Resumos
A baixa oferta de médicos em áreas remotas e desfavorecidas é um obstáculo ao acesso universal e à garantia da qualidade do cuidado em saúde. Por meio do Programa Mais Médicos (PMM), até o ano de 2015, 18 mil profissionais foram incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) para atuação na atenção básica, sendo 79% cubanos. Este artigo analisou a integralidade das práticas dos médicos cubanos no PMM por meio de estudo qualitativo realizado no Município do Rio de Janeiro, Brasil, com base em entrevistas com médicos cubanos (24) e grupo focal com supervisoras do PMM (4). A integralidade foi analisada em duas dimensões: abordagem biopsicossocial do cuidado, com orientação comunitária; e elenco de ações de promoção, prevenção e assistência. A atuação dos médicos cubanos apresenta elementos condizentes à integralidade das práticas na atenção primária, com prestação de um leque amplo de ações e serviços, coerente com a complexidade dos problemas de saúde e pluralidade dos cenários. Os profissionais possuem marcada capacidade de inserção comunitária, enfoque preventivo, planejamento de ações e bom relacionamento interpessoal na equipe, identificando-se posturas e técnicas de acolhimento, vínculo e responsabilização. Desafios foram sinalizados quanto à promoção de práticas participativas com as coletividades, à ampliação da autonomia de usuários nas decisões clínicas, ao manejo de problemas de ordem psíquica, à sistematização de ferramentas de abordagem e à realização de procedimentos invasivos. Apontam-se fortes indícios de que o PMM, além do acesso às consultas médicas, oferta cuidados integrais em saúde e contribui para o fortalecimento da atenção básica no país.
Palavras-chave:
Integralidade em Saúde; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Atenção Primária à Saúde; Recursos Humanos
La baja oferta de médicos en áreas remotas y desfavorecidas es un obstáculo para el acceso universal y garantía de la calidad del cuidado en salud. Mediante el Programa Más Médicos (PMM), hasta el año de 2015, 18 mil profesionales se incorporaron al Sistema Único de Salud (SUS) para su actuación en la atención básica, siendo un 79% cubanos. Este artículo analizó la integralidad de las prácticas de los médicos cubanos en el PMM mediante el estudio cualitativo, realizado en el municipio de Río de Janeiro, Brasil, en base a entrevistas con médicos cubanos (24) y grupo focal con supervisoras del PMM (4). La integralidad se analizó en dos dimensiones: enfoque biopsicosocial del cuidado, con orientación comunitaria; y un elenco de acciones de promoción, prevención y asistencia. La actuación de los médicos cubanos presenta elementos coincidentes con la integralidad de las prácticas en atención primaria, con prestación de un abanico amplio de acciones y servicios, coherente con la complejidad de los problemas de salud y pluralidad de los escenarios. Los profesionales poseen una marcada capacidad de inserción comunitaria, enfoque preventivo, planificación de acciones y buena relación interpersonal en el equipo, identificándose posturas y técnicas de acogida, vínculo y responsabilización. Se señalaron desafíos respecto a la promoción de prácticas participativas con las colectividades, ampliación de la autonomía de usuarios en las decisiones clínicas, gestión de problemas de orden psíquico, sistematización de herramientas de enfoque y realización de procedimientos invasivos. Se apuntan fuertes indicios de que el PMM, además del acceso a consultas médicas, oferta cuidados integrales en salud y contribuye al fortalecimiento de la atención básica en el país.
Palavras-clave:
Integralidad en Salud; Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud; Atención Primaria de Salud; Recursos Humanos
Introdução
A insuficiência de trabalhadores é um dos nós críticos para o acesso universal à saúde 11. Campbell J. The route to effective coverage is through the health worker: there are no shortcuts. Lancet 2013; 381:725.. Fatores como a transição demográfica e epidemiológica e a implementação de novos modelos assistenciais interferem na necessidade de profissionais, e as regiões menos desenvolvidas e periféricas são, em geral, as mais desfavorecidas no que se refere à disponibilidade e qualidade da força de trabalho em saúde 22. Dal Poz MR. A crise da força de trabalho em saúde. Cad Saúde Pública 2013; 29:1924-26..
Com efeito, além de representar um problema para a equidade, a concentração da força de trabalho resulta em ineficiência para os sistemas de saúde 33. Araújo E, Maeda A. How to recruit and retain health workers in rural and remote areas in developing countries: a guidance note. Washington DC: World Bank; 2013. (Health, Nutrition and Population Discussion Paper).. No que concerne à distribuição mundial de médicos, ainda que tenha ocorrido aumento no número total, observa-se um padrão de concentração em grandes capitais e vazios nas áreas rurais 44. Attal-Toubert K, Vanderschelden M. La démographie médicale à l'horizon 2030: de nouvelles projections nationales et régionales détailllées. Dossiers Solidarité Santé 2009; (12):1-66..
Regular a força de trabalho em saúde tem representado um desafio global. O movimento migratório de médicos, segundo Rovere 55. Rovere MR. El Programa Más Médicos: un análisis complementario desde la perspectiva de la salud internacional. Interface (Botucatu, Online) 2015; 19:635-6., costuma seguir uma lógica de decisão “orientada pelo mercado” em oposição a uma lógica “orientada pelas políticas” ou necessidades. Nesse sentido, é necessário reconhecer que os interesses da categoria médica não são dispersos, com movimentos para manter a suboferta, por meio da regulação dos recursos humanos e pressão por sistemas de saúde baseados no exercício liberal da profissão.
O Brasil apresenta problemas similares que antecedem a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), com histórico de políticas e planejamento da força de trabalho em saúde pouco eficazes e submetidos aos interesses privados 66. Carvalho M, Santos NR, Campos GWS. A construção do SUS e o planejamento da força de trabalho em saúde no Brasil: breve trajetória histórica. Saúde Debate 2013; 37:372-87..
A implementação do SUS, com suas diretrizes de universalidade, integralidade e descentralização, exigiu maior oferta de recursos humanos em saúde, em especial na atenção primária à saúde, na qual são identificados importantes desafios para a fixação e a qualificação de médicos para a adequada atuação das equipes de saúde da família (EqSF) 77. Giovanella L, Mendonça MHM. Atenção primária à saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012. p. 494-545.. Ademais, a baixa regulação estatal do mercado de trabalho em saúde, mormente na medicina, que detém forte poder de autorregulação, representa mais um fator que dificulta a atração e fixação de médicos em áreas prioritárias do SUS 88. Rodrigues PHA, Ney MS, Paiva CHA, Souza LMBM. Regulação do trabalho médico no Brasil: impactos na Estratégia Saúde da Família. Physis (Rio J.) 2013; 23:1147-66..
O país apresenta disparidades acentuadas na distribuição de médicos, com concentrações em centros urbanos, em detrimento de regiões menos desenvolvidas 99. Morais I, Alkmin D, Lopes J, Santos M, Leonel M, Santo R, et al. Jornais Folha de São Paulo e Correio Braziliense: o que dizem sobre o Programa Mais Médicos? Rev Esc Enferm USP 2014; 48:107-15.. Em 2013, em contexto de fortes tensões políticas e sociais, foi instituído o Programa Mais Médicos (PMM) 1010. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera a lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2013; 23 out., que encontrou, nesse cenário, uma “janela de oportunidades” para se estabelecer 1111. Couto MP. O Programa Mais Médicos: a formulação de uma nova política pública de saúde no Brasil [Dissertação de Mestrado]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2015.. O PMM foi estruturado a partir de três eixos estratégicos, envolvendo mudanças na formação médica; melhoria na infraestrutura das unidades básicas de saúde (UBS) e provimento emergencial de médicos 1010. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera a lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2013; 23 out..
Decorridos mais de três anos da instituição do PMM, com recrutamento de mais de 18 mil médicos entre 2013 e 2016, verifica-se redução da escassez de médicos na atenção básica, sobretudo em áreas mais vulneráveis 1212. Girardi SN, Stralen ACS, Cella JN, Maas LWD, Carvalho CL, Faria EO. Impacto do Programa Mais Médicos na redução da escassez de médicos em atenção primária à saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2675-84.. O programa se capilarizou por quase todo o território nacional, com peso predominante de médicos cubanos, que, até 2014, representavam 79% dos participantes 1313. Secretaria de Gestão e Educação do Trabalho em Saúde, Ministério da Saúde. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..
A implementação do PMM foi marcada pela forte resistência da corporação médica. A polêmica corporativa sobre a participação de médicos estrangeiros, especialmente os cubanos, envolveu, além de aspectos relacionados ao mercado de trabalho e formação, questionamentos quanto à abrangência e aos escopos das práticas desses profissionais 99. Morais I, Alkmin D, Lopes J, Santos M, Leonel M, Santo R, et al. Jornais Folha de São Paulo e Correio Braziliense: o que dizem sobre o Programa Mais Médicos? Rev Esc Enferm USP 2014; 48:107-15.. Questionava-se a qualidade da formação médica cubana para cumprir com a complexidade das ações exigidas para atuação na atenção básica no SUS.
Este artigo tem por objetivo analisar a integralidade das práticas dos médicos cubanos no contexto do PMM. A integralidade se constituiu como diretriz do SUS 1414. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2009. p. 43-68.. É determinada tanto no nível do trabalho em saúde quanto no âmbito das políticas capazes de intervir nos determinantes do processo saúde-doença-cuidado para garantia de condições satisfatórias de bem-estar 1414. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2009. p. 43-68.. A integralidade das práticas na atenção primária à saúde envolve uma abordagem biopsicossocial no cuidado a indivíduos e famílias, ações sobre o território e escopo ampliado com resolutividade 1414. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2009. p. 43-68.,1515. Almeida PF, Giovanella L, Nunan BA. Atenção integral à saúde - indicadores para avaliação. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2011.,1616. Silva Junior AG, Alves MGM, Costa MGL, Lima RHP. Regionalização, integralidade e produção do cuidado no contexto da Estratégia Saúde da Família: pontos para o debate. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção primária à saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 65-88.. Este estudo busca analisar se, para além da diminuição da escassez e de iniquidades na distribuição de médicos no Brasil, a atuação dos profissionais do PMM corresponde a uma prática integral.
Metodologia
A integralidade das práticas dos médicos cubanos no PMM foi analisada em duas dimensões. A dimensão da abordagem biopsicossocial do cuidado, com orientação comunitária, foi composta por elementos que ampliam os objetivos do cuidado na atençaão primária à saúde para além dos biomédicos, envolvendo aspectos psicológicos e sociais, voltando-se, ainda, para a atuação na comunidade 1414. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2009. p. 43-68.,1515. Almeida PF, Giovanella L, Nunan BA. Atenção integral à saúde - indicadores para avaliação. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2011.. Possui componentes que tratam do olhar sobre o território 1616. Silva Junior AG, Alves MGM, Costa MGL, Lima RHP. Regionalização, integralidade e produção do cuidado no contexto da Estratégia Saúde da Família: pontos para o debate. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção primária à saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 65-88., da centralidade do sujeito e sua autonomia 1414. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2009. p. 43-68.,1616. Silva Junior AG, Alves MGM, Costa MGL, Lima RHP. Regionalização, integralidade e produção do cuidado no contexto da Estratégia Saúde da Família: pontos para o debate. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção primária à saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 65-88.,1717. Silva Junior AG, Mascarenhas MTM. Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: aspectos conceituais e metodológicos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Abrasco/São Paulo: Editora Hucitec; 2004. p. 241-57., da intersetorialidade 1515. Almeida PF, Giovanella L, Nunan BA. Atenção integral à saúde - indicadores para avaliação. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2011., da valorização dos determinantes sociais 1515. Almeida PF, Giovanella L, Nunan BA. Atenção integral à saúde - indicadores para avaliação. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2011. e da participação ativa das coletividades na construção de projetos de saúde 1414. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2009. p. 43-68.,1616. Silva Junior AG, Alves MGM, Costa MGL, Lima RHP. Regionalização, integralidade e produção do cuidado no contexto da Estratégia Saúde da Família: pontos para o debate. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção primária à saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 65-88.,1818. Pinheiro R, Silva Junior AG. Práticas avaliativas e as mediações com a integralidade na saúde: uma proposta para estudos de processos avaliativos na atenção básica. In: Pinheiro R, Silva Junior AG, Mattos RA, organizadores. Atenção básica e integralidade: contribuições para estudos de práticas avaliativas em saúde. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2011. p. 17-41..
A dimensão do elenco de ações de promoção, prevenção e assistência à saúde abrange aspectos do rol de atividades dos médicos que apontam para um cuidado abrangente e resolutivo como: carteira ampla de serviços para promoção, prevenção e assistência 1919. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviço e tecnologia. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Ministério da Saúde; 2002., atenção à demanda espontânea e programada 1414. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2009. p. 43-68.,1515. Almeida PF, Giovanella L, Nunan BA. Atenção integral à saúde - indicadores para avaliação. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2011., integração com outros serviços de saúde, interdisciplinaridade 1616. Silva Junior AG, Alves MGM, Costa MGL, Lima RHP. Regionalização, integralidade e produção do cuidado no contexto da Estratégia Saúde da Família: pontos para o debate. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção primária à saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 65-88.,1919. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviço e tecnologia. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Ministério da Saúde; 2002., planejamento das intervenções 1515. Almeida PF, Giovanella L, Nunan BA. Atenção integral à saúde - indicadores para avaliação. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2011. e utilização de protocolos assistenciais 1414. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2009. p. 43-68.,1616. Silva Junior AG, Alves MGM, Costa MGL, Lima RHP. Regionalização, integralidade e produção do cuidado no contexto da Estratégia Saúde da Família: pontos para o debate. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção primária à saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 65-88.,1717. Silva Junior AG, Mascarenhas MTM. Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: aspectos conceituais e metodológicos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Abrasco/São Paulo: Editora Hucitec; 2004. p. 241-57.. O Quadro 1 apresenta a matriz construída pelos autores, a partir de revisão de literatura 1414. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2009. p. 43-68.,1515. Almeida PF, Giovanella L, Nunan BA. Atenção integral à saúde - indicadores para avaliação. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2011.,1616. Silva Junior AG, Alves MGM, Costa MGL, Lima RHP. Regionalização, integralidade e produção do cuidado no contexto da Estratégia Saúde da Família: pontos para o debate. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção primária à saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 65-88.,1717. Silva Junior AG, Mascarenhas MTM. Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: aspectos conceituais e metodológicos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Abrasco/São Paulo: Editora Hucitec; 2004. p. 241-57.,1818. Pinheiro R, Silva Junior AG. Práticas avaliativas e as mediações com a integralidade na saúde: uma proposta para estudos de processos avaliativos na atenção básica. In: Pinheiro R, Silva Junior AG, Mattos RA, organizadores. Atenção básica e integralidade: contribuições para estudos de práticas avaliativas em saúde. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2011. p. 17-41.,1919. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviço e tecnologia. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Ministério da Saúde; 2002., utilizada para análise da integralidade das práticas com suas dimensões, componentes e categorias.
Foi realizado estudo qualitativo no Município do Rio de Janeiro, que recebeu 165 médicos do PMM, sendo 148 cubanos, no período de outubro de 2013 a setembro de 2015 (Departamento de Informática do SUS. Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde. http://cnes.datasus.gov.br, acessado em 20/Out/2015). Foi eleita a Área de Planejamento territorial (AP 3.1) com o maior número de EqSF e UBS com médicos do PMM. Em junho de 2016, atuavam trinta médicos do PMM em 16 UBS nesse território. A produção dos dados no campo foi realizada a partir de entrevistas com médicos do PMM e grupo focal com as supervisoras do território selecionado, nos meses de junho a agosto de 2016. Foram visitadas 14 UBS, e, entrevistados 24 médicos (M), cujo perfil está descrito na Tabela 1. Houve seis recusas à participação na pesquisa.
As ações dos supervisores do PMM, por meio de acompanhamento técnico-pedagógico, buscam qualificar a prática médica 1010. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera a lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2013; 23 out., influenciando as práticas dos participantes. A perspectiva dos supervisores possibilitou identificar mudanças das práticas ao longo do tempo, para além de produzir contraponto ou conferir validade às percepções dos médicos. Do total de seis supervisoras (S) do território selecionado, quatro participaram do grupo focal. Essa técnica permite extrair diferentes percepções de grupos sociais que sejam atingidos coletivamente por situações específicas, complementar abordagens individuais, triangular olhares e obter mais informações sobre a realidade 2020. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª Ed. São Paulo: Editora Hucitec; 2014..
O roteiro para entrevistas foi formulado com base na matriz de análise (Quadro 1), que também guiou a apresentação dos resultados. O grupo focal contou com moderador e relator e foi guiado por perguntas disparadoras.
Foi realizada análise temática das entrevistas e do grupo focal composta por fases 2020. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª Ed. São Paulo: Editora Hucitec; 2014.: ordenação do material conforme as categorias analíticas; leitura horizontal e exaustiva para categorização empírica; leitura transversal a partir das categorias de análise; esclarecimento da lógica interna do contexto de realização da prática médica, conforme a integralidade.
O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz e da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, sob os pareceres 1.526.773 e 1.558.250.
Resultados
Abordagem biopsicossocial do cuidado, com orientação comunitária
Consideração da dinâmica do espaço territorial
A dinâmica territorial é considerada nas práticas dos médicos cubanos no PMM. Os profissionais identificavam os riscos da população adscrita por meio da rotina de planejamento da equipe, como na análise de indicadores de saúde e na avaliação de prioridades para marcação de consultas e, principalmente, pelo papel de vigilância dos agentes comunitários de saúde (ACS), que portavam informações mais detalhadas da área adscrita. Todavia, poucos médicos (3) lançaram mão de localizar, em um mapa, os riscos ambientais, biológicos e sociais, uma vez que o excesso de condições de risco e sua distribuição uniforme pelo território dificultavam o desenho em um mapa.
Os médicos demonstravam amplo conhecimento sobre o perfil demográfico e epidemiológico da população adscrita. Alguns informavam com precisão o número de famílias e grupos acompanhados, enfatizando o excesso de população. A partir desse excedente, a forte pressão assistencial sobre a equipe era adensada pelo contexto de extrema vulnerabilidade presente no território e pela gravidade das patologias, em função das dificuldades de acesso à atenção médica antes da chegada do PMM (Quadro 2, M17).
Todos os profissionais do PMM (24) identificaram flagrantes desigualdades sociais do território, explicitadas pelas condições de higiene das moradias, pobreza, desemprego e informalidade do trabalho, identificados como determinantes sociais importantes. A violência, muito associada ao tráfico de drogas, foi um ponto sensível nas falas dos médicos.
De modo geral, o perfil epidemiológico reconhecido pelos médicos se relacionava à prevalência das doenças crônicas na população e às condições de vida do território. O índice elevado de doenças sexualmente transmissíveis, sobretudo a sífilis, era associado, junto com a tuberculose, à grande vulnerabilidade social. A alta incidência de tuberculose teve forte destaque nas entrevistas, por ser pouco frequente em Cuba, representando uma novidade o manejo na atenção primária à saúde (Quadro 2, M16).
Todos os entrevistados (24) relataram uma variedade de ações para enfrentamento dos riscos identificados. Agiam caso a caso, por meio de consultas e visitas domiciliares, ou por meio de propostas mais abrangentes para toda a população, principalmente por meio de grupos de educação em saúde, sugerindo uma abordagem sobre os riscos populacionais que fogem do padrão de atuação médica mais assistencial e individual (Quadro 2, M6 e S1). Para todos os tipos de ação, evocaram a articulação com profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), bem como parcerias de líderes comunitários.
Centralidade do sujeito e sua autonomia
Todos referiram utilizar posturas e técnicas para abordar o sujeito como centro do cuidado. A maior parte dos médicos (18) citou a necessidade de compreensão do contexto familiar e social do usuário. Outra ferramenta importante da abordagem centrada na pessoa foi a valorização da escuta. Alguns médicos (8) apontaram a exploração de aspectos subjetivos, como o conhecimento sobre a enfermidade, o modo como as pessoas se percebem doentes, os sentimentos, expectativas e reações aos problemas de saúde.
Pontuaram também as manifestações singulares das doenças em cada pessoa e os dados do exame clínico que levavam a pensar em fatores de ordem pessoal para entender o quadro do paciente (Quadro 2, M4). Houve também respostas (8) de rejeição à medicalização e ao modelo queixa-conduta na prática médica, sinalizando para formas de humanização no atendimento como contraponto. Outras falas (7) ressaltaram o vínculo e o acolhimento (Quadro 2, M12). O vínculo foi apontado na relação de confiança entre médico e paciente e na ligação proporcionada pelo acompanhamento longitudinal, que promovia a assimilação das idiossincrasias e vicissitudes.
Outra estratégia para a abordagem centrada na pessoa foi o cuidado articulado a outros profissionais da EqSF e, principalmente, do NASF. Alguns entrevistados (3) registraram a dificuldade de se debruçar mais amplamente sobre a pessoa em função da sobrecarga de atendimento.
Por sua vez, as supervisoras expressaram ambiguidades sobre a aplicação da abordagem centrada na pessoa. Com base na sua experiência de formação específica no método clínico centrado na pessoa, as supervisoras argumentaram que os médicos cubanos não possuíam formação para a exploração dos passos desse método e que, assim, realizavam-no de forma intuitiva, embora o curso de especialização em Saúde da Família tenha contribuído com bases conceituais. Consideraram que os médicos se preocupavam com o cuidado, traziam um conhecimento amplo sobre os usuários atendidos, buscavam criar vínculo e entender a vivência que o paciente tem da doença (Quadro 2, S2). Argumentaram, contudo, que, na falta de formação específica, haveria dificuldades de manejo do método centrado na pessoa em um tempo curto de consultas numerosas. Duas supervisoras, porém, apontaram que a prática mais intuitiva não prejudicava a centralidade da pessoa na abordagem dos médicos.
Um dos passos que caracteriza a centralidade da pessoa e sua autonomia é a definição da conduta em acordo com o usuário. A grande maioria (22) dos médicos avaliou que sua conduta era cuidadosamente explicada ao paciente, de modo que pudesse compreender a decisão clínica, como forma de participação e ponto de partida para se chegar a um consenso e aumentar a adesão ao tratamento. Contudo, foram identificadas contradições nas falas, com ênfase na necessidade de cumprimento das prescrições e predominância do saber científico como guia do processo terapêutico e diagnóstico (Quadro 2, M3).
Intersetorialidade
Dos médicos que citaram articulação com outros setores (19), todos mencionaram ações com escolas e creches, que, em geral, ocorriam no âmbito do Programa Saúde na Escola (Quadro 2, M1). Alguns mencionaram atividades com igrejas, espaços esportivos, associação de moradores (Quadro 2, M7). O trabalho em conjunto com a assistência social do NASF foi referido por quatro médicos, realizado em casos pontuais (Quadro 2, M16). Seis estabeleceram contato com o Centro de Referência de Assistência Social.
A pressão assistencial foi sinalizada como limitante também nesse aspecto e pontuaram-se dificuldades pela indisponibilidade de equipamentos sociais no território. As supervisoras compreendiam que a intersetorialidade é um desafio para qualquer médico na prática da atenção primária à saúde. Quando ocorriam, as ações eram articuladas principalmente pela gerência das UBS e iniciativas dos ACS (Quadro 2, S3).
Valorização dos determinantes sociais
Os determinantes sociais foram valorizados pelos médicos do PMM. Todos os médicos (24) afirmaram conhecer o Programa Bolsa Família e participavam do acompanhamento de usuários cadastrados. Alguns (3) referiram limitações para ampliar a participação no acompanhamento dos usuários do Bolsa Família, citando o estigma associado ao benefício social e, mais uma vez, a sobrecarga assistencial.
Informaram atuação diferenciada para casos de vulnerabilidade social. A conduta mais referida foi o envolvimento da equipe, do NASF e/ou da assistência social. Uma parcela também realizava visitas domiciliares e consultas mais frequentemente para os casos mais vulneráveis, observado também no grupo focal (Quadro 2, S1).
Outra forma de atuação era manter a equipe disponível para acolher o paciente, tanto em suas demandas imediatas quanto nos aspectos preventivos. Os médicos mencionaram a prioridade para marcação, a coordenação do cuidado mais sistemática, o apoio no papel de vigilância do ACS e o auxílio material (doação de comida, fraldas, produtos de limpeza etc.), em casos de maior vulnerabilidade. Alguns (3) indicaram que, para além da sua própria atuação, era necessário aprimorar os investimentos governamentais (Quadro 2, M5).
No grupo focal, foi enfatizado que os médicos cubanos demonstravam maior sensibilidade para questões de risco social, todavia apresentariam fragilidades na diferenciação de alguns casos de vulnerabilidade social, como, por exemplo, uma conduta mais sistematizada para a violência doméstica.
Participação ativa das coletividades na construção de projetos de saúde
A maioria dos médicos (22) participou da construção do diagnóstico comunitário e considerava as demandas e o apoio das lideranças locais para pensar os problemas e possibilidades do território (Quadro 2, M8). Os médicos trabalhavam em conjunto com líderes formais e informais (Quadro 2, M6). Contudo, o diagnóstico comunitário se baseava no estudo do prontuário eletrônico, com foco maior sobre as doenças (Quadro 2, M14).
Alguns profissionais citaram o seminário anual de prestação de contas (“accountability”), exigido pela gestão municipal, como o momento de realização do diagnóstico comunitário. Além dos conselhos de saúde, presentes em algumas UBS, eram promovidas, periodicamente, reuniões com os usuários para esclarecimentos e prestação de contas. A maioria dos médicos (21) não participava dessas reuniões ou dos conselhos de saúde.
Elenco de ações de promoção, prevenção e assistência
Carteira ampla de serviços para promoção, prevenção e assistência
Entre as práticas de promoção à saúde e prevenção de agravos em âmbito individual, como o aconselhamento sobre hábitos de vida, todos os entrevistados relataram orientar os pacientes sobre alimentação saudável e abandono do tabagismo e indicar ações para a redução de danos em dependentes de álcool e outras drogas, com maiores dificuldades nesses casos (Quadro 3, M20). Os preconceitos e estigmas sociais dificultavam a abordagem e identificação de pessoas que faziam uso abusivo de álcool e, sobretudo, usuários de drogas.
Observou-se variação entre os médicos em relação à realização de procedimentos invasivos: dezoito disseram ter realizado remoção de cerúmen; doze, inserção de dispositivo intrauterino; oito, sutura; e seis, retirada de unha encravada (Quadro 3, M18). Poucos afirmaram não ter capacitação, e os que não realizavam apresentavam diversas justificativas: falta de materiais e espaços adequados; falta de procura pelo serviço na UBS; indisponibilidade de tempo; ou evitavam criar demandas por feridas de confrontos armados. As supervisoras percebiam que a realização de procedimentos invasivos não era realizada por todos os médicos, apesar das exigências da gestão municipal (Quadro 3, S4), em função de capacitação e pressão assistencial.
Atenção à demanda espontânea e programada
Todos os entrevistados (24) referiram atendimento à livre demanda dos usuários. Havia variedade de formas de acolhimento à demanda espontânea, destacando-se o “acesso avançado”, que objetivava oferecer o máximo de vagas para marcação de consultas médicas para o mesmo dia, reduzindo o tempo de agendamento (Quadro 3, M5). Segundo a supervisão, o acolhimento à demanda espontânea foi incorporado, sem que os médicos pudessem se restringir ou recusar a fazê-lo. Reiteraram a prática do “acesso avançado”, sendo uma contribuição trazida pela supervisão e que se tornou oportuna à realidade dos médicos.
Todos os médicos (24) referiram acompanhar grupos prioritários, organizando o seguimento, procurando cumprir os protocolos de cada condição, mas com flexibilidade. Cuidado esse compartilhado com os enfermeiros das EqSF (Quadro 3, M19, M21).
As falas do grupo focal convergiram com as entrevistas, porém, realçaram limitações na abordagem dos casos de saúde mental. As supervisoras expressaram uma desvantagem da formação especializada de determinados profissionais do PMM no manejo de condições psíquicas na atenção primária à saúde, além do idioma ser mais um fator limitante.
Integração com outros serviços de saúde
Metade dos médicos (12) teve contato com profissionais da atenção secundária ou terciária somente por meio das guias de referência. A outra metade se comunicou com especialistas, porém com pouca frequência. Dois sublinharam a importância da estruturação e integração da rede de saúde para o aprimoramento das relações com outros níveis de atenção (Quadro 3, M3). Os entrevistados falaram sobre receios de maior aproximação com médicos da rede de atenção à saúde, devido à forte rejeição da corporação médica ao PMM, marcadamente em seu início (Quadro 3, M21).
Mesmo com a guia de referência, a comunicação interprofissional não foi avaliada positivamente, uma vez que somente sete médicos afirmaram receber a contrarreferência com regularidade. O grupo focal também levantou dificuldades de comunicação direta no sistema municipal de saúde.
Interdisciplinaridade
A integração dos médicos na EqSF foi fortemente enfatizada pelos entrevistados, bem como pelo grupo focal. A maioria dos médicos (18) destacou o preparo e a capacidade técnica dos enfermeiros brasileiros - “são quase médicos”, diziam alguns entrevistados - sendo importantes parceiros para compartilhar o acompanhamento dos usuários em equipes com excesso de população.
Alguns (2) sofreram dificuldades com a rotatividade de enfermeiros. Para uma entrevistada, houve alguns conflitos com a enfermagem no início do PMM, porque não estava habituada à abrangência de ações dessa categoria na atençaõ primária à saúde. O fato de o enfermeiro, no Brasil, realizar consulta foi uma novidade, levando a uma relação mais paritária e de maior diálogo (Quadro 3, M8).
Os médicos realçaram a importância dos ACS e que sua atuação ampliava as possibilidades de cuidado. Houve frequente menção ao NASF em várias passagens das entrevistas, com destaque para o apoio na saúde mental e assistência social (Quadro 3, M17). O grupo focal pontuou que, com poucas exceções, os médicos tinham boa relação com todos os membros da Estratégia Saúde da Família (ESF), articulando-se para o cuidado e discussão de condutas.
Planejamento das intervenções e utilização de protocolos assistenciais
Os médicos afirmaram utilizar os indicadores fornecidos pelo prontuário eletrônico. A maioria (20) elaborava atividades a partir dos problemas encontrados, como busca ativa e campanhas (Quadro 3, M21). Dois médicos reforçaram que o centro do cuidado estava na qualidade do acompanhamento às pessoas. O grupo focal também apontou para a utilização dos indicadores de desempenho presentes no prontuário eletrônico na organização do trabalho da EqSF, mas a partir de uma noção restrita da atenção primária à saúde a programas de saúde, pouco valorizando como dispositivo de discussão do processo de cuidado.
A grande maioria (23) dos médicos afirmou conhecer os manuais da Secretaria Municipal de Saúde para práticas assistenciais e fluxos na atenção primária à saúde. A maioria utilizava os protocolos municipais ou nacionais, realçando a importância de se respeitar as indicações estabelecidas no país. Poucos médicos (5) referiram utilizar também referências estrangeiras, como diretrizes de Cuba, de sociedades médicas americanas ou outras de língua espanhola.
Os entrevistados afirmaram não ter apresentado dificuldades para adaptação aos protocolos brasileiros. “A medicina é a mesma” foi uma expressão muito repetida. As diferenças em relação a Cuba diziam respeito ao cuidado a usuários com tuberculose, que, naquele país, é direcionado aos especialistas, à atenção materno-infantil, mais rigorosa em Cuba, e aos fluxogramas, pouco utilizados na prática cubana (Quadro 3, M23). No grupo focal, havia uma posição diferente em relação à adequada utilização dos protocolos assistenciais e da Medicina Baseada em Evidências por parte dos médicos cubanos. Segundo as supervisoras, alguns profissionais baseavam-se no empirismo, com resistência ao direcionamento das evidências científicas (Quadro 3, S1).
Os resultados sinalizam que as práticas dos médicos cubanos no PMM apresentaram presença integral ou parcial de todos os componentes utilizados para análise da integralidade das práticas. A dimensão do elenco de ações de promoção, prevenção e assistência apresentou-se de forma um pouco mais potente que a dimensão da abordagem biopsicossocial do cuidado, com orientação comunitária, embora potencialidades e fragilidades possam ser percebidas nas duas dimensões. As fragilidades no elenco de ações, contudo, indicam principalmente limitações extrínsecas à atuação dos médicos (por exemplo, a violência no território). O Quadro 4 sumariza as principais potencialidades e fragilidades no alcance da integralidade com base na avaliação dos médicos entrevistados e perspectiva da supervisão.
Discussão
O PMM suscitou questionamentos quanto ao seu potencial para ofertar atenção à saúde de qualidade à população 22. Dal Poz MR. A crise da força de trabalho em saúde. Cad Saúde Pública 2013; 29:1924-26.. Não obstante, em relação à integralidade, este estudo indicou boas práticas.
A forte integração territorial e inserção comunitária condizem com os achados de outros estudos sobre as práticas no PMM 2121. Comes Y, Trindade J, Pessoa VM, Barreto ICHC, Shimizu HE, Dewes D, et al. A implementação do Programa Mais Médicos e a integralidade nas práticas da Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2727-36.,2222. Pereira LL, Silva HP, Santos LMP. Projeto Mais Médicos para o Brasil: Estudo de caso em comunidades quilombolas. Rev ABPN 2015; 7:28-51.,2323. Pereira LL, Pacheco L. O desafio do Programa Mais Médicos para o provimento e a garantia da atenção integral à saúde em áreas rurais na região amazônica. Interface (Botucatu, Online) 2017; 21:1181-92.. A formação cubana, direcionada à prestação de serviços voltados à comunidade 2424. Keck CW, Reed GA. The curious case of Cuba. Am J Public Health 2012; 102:13-20., pode ser um elemento facilitador. Ressalta-se que atividades de territorialização mais precisas poderiam potencializar a atuação sobre os ambientes de reprodução social dos processos de saúde-adoecimento nas áreas de abrangência das EqSF 77. Giovanella L, Mendonça MHM. Atenção primária à saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012. p. 494-545..
Ainda que de forma pouca sistematizada, pôde-se notar que os seis passos da abordagem centrada na pessoa 2525. Lopes JMC. Consulta e abordagem centrada na pessoa. In: Gusso G, Lopes JMC, organizadores. Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática. Porto Alegre: Editora Artmed; 2012. p. 113-23. estiveram presentes na prática dos médicos do PMM. Outros trabalhos também identificam a presença de elementos da centralidade no sujeito e sua autonomia entre os médicos do PMM 2121. Comes Y, Trindade J, Pessoa VM, Barreto ICHC, Shimizu HE, Dewes D, et al. A implementação do Programa Mais Médicos e a integralidade nas práticas da Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2727-36.,2323. Pereira LL, Pacheco L. O desafio do Programa Mais Médicos para o provimento e a garantia da atenção integral à saúde em áreas rurais na região amazônica. Interface (Botucatu, Online) 2017; 21:1181-92.,2626. Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. Programa Mais Médicos no Município do Rio de Janeiro: mais acesso, equidade e resolutividade na APS. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2016. (Série Estudos de Caso Sobre o Programa Mais Médicos, 2).. As avaliações da supervisão sobre esse ponto pareciam explicitar certa tensão e defesa de uma concepção de medicina de família e comunidade brasileira, com pouca permeabilidade a práticas advindas de outras experiências. Destaca-se que a abordagem e o método clínico centrado na pessoa, no currículo baseado em competências, elaborado pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, são tidos como atributos essenciais em diversos campos da especialidade 2727. Lermen Junior N. Currículo baseado em competências para Medicina de Família e Comunidade. http://www.rededepesquisaaps.org.br/wp-content/uploads/2015/04/Curriculo-Baseado-em-Competencias.pdf (acessado em 23/Out/2017).
http://www.rededepesquisaaps.org.br/wp-c... , o que pode justificar a ênfase na sistematização mais rigorosa do método, a partir do modelo de formação no Brasil.
Os resultados indicam que as ações intersetoriais são facilitadas quando há dispositivos estabelecidos, como o Programa Saúde na Escola ou, com menor expressão, o Centro de Referência de Assistência Social. Contudo, problemas reconhecidos nas comunidades parecem ter pouco ou nenhum enfrentamento por meio de articulação apenas no nível local. Giovanella et al. 2828. Giovanella L, Mendonça MHM, Almeida PF, Escorel S, Senna MCM, Fausto MCR, et al. Saúde da família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14:783-94. revelam que faltam políticas intersetoriais na gestão, e que ações do executivo municipal, quando ocorrem, fortalecem as atividades comunitárias das EqSF nos territórios.
Outros estudos também apontam que os profissionais do PMM valorizam os determinantes sociais em suas práticas 2222. Pereira LL, Silva HP, Santos LMP. Projeto Mais Médicos para o Brasil: Estudo de caso em comunidades quilombolas. Rev ABPN 2015; 7:28-51.,2626. Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. Programa Mais Médicos no Município do Rio de Janeiro: mais acesso, equidade e resolutividade na APS. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2016. (Série Estudos de Caso Sobre o Programa Mais Médicos, 2).. Esse aspecto se relaciona com a integralidade na medida em que demonstra capacidade de atuação ampliada para além dos cuidados clínicos e sugere uma atenção com foco sobre as fontes da reprodução social das doenças 1717. Silva Junior AG, Mascarenhas MTM. Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: aspectos conceituais e metodológicos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Abrasco/São Paulo: Editora Hucitec; 2004. p. 241-57..
Observa-se capacidade para identificar lideranças e estabelecer importantes parcerias na comunidade, mas baixa participação em conselhos locais de saúde pelos médicos do PMM. No Brasil, outros autores também sinalizam dificuldades entre os trabalhadores de saúde no sentido de mobilizar e incentivar a população, para juntos promoverem intervenções. Ademais, destacam a necessidade de promover a qualidade da representação e expandir impactos das instâncias de controle social em saúde nas decisões políticas 1919. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviço e tecnologia. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Ministério da Saúde; 2002.,2929. Escorel S, Moreira MR. Participação social. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012. p. 853-84..
A dimensão do elenco de ações de promoção, prevenção e assistência foi mais plenamente alcançada pelos médicos nas categorias investigadas. Girardi et al. 3030. Girardi SN, Carvalho CL, Pierantoni CR, Costa JO, Stralen ACS, Lauar TV, et al. Avaliação do escopo de prática de médicos participantes do Programa Mais Médicos e fatores associados. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2737-46. encontraram resultados semelhantes, com escopo de ações diversificado, porém, apontando para limitações como falta de capacitação, pouca procura dos usuários e, mais destacadamente, inadequação da estrutura das UBS.
A dificuldade de lidar com usuários de álcool e drogas pode ser discutida a partir das peculiaridades do território. Estudo de caso da Organização Mundial da Saúde/Organização Pan-Americana da Saúde 2626. Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. Programa Mais Médicos no Município do Rio de Janeiro: mais acesso, equidade e resolutividade na APS. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2016. (Série Estudos de Caso Sobre o Programa Mais Médicos, 2). no Município do Rio de Janeiro encontrou achados semelhantes quanto aos desafios de lidar com problemas ligados às drogas e ao alcoolismo, que não eram familiares aos médicos do PMM.
Médicos e supervisoras avaliam que, mesmo em territórios com graves problemas sociais e epidemiológicos, as EqSF cobrem uma quantidade excessiva de usuários. O excesso de população prejudica a capacidade das equipes para desenvolvimento de práticas integrais. Santos 3131. Santos AM. Posição da Estratégia Saúde da Família na coordenação do cuidado no município sede de Região de Saúde - o caso de Vitória da Conquista. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção primária à saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 205-37. demonstra que UBS que concentram grande demanda apresentam vinculação precária, não logram relação de longitudinalidade e o acesso de primeiro contato oportuno, podendo simplificar a ESF a um ambulatório de queixa-conduta, com cuidados centrados na doença.
Verifica-se acolhimento à demanda espontânea e programada a partir de estratégias para sua absorção, condizentes com outros estudos 2121. Comes Y, Trindade J, Pessoa VM, Barreto ICHC, Shimizu HE, Dewes D, et al. A implementação do Programa Mais Médicos e a integralidade nas práticas da Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2727-36.,2323. Pereira LL, Pacheco L. O desafio do Programa Mais Médicos para o provimento e a garantia da atenção integral à saúde em áreas rurais na região amazônica. Interface (Botucatu, Online) 2017; 21:1181-92.,2626. Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. Programa Mais Médicos no Município do Rio de Janeiro: mais acesso, equidade e resolutividade na APS. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2016. (Série Estudos de Caso Sobre o Programa Mais Médicos, 2).. A realização de acompanhamento de diversos grupos populacionais é outro aspecto positivo da prática dos médicos do PMM.
As dificuldades de acompanhamento de casos de saúde mental refletem a inadequada capacitação para lidar com esses problemas, semelhante aos médicos brasileiros, que costumam apresentar resistências em abordar casos de saúde mental no contexto da ESF 3232. Lima ED. Imaginário social sobre a loucura: cultura e práticas de cuidado em saúde mental. Curitiba: Appris; 2016.. O quadro de violência e precariedade das condições de vida em grandes metrópoles, como no contexto de estudo, não apenas suscita a incidência de problemas mentais como os complexifica 2626. Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. Programa Mais Médicos no Município do Rio de Janeiro: mais acesso, equidade e resolutividade na APS. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2016. (Série Estudos de Caso Sobre o Programa Mais Médicos, 2)..
A insuficiente coordenação do cuidado, problema frequente no SUS 33, também se apresentou como uma fragilidade. Conforme Almeida et al. 3333. Almeida PF, Santos AM, Oliveira SS, Heringer A, Martins Júnior DF. Posição da Estratégia Saúde da Família na coordenação do cuidado no município sede de Região de Saúde - o caso de Feira de Santana. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção Primária à Saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 147-73., a guia de referência é um instrumento pobre para o diálogo entre especialista e generalista e sujeita os usuários a serem porta-vozes das informações, além de colocá-los no trânsito das disputas de reconhecimento profissional entre especialistas e médicos da atenção básica, o que foi aqui também evidenciado em relação ao PMM.
O estudo mostrou respostas predominantemente favoráveis na relação dos médicos com a enfermagem, os ACS e o NASF, em consonância com outros estudos sobre as práticas no PMM 2121. Comes Y, Trindade J, Pessoa VM, Barreto ICHC, Shimizu HE, Dewes D, et al. A implementação do Programa Mais Médicos e a integralidade nas práticas da Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2727-36.,2222. Pereira LL, Silva HP, Santos LMP. Projeto Mais Médicos para o Brasil: Estudo de caso em comunidades quilombolas. Rev ABPN 2015; 7:28-51.,2626. Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. Programa Mais Médicos no Município do Rio de Janeiro: mais acesso, equidade e resolutividade na APS. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2016. (Série Estudos de Caso Sobre o Programa Mais Médicos, 2).. Diferenças culturais, sobretudo no que tange à linguagem e aos papéis dos profissionais nas equipes de saúde, mostraram-se pouco expressivas e foram atenuadas ao longo do tempo, compatíveis com os achados de Comes et al. 2121. Comes Y, Trindade J, Pessoa VM, Barreto ICHC, Shimizu HE, Dewes D, et al. A implementação do Programa Mais Médicos e a integralidade nas práticas da Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2727-36.. O NASF foi intensamente explorado, com relações regulares e frequentes para recursos de apoio matricial e pedagógico, principalmente para saúde mental e assistência social. Estudos apontam que a procura dos médicos da atençaõ primária à sáude pelas equipes de NASF não é usual, vigorando a prática de encaminhamentos, sendo o matriciamento utilizado, geralmente, entre os enfermeiros e ACS 3232. Lima ED. Imaginário social sobre a loucura: cultura e práticas de cuidado em saúde mental. Curitiba: Appris; 2016..
Os médicos do PMM realizam análise de indicadores de saúde da população e desenvolvem as atividades planejadas. Essa forma de atuação também foi encontrada em outros estudos 2121. Comes Y, Trindade J, Pessoa VM, Barreto ICHC, Shimizu HE, Dewes D, et al. A implementação do Programa Mais Médicos e a integralidade nas práticas da Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2727-36.,2323. Pereira LL, Pacheco L. O desafio do Programa Mais Médicos para o provimento e a garantia da atenção integral à saúde em áreas rurais na região amazônica. Interface (Botucatu, Online) 2017; 21:1181-92.,2626. Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. Programa Mais Médicos no Município do Rio de Janeiro: mais acesso, equidade e resolutividade na APS. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2016. (Série Estudos de Caso Sobre o Programa Mais Médicos, 2).. O enfoque preventivo, estabelecido como princípio do Sistema Nacional de Saúde em Cuba, sobretudo na atenção primária à saúde, onde a prática é sistematizada por meio de mecanismos de planejamento de ações 2323. Pereira LL, Pacheco L. O desafio do Programa Mais Médicos para o provimento e a garantia da atenção integral à saúde em áreas rurais na região amazônica. Interface (Botucatu, Online) 2017; 21:1181-92., pode ser uma prática que favorece os médicos do PMM.
No uso de protocolos assistenciais, elementos da conduta profissional e da relação médico-paciente relacionados à qualidade da atenção 1717. Silva Junior AG, Mascarenhas MTM. Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: aspectos conceituais e metodológicos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Abrasco/São Paulo: Editora Hucitec; 2004. p. 241-57. estiveram presentes, como a competência técnica, ações clínicas associadas à abordagem social (notadamente nas visitas domiciliares), a valorização do exame clínico e o uso racional de meios diagnósticos.
Em síntese, pode-se afirmar que a atuação dos médicos cubanos no PMM apresenta elementos condizentes à integralidade das práticas, conforme concepção adotada neste trabalho, com prestação de um leque amplo de ações e serviços, coerente com a complexidade dos problemas de saúde e pluralidade dos cenários. Os profissionais possuem marcada capacidade de inserção comunitária, enfoque preventivo, planejamento de ações e bom relacionamento interpessoal, identificando-se posturas e técnicas de acolhimento, vínculo, responsabilização e qualidade de atenção.
Desafios foram sinalizados quanto à promoção de práticas participativas com as coletividades, à ampliação da autonomia das pessoas nas decisões clínicas, ao manejo mais potente de problemas de ordem psíquica, à sistematização de ferramentas de abordagem (centrada na pessoa e a casos vulneráveis, por exemplo) e à capacitação para procedimentos invasivos na atenção básica. Os processos de aprendizagem estabelecidos no Programa são possibilidades para a melhoria e superação desses obstáculos.
Os resultados deste estudo sinalizam que há fortes indícios que o PMM tem ido além do aumento do acesso a consultas 1313. Secretaria de Gestão e Educação do Trabalho em Saúde, Ministério da Saúde. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015., procedimentos e diminuição das iniquidades na distribuição de médicos 1212. Girardi SN, Stralen ACS, Cella JN, Maas LWD, Carvalho CL, Faria EO. Impacto do Programa Mais Médicos na redução da escassez de médicos em atenção primária à saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2675-84.. A prática dos médicos cubanos no PMM no caso estudado possibilitou a oferta de cuidados integrais em saúde, contribuindo para o fortalecimento de uma concepção abrangente de atenção primária à saúde e do SUS.
Agradecimentos
Agradecemos aos médicos e supervisores do Programa Mais Médicos e ao apoio da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
Referências
- 1Campbell J. The route to effective coverage is through the health worker: there are no shortcuts. Lancet 2013; 381:725.
- 2Dal Poz MR. A crise da força de trabalho em saúde. Cad Saúde Pública 2013; 29:1924-26.
- 3Araújo E, Maeda A. How to recruit and retain health workers in rural and remote areas in developing countries: a guidance note. Washington DC: World Bank; 2013. (Health, Nutrition and Population Discussion Paper).
- 4Attal-Toubert K, Vanderschelden M. La démographie médicale à l'horizon 2030: de nouvelles projections nationales et régionales détailllées. Dossiers Solidarité Santé 2009; (12):1-66.
- 5Rovere MR. El Programa Más Médicos: un análisis complementario desde la perspectiva de la salud internacional. Interface (Botucatu, Online) 2015; 19:635-6.
- 6Carvalho M, Santos NR, Campos GWS. A construção do SUS e o planejamento da força de trabalho em saúde no Brasil: breve trajetória histórica. Saúde Debate 2013; 37:372-87.
- 7Giovanella L, Mendonça MHM. Atenção primária à saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012. p. 494-545.
- 8Rodrigues PHA, Ney MS, Paiva CHA, Souza LMBM. Regulação do trabalho médico no Brasil: impactos na Estratégia Saúde da Família. Physis (Rio J.) 2013; 23:1147-66.
- 9Morais I, Alkmin D, Lopes J, Santos M, Leonel M, Santo R, et al. Jornais Folha de São Paulo e Correio Braziliense: o que dizem sobre o Programa Mais Médicos? Rev Esc Enferm USP 2014; 48:107-15.
- 10Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera a lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2013; 23 out.
- 11Couto MP. O Programa Mais Médicos: a formulação de uma nova política pública de saúde no Brasil [Dissertação de Mestrado]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2015.
- 12Girardi SN, Stralen ACS, Cella JN, Maas LWD, Carvalho CL, Faria EO. Impacto do Programa Mais Médicos na redução da escassez de médicos em atenção primária à saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2675-84.
- 13Secretaria de Gestão e Educação do Trabalho em Saúde, Ministério da Saúde. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.
- 14Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2009. p. 43-68.
- 15Almeida PF, Giovanella L, Nunan BA. Atenção integral à saúde - indicadores para avaliação. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2011.
- 16Silva Junior AG, Alves MGM, Costa MGL, Lima RHP. Regionalização, integralidade e produção do cuidado no contexto da Estratégia Saúde da Família: pontos para o debate. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção primária à saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 65-88.
- 17Silva Junior AG, Mascarenhas MTM. Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: aspectos conceituais e metodológicos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Abrasco/São Paulo: Editora Hucitec; 2004. p. 241-57.
- 18Pinheiro R, Silva Junior AG. Práticas avaliativas e as mediações com a integralidade na saúde: uma proposta para estudos de processos avaliativos na atenção básica. In: Pinheiro R, Silva Junior AG, Mattos RA, organizadores. Atenção básica e integralidade: contribuições para estudos de práticas avaliativas em saúde. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Pública, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2011. p. 17-41.
- 19Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviço e tecnologia. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Ministério da Saúde; 2002.
- 20Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª Ed. São Paulo: Editora Hucitec; 2014.
- 21Comes Y, Trindade J, Pessoa VM, Barreto ICHC, Shimizu HE, Dewes D, et al. A implementação do Programa Mais Médicos e a integralidade nas práticas da Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2727-36.
- 22Pereira LL, Silva HP, Santos LMP. Projeto Mais Médicos para o Brasil: Estudo de caso em comunidades quilombolas. Rev ABPN 2015; 7:28-51.
- 23Pereira LL, Pacheco L. O desafio do Programa Mais Médicos para o provimento e a garantia da atenção integral à saúde em áreas rurais na região amazônica. Interface (Botucatu, Online) 2017; 21:1181-92.
- 24Keck CW, Reed GA. The curious case of Cuba. Am J Public Health 2012; 102:13-20.
- 25Lopes JMC. Consulta e abordagem centrada na pessoa. In: Gusso G, Lopes JMC, organizadores. Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática. Porto Alegre: Editora Artmed; 2012. p. 113-23.
- 26Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. Programa Mais Médicos no Município do Rio de Janeiro: mais acesso, equidade e resolutividade na APS. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2016. (Série Estudos de Caso Sobre o Programa Mais Médicos, 2).
- 27Lermen Junior N. Currículo baseado em competências para Medicina de Família e Comunidade. http://www.rededepesquisaaps.org.br/wp-content/uploads/2015/04/Curriculo-Baseado-em-Competencias.pdf (acessado em 23/Out/2017).
» http://www.rededepesquisaaps.org.br/wp-content/uploads/2015/04/Curriculo-Baseado-em-Competencias.pdf - 28Giovanella L, Mendonça MHM, Almeida PF, Escorel S, Senna MCM, Fausto MCR, et al. Saúde da família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14:783-94.
- 29Escorel S, Moreira MR. Participação social. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012. p. 853-84.
- 30Girardi SN, Carvalho CL, Pierantoni CR, Costa JO, Stralen ACS, Lauar TV, et al. Avaliação do escopo de prática de médicos participantes do Programa Mais Médicos e fatores associados. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:2737-46.
- 31Santos AM. Posição da Estratégia Saúde da Família na coordenação do cuidado no município sede de Região de Saúde - o caso de Vitória da Conquista. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção primária à saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 205-37.
- 32Lima ED. Imaginário social sobre a loucura: cultura e práticas de cuidado em saúde mental. Curitiba: Appris; 2016.
- 33Almeida PF, Santos AM, Oliveira SS, Heringer A, Martins Júnior DF. Posição da Estratégia Saúde da Família na coordenação do cuidado no município sede de Região de Saúde - o caso de Feira de Santana. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção Primária à Saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 147-73.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
06 Set 2018
Histórico
- Recebido
15 Jun 2017 - Revisado
15 Nov 2017 - Aceito
26 Dez 2017