Desigualdades socioeconômicas no local da morte: evidência para a Europa com base nos dados do SHARE11Este trabalho foi financiado por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), I.P., Project UIDB/05037/2020.

Óscar Lourenço Silvia Portugal Rita Almeida Sobre os autores

Resumo

O local de morte é considerado como um indicador de qualidade do fim de vida e pode ter consequências para a organização dos cuidados recebidos na última etapa da vida. Vários são os fatores que podem influenciar no local da morte de um indivíduo, dentre eles destacamos os fatores socioeconômicos. O objetivo da investigação é explorar a existência de desigualdades relacionadas com o local de morte para a população europeia com mais de 50 anos. Os dados para esta análise são provenientes do Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (SHARE). A variável de outcome é o local da morte, agregada em casa vs outro local; e para medir o estrato socioeconômico (ESS) dos indivíduos usamos as variáveis: rendimento individual equivalente; nível de educação; e existência de herança no momento da morte. O modelo estatístico adotado é o modelo logístico, com a apresentação e interpretação do parâmetro Odds-Ratio (OR), ou razões de possibilidades, para a morte em casa vs outros locais. Cerca de 34,3% dos óbitos na Europa ocorreram no domicílio, e os 65,7% restantes ocorreram numa instituição, na sua maioria no hospital. Os dois países em que é mais frequente morrer em casa são a Bulgária (73,5%) e a Romênia (68,9%). No polo oposto, os países onde é menos provável morrer no domicílio são o Chipre (10,9%) e a Finlândia (15,4%). Indivíduos de menores rendimentos apresentam mais chances de morrer em casa em relação aos de maiores rendimentos, e a educação não se revelou uma determinante do local da morte. Concluímos, assim, pela existência de desigualdades socioeconômicas associadas ao rendimento nas chances de falecer no domicílio.

Palavras-chave:
Local da Morte; Desigualdades sociais; Inquérito SHARE; Análise de Dados

Introdução

A morte é uma das poucas certezas da vida, contudo o local onde a morte acontece está sujeito a alguma incerteza. O local da morte não é neutro relativamente ao objetivo de ter “uma boa morte” nem ao bem-estar com que os indivíduos passam os seus últimos dias de vida (Kinoshita et al., 2015KINOSHITA, H. et al. Place of death and the differences in patient quality of death and dying and caregiver burden. Journal of Clinical Oncology , New York, v. 33, n. 4, p. 357-363, 2015. DOI: 10.1200/JCO.2014.55.7355
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). Pode-se morrer em diferentes locais (em casa, no hospital, numa unidade de cuidados paliativos, num lar de acolhimento, etc.) e circunstâncias (acidente, doença prolongada ou súbita, etc.), o que pode, subjetiva ou objetivamente, influenciar na qualidade de vida em sua última etapa. Por um lado, morrer no local de preferência é valorizado pelo doente, pois isso dá-lhe uma sensação de segurança, de controle das circunstâncias da sua morte, preservando assim toda a sua dignidade (Zaman et al., 2021ZAMAN, M. et al. What would it take to die well? A systematic review of systematic reviews on the conditions for a good death. The Lancet Healthy Longevity, Oxford, v. 2, n. 9, p. e593-e600, 2021. DOI: 10.1016/S2666-7568(21)00097-0
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); por outro, o local da morte está fortemente associado à composição e intensidade dos cuidados que o indivíduo recebe, o que influencia na sua qualidade de vida (Mezey et al., 2002MEZEY, M. et al. What impact do setting and transitions have on the quality of life at the end of life and the quality of the dying process? The Gerontologist, Saint Louis, v. 42, n. suppl_3, p. 54-67, 2002. DOI: 10.1093/geront/42.suppl_3.54
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; Tang; Chen, 2012TANG, S. T.; CHEN, C.-H. Place of death and end-of-life care. In: COHEN, J.; DELIENS, L. (Ed.). A public health perspective on end of life care. New York, USA: Oxford University Press, 2012. p. 21-34.). Alguns autores sugerem mesmo que o local em que se morre pode ser visto como um bom indicador do nível de desenvolvimento humano e de saúde pública de uma sociedade (Mpinga et al., 2006MPINGA, E. K. et al. First international symposium on places of death: an agenda for the 21st century. Journal of Palliative Care, Toronto, v. 22, n. 4, p. 293-296, 2006. DOI: 10.1093/geront/42.suppl_3.54
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; Wilson et al., 2009WILSON, D. M. et al. The rapidly changing location of death in Canada, 1994-2004. Social Science & Medicine, Oxford, v. 68, n. 10, p. 1752-1758, 2009. DOI: 10.1016/j.socscimed.2009.03.006
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). Apesar de a grande maioria dos indivíduos expressar uma forte preferência por morrer em casa (Beccaro et al., 2006BECCARO, M. et al. Actual and preferred place of death of cancer patients. Results from the Italian survey of the dying of cancer (ISDOC). Journal of Epidemiology & Community Health, London, v. 60, n. 5, p. 412-416, 2006. DOI: 10.1136/jech.2005.043646
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; López-Valcárcel; Pinilla; Barber, 2020LÓPEZ-VALCÁRCEL, B. G.; PINILLA, J.; BARBER, P. Dying at home for terminal cancer patients: differences by level of education and municipality of residence in Spain. Gaceta Sanitaria, Barcelona, v. 33, n. 6, p. 568-574, 2020. DOI: 10.1016/j.gaceta.2018.06.011
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; Yamout et al., 2021YAMOUT, R. et al. Preferred place of death for patients with terminal illness: a literature review. Progress in Palliative Care, Leeds, v. 30, n. 2, p. 101-110, 2021. DOI: 10.1080/09699260.2021.1961985
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), o local onde a morte realmente ocorre nem sempre corresponde a tal preferência, uma vez que nos países desenvolvidos a grande maioria das mortes ocorre numa instituição, principalmente no hospital (López-Valcárcel; Pinilla; Barber, 2020LÓPEZ-VALCÁRCEL, B. G.; PINILLA, J.; BARBER, P. Dying at home for terminal cancer patients: differences by level of education and municipality of residence in Spain. Gaceta Sanitaria, Barcelona, v. 33, n. 6, p. 568-574, 2020. DOI: 10.1016/j.gaceta.2018.06.011
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; Sallnow et al., 2022SALLNOW, L. et al. Report of the Lancet Commission on the Value of Death: bringing death back into life. The Lancet, London, v. 399, n. 10327, p. 837-884, 2022. DOI: 10.1016/S0140-6736(21)02314-X
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; Tang; Chen, 2012TANG, S. T.; CHEN, C.-H. Place of death and end-of-life care. In: COHEN, J.; DELIENS, L. (Ed.). A public health perspective on end of life care. New York, USA: Oxford University Press, 2012. p. 21-34.). Em geral, a morte em instituições corresponde a mais de 50% dos casos, com uma clara predominância do hospital (Pivodic et al., 2016PIVODIC, L. et al. Place of death in the population dying from diseases indicative of palliative care need: a cross-national population-level study in 14 countries. Journal of Epidemiology and Community Health, London, v. 70, n. 1, p. 17-24, 2016. DOI: 10.1136/jech-2014-205365
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; Sallnow et al., 2022SALLNOW, L. et al. Report of the Lancet Commission on the Value of Death: bringing death back into life. The Lancet, London, v. 399, n. 10327, p. 837-884, 2022. DOI: 10.1016/S0140-6736(21)02314-X
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). São múltiplos os fatores que se podem conjugar para determinar o local onde o indivíduo morre, entre eles o acesso e nível de confiança nos serviços de saúde e de apoio social; o tipo e a duração da doença; fatores contextuais e sociais; e algumas características individuais, tais como idade, gênero, local de residência e, com muita relevância, o estrato socioeconômico (ESS) (Houttekier et al., 2009HOUTTEKIER, D. et al. Determinants of the place of death in the Brussels metropolitan region. Journal of Pain and Symptom Management, Madison, v. 37, n. 6, p. 996-1005, 2009. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2008.05.014
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; Sallnow et al., 2022SALLNOW, L. et al. Report of the Lancet Commission on the Value of Death: bringing death back into life. The Lancet, London, v. 399, n. 10327, p. 837-884, 2022. DOI: 10.1016/S0140-6736(21)02314-X
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; Tang; Chen, 2012TANG, S. T.; CHEN, C.-H. Place of death and end-of-life care. In: COHEN, J.; DELIENS, L. (Ed.). A public health perspective on end of life care. New York, USA: Oxford University Press, 2012. p. 21-34.; Tang; McCorkle, 2001TANG, S. T.; MCCORKLE, R. Determinants of place of death for terminal cancer patients. Cancer investigation, New York, v. 19, n. 2, p. 165-180, 2001. DOI: 10.1081/cnv-100000151
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). A evidência científica existente sobre a associação entre o local da morte e o estrato socioeconômico tem produzido alguns resultados contraditórios. Uma meta-análise mostrou que nos países desenvolvidos os indivíduos que vivem em zonas economicamente mais desfavorecidas apresentam maiores chances de morrer no hospital, bem como que o nível de educação não é uma determinante do local da morte, na comparação casa vs hospital (Davies et al., 2019DAVIES, J. M. et al. Socioeconomic position and use of healthcare in the last year of life: a systematic review and meta-analysis. PLoS Medicine, San Francisco, v. 16, n. 7, p. e1002878, 2019. DOI: 10.1371/journal.pmed.1002878
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; Neergaard et al., 2019NEERGAARD, M. A. et al. What socio-economic factors determine place of death for people with life-limiting illness? A systematic review and appraisal of methodological rigour. Palliative Medicine, London, v. 33, n. 8, p. 900-925, 2019. DOI: 10.1177/0269216319847089
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). Cabañero-Martínez et al. (2019CABAÑERO-MARTÍNEZ, M. J. et al. Place of death and associated factors: a population-based study using death certificate data. European Journal of Public Health, Oxford, v. 29, n. 4, p. 608-615, 2019. DOI: 10.1093/eurpub/cky267
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) mostraram que a probabilidade de a morte ocorrer no hospital (vs casa) era inversamente proporcional ao nível de riqueza da área em que o indivíduo vivia, sendo a morte no hospital mais provável em áreas mais deprimidas economicamente. Um outro estudo sobre o efeito do rendimento e educação no local da morte, desta vez aplicado à população chinesa, obteve resultados em sentido oposto, isto é, baixos níveis de educação e de rendimento aumentaram a probabilidade de morte em casa (Cai; Zhao; Coyte, 2017CAI, J.; ZHAO, H.; COYTE, P. C. Socioeconomic differences and trends in the place of death among elderly people in China. International Journal of Environmental Research and Public Health, Basel, v. 14, n. 10, p. 1210, 2017. DOI: 10.3390/ijerph14101210
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). Por outro lado, Cohen et al. (2010COHEN, J. et al. Which patients with cancer die at home? A study of six European countries using death certificate data. Journal of Clinical Oncology, New York, v. 28, n. 13, p. 2267-2273, 2010. DOI: 10.1200/JCO.2009.23.2850
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) encontraram uma associação positiva entre o nível de educação elevada e a probabilidade de morrer em casa. Em síntese, a grande maioria dos estudos apontam para uma associação entre o local da morte e a posição socioeconômica dos indivíduos, nem sempre no mesmo sentido. Nos países desenvolvidos a morte em casa está fortemente associada a indivíduos provenientes de estratos sociais mais favorecidos.

Os sistemas de morte não são benignos, uma vez que podem replicar, reforçar e perpetuar a discriminação e iniquidades existentes em outros sistemas (Sallnow et al., 2022SALLNOW, L. et al. Report of the Lancet Commission on the Value of Death: bringing death back into life. The Lancet, London, v. 399, n. 10327, p. 837-884, 2022. DOI: 10.1016/S0140-6736(21)02314-X
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). O objetivo deste artigo é avaliar a influência de desigualdades socioeconômicas no local da morte para a população da Europa com 50 anos ou mais que faleceu no horizonte temporal entre 2005 e 2021. Os mecanismos pelos quais a posição socioeconômica pode interferir no local da morte são diversos. Os indivíduos e famílias de ESS mais elevados 1) têm mais possibilidades de planejar o local da morte, pois a comunicação entre os médicos, o doente e a família poderá ser mais eficiente, o que leva a um prognóstico de morte conhecido e aceito mais precocemente; 2) podem ter mais capacidade para navegar no sistema (López-Valcárcel; Pinilla; Barber, 2020LÓPEZ-VALCÁRCEL, B. G.; PINILLA, J.; BARBER, P. Dying at home for terminal cancer patients: differences by level of education and municipality of residence in Spain. Gaceta Sanitaria, Barcelona, v. 33, n. 6, p. 568-574, 2020. DOI: 10.1016/j.gaceta.2018.06.011
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), dando-lhes mais acesso a instituições dos sistemas de saúde e social que apoiam os últimos dias de vida, aumentando, por essa via, a probabilidade de morte numa instituição; 3) têm mais possibilidade de contratar cuidadores profissionais para apoiar toda a necessidade de cuidados (Costa et al., 2016COSTA, V. et al. The determinants of home and nursing home death: a systematic review and meta-analysis. BMC Palliative Care, London, v. 15, p. 8, 2016. DOI: 10.1186/s12904-016-0077-8
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); 4) os que preferem morrer em casa têm possibilidade de adequar a casa às necessidades de fim de vida; 5) têm mais chances de receber cuidados paliativos (Davies et al., 2019DAVIES, J. M. et al. Socioeconomic position and use of healthcare in the last year of life: a systematic review and meta-analysis. PLoS Medicine, San Francisco, v. 16, n. 7, p. e1002878, 2019. DOI: 10.1371/journal.pmed.1002878
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). Os dados para esta análise são provenientes do Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (SHARE), que tem o registro de cerca de 17.000 falecimentos na Europa, desde 2005 até 2021. A variável de outcome é o local da morte, agregada em casa vs outro local. Para medir o ESS dos indivíduos usamos três variáveis, a saber: 1) rendimento individual equivalente; 2) nível de educação; e 3) existência de herança no momento da morte. O modelo estatístico adotado é o modelo logístico, com a apresentação e interpretação do parâmetro OR para a morte em casa vs outros locais. As principais conclusões a extrair deste artigo são: a morte em casa está associada a indivíduos de menores rendimentos e o nível educacional não é determinante do local da morte. A seção seguinte do artigo apresenta o material e métodos, seguindo-se a apresentação detalhada dos resultados imediatamente antes da seção de discussão, que encerra o artigo.

Material e Métodos

Fonte dos Dados

Este estudo utiliza dados extraídos do SHARE, definindo como população-alvo os indivíduos com 50 anos ou mais, que no momento da entrevista tivessem o seu domicílio regular num país abrangido pelo projeto SHARE: 28 países europeus mais Israel (Börsch-Supan, 2022Börsch-Supan, A. Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (SHARE): Wave 9 COVID-19 Survey 2. Release version: 8.0.0. Munich: SHARE-ERIC , 2022. DOI: 10.6103/SHARE.w9ca.800. [S.d.].
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). Existem atualmente oito ondas regulares: a primeira referente ao ano de 2004 e a mais recente refletindo a realidade de 2019/20. Adicionalmente, duas ondas extraordinárias foram recolhidas para obter informação sobre comportamentos diversos durante a pandemia de covid-19. Na sua globalidade, a base de dados SHARE contém informações acerca de mais de 123.000 indivíduos com idades de 50 anos ou mais, nas dimensões demográfica, econômica e social, bem como de estrutura familiar, estado de saúde e utilização de cuidados de saúde dos indivíduos e seus respectivos agregados familiares. Apesar de existirem diferenças entre países, a metodologia de amostragem mais comum é a amostragem aleatória multi-etapas estratificada (Bergmann et al., 2019BERGMANN, M. et al. Survey participation in the Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (SHARE), Wave 1-7. Munich: SHARE-ERIC, 2019. (Share Working Paper Series 41-2019). Disponível em: Disponível em: https://share-eric.eu/fileadmin/user_upload/SHARE_Working_Paper/WP_Series_41_2019_Bergmann_et_al.pdf . Acesso em: 12 jun. 2024.
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). Todos os procedimentos relativos à recolha e disponibilização dos dados aos investigadores (técnicas de amostragem, seleção da amostra, construção dos questionários e adaptação cultural, formação de entrevistadores, realização da entrevista, armazenamento dos dados, análise da coerência dos dados, disponibilização dos dados, etc.) são desenvolvidos por equipes multidisciplinares, profissionais e com elevada experiência, o que atesta a elevada qualidade dos dados no contexto do SHARE.

Neste estudo usamos informações e variáveis de diversas naturezas, obtidas em múltiplas ondas e de múltiplos módulos. Contudo, o módulo de “Entrevistas-de-fim-de-vida” é aquele de onde se retiram mais variáveis, sendo o mais relevante para este artigo. Designado no contexto do SHARE como módulo XT, ele tem como objetivo principal o de caracterizar as experiências de fim de vida dos indivíduos em vários domínios, em especial as circunstâncias da morte, os cuidados recebidos no último ano - quer de saúde quer de outra ordem -, o estado de saúde, nível de fragilidade, a existência de apoio domiciliário, informações sobre heranças, etc. No horizonte temporal de 2005 a 2021, a base de dados contém informação sobre cerca de 17.000 óbitos; contudo, no contexto multivariado, devido à presença de missing values em algumas variáveis importantes, os resultados baseiam-se numa amostra de cerca de 10.000 observações. É, ainda, importante referir que dados do módulo XT revelam que cerca de 72% dos respondentes do questionário são marido/esposa ou filho/filha do falecido e que cerca de 85% deles tinham contato com o falecido ou numa base diária (71%) ou várias vezes por semana (14%).

Variáveis

A variável de outcome neste estudo é o local da morte. Originalmente, e tal como registrada na base de dados, é uma variável nominal com seis categorias, cada uma descrevendo um possível local de morte: casa, hospital, unidade de cuidados continuados, lar de idosos, unidade de cuidados paliativos, outro local. Contudo, e face aos objetivos deste artigo, construímos uma variável binária (morte_casa), que vale 1 se a morte ocorreu no domicílio do indivíduo e 0 caso contrário, ou seja, estamos a contrastar morte em casa vs morte numa instituição. Relativamente às variáveis explicativas para a ocorrência da morte em casa, elas podem ser agrupadas em várias categorias, relacionadas com: (1) fatores individuais (idade, sexo, estrato socioeconômico, local de residência e estado de saúde no ultimo ano); (2) a doença (duração da doença, tipo de doença, nível de dependência que provoca); (3) a existência de apoio e possibilidade de ajuda, incluindo o apoio social, quer formal quer informal (residir com familiares, número de filhos, situação conjugal, apoio familiar alargado, cuidados de saúde domiciliários) (Tang; Chen, 2012TANG, S. T.; CHEN, C.-H. Place of death and end-of-life care. In: COHEN, J.; DELIENS, L. (Ed.). A public health perspective on end of life care. New York, USA: Oxford University Press, 2012. p. 21-34.).

O ESS do indivíduo é medido através da conjugação de três variáveis diferentes: rendimento individual equivalente (rendimento), inexistência de herança e o nível educacional. O módulo XT não recolhe informação sobre rendimento individual. Assim, o rendimento do agregado familiar do indivíduo é obtido na última onda em que o indivíduo participou como respondente e corresponde ao rendimento obtido pelo agregado familiar através de todas as possíveis fontes de rendimento. Conjugando o rendimento com o número de residentes no agregado familiar, construímos o rendimento equivalente individual. É a partir deste rendimento equivalente individual que são construídas as variáveis dummy referentes aos quintis de rendimento. A ausência de herança (sem_herança) é uma variável binária que vale 1 se o indivíduo não deixa qualquer herança e 0 caso contrário. Considera-se que não existe herança quando o indivíduo não possuía, à data do falecimento, nenhum dos seguintes bens e/ou ativos: casa, algum tipo de negócio (incluindo terras ou propriedades), algum outro tipo de bem móvel (carros), algum tipo de ativo (como dinheiro vivo, obrigações ou títulos), joias e/ou antiguidades.

Relativamente ao nível educacional, este foi também foi obtido na última onda em que o indivíduo participou com vida. É medido através de 3 variáveis binárias: a primeira (educação baixa) vale 1 se o indivíduo tem nível de instrução básico ou menos, e 0 em caso contrário; a segunda (educação média) vale 1 se o indivíduo tem nível de instrução secundário (≤12 anos) ou menos, e 0 em caso contrário; e, finalmente, uma terceira variável mede a educação elevada (educação_elevada) e vale 1 se o indivíduo tem nível de instrução universitário, e 0 em caso contrário.

A base de dados SHARE contém ainda informação sobre variáveis que serão usadas como variáveis de controle. Entre os fatores individuais: idade representa a idade do indivíduo na altura da morte; já o gênero do indivíduo é medido através de uma variável binária (masculino) que vale 1 se o indivíduo é do sexo masculino, 0 caso contrário. Para medir o local de residência usámos 3 variáveis binárias: reside em cidade grande, reside cidade média e reside em zona rural.

No que tange aos fatores relacionados com a doença que poderão influenciar o local da morte, a base de dados do SHARE tem as seguintes variáveis: 1) duração da doença, medida a partir de uma variável binária (doença longa duração) que vale 1 se o indivíduo esteve doente durante 1 ano ou mais antes do falecimento, e 0 em caso contrário; 2) doença principal causa de morte, tendo sido identificados três diferentes tipos de doença que são incorporados na análise através de três variáveis binárias: morte por cancro, morte por trombose e morte por ataque coração. Para medir o nível de dependência do indivíduo durante o último ano de vida, usamos uma variável (N_ADLs) para identificar o número de atividades da vida diária para as quais o indivíduo não tinha autonomia, necessitando de ajuda para sua realização. São seis as atividades consideradas: vestir e calçar; caminhar numa sala; tomar ducha; comer; deitar ou levantar; e usar o banheiro.

Quanto às variáveis relacionadas com a existência de apoios e possibilidade de ajuda nas necessidades diárias, incluímos as seguintes variáveis: casado, que é uma variável binária para identificar se o indivíduo era casado(a) à altura do falecimento, o número de filhos vivos à data do falecimento (N_filhos) e o uso de cuidados domiciliários, uma variável binária que indica se o indivíduo teve necessidade e, em caso positivo, se recebeu cuidados domiciliários no último ano de vida. Para além das variáveis anteriormente referidas, incluímos ainda o número de doenças crônicas que o indivíduo declarou ter na última entrevista realizada (N_DC) e, por último, variáveis binárias para controlar para o ano em que a morte ocorreu

A Tabela 1, na seção de resultados, apresenta a lista completa de variáveis, assim como a respectiva média e intervalo de confiança para a média.

Quadro 1
Variáveis de controle

Métodos

Os dados foram analisados com base em métodos estatísticos univariados e multivariados. Para comparar a proporção de mortes em casa com outras variáveis binárias, recorremos aos testes de comparação de proporções para amostras grandes. Para comparar a variável dependente com variáveis independentes categóricas (mais de duas categorias), usamos testes de Qui-Quadrado.

Do ponto de vista da análise multivariada, dada a natureza binária da variável dependente, recorremos à especificação e estimação de modelos de regressão logísticos para estimar a associação entre a probabilidade de o óbito ocorrer em casa e o conjunto de variáveis definidas (Cameron; Trivedi, 2005CAMERON, A. C.; TRIVEDI, P. K. Microeconometrics: methods and applications. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.). Relativamente aos resultados, neste trabalho optamos por recorrer a gráficos para apresentar as razões de possibilidades (OR) e os respectivos intervalos de confiança a 95%. OR é uma medida de associação entre uma variável dependente e uma independente, definida como a razão entre a chance de um evento em um grupo (variável independente) e a chance de ocorrer em outro grupo (variável dependente). No caso do nosso modelo, uma OR superior à unidade significa que as chances de morte em casa para o grupo em análise é superior às chances de morte em casa para o grupo base (o grupo excluído da regressão). No sentido contrário, uma OR inferior à unidade significa que as chances de morte em casa para o grupo em análise é inferior às chances de morte em casa para o grupo base.

Em todas as análises estatísticas o nível de confiança foi estabelecido em 95%, tendo o processo de gestão de dados e de análise estatística sido desenvolvido com recurso ao STATA v16.0.

Resultados

A Tabela 1 apresenta estatísticas descritivas que permitem caracterizar a amostra nas variáveis relevantes para a análise.

Cerca de 54% dos óbitos ocorreram em indivíduos do sexo masculino, e a maioria era casada à data da morte. A idade média observada foi de cerca de 79 anos, e 31% residiam em zonas rurais na Europa. Relativamente às variáveis que refletem o ESS, o rendimento médio foi de €1.912,00, contudo cerca de 69% da população-alvo revelou não deixar qualquer bem ou ativo de herança. Cerca de 12% dos falecidos tinham um nível de educação superior. Os resultados mostram ainda que de 38% receberam cuidados domiciliários durante o último ano de vida e tinham cerca de 2 filhos ainda vivos. O número médio de atividades diárias em que o indivíduo não apresentava autonomia foi de 2,57, e o número médio de doenças crônicas era 2,62. Quanto à causa de morte, 27% dos indivíduos tiveram o cancro como principal causa, e 42% estiveram doentes um ano ou mais. A maior parte dos óbitos ocorreu entre 2015 e 2021.

Relativamente à variável outcome deste estudo, a morte em casa, globalmente cerca de 34,3% [0,336 - 0,349] dos óbitos na Europa ocorreram no domicílio, e os 65,7% restantes ocorreram numa instituição, em sua maioria no hospital. Uma análise por país revela que os dois países em que é mais frequente morrer em casa são a Bulgária (73,5%) e a Romênia (68,9%). No polo oposto, os países onde é menos provável morrer no domicílio são o Chipre (10,9%) e a Finlândia (15,4%). A Figura 1 apresenta a distribuição das mortes em casa por país.

Figura 1
Proporção de óbitos no domicílio por país

A proporção de mortes em casa em função de características demográficas e socioeconômicas é apresentada na Figura 2.

Figura 2
Proporção de mortes em casa, por variáveis sociodemográficas

Os dois primeiros gráficos do painel (rendimento e presença de herança) revelam uma tendência clara: os mais pobres têm uma maior probabilidade de falecer no domicílio. Os testes de hipóteses revelam diferenças estatisticamente significativas (p<0,01) entre a variável morte em casa vs rendimento e morte em casa vs presença de herança. Note-se que os indivíduos na classe dos 20% mais pobres apresentam uma probabilidade de morrer em casa de 0,43 [0,41 - 0,45] enquanto para os 20% mais ricos essa probabilidade diminui para 0,33 [0,32 - 0,35]. Numa tendência semelhante, aqueles que não deixam herança têm uma maior probabilidade de morrer em casa (35%), em comparação com os que a transmitem (34%). A diferença de proporções é pequena, porém é estatisticamente significativa. Relativamente à associação entre níveis de educação e morte em casa, também aqui os dados evidenciam uma associação negativa entre educação e morte em casa, ou seja, menos educação implica uma maior probabilidade de morrer em casa (p-val<0,01). Por análise do gráfico, verifica-se que essa tendência apenas existe para os indivíduos do mais baixo estrato educacional, em comparação com os dois outros níveis de educação.

Os gráficos do painel inferior da Figura 2 revelam que outros fatores parecem influenciar a morte em casa, tais como a idade (associação negativa), o local de residência (maior proporção de óbitos em casa para quem reside em zonas rurais) e o estado civil (os casados apresentam uma maior proporção de mortes em casa face aos não casados).

A Figura 3 apresenta os resultados do modelo logístico multivariado em forma de OR da variável morte em casa, face a outros locais, associada às variáveis incluídas na regressão. Para além das variáveis de controle apresentadas no eixo das ordenadas do gráfico, incluímos, na regressão logística, variáveis para controlar efeitos fixos associados ao ano da morte.

Figura 3
Resultados do modelo logístico: Odds-Ratio para morte em casa

Os resultados do modelo multivariado vêm confirmar os resultados preliminares obtidos nas análises univariadas, apresentadas previamente. Os indivíduos do quintil de rendimento 1 (os mais pobres), quando comparados aos do quintil 5 (os 20% mais ricos), apresentam chances 37% maiores de morrer em casa. De igual forma, os falecidos que não deixam herança apresentam mais 13% de chances de morrer em casa, face aos que deixam alguma herança. Relativamente ao nível de educação, os indivíduos mais frágeis do ponto de vista educacional apresentam mais 15% de chances de morrer em casa face aos que têm um grau escolar universitário, contudo não se pode excluir a possibilidade de este Odd-Ratio ser igual à unidade, uma vez que o intervalo de confiança inclui o valor unitário. Quem reside numa zona rural, os casados, os que receberam cuidados domiciliários, os que tiveram como causa de morte cancro ou trombose, apresentam mais chances de falecer em casa. Por outro lado, variáveis como o gênero, o número de filhos, o número de atividades com limitação, a duração da doença e a idade são fatores que parecem não ser explicativos da morte em casa.

Discussão

O objetivo deste artigo foi investigar a influência de desigualdades socioeconômicas no local da morte da população europeia. Usamos uma base de dados europeia (SHARE) que contém informação acerca de aproximadamente 17.000 óbitos no horizonte temporal de 2005 a 2021. A análise de dados multivariada com recurso a modelos logísticos, que inclui variáveis de controle, revelou que os indivíduos de menores rendimentos apresentam uma maior probabilidade de morrer em casa, quando comparados aos de maiores rendimentos. Uma forma alternativa de apresentar o efeito do rendimento no local da morte é referir que maiores rendimentos estão associados a uma maior probabilidade de morte numa instituição. Apesar de sistemas de saúde de acesso quase universal e com reduzidos custos serem a norma nos países europeus, a entrada em instituições de acolhimento de idosos (lares, cuidados continuados, cuidados paliativos, etc.) geralmente exige custos importantes que podem reduzir o acesso dos mais pobres. O resultado se explicaria, assim, devido à barreira do rendimento no acesso a infraestruturas de acolhimento de idosos. A conclusão deste estudo da relação entre morte em casa e rendimento, porém, não acompanha a grande maioria dos resultados encontrados na literatura, que indicam que maiores níveis de riqueza estão associados à ocorrência de morte em casa (Davies et al., 2019DAVIES, J. M. et al. Socioeconomic position and use of healthcare in the last year of life: a systematic review and meta-analysis. PLoS Medicine, San Francisco, v. 16, n. 7, p. e1002878, 2019. DOI: 10.1371/journal.pmed.1002878
https://doi.org/10.1371/journal.pmed.100...
; Neergaard et al., 2019NEERGAARD, M. A. et al. What socio-economic factors determine place of death for people with life-limiting illness? A systematic review and appraisal of methodological rigour. Palliative Medicine, London, v. 33, n. 8, p. 900-925, 2019. DOI: 10.1177/0269216319847089
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). Identificamos pelo menos duas razões para esta aparente contradição: 1) a grande maioria dos artigos que analisam esta questão usam o rendimento da área de residência do falecido, e não o rendimento individual; 2) os nossos dados refletem uma realidade mais heterogênea, quer nas causas de morte, quer nas culturas e atitudes face à morte, quer em outros fatores contextuais não observados que podem influenciar os resultados. Existe evidência a mostrar que a magnitude e direção do efeito dos fatores socioeconômicos no local da morte apresentam variações importantes entre países europeus (Pivodic et al., 2016PIVODIC, L. et al. Place of death in the population dying from diseases indicative of palliative care need: a cross-national population-level study in 14 countries. Journal of Epidemiology and Community Health, London, v. 70, n. 1, p. 17-24, 2016. DOI: 10.1136/jech-2014-205365
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).

O nível de educação não se revelou um fator relevante para explicar a probabilidade de morte em casa. Essa conclusão está em consonância com os resultados de duas meta-análises publicadas recentemente, em que os autores concluem, igualmente, que o nível educacional dos indivíduos não explica o local da morte (Davies et al., 2019DAVIES, J. M. et al. Socioeconomic position and use of healthcare in the last year of life: a systematic review and meta-analysis. PLoS Medicine, San Francisco, v. 16, n. 7, p. e1002878, 2019. DOI: 10.1371/journal.pmed.1002878
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; Neergaard et al., 2019NEERGAARD, M. A. et al. What socio-economic factors determine place of death for people with life-limiting illness? A systematic review and appraisal of methodological rigour. Palliative Medicine, London, v. 33, n. 8, p. 900-925, 2019. DOI: 10.1177/0269216319847089
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). Tal resultado implica que a possível melhor eficiência comunicacional entre médicos e doentes com melhores níveis de educação não é um mecanismo que permita antecipar o prognóstico de morte e assim planejar o local da morte. Contudo, há que se salvaguardar que a variável que estamos usando para medir educação é o nível educacional do doente, e não do familiar que, no momento do final de vida, pode assistir o doente na tomada de decisão. Também é importante referir que o resultado da nossa análise é válido para todas as causas de morte. Contudo, para o caso de morte por cancro existe evidência de que os mais educados apresentam maiores chances de morrer em casa, face aos menos educados (López-Valcárcel; Pinilla; Barber, 2020LÓPEZ-VALCÁRCEL, B. G.; PINILLA, J.; BARBER, P. Dying at home for terminal cancer patients: differences by level of education and municipality of residence in Spain. Gaceta Sanitaria, Barcelona, v. 33, n. 6, p. 568-574, 2020. DOI: 10.1016/j.gaceta.2018.06.011
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), o que mostra claramente que aqui, de fato, a eficiência comunicacional e aceitação do prognóstico pode desempenhar um papel importante no planejamento o local da morte.

Os nossos resultados mostram ainda que a morte em casa é, na Europa, um fenômeno predominantemente rural, e a morte em instituições um fenômeno tendencialmente urbano. Nas zonas rurais existem fortes redes informais de entreajuda, constituídas por familiares e amigos, que apoiam o processo de morte em casa, podendo existir uma maior preparação de familiares e de amigos para lidar com os rituais e processos de morte. Igualmente importante, existe, em geral, menos acesso a instituições que fornecem cuidados de fim de vida, o que inclui os hospitais.

Desenvolvimentos futuros deste trabalho passam por uma melhor compreensão do fenômeno local da morte, fazendo análises a populações mais homogêneas, por exemplo, por país e por causa de morte. Por outro lado, o recurso a metodologias de análises de dados que permitam modelar em simultâneo os vários locais de morte - por exemplo, com a especificação, estimação e análise de modelos de regressão multinomiais - pode constituir um salto quantitativo e gerar conhecimento adicional da relação entre local da morte e ESS dos indivíduos. Uma outra possível extensão deste trabalho passa por incorporar outras variáveis indicadoras de ESS para além dos tradicionais rendimento e educação, como o tipo de ocupação profissional que o indivíduo tinha, por exemplo.

Existem múltiplos estudos que mostram claramente que os indivíduos têm uma forte preferência por morrer em casa (Pinzon et al., 2011PINZON, L. C. E. et al. Preference for place of death in Germany. Journal of Palliative Medicine, Larchmont, v. 14, n. 10, p. 1097-1103, 2011. DOI: 10.1089/jpm.2011.0136
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; Hoare et al., 2015HOARE, S. et al. Do patients want to die at home? A systematic review of the UK literature, focused on missing preferences for place of death. PloS One, San Francisco, v. 10, n. 11, p. e0142723, 2015. DOI: 10.1371/journal.pone.0142723
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), contudo a morte em instituições, principalmente em hospitais, é a mais comum, tal como os nossos dados demonstram, juntamente com outras investigações referenciadas neste artigo. Os nossos resultados também concluem que os indivíduos de maiores rendimentos, que são os que têm mais possibilidades para exercer a sua tendencial preferência por morrer em casa, são precisamente aqueles que morrem em instituições, o que gera uma aparente contradição que merece reflexão e análise. É possível que não haja sequer contradição e que não seja facultado aos indivíduos, no atual estado social e cultural dos países desenvolvidos, o exercício da preferência pelo local da morte. Com a cultura médica prevalente, os incentivos financeiros, e outros para a manutenção de tratamentos agressivos no fim da vida, além da sensação de que deverão ser os profissionais a gerir a morte (Sallnow et al., 2022SALLNOW, L. et al. Report of the Lancet Commission on the Value of Death: bringing death back into life. The Lancet, London, v. 399, n. 10327, p. 837-884, 2022. DOI: 10.1016/S0140-6736(21)02314-X
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), criam-se as condições propícias para que o doente e familiares não consigam planejar e exercer a sua preferência quanto ao local da morte. Podemos, pois, afirmar que, no atual sistema de morte existente nos países desenvolvidos, em que a morte é altamente medicalizada (Sallnow et al., 2022SALLNOW, L. et al. Report of the Lancet Commission on the Value of Death: bringing death back into life. The Lancet, London, v. 399, n. 10327, p. 837-884, 2022. DOI: 10.1016/S0140-6736(21)02314-X
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), a esperança de um prolongamento da vida vence claramente o exercício da preferência pelo local da morte.

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  • 1
    Este trabalho foi financiado por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), I.P., Project UIDB/05037/2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Ago 2022
  • Aceito
    29 Maio 2024
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br