):19-26. DOI:10.1023/A:1007608702063
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. Apresentou variações entre as cinco regiões do Brasil – as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte apresentaram prevalências maiores que a prevalência nacional.

Atualmente, o Brasil passa por muitas transformações na área da saúde, que possui investimentos financeiros e de infraestrutura para aumentar a oferta de serviços de saúde, principalmente na área da atenção primária, com a Estratégia Saúde da Família, e na área da assistência farmacêutica para garantir o acesso gratuito e uso racional dos medicamentos pelos profissionais e comunidade em geral1717. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Saúde nas Américas: edição de 2012: panorama regional e perfis de países. Washington (DC): Organização Pan-Americana da Saúde; 2012. (Publicação científica e técnica, nº 636).,2323. Vieira FS, Zucchi P. Financiamento da assistência farmacêutica no sistema único de saúde. Saude Soc. 2013;22(1):73-84. DOI:10.1590/S0104-12902013000100008
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. Essas transformações ocorrem de forma diferente entre as regiões, mas, mesmo com as desigualdades regionais expostas, o maior acesso aos serviços médicos pode estar promovendo menor automedicação. Pode-se também considerar que a automedicação esteja dentro de uma faixa de magnitude considerada aceitávelaaWorld Health Organization. The role of the pharmacist in self-care and self-medication. Report of the 4th WHO Consultive Group on the role of the pharmacist. The Hague: World Health Organization; 1998., pois, conforme constatou-se no presente trabalho, o uso de medicamentos por automedicação limita-se a tratar doenças agudas autolimitadas, como problemas no estômago ou intestino, febre, dor, gripe, resfriado ou rinite alérgica, náusea e vômito, entre outros, e na maioria das vezes com produtos isentos de prescrição (65,5%). Esse resultado está de acordo com o estudo de Arrais et al.11. Arrais PSD, Coelho HLL, Batista MCDS, Carvalho ML, Righi RE, Arnau JM. Perfil da automedicação no Brasil. Rev Saude Publica. 1997;31(1):71-7. DOI:10.1590/S0034-89101997000100010
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(1997), realizado no Brasil, no qual os sintomas dolorosos foram responsáveis por 24,3% dos motivos que levaram as pessoas a praticarem a automedicação e os quadros viróticos ou infecciosos (infecção respiratória alta e diarreia), por 21,0%. No estudo realizado por Vilarino et al.2424. Vilarino JF, Soares IC, Silveira CM, Rödel APP, Bortoli R, Leos RR. Perfil da automedicação em município do Sul do Brasil. Rev Saude Publica. 1998;32(1):43-9. DOI:10.1590/S0034-89101998000100006
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, a cefaleia foi a principal queixa para a prática da automedicação, seguida por sintomas respiratórios e digestivos. No estudo de Carrera-Lasfuentes et al.33. Carrera-Lasfuentes P, Aguilar-Palacio I, Roldán EC, Fumanal SM, Hernandez MJR. Consumo de medicamentos en población adulta: influencia del autoconsumo. Aten Primaria. 2013;45(10):528-35. DOI:10.1016/j.aprim.2013.05.006
https://doi.org/10.1016/j.aprim.2013.05....
, a dor foi a situação mais relacionada.

A classificação econômica não apresentou associação significante com a prática da automedicação. Isso pode ser explicado pelo fato de os medicamentos mais consumidos serem de baixo custo, de fácil acesso e de prescrição frequente44. Carvalho MF, Oascin ARP, Souza-Junior PRB, Damacena GN Szwarcwald CL. Utilization of medicines by the Brazilian population, 2003. Cad Saude Publica. 2005;21(suppl 1):S100-8. DOI:10.1590/S0102-311X2005000700011
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200500...
,55. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). A saúde na opinião dos brasileiros: um estudo prospectivo. Brasília (DF): Conass, 2003., inclusive aqueles disponíveis tanto pelo Sistema Único de Saúde, de forma gratuita, como subsidiado na Farmácia Popular (como ocorre com a dipirona, o paracetamol e o ibuprofeno).

A constatação de que a automedicação é praticada pelas pessoas do sexo feminino também foi encontrada em outras publicações22. Athanasopoulos C, Pitychoutis PM, Messari I, Lionis C, Papadopoulos-Daifoti Z. Is drug utilization in Greece sex dependent? A population-based sudy. Basic Clin Pharmacol Toxicol. 2013;112(1):55-62. DOI:10.1111/j.1742-7843.2012.00920.x
https://doi.org/10.1111/j.1742-7843.2012...
,44. Carvalho MF, Oascin ARP, Souza-Junior PRB, Damacena GN Szwarcwald CL. Utilization of medicines by the Brazilian population, 2003. Cad Saude Publica. 2005;21(suppl 1):S100-8. DOI:10.1590/S0102-311X2005000700011
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200500...
,99. Knopf H, Grams D. [Medication of adults in Germany, results of the German health interview and examination survey for adults (DEGS1)]. Bundesgesundheitsblatt Gesundheitsforschung gesundheitsschutz. 2013;56(5-6):868-77. German. DOI:10.1007/s00103-013-1667-8.
https://doi.org/10.1007/s00103-013-1667-...
, apesar de estudos nacionais1111. López JJ, Dennis R, Moscoso SM. Estudio sobre la automedicación en una localidad de Bogotá. Rev Salud Publica. 2009;11(3):432-42. DOI:10.1590/S0124-00642009000300012
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e internacionais33. Carrera-Lasfuentes P, Aguilar-Palacio I, Roldán EC, Fumanal SM, Hernandez MJR. Consumo de medicamentos en población adulta: influencia del autoconsumo. Aten Primaria. 2013;45(10):528-35. DOI:10.1016/j.aprim.2013.05.006
https://doi.org/10.1016/j.aprim.2013.05....
,88. García Milián AJ, Alonso Carbonell L, López Puig P, Yera Alós I, Ruiz Salvador AK, Blanco Hernández N. Consumo de medicamentos referidos por la población adulta de Cuba, año 2007. Rev Cubana Med Gen Integral. 2009;25(4):5-16.,1414. Mendes Z, Martins AP, Miranda AC, Soares MA, Ferreira AP, Nogueira A. Prevalência da automedicação na população urbana portuguesa. Rev Bras Cienc Farm. 2004;40(1):21-5. DOI:10.1590/S1516-93322004000100005
https://doi.org/10.1590/S1516-9332200400...
,2222. Selvaraj K, Kumar SG, Ramalingam A. Prevalence of self-medication practices and its associated factors in Urban Puducherry, India. Perspect Clin Res. 2014;5(1):32-6. DOI:10.4103/2229-3485.124569
https://doi.org/10.4103/2229-3485.124569...
,2626. Wijesinghe PR, Jayakody RL, Seneviratne RA. Prevalence and predictors of self-medication in a selected urban and rural district of Sri Lanka. WHO South-East Asia Journal of Public Health. 2012;1(1):28-41. indicarem que a automedicação é maior entre os homens. O fato de as mulheres sofrerem mais com dores de cabeça, dores musculares e condições dolorosas crônicas, como a enxaqueca, e utilizarem desde muito cedo analgésicos e relaxantes musculares para o alívio da dor durante a menstruação ou dismenorreia22. Athanasopoulos C, Pitychoutis PM, Messari I, Lionis C, Papadopoulos-Daifoti Z. Is drug utilization in Greece sex dependent? A population-based sudy. Basic Clin Pharmacol Toxicol. 2013;112(1):55-62. DOI:10.1111/j.1742-7843.2012.00920.x
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,1919. Rueda-Sanchez M. Cefalea por uso excesivo de analgésicos en Bucaramanga, Colombia: prevalencia y factores asociados. Acta Neurol Colomb. 2013;29(1):20-6. pode ter influenciado nos resultados do presente trabalho.

A automedicação também esteve associada com as diversas faixas etárias do estudo, com maior destaque para os de idade entre 20 e 39 anos. De maneira geral, esse resultado pode ser atribuído ao tipo de problema de saúde que envolve doenças agudas autolimitadas, comuns a todas as idades, e ao tipo de medicamento consumido, sendo os analgésicos o principal grupo terapêutico utilizado na prática da automedicação,44. Carvalho MF, Oascin ARP, Souza-Junior PRB, Damacena GN Szwarcwald CL. Utilization of medicines by the Brazilian population, 2003. Cad Saude Publica. 2005;21(suppl 1):S100-8. DOI:10.1590/S0102-311X2005000700011
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,66. Eticha T, Mesfin K. Self-medication practices in Mekelle, Ethiopia. PloS One. 2014;9(5):e97464. DOI:10.1371/journal.pone.0097464
https://doi.org/10.1371/journal.pone.009...
,88. García Milián AJ, Alonso Carbonell L, López Puig P, Yera Alós I, Ruiz Salvador AK, Blanco Hernández N. Consumo de medicamentos referidos por la población adulta de Cuba, año 2007. Rev Cubana Med Gen Integral. 2009;25(4):5-16.,99. Knopf H, Grams D. [Medication of adults in Germany, results of the German health interview and examination survey for adults (DEGS1)]. Bundesgesundheitsblatt Gesundheitsforschung gesundheitsschutz. 2013;56(5-6):868-77. German. DOI:10.1007/s00103-013-1667-8.
https://doi.org/10.1007/s00103-013-1667-...
,1111. López JJ, Dennis R, Moscoso SM. Estudio sobre la automedicación en una localidad de Bogotá. Rev Salud Publica. 2009;11(3):432-42. DOI:10.1590/S0124-00642009000300012
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,1414. Mendes Z, Martins AP, Miranda AC, Soares MA, Ferreira AP, Nogueira A. Prevalência da automedicação na população urbana portuguesa. Rev Bras Cienc Farm. 2004;40(1):21-5. DOI:10.1590/S1516-93322004000100005
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,2020. Sans S, Paluzie G, Puig T, Balañá L, Balaguer-Vintró I. Prevalencia del consumo de medicamentos en la población adulta de Cataluña. Gac Sanit. 2002;16(2):121-30.

21. Schmid B, Bernal R, Silva NN. Automedicação em adultos de baixa renda no município de São Paulo. Rev Saude Publica. 2010;44(6):1039-45. DOI:10.1590/S0034-89102010000600008
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-2222. Selvaraj K, Kumar SG, Ramalingam A. Prevalence of self-medication practices and its associated factors in Urban Puducherry, India. Perspect Clin Res. 2014;5(1):32-6. DOI:10.4103/2229-3485.124569
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,2424. Vilarino JF, Soares IC, Silveira CM, Rödel APP, Bortoli R, Leos RR. Perfil da automedicação em município do Sul do Brasil. Rev Saude Publica. 1998;32(1):43-9. DOI:10.1590/S0034-89101998000100006
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independentemente da população alvo investigada e do tempo recordatório.

Este fato também poderia explicar a associação positiva da prática da automedicação com as várias regiões do País e entre pessoas com doenças ou condições crônicas, já que, de maneira geral, os analgésicos/antipiréticos aparecem como o segundo medicamento mais utilizado no Brasil e nas cinco regiões do País, perdendo apenas para os anti-hipertensivos55. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). A saúde na opinião dos brasileiros: um estudo prospectivo. Brasília (DF): Conass, 2003..

No caso da associação da automedicação com a idade e a presença de doenças crônicas, os resultados do presente trabalho diferem do que foi encontrado em Bambuí, Minas Gerais1212. Loyola Filho AL, Uchoa E, Guerra HL, Firmo JOA, Lima-Costa MF. Prevalência e fatores associados à automedicação: resultados do projeto Bambuí. Rev Saude Publica. 2002;36(1):55-62. DOI:10.1590/S0034-89102002000100009
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, onde foi encontrada associação negativa para a idade e a automedicação não apresentou associação com história de doenças ou condições crônicas selecionadas. O fato pode ser explicado pela diferença de época em que foram realizadas as pesquisas, já que o surgimento de novas e velhas doenças transmissíveis, como dengue, zika e chikungunya, o aumento da prevalência de doenças resultantes da degradação do meio ambiente, da poluição ambiental e das mudanças climáticas1717. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Saúde nas Américas: edição de 2012: panorama regional e perfis de países. Washington (DC): Organização Pan-Americana da Saúde; 2012. (Publicação científica e técnica, nº 636). podem ter intensificado o aparecimento de quadros agudos autolimitados que favorecem a prática da automedicação.

Os fármacos mais consumidos foram a dipirona, a associação em dose fixa de dipirona, orfenadrina e cafeína, e o paracetamol. Dados semelhantes foram encontrados em estudos nacionais11. Arrais PSD, Coelho HLL, Batista MCDS, Carvalho ML, Righi RE, Arnau JM. Perfil da automedicação no Brasil. Rev Saude Publica. 1997;31(1):71-7. DOI:10.1590/S0034-89101997000100010
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,2424. Vilarino JF, Soares IC, Silveira CM, Rödel APP, Bortoli R, Leos RR. Perfil da automedicação em município do Sul do Brasil. Rev Saude Publica. 1998;32(1):43-9. DOI:10.1590/S0034-89101998000100006
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e internacionais88. García Milián AJ, Alonso Carbonell L, López Puig P, Yera Alós I, Ruiz Salvador AK, Blanco Hernández N. Consumo de medicamentos referidos por la población adulta de Cuba, año 2007. Rev Cubana Med Gen Integral. 2009;25(4):5-16.,1111. López JJ, Dennis R, Moscoso SM. Estudio sobre la automedicación en una localidad de Bogotá. Rev Salud Publica. 2009;11(3):432-42. DOI:10.1590/S0124-00642009000300012
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. De maneira geral, esses medicamentos são os mais encontrados nos estoques domiciliares1010. Laste G, Deitos A, Kauffmann C, Castro LC, Torres ILS, Fernandes LC. Papel do agente comunitário de saúde no controle do estoque domiciliar de medicamentos em comunidades atendidas pela estratégia de saúde da família. Cienc Saude Coletiva. 2012;17(5):1305-12. DOI:10.1590/S1413-81232012000500024
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e normalmente empregados para aliviar sinais e sintomas ou incômodos agudos1111. López JJ, Dennis R, Moscoso SM. Estudio sobre la automedicación en una localidad de Bogotá. Rev Salud Publica. 2009;11(3):432-42. DOI:10.1590/S0124-00642009000300012
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,1212. Loyola Filho AL, Uchoa E, Guerra HL, Firmo JOA, Lima-Costa MF. Prevalência e fatores associados à automedicação: resultados do projeto Bambuí. Rev Saude Publica. 2002;36(1):55-62. DOI:10.1590/S0034-89102002000100009
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, menores ou autolimitados.

O elevado uso de analgésicos na prática da automedicação reflete a alta prevalência de dor na população em geral33. Carrera-Lasfuentes P, Aguilar-Palacio I, Roldán EC, Fumanal SM, Hernandez MJR. Consumo de medicamentos en población adulta: influencia del autoconsumo. Aten Primaria. 2013;45(10):528-35. DOI:10.1016/j.aprim.2013.05.006
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, motivada por tensão, situação estressante ou demanda física, prejudicando a qualidade de vida das pessoas. O uso abusivo de analgésicos pode levar à cronificação da cefaleia. Estudo realizado na Colômbia1919. Rueda-Sanchez M. Cefalea por uso excesivo de analgésicos en Bucaramanga, Colombia: prevalencia y factores asociados. Acta Neurol Colomb. 2013;29(1):20-6. mostrou que a prevalência de cefaleia por uso excessivo de analgésicos foi de 4,8%, superior à prevalência em países desenvolvidos. Por outro lado, o mesmo analgésico que alivia a dor é o que trata os quadros febris de doenças virais ou bacterianas ou inflamatórias. Os anti-inflamatórios não esteróides (AINES) também são atrativos por terem ação múltipla: analgésica, antipirética e anti-inflamatória. Outro aspecto que favorece e influencia esse consumo é a propaganda da indústria farmacêutica veiculada na mídia em geral1616. Naves JOS, Castro LLC, Carvalho CMS, Merchán-Hamann E. Automedicação: uma abordagem qualitativa de suas motivações. Cienc Saude Coletiva. 2010;15(supl 1):1751-62. DOI:10.1590/S1413-81232010000700087
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.

Apesar de a grande maioria dos medicamentos consumidos serem isentos de prescrição, não se pode menosprezar as possíveis intoxicações e efeitos adversos que eles podem causar a seus usuários. No caso dos analgésicos e AINES, pode-se citar, entre outros, os distúrbios gastrointestinais, reações alérgicas e efeitos renais1414. Mendes Z, Martins AP, Miranda AC, Soares MA, Ferreira AP, Nogueira A. Prevalência da automedicação na população urbana portuguesa. Rev Bras Cienc Farm. 2004;40(1):21-5. DOI:10.1590/S1516-93322004000100005
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. No estudo de Martinez et al.1313. Martinez JE, Pereira GAF, Ribeiro LGM, Nunes R, Ilias D, Navarro LGM. Estudo da automedicação para dor musculoesquelética entre estudantes dos cursos de enfermagem e medicina da Pontifícia Universidade Católica - São Paulo. Rev Bras Reumatol. 2014;54(2):90-4. DOI:10.1016/j.rbr.2014.03.002
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(2014), os autores evidenciaram que a prática da automedicação, entre os entrevistados, resultou em uma prevalência de efeitos adversos igual a 15,1%; já o estudo de Paula, Bochner e Montilla1818. Paula TC, Bochner R, Montilla DER. Análise clínica e epidemiológica das internações hospitalares de idosos decorrentes de intoxicações e efeitos adversos de medicamentos, Brasil, de 2004 a 2008. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(4):828-44. DOI:10.1590/S1415-790X2012000400014
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(2012), que avalia as internações de idosos por intoxicação e efeito adverso a medicamentos no Brasil, os analgésicos, antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos relacionaram-se a 37,0% das internações por autointoxicação, ocuparam a quarta posição nas internações de acordo com essas situações e foram os mais relacionados aos casos de traumatismo.

Neste estudo, não foi analisado o local de aquisição dos medicamentos utilizados na prática da automedicação, mas é provável que a grande maioria tenha sua origem nas compras realizadas nas farmácias ou drogarias ou na utilização das sobras de tratamento ou reservas encontradas nas farmácias caseiras, como atesta Laste et al.1010. Laste G, Deitos A, Kauffmann C, Castro LC, Torres ILS, Fernandes LC. Papel do agente comunitário de saúde no controle do estoque domiciliar de medicamentos em comunidades atendidas pela estratégia de saúde da família. Cienc Saude Coletiva. 2012;17(5):1305-12. DOI:10.1590/S1413-81232012000500024
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(2012).

Outras limitações do estudo estão relacionadas com os diferentes períodos recordatórios utilizados para investigar o uso de medicamentos e a possibilidade de viés de memória. Isso ocorre sobretudo no caso do uso de medicamentos eventuais nos 15 dias que antecederam a entrevista e também nas informações dadas pelos responsáveis pelos menores de 15 anos ou pelos que apresentaram algum distúrbio cognitivo ou incapacidade para responder as perguntas. A época de realização do estudo também pode ter subestimado o uso de alguns medicamentos, como os utilizados para tratar problemas respiratórios, de uso comum durante o inverno, principalmente no sul do País.

Em conclusão, a população brasileira é adepta da prática da automedicação, havendo algumas diferenças regionais. Essa prática aparece influenciada pelo sexo feminino, por residir nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte, e pela presença de doenças ou condições crônicas. A maioria dos medicamentos consumidos são isentos de prescrição, mas não são isentos de risco, o que merece maior atenção por parte dos gestores e profissionais da saúde, pois as possíveis intoxicações e efeitos adversos podem aumentar os gastos com a saúde. Considerando o exposto, a prática da automedicação responsável, incentivada pela Organização Mundial da SaúdeaaWorld Health Organization. The role of the pharmacist in self-care and self-medication. Report of the 4th WHO Consultive Group on the role of the pharmacist. The Hague: World Health Organization; 1998., o maior investimento por parte do governo na área da promoção do uso racional de medicamentos e o emprego de suas estratégias na formação dos futuros profissionais de saúde devem ser aspectos a serem dado continuidade ou colocados em prática pelo Ministério da Saúde no Brasil.

Agradecimentos

Aos Departamentos de Ciência e Tecnologia (Decit) e de Assistência Farmacêutica (DAF) da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde (MS), pelo financiamento e apoio técnico para a realização da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos e, em especial, à equipe que trabalhou na coleta de dados, aqui representada pela Profa. Dra. Alexandra Crispim Boing, e à equipe de suporte estatístico do projeto nos nomes de Amanda Ramalho Silva, Andréia Turmina Fontanella e Luciano S. P. Guimarães.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2015
  • Aceito
    25 Fev 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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