O microplanejamento como ferramenta de fortalecimento do Programa Nacional de Imunizações no Brasil

Microplanning as a tool to strengthen the National Immunization Program in Brazil

La microplanificación como herramienta para fortalecer el Programa Nacional de Inmunizaciones en Brasil

Ana Catarina de Melo Araújo Luciana Maiara Diogo Nascimento Thales Philipe Rodrigues da Silva Flávia Cardoso de Melo Daniele Rocha Queiroz Lemos Fernanda Penido Matozinhos Eder Gatti Fernandes Sobre os autores

RESUMO

Objetivo.

Verificar a variação no número de doses, na cobertura vacinal (CV) das vacinas aplicadas e no número de municípios que atingiram a meta da CV no Brasil com a implementação de microplanejamento para atividades de vacinação de alta qualidade (AVAQ) e ações de multivacinação descentralizadas.

Método.

Este estudo quase-experimental utilizou dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos, do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações e da Rede Nacional de Dados em Saúde. Estimou-se o número de doses de vacinas de hepatite A (HA), meningocócica conjugada - C, oral poliomielite, pneumocócica 10-valente, tríplice bacteriana (DTP) e tríplice viral (SCR) aplicadas em crianças menores de 2 anos de idade nos anos de 2022 (pré-microplanejamento) e 2023 (pós-microplanejamento). Também foram estimados a CV e o número de municípios que atingiram a meta da CV.

Resultados.

Em 2022, foram registradas 13 253 873 doses das vacinas selecionadas. Em 2023, foram aplicadas 13 570 346 doses. Observou-se aumento nas CV, com destaque para a vacina adsorvida DTP (incremento > 12%); e para as vacinas contra HA e SRC (aumento próximo a 10%). Cresceu o número de municípios que alcançaram a meta de CV em 2023 (incremento de 51,98% para a SCR e 7,77% para a vacina contra o meningococo).

Conclusão.

O microplanejamento fortaleceu a imunização de rotina e foi oportuno para enfrentar situações de queda das CV. Esse resultado favorável serve também para ressaltar a importância da continuidade e da ampliação dessas ações, com o objetivo de alcançar e manter resultados positivos.

Palavras-chave
Vacinação; cobertura vacinal; planejamento em saúde; Brasil

ABSTRACT

Objective.

To measure the variation in number of doses, vaccination coverage (VC) of administered vaccines, and number of municipalities that achieved the VC target in Brazil with the implementation of microplanning for high-quality vaccination activities (HQVA) and decentralized multivaccination actions.

Methods.

This quasi-experimental study used data from the National Live Birth Information System, the National Immunization Program Information System, and the National Health Data Network. The number of doses of hepatitis A (HA), meningococcal conjugate-C, oral poliomyelitis, 10-valent pneumococcal, diphtheria-tetanus-pertussis (DTP), and measles-mumps-rubella (MMR) vaccines administered to children under 2 years of age in 2022 (pre-microplanning) and 2023 (post-microplanning) was estimated. VC and the number of municipalities that achieved the VC target were also estimated.

Results.

In 2022, 13 253 873 doses of the selected vaccines were recorded. In 2023, 13 570 346 doses were administered. An increase in VC was observed, especially for the DTP vaccine (increase > 12%); and for the HA and MMR vaccines (increase close to 10%). The number of municipalities that reached the VC target grew in 2023 (increase of 51.98% for MMR and 7.77% for the meningococcal vaccine).

Conclusion.

Microplanning strengthened routine immunization and was a timely measure to address situations of declining VC. This favorable outcome also highlights the importance of continuing and expanding these actions to achieve and maintain positive results.

Keywords
Vaccination; vaccination coverage; health planning; Brazil

RESUMEN

Objetivo.

Verificar la variación en el número de dosis, la cobertura con las vacunas aplicadas y el número de municipios que alcanzaron la meta de cobertura vacunal en Brasil al implementar la microplanificación para actividades de vacunación de alta calidad y acciones descentralizadas de vacunación múltiple.

Método.

En este estudio cuasi-experimental se utilizaron datos del Sistema de Información sobre Nacidos Vivos, el Sistema de Información del Programa Nacional de Inmunizaciones y la Red Nacional de Datos de Salud. Se estimó el número de dosis de las vacunas contra la hepatitis A (HA), antimeningocócica conjugada contra el serotipo C, oral contra la poliomielitis, antineumocócica decavalente, triple bacteriana (DTP) y triple viral (MMR) aplicadas a menores de 2 años en los años 2022 y 2023 (antes y después de la microplanificación, respectivamente). También se estimaron la cobertura vacunal y el número de municipios que alcanzaron la meta de esa cobertura.

Resultados.

En el 2022, se registró la administración de 13 253 873 dosis de las vacunas seleccionadas. En el 2023, esa cifra fue de 13 570 346 dosis. Se observó un aumento de la cobertura vacunal, en particular con la vacuna DTP adsorbida (incremento > 12%) y con las vacunas contra la HA y MMR (aumento cercano al 10%). Aumentó el número de municipios que alcanzaron la meta de cobertura en el 2023 (incremento del 51,98% con la vacuna MMR y del 7,77% con la vacuna antimeningocócica.

Conclusión.

La microplanificación fortaleció la inmunización sistemática y fue oportuna para enfrentar situaciones de reducción de la cobertura vacunal. Este resultado favorable también sirve para destacar la importancia de la continuidad y la ampliación de estas acciones, con el objetivo de alcanzar y mantener resultados positivos.

Palabras clave
Vacunación; cobertura de vacunación; planificación en salud; Brasil

A partir do ano de 1973, o Brasil obteve — com a criação de seu Programa Nacional de Imunizações (PNI) — coberturas vacinais (CV) de 95%, meta preconizada pelo Ministério da Saúde e sustentada pelos princípios de integralidade, equidade e universalidade no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) (11. Pércio J, Fernandes EG, Maciel EL, Lima NVT. 50 years of the Brazilian National Immunization Program and the Immunization Agenda 2030. Epidemiol Serv Saude. 2023;32(3):e20231009. doi: 10.1590/S2237-96222023000300001.EN
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). Entretanto, a partir de 2016, sobretudo após a pandemia de covid-19, o PNI tem enfrentado a redução das CV, com consequente aumento da população suscetível às doenças preveníveis por vacinação (DPV) e quedas preocupantes na imunização coletiva (22. Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. The Brazilian National Immunization Program: 46 years of achievements and challenges. Cad Saude Publica. 2020;36Suppl 2(Suppl 2):e00222919. doi: 10.1590/0102-311X00222919.
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).

Em 2018, houve a reintrodução do vírus do sarampo no país. Foram registrados surtos da doença a partir de casos importados da região das fronteiras e, tendo transcorrido 12 meses de transmissão contínua, foi reestabelecida a transmissão endêmica em 2019. A partir disso, o Brasil tornou-se o segundo país da Região das Américas a perder a certificação de país livre do sarampo, com registro do último caso autóctone em 2022 (11. Pércio J, Fernandes EG, Maciel EL, Lima NVT. 50 years of the Brazilian National Immunization Program and the Immunization Agenda 2030. Epidemiol Serv Saude. 2023;32(3):e20231009. doi: 10.1590/S2237-96222023000300001.EN
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, 22. Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. The Brazilian National Immunization Program: 46 years of achievements and challenges. Cad Saude Publica. 2020;36Suppl 2(Suppl 2):e00222919. doi: 10.1590/0102-311X00222919.
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).

Ao longo das últimas décadas, a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) incentivou diversas estratégias de vacinação exitosas que permitiram a erradicação, a eliminação e o controle de doenças em diferentes países, com destaque para as campanhas massivas em adolescentes e adultos, campanhas de recuperação em crianças e campanhas de seguimento em crianças menores de 5 anos. Essas medidas contribuíram para o aumento da CV e da imunidade da população, com redução significativa no número de casos de rubéola e sarampo, que levaram à eliminação dessas doenças nas Américas em 2015 e 2016, respectivamente (33. Castillo-Solórzano C, Marsigli C, Bravo-Alcántara P, Flannery B, Ruiz Matus C, Tambini G, et al. Elimination of rubella and congenital rubella syndrome in the Americas. J Infect Dis. 2011;204 Suppl 2:S571-8. doi: 10.1093/infdis/jir472
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).

Em 2023, em consonância com o Movimento Nacional pela Vacinação, instituído pelo governo brasileiro, iniciou-se no país um processo de microplanejamento, como parte das atividades de vacinação de alta qualidade (AVAQ) (44. Fernandes EG, Werneck GL, Haddad AE, Maciel ELN, Lima NVT. Restoring high vaccine coverage in Brazil: successes and challenges. Rev Soc Bras Med Trop. 2024;57:e006002024. doi: 10.1590/0037-8682-0614-2023
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). No microplanejamento, as estratégias de vacinação são planejadas a partir do nível local (nível hierárquico mais baixo do sistema de saúde) e são ampliadas para os níveis mais amplos, até o nível nacional. Desse modo, o microplanejamento dá grande ênfase à realidade local, considerando tanto aspectos socioeconômicos e geográficos quanto características estruturais, como a atuação das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF). O Brasil foi o primeiro país da Região a adotar o microplanejamento como estratégia nacional para implementar as AVAQ, que têm, entre outros objetivos, o resgate da população não vacinada (55. Brasil, Ministério da Saúde. Portaria GM/MS 844 de 14 de julho de 2023. Brasília: Ministério da Saúde; 2023. [Acessado em 18 de dezembro de 2023]. Disponível em: https://cosemspi.org.br/wp-content/uploads/2023/07/PORTARIA-GM_MS-No-844-DE-14-DE-JULHO-DE-2023-PORTARIA-GM_MS-No-844-DE-14-DE-JULHO-DE-2023-DOU-Imprensa-Nacional.pdf
https://cosemspi.org.br/wp-content/uploa...
, 66. Brasil, Ministério da Saúde. Manual de Microplanejamento para as atividades de vacinação de alta qualidade. 1a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2023. [Acessado em 18 de novembro de 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/vacinacao/publicacoes/manual-de-microplanejamento.pdf/view
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).

O primeiro passo da implementação do microplanejamento no Brasil foi a formação de facilitadores em nível nacional para posterior multiplicação do método nos estados. As atividades de microplanejamento foram desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, integrando as equipes de imunização. Em maio de 2023, o processo de microplanejamento foi implementado como projeto piloto em três estados, sendo o primeiro o Rio Grande do Norte, como resposta à identificação de casos de febre amarela em primatas. Os estados do Amazonas e do Acre foram selecionados pelo risco de reintrodução do vírus da poliomielite.

Conforme a Portaria GM/MS nº 844, de 14 de julho de 2023, o microplanejamento envolve quatro etapas: 1) análise da situação de saúde (organização dos dados e mapeamento e setorização das localidades a fim de identificar a população suscetível e a disponibilidade dos serviços de vacinação); 2) planejamento e programação (definição das estratégias para a vacinação e plano de comunicação e mobilização social); 3) seguimento e supervisão com monitoramento rápido (identificação de bolsões de suscetíveis e pessoas pendentes para vacinação e execução de intervenções); e 4) avaliação e monitoramento dos avanços relacionados ao cumprimento das metas (66. Brasil, Ministério da Saúde. Manual de Microplanejamento para as atividades de vacinação de alta qualidade. 1a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2023. [Acessado em 18 de novembro de 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/vacinacao/publicacoes/manual-de-microplanejamento.pdf/view
https://www.gov.br/saude/pt-br/vacinacao...
). No contexto nacional, até novembro de 2023, haviam sido implementadas as etapas 1 e 2 e iniciada a etapa 3. Em 2024, será realizada a etapa 4.

O objetivo do presente estudo foi mensurar o incremento do número de doses de vacinas aplicadas em crianças nos anos de 2022 e 2023, ou seja, antes e depois do início do microplanejamento para AVAQ.

MATERIAIS E MÉTODOS

Realizou-se um estudo epidemiológico, do tipo quase-experimental, que mensurou o número de doses aplicadas em crianças, a CV das vacinas aplicadas e o número de municípios que atingiram a meta da CV no Brasil nos anos de 2022 e 2023. O estudo enfocou as crianças menores de 2 anos de idade para início e completude de esquemas de acordo com o Calendário Nacional de Vacinação.

A implementação do microplanejamento para as AVAQ no Brasil foi conduzido pelo Departamento do PNI da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, por meio da Coordenação-Geral de Incorporação Científica e Imunizações (CGIC/DPNI/SVSA/MS), integrando os técnicos das equipes de nível nacional de vigilância epidemiológica, atenção primária e saúde do indígena.

Foram desenvolvidas oficinas de formação de facilitadores nacionais para a capilarização da metodologia nos estados e municípios até o nível das equipes da atenção primária das unidades básicas de saúde (UBS), sempre em cenários distintos. As oficinas foram conduzidas por profissionais diversos do PNI, que incluíam, para cada oficina, uma coordenadora e em torno de 10 facilitadores, entre os meses de julho (em Macapá, estado do Amapá) e setembro de 2023 (em Belo Horizonte, Minas Gerais). Também foi realizada uma oficina de trabalho piloto no estado do Rio Grande do Norte (em abril de 2023) que incluiu 16 municípios e 68 participantes dos 16 municípios. Para a realização dessas oficinas, demandou-se organização prévia, minuciosa e complexa pactuação, constante comunicação e transversalidade de trabalho entre os níveis de gestão. A operacionalização seguiu a metodologia descrita na tabela 1, com carga horária aproximada de 24 horas, dividida em 3 dias.

TABELA 1.
Metodologia adotada nas oficinas de trabalho sobre processo de microplanejamento para atividades de vacinação de alta qualidade (AVAQ), 2023, Brasil

Nas oficinas de trabalho do plano de ações de microplanejamento para as AVAQ, houve registro de 257 participantes divididos em cinco turmas. Os participantes atuavam, majoritariamente, em imunização, atenção primária e vigilância epidemiológica. As fontes de dados utilizadas para estimar os indicadores foram o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), o Sistema de Informações do PNI (SI-PNI) e a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), disponíveis em http://sipni.datasus.gov.br/.

Foram analisados o número de doses aplicadas e a CV das seguintes vacinas: hepatite A (HA), meningocócica conjugada – C (MenC), oral poliomielite (VOP), pneumocócica 10-valente (Pneumo10), tríplice bacteriana (DTP) e tríplice viral (SCR). As CV foram extraídas para o ano de 2022 do sistema Tabnet/DATASUS (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/dhdat.exe?bd_pni/cpnibr.def) e, para o ano de 2023, do Painel de Distribuição de Vacinas desenvolvido pelo Departamento de Monitoramento, Avaliação e Disseminação de Informações Estratégicas em Saúde (DEMAS/SE/MS) e seus parceiros (https://infoms.saude.gov.br/extensions/SEIDIGI_DEMAS_VACINACAO_CALENDARIO_NACIONAL_COBERTURA_RESIDENCIA/SEIDIGI_DEMAS_VACINACAO_CALENDARIO_NACIONAL_COBERTURA_RESIDENCIA.html) (77. Brasil, Ministério da Saúde. Painel de Distribuição de Vacinas. Brasília: Ministério da Saúde; 2023. [Acessado em 15 de novembro de 2023]. Disponível em: https://infoms.saude.gov.br/extensions/DEMAS_C19VAC_Distr/DEMAS_C19VAC_Distr.html#:~:text=O%20painel%20%22Distribui%C3%A7%C3%A3o%20de%20Vacinas,SE%2FMS%20e%20seus%20parceiros
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). Esse painel consolida os dados nominais enviados pelos sistemas de registro de doses aplicadas à Rede Nacional de Dados em Saúde.

As CV foram categorizadas segundo as metas estabelecidas pelo PNI: muito baixa (CV de 0% a < 50%), baixa (≥ 50%, porém menor que a meta) e adequada (≥ à meta). O incremento do número de doses aplicadas e da CV foi calculado pela seguinte fórmula: (cobertura ou número de doses aplicadas em 2023 – cobertura ou número de doses aplicadas em 2022)/cobertura ou número de doses aplicadas em 2022*100. Também foi calculado o incremento da proporção de municípios que atingiram a meta para cada vacina analisada. As análises foram realizadas no software Stata, versão 16.0. O estudo não exigiu aprovação por comitê de ética em pesquisa por se tratar de descrição e avaliação de ação de serviços do Ministério da Saúde. Ademais, a extração de dados se deu em bases públicas e sem identificação dos participantes.

RESULTADOS

No ano de 2022, foram registradas 13 253 873 doses das vacinas que são foco deste estudo na população menor de 2 anos de idade. Em 2023, período de comparação do estudo, foram aplicadas 13 570 346 doses dessas vacinas nesse mesmo público, com aumento no número de doses aplicadas (tabela 2).

TABELA 2.
Número de doses de vacinas aplicadas em crianças menores de 2 anos, 2022 e 2023, Brasil

No período de implementação do microplanejamento, observou-se um aumento geral nas CV em menores de 2 anos, com destaque para a febre amarela (incremento de 12,9%) e a DTP (1° reforço, incremento de 12,1%). Para HA e SRC, o incremento foi de quase 10% (tabela 3). Observou-se redução para as vacinas BCG (redução de 19,4%), hepatite B em crianças até 30 dias (redução de 18,2%) e varicela (redução de 6,7%).

TABELA 3.
Cobertura vacinal em crianças menores de 2 anos por tipo de vacina, 2022 e 2023, Brasil

O Brasil possui 5 570 municípios e, entre eles, o número dos que atingiram a meta de CV em crianças menores de 2 anos, por tipo de vacina, teve variação positiva entre 2022 e 2023 para a maioria das vacinas. O maior incremento foi observado para a segunda dose (D2) da tríplice viral, com 51,98%.

Observou-se redução na proporção de municípios que atingiram a CV para BCG e hepatite B em crianças de até 30 dias, que são doses aplicadas nas maternidades do país. A CV também diminuiu para a varicela, com decremento de 16,15%, devido ao desabastecimento mundial (tabela 4). Considerando as 26 unidade federativas e o Distrito Federal, cresceu a mediana de locais que alcançaram a meta de CV em menores de 2 anos após a implementação da metodologia de microplanejamento para as AVAQ e das ações de multivacinação descentralizadas, tomando como referência as vacinas traçadoras para a população menor de 1 ano (pentavalente, poliomielite VIP e rotavírus) e para a população de 12 a 23 meses (D2 da tríplice viral, DTP e poliomielite 1° reforço) (figura 1).

TABELA 4.
Número, proporção e incremento de municípios que atingiram a meta da cobertura vacinal entre os 5 570 municípios brasileiros por tipo de vacina, 2022 e 2023, Brasil
FIGURA 1.
Cobertura vacinal em crianças menores de 2 anos, antes e após a implementação do microplanejamento e ações de multivacinação descentralizadas, 2022 e 2023, Brasil

DISCUSSÃO

Diante da queda das CV no mundo e no Brasil, registrada (todos os anos) desde 2016, o PNI tornou-se uma prioridade política e incorporou estratégias para o resgate das CV como bem público, prevenindo reemergência das DPV eliminadas ou controladas. A utilização de etapas de microplanejamento facilita o delineamento de práticas que instrumentalizam as estratégias de acordo com as metas e as características da população e do entorno geográfico, na busca por aumentar a população de vacinados em uma comunidade e de ampliar a proteção de rebanho e coletiva (88. Teixeira AMS, Rocha CMV. Vigilância das coberturas de vacinação: uma metodologia para detecção e intervenção em situações de risco. Epidemiol Serv Saude. 2023;19:217-26. doi: 10.5123/S1679-49742010000300004.
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201000...
).

O sucesso e a efetividade das ações de vacinação com microplanejamento são evidenciados, neste estudo, pela reversão da tendência de queda na vacinação, com aumento geral da CV por tipo de vacina em 2023 em comparação a 2022, especialmente em menores de 2 anos; pelo crescimento do número de municípios e estados que alcançaram a meta da CV; e pelo incremento de doses de vacinas aplicadas na população infantil e juvenil, reduzindo os riscos e a morbimortalidade por DPV (99. Lachtim SAF, Palhoni ARG, Silva TPR, Ribeiro EEN, Souza JFA, Coelho VMR, et al. Estratégias cooperativas para melhorar a cobertura vacinal em crianças do estado de Minas Gerais, Brasil. Arq Ciencias Saude UNIPAR. 2023;27(9): 5310-23. doi: 10.25110/arqsaude.v27i9.2023-026
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). Ressalta-se a disponibilização de recursos financeiros aos estados e municípios para as ações, inclusive para treinamento, como um ponto importante para o sucesso.

Apesar da disponibilização de insumos pelo Ministério da Saúde para o PNI e também para as inúmeras salas de vacina distribuídas pelo país, a CV de crianças e adolescentes ainda está abaixo da meta recomendada (1010. Carvalho AMC, Araújo TME. Fatores associados à cobertura vacinal em adolescentes. Acta Paul Enferm 2010;23(6):796-802. doi: 10.1590/S0103-21002010000600013
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), colocando o Brasil como país de alto risco para poliomielite e sarampo, entre outras doenças. Em geral, a queda das CV é um processo complexo e multifatorial, ocasionado, por exemplo, por hesitação vacinal, falta de comunicação sobre a vacinação, veiculação de notícias falsas (fake news), movimento antivacinas (que se faz presente, em especial, na última década) (11. Pércio J, Fernandes EG, Maciel EL, Lima NVT. 50 years of the Brazilian National Immunization Program and the Immunization Agenda 2030. Epidemiol Serv Saude. 2023;32(3):e20231009. doi: 10.1590/S2237-96222023000300001.EN
https://doi.org/10.1590/S2237-9622202300...
, 22. Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. The Brazilian National Immunization Program: 46 years of achievements and challenges. Cad Saude Publica. 2020;36Suppl 2(Suppl 2):e00222919. doi: 10.1590/0102-311X00222919.
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), horário reduzido de funcionamento das salas de vacina, falta de envolvimento e capacitação dos profissionais de saúde e dificuldade de acesso às UBS (1111. Silva FS, Barbosa YC, Batalha MA, Ribeiro MRC, Simões VMF, Branco MRFC, et al. Incompletude vacinal infantil de vacinas novas e antigas e fatores associados. Coorte de nascimento BRISA, São Luís, Maranhão, Nordeste do Brasil. Cad Saude Publica. 2018;34(3):e00041717. doi: 10.1590/0102-311X00041717
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).

Por outro lado, um levantamento realizado pelo Observatório de Saúde na Infância mostrou um aumento na CV infantil (1212. Boccolini PMM, Boccolini CS, de Almeida Relvas-Brandt L, Alves RFS. Dataset on child vaccination in Brazil from 1996 to 2021. Sci Data. 2023;10(1):23. doi: 10.1038/s41597-023-01939-0
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). Esse crescimento explicita o êxito de ações integradas promovidas e reafirmadas pela metodologia do microplanejamento, que visam garantir a proteção da população (1313. Bahia, Governo do Estado, Secretaria da Saúde. Plano de ações estratégicas de imunização do estado da Bahia. Salvador: Secretaria da Saúde; 2020-2023. [Acessado em 1 de dezembro de 2023]. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2020/12/1140527/plano-de-acoes-estrategicas-de-imunizacao-do-estado-da-bahia-2020-2023.pdf
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), dado que as vacinas são as medidas de maior resultado nos casos de doenças infecciosas (1414. Ferreira VLR, Waldman EA, Rodrigues LC, Martineli E, Costa AA, Inenami M, et al. Avaliação de coberturas vacinais de crianças em uma cidade de médio porte (Brasil) utilizando registro informatizado de imunização. Cad Saude Publica. 2018;34(9):e00184317. Doi: 10.1590/0102-311X00184317
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).

Além das ações envolvendo estratégias diferenciadas com uso de microplanejamento e multivacinação, o Ministério da Saúde lançou o Movimento Nacional de Vacinação, que descentralizou e regionalizou a comunicação, e buscou apoio de autoridades e representantes da sociedade civil para promoção da vacinação. Além disso, o Ministério lançou a plataforma “Brasil Com Ciência”, que monitora a resposta frente à desinformação na imprensa e em redes sociais (44. Fernandes EG, Werneck GL, Haddad AE, Maciel ELN, Lima NVT. Restoring high vaccine coverage in Brazil: successes and challenges. Rev Soc Bras Med Trop. 2024;57:e006002024. doi: 10.1590/0037-8682-0614-2023
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). Outra frente de ação que se somou ao microplanejamento foi o ajuste nos sistemas de informação de registro de doses aplicadas, com padronização, em 2023, dos dados mínimos necessários para registro dessas doses. Com isso, todas as doses aplicadas estão atreladas a um indivíduo pelo cadastro de pessoa física (CPF) ou cartão nacional de saúde (CNS) e são concentradas na Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) (44. Fernandes EG, Werneck GL, Haddad AE, Maciel ELN, Lima NVT. Restoring high vaccine coverage in Brazil: successes and challenges. Rev Soc Bras Med Trop. 2024;57:e006002024. doi: 10.1590/0037-8682-0614-2023
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).

Algumas vacinas se destacaram quanto à variação na CV de 2022 para 2023: a DTP, que apresentou incremento superior a 12,1%; e, por outro lado, as vacinas BCG, hepatite B ao nascimento e varicela, com queda na CV. Entretanto, vale notar que a necessidade de atrelar a dose aplicada ao CPF ou CNS do indivíduo fez com que muitos registros das duas vacinas feitas ao nascimento (BCG e hepatite B) não subissem à RNDS, gerando sub-registro. Isso se deve ao CNS provisório e à falta de CPF nos primeiros dias após o nascimento, gerando falta de dados cadastrais. Com isso, há dificuldade de atrelar a informação da dose aplicada ao indivíduo vacinado. Para contornar essa situação, está em andamento um trabalho de enriquecimento dos dados de doses aplicadas de BCG e hepatite em 2023, para que possam subir à RNDS. Outro fato importante foi o desabastecimento da vacina de varicela em 2023, devido aos problemas regulatórios frente a mudanças nos procedimentos de produção desse imunobiológico. Tal desabastecimento justifica a queda da CV para essa doença.

Compreender o cenário de vacinação tem sido relevante para o desenvolvimento de ações descentralizadas, baseadas em educação em saúde, vacinação extramuro, vacinação nas escolas, busca ativa de faltosos, vacinação durante a visita dos menores de 15 anos de idade ao serviço de saúde, vacinação em áreas indígenas e participação comunitária (1515. Brasil, Ministério da Saúde. Estratégia de multivacinação para atualização da caderneta de vacinação da criança e do adolescente. 1ª ed. São Paulo: Ministério da Saúde; 2023. [Acessado em 1 de dezembro de 2023]. Disponível em: https://www.cosemssp.org.br/wp-content/uploads/2023/09/ESTRATEGIA-MULTIVACINACAO-DOCUMENTO.pdf
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). Os resultados deste estudo mostram que o microplanejamento teve impacto positivo na vacinação de rotina e no fortalecimento do PNI no Brasil, tendo apoio e adesão por estados e municípios.

A experiência exitosa de implementação do microplanejamento no Brasil deve ser estendida a outros países das Américas e ao redor do mundo, em consonância com a Agenda de Imunização 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Salienta-se a relevância dos parceiros que contribuem com a estratégia do microplanejamento, como universidades; organizações da sociedade civil, como Rotary; e entidades político-institucionais, como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS), Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) e Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), além do acompanhamento permanente pela representação da OPAS Brasil e regional.

Este estudo apresenta algumas limitações. Primeiro, muitas doses aplicadas na multivacinação são resgate de doses atrasadas, o que não é contabilizado na CV, uma vez que o cálculo é realizado com base na população de até 1 ano de idade, conforme recomendado no CNI. Segundo, o estudo usou dados secundários de cobertura vacinal, com possibilidade de subnotificação de doses aplicadas e, consequentemente, subestimação das CV. Por fim, os ajustes e o enriquecimento de dados que não subiram à RNDS poderão elevar as CV, de modo retrospectivo, com o passar do tempo.

No Brasil, um país de extensão continental, a falta de homogeneidade da CV em diferentes estados e municípios tem suscitado discussões. Esse cenário pode refletir fatores sociais e culturais específicos, somados às desigualdades locais; por isso, é importante identificar as características de cada região, a fim de planejar políticas públicas de saúde para manter o crescimento das CV (1616. Siqueira LDG, Martins AMEBL, Versiani CMC, Almeida LAV, Oliveira CDS, Nascimento JE, et al. Assessment of the organization and operation of vaccine rooms in primary health care in Montes Claros, Minas Gerais, Brazil, 2015. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(3):557-68. doi: 10.5123/S1679-49742017000300013
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...
). É exatamente essa a proposta metodológica do microplanejamento — compreender as diferenças locais e desenvolver um planejamento de baixo para cima com foco nas equipes que atuam localmente. As ações de imunizações são centralizadas nos serviços de APS e configuram-se como estratégias prioritárias (1717. Campos AL, Nascimento DR, Maranhão E. A história da poliomielite no Brasil e seu controle por imunização. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2003;10(Suppl 2):573-600.

18. Jaca A, Mathebula L, Iweze A, Pienaar E, Wiysonge CS. A systematic review of strategies for reducing missed opportunities for vaccination. Vaccine. 2018;36(21):2921-27. doi: 10.1016/j.vaccine.2018.04.028
https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2018.0...

19. Viacava F, Oliveira RAD, Carvalho CC, Laguardia J, Bellido JG. SUS: supply, access to and use of health services over the last 30 years. Cien Saude Colet. 2018;23(6):1751-62. doi: 10.1590/1413-81232018236.06022018
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
-2020. Soares JJ Neto, Machado MH, Alves CB. The Mais Médicos (More Doctors) Program, the infrastructure of Primary Health Units and the Municipal Human Development Index. Cien Saude Colet. 2016;21(9):2709-18. doi: 10.1590/1413-81232015219.16432016
https://doi.org/10.1590/1413-81232015219...
). A expansão da cobertura pela APS e do microplanejamento, de forma sustentável, contínua e sine qua non é essencial para impulsionar o aumento das CV e, consequentemente, diminuir as chances de surtos de doenças em processo de controle, eliminação e erradicação (1717. Campos AL, Nascimento DR, Maranhão E. A história da poliomielite no Brasil e seu controle por imunização. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2003;10(Suppl 2):573-600.

18. Jaca A, Mathebula L, Iweze A, Pienaar E, Wiysonge CS. A systematic review of strategies for reducing missed opportunities for vaccination. Vaccine. 2018;36(21):2921-27. doi: 10.1016/j.vaccine.2018.04.028
https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2018.0...

19. Viacava F, Oliveira RAD, Carvalho CC, Laguardia J, Bellido JG. SUS: supply, access to and use of health services over the last 30 years. Cien Saude Colet. 2018;23(6):1751-62. doi: 10.1590/1413-81232018236.06022018
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-2020. Soares JJ Neto, Machado MH, Alves CB. The Mais Médicos (More Doctors) Program, the infrastructure of Primary Health Units and the Municipal Human Development Index. Cien Saude Colet. 2016;21(9):2709-18. doi: 10.1590/1413-81232015219.16432016
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).

Em conclusão, o presente estudo mostrou um incremento no número de doses de vacinas aplicadas no Brasil com a implementação do microplanejamento para as AVAQ e com o uso de multivacinação descentralizada. Houve também aumento da CV e do número de municípios e estados brasileiros que alcançaram a meta da CV para a maioria das vacinas. Infere-se que a implementação das etapas 1, 2 e 3 da metodologia de microplanejamento para as AVAQ e as ações de multivacinação descentralizadas são exitosas e podem ser compartilhadas em outros países das Américas e mundialmente. Os resultados deste trabalho demonstram que tais estratégias foram oportunas para enfrentar as necessidades específicas dos municípios, levando em conta a rede de atenção à saúde, os processos de trabalho, a disponibilidade de insumos, os recursos humanos e financeiros, a logística e a organização para atividades relacionadas à vacinação. Entretanto, a evidência de sucesso dessas estratégicas reforça também a importância da continuidade e da ampliação dessas ações, com o objetivo de alcançar resultados ainda mais positivos.

Declaração.

As opiniões expressas no manuscrito são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem necessariamente a opinião ou política da RPSP/PAJPH, da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) ou dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças ou do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.

Agradecimentos.

Agradecemos pelo apoio na realização deste estudo à Organização Pan-Americana da Saúde, equipe Nacional e Regional (OPAS/OMS) – Regina Durón Andino; ao Departamento do Programa Nacional de Imunizações (DPNI); ao Observatório de Pesquisa e Estudos em Vacinação (OPESV – EEUFMG); à Coordenação Geral de Apoio e Monitoramento das Coberturas Vacinais da Atenção Primária (CIMVAC); à Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Indígena (COVISI); ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS); ao Conselho Nacional de Secretarias municipais de Saúde (CONASEMS); e a todos os Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS). Agradecemos, também, à Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) e à Secretaria de Saúde Indígena (SESAI).

  • Financiamento.
    Este artigo foi financiado pela subvenção ou acordo cooperativo NU66GH002171 dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2025
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2024
  • Aceito
    04 Jun 2024
Organización Panamericana de la Salud Washington - Washington - United States
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