Análise dos casos de violência por parceiro íntimo contra mulheres indígenas notificados na macrorregião de Dourados-MS, Brasil

Glênio Alves de Freitas Gláucia Elisete Barbosa Marcon James Robert Welch Cosme Marcelo Furtado Passos da Silva Sobre os autores

Resumo

O objetivo do estudo é analisar as notificações de violência por parceiro íntimo (VPI) contra as mulheres indígenas da macrorregião de Dourados-MS, entre os anos de 2009 a 2020. Trata-se de um estudo transversal com dados secundários das notificações registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) de mulheres indígenas que sofreram violência. Foi realizada a estatística descritiva das variáveis e a regressão de Poisson para determinar a razão de prevalência (RP). A VPI representou 56,6% das notificações. Os tipos de violência mais notificados foram violência física (93,3%) e violência psicológica (27%). Na análise ajustada, a VPI esteve associada às mulheres com companheiros (RP 1,32, IC95% 1,19; 1,46), às mulheres em situação de violência de repetição (RP 1,15, IC95% 1,05; 1,25) e ao domicílio como local de ocorrência (RP 1,13, IC95% 1,01; 1,29). A maioria das notificações de violência contra as mulheres indígenas registradas na macrorregião de saúde de Dourados foi perpetrada por parceiro íntimo. O conhecimento do perfil das violências que chegam nos serviços de saúde aliado aos fatores associados, deverão possibilitar a implementação de estratégias voltadas para a redução do número de casos.

Palavras-chave:
Mulheres Indígenas; Violência contra Mulher; Violência por Parceiro Íntimo; Notificação

Introdução

A violência contra as mulheres é um problema de saúde pública, de direitos humanos e uma importante causa de morbidade e mortalidade feminina11 Arango DJ. Morton M, Gennari F, Kiplesund S, Ellsberg M. Interventions to prevent or reduce violence against women and girls: A systematic review of reviews. The World Bank; 2014.. De acordo com alguns estudos, o principal local de ocorrência de violência contra as mulheres é o ambiente domiciliar, sendo os parceiros íntimos os principais agressores22 Coll CVN, Ewerling F, García-Moreno C, Hellwig F, Barros AJD. Intimate partner violence in 46 low-income and middle-income countries: an appraisal of the most vulnerable groups of women using national health surveys. BMJ Global Health 2020; 5(1):e002208.. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mundialmente 1 em cada 3 mulheres (30%), com idade entre 15 e 49 anos e que tiveram algum relacionamento, sofreram algum tipo de violência por parte de seus parceiros, denominada violência por parceiro íntimo (VPI)33 García-Moreno C, Pallitto C, Devries K, Stöckl H, Watts C, Abrahams N, Petzold M. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: WHO; 2013..

De acordo com a OMS, os fatores de risco para a ocorrência da VPI são: grande diferença de idade entre os parceiros; baixo nível de escolaridade; ser separada ou divorciada; ter sido exposta a maus-tratos na infância; presenciar a violência entre os pais; uso nocivo do álcool; uso de drogas ilícitas; e dificuldade de comunicação entre os parceiros33 García-Moreno C, Pallitto C, Devries K, Stöckl H, Watts C, Abrahams N, Petzold M. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: WHO; 2013..

No Brasil, em um estudo ecológico que analisou dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) entre os anos de 2000 e 2019, a taxa média de violência letal entre as mulheres de todas as regiões brasileiras foi de 6,24 casos por 100 mil habitantes. As maiores vítimas foram mulheres negras/pardas e indígenas44 Moroskoski M, Brito FAM, Oliveira RR. Time trend and spatial distribution of the cases of lethal violence against women in Brazil. Rev Lat Am Enferm 2022; 30:e3609.. A VPI tem graves consequências para a saúde mental e física das mulheres, seja pela lesão física que pode resultar em incapacidade ou óbito, ou pelo contato prolongado com o estresse causado pela situação de violência, que leva a problemas crônicos de saúde55 Campbell JC. Health consequences of intimate partner violence. Lancet 2002; 359(9314):1331-1336..

A VPI atinge mulheres de todas as origens, no entanto, mulheres indígenas quando comparadas com mulheres não indígenas, possuem uma prevalência maior66 United Nations Entity for Gender Equality and the Empowerment of Women. Breaking the silence on violence against indigenous girls, adolescents and young women. New york: UNICEF; 2013.. A abordagem da VPI em mulheres indígenas é complexa pois muitos aspectos devem ser considerados como a exclusão e a violação dos direitos humanos a que os povos indígenas foram submetidos. A população indígena representa 5% da população mundial estando entre os povos mais desfavorecidos e marginalizados com altas taxas de pobreza e de mortalidade precoce77 Rizkalla K, Maar M, Reade M, Pilon R, McGregor L. Intimate Partner Violence Against Indigenous Men in Heterosexual Relationships: Toward a Culturally Safe Response in Primary Health Care Settings. Int J Indigenous Health 2021; 16(1):261-274.,88 Raja K. Poverty and racism inextricably linked says UN expert [Internet]. 2013 [cited 2022 dez 15]. Available ffrom: https://wwwsocialwatchorg/node/16324.
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. As condições em que a população indígena é inserida, pode contribuir para a ocorrência de altos índices de violência, e dentre elas a VPI99 Alani T. The bigger picture: The effects of intimate partner violence on Aboriginal women's mental health. Pimatisiwin 2013; 2:231-240.. Historicamente esta condição tem influência do processo de dominação europeia durante a colonização, onde o modo de vida tradicional foi alterado através do contato com a população não indígena1010 Ohenjo N, Willis R, Jackson D, Nettleton C, Good K, Mugarura B. Health of Indigenous people in Africa. Lancet 2006; 367(9526):1937-1946.. Este contato resultou no deslocamento de alguns povos do seu território tradicional para outras localidades, ocasionando a alteração das atividades econômicas e do padrão alimentar, além da extrema pobreza, e da inserção de drogas ilícitas e o uso excessivo e prejudicial do álcool1010 Ohenjo N, Willis R, Jackson D, Nettleton C, Good K, Mugarura B. Health of Indigenous people in Africa. Lancet 2006; 367(9526):1937-1946..

Um estudo realizado no Canadá em 2014, sobre VPI autorreferida, demonstrou que mulheres indígenas possuem o dobro de chances de sofrerem violência por parceiro íntimo, quando comparadas com mulheres não indígenas1111 Burczycka M. Trends in self-reported spousal violence in Canada, 2014 [Internet]. 2014 [cited 2022 dez 15]. Available from: https://www150.statcan.gc.ca/n1/pub/85-002-x/2016001/article/14303/01-eng.htm.
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. Na Austrália, dados de 2001 a 2010, demonstraram que a mulher indígena possui chance seis vezes maior de sofrer VPI quando comparada com mulheres não indígenas1212 Grech K, Burgess M. Trends and patterns in domestic violence assaults: 2001 to 2010. Sydney: NSW Bureau of Crime Statistics and Research; 2011..

No Brasil a população indígena representa cerca de 0,83% da população nacional pertencentes a mais de 300 etnias com suas particularidades políticas, econômicas e sociais1313 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2022. Indígenas: Primeiros resultados do universo [Internet]. [acessado 2023 set 10]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2102018#:~:text=Os%20primeiros%20resultados%20do%20Censo,étnico%20no%20Brasil%2C%20com%20a.
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. No estado do Mato Grosso do Sul, na macrorregião de Dourados, localizada na região sul do estado, os indígenas foram confinados em reservas indígenas e atualmente vivem em situações de extrema pobreza e com altos índices de marginalidade e violência1414 Aylwin J. Os direitos dos povos indígenas em Mato Grosso do Sul, Brasil. Confinamento e tutelar nos secular XI Informed [Internet]. [acessado 2022 dez 18]. Disponível: https://wwwiwgiaorg/es/documents-and-publications/iwgia-reports/130-iwgia-informe3/filehtml.
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Apesar das peculiaridades em que a população indígena vive, existe uma carência de estudos para abordar os aspectos epidemiológicos da VPI em mulheres indígenas. Estudos voltados para esta temática poderão contribuir para o entendimento dos fatores associados à ocorrência de VPI e auxiliar na elaboração de políticas públicas capazes de prevenir a situação de violência além de melhorar a qualidade de vida destes povos. Portanto, o objetivo deste estudo é analisar as notificações de violência por parceiro íntimo (VPI) contra as mulheres indígenas da macrorregião de Dourados-MS, entre os anos de 2009 e 2020.

Metodologia

Trata-se de um estudo transversal, com base de dados secundários sobre a violência contra mulheres indígenas, notificados na macrorregião de saúde de Dourados, Mato Grosso do Sul, e registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação-SINAN, no período entre 2009 e 2020.

Esta macrorregião possui cerca de 1 milhão de habitantes1515 Castro MGS. Teoria do estado de coisas inconstitucional na efetivação da saúde na macrorregião de Dourados/MS [monografia]. Dourados: Faculdade de Direito e Relações Internacionais, Universidade Federal da Grande Dourados; 2018.. A região é habitada majoritariamente pelos indígenas das etnias Guarani e Kaiowá. Os indígenas da etnia Terena também habitam essa região, mas em menor número. A maior concentração de Terenas da região está localizada no município de Dourados1616 Troquez MCC. Reserva Indígena de Dourados (1917-2017): composição multiétnica, apropriações culturais e desafios da subsistência [Internet]. Reserva Indígena de Dourados; 2019 [acessado 2022 dez 18]. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/prov0103.pdf.
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Os registros não identificados das notificações do SINAN foram fornecidos em setembro de 2022 pelo Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde - CIEVS estadual. O SINAN é um sistema nacional que é descentralizado para os municípios, onde são inseridos os dados dos agravos de notificação compulsória. A notificação de violência é realizada pelos profissionais de saúde e encaminhada para as vigilâncias epidemiológicas municipais, que são responsáveis pela inserção dos dados no SINAN.

Neste estudo foram analisadas as notificações de violência de mulheres com idade a partir de 10 anos, indígenas e residentes na macrorregião de saúde de Dourados. Foram excluídas do estudo notificações com registros de lesão autoprovocada e de mulheres que residem fora da localidade da macrorregião de saúde de Dourados-MS. Foi considerada violência praticada por parceiro íntimo, a notificação cujo agressor foi o cônjuge, ex-cônjuge, namorado ou ex-namorado, conforme o vínculo/grau de parentesco. A variável desfecho foi categorizada em violência por parceiro íntimo (sim) e violência realizada por outro perpetrador diferente do parceiro íntimo (não). As variáveis explicativas foram divididas em três grupos:

  • Características das mulheres: faixa etária (10-19, 20-29, 30-39, 40-49, >50); gestante (sim; não), situação conjugal (com parceiro; sem parceiro);

  • Características do agressor: ingestão de bebida alcoólica pelo agressor (sim; não);

  • Características do ato violento: violência de repetição, ou seja, se a mulher sofreu violência em outros momentos (sim; não); local de ocorrência (residência; outro local); município de ocorrência (interior do estado; linha de fronteira) e tipos de violência (física; psicológica; sexual).

Com relação ao município em que o ato violento ocorreu, foram considerados municípios de linha de fronteira, aqueles que possuem divisa territorial com o Paraguai, cortados pela fronteira, seja essa seca ou fluvial, com ou sem infraestrutura e integração econômica e cultural, podendo ou não apresentar uma conurbação ou semiconurbação. Neste grupo constam os seguintes municípios: Antônio João, Aral Moreira, Coronel Sapucaia, Japorã, Paranhos, Ponta Porã e Sete Quedas. O grupo dos municípios da macrorregião de Dourados que não são cidades gêmeas e que não possuem divisa territorial com o Paraguai são: Amambai, Caarapó, Dourados, Douradina, Itaporã, Eldorado, Ivinhema, Rio Brilhante, Juti, Laguna Carapã, Naviraí, Nova Andradina, Tacuru, Iguatemi, Taquarussu e Vicentina1717 Moreira Junior O. Cidades pequenas na fronteira: os casos de Caracol e Bela vista, no Mato Grosso do Sul, Brasil. Boletim Geografia 2018; 36(3):108-123..

As seguintes variáveis não foram avaliadas devido à baixa completitude: escolaridade (68,4%), horário de ocorrência (67,6%) e ocupação (48,9%). As análises sobre o ciclo de vida do agressor não foram realizadas, pois somente foram incluídas na ficha de notificação a partir de 2014.

As análises estatísticas foram processadas no software R (versão 4.1.2). Para a análise descritiva, as variáveis explicativas foram categorizadas e descritas conforme frequências e proporções de acordo com o desfecho (VPI; Violência por não parceiro íntimo). Os missings e os dados ignorados das variáveis não foram analisados. O Teste qui-quadrado foi utilizado para comparar as proporções. Para estimar a razão de prevalência (RP) foi realizada a regressão de Poisson em duas etapas: inicialmente realizou-se a análise bivariada com todas as variáveis (idade, gestação, uso de bebida alcóolica por parte do agressor, local de ocorrência, cidade de ocorrência e violência de repetição) e posteriormente todas as variáveis com p<0.20 foram incluídas na análise multivariada.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (CEP/ENSP-FIOCRUZ- parecer nº 5.274.177) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP-parecer nº 5.469.695). A Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Mato Grosso do Sul assinou a carta anuência para a realização da pesquisa, e o Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde - CIEVS estadual forneceu os dados não identificados do SINAN.

Resultados

Foram notificados 3.080 casos de violência contra as mulheres indígenas na macrorregião de saúde de Dourados, entre os anos de 2009 e 2020. Deste total, 202 notificações foram excluídas por serem de lesão autoprovocada. Também foram excluídas 237 notificações de mulheres com idade inferior a 10 anos, 11 notificações de mulheres que residiam em outro município, 225 notificações que não possuíam informações sobre o parceiro e 942 notificações com variáveis sem registro (missing) ou com o registro ignorado. Foram analisadas 1.463 notificações (Figura 1).

Figura 1
Metodologia de seleção das notificações.

Do total de notificações analisadas, a maior proporção foi de violência física e posteriormente de violência psicológica, 93,3% e 27,0% respectivamente. A violência sexual esteve presente em 9,8% das notificações e as outras violências (violência financeira; intervenção legal; negligência e abandono; tortura; tráfico de seres humanos) em 4,8% das notificações (Figura 2).

Figura 2
Proporção de notificações de mulheres indígenas que sofreram violência na macrorregião de Dourados, Mato Grosso do Sul, segundo o tipo de violência, 2009-2020.

Entre as notificações, 831 (56,8%) foram de mulheres que sofreram VPI. Na análise descritiva das características das mulheres indígenas que sofreram VPI, a maior proporção foi em mulheres com idade 20 a 29 anos (34,3%), não gestante (83,4%) e que possuíam parceiro atual (87,0%). Entre as mulheres que sofreram violência por não parceiro, o maior percentual foi de mulheres entre 10 e 19 anos (39,7%), não gestante (92,7%) e que não possuíam parceiro (61,7%) (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição absoluta e proporcional das características das mulheres indígenas com notificação de violência, segundo violência por parceiro íntimo e violência por não parceiro, da macrorregião de Dourados-MS, 2009 a 2020.

Na análise descritiva das características do agressor, a ingestão de bebida alcoólica por parte do agressor teve a maior proporção em ambos os eventos, 86,3% na VPI e 70,3% na violência por não parceiro (Tabela 1).

Entre as variáveis relacionadas ao ato violento, apresentaram maiores proporções na VPI a violência de repetição (64,1%), ocorrência da VPI nas cidades que não fazem linha de fronteira com alguma cidade paraguaia (75,0%) e a residência como local de ocorrência do ato (91,3%). Na violência por não parceiro íntimo a maior parte das mulheres não sofreram violência de repetição (69,5%), a maior proporção de ocorrência da violência ocorreu em cidades que não fazem linha de fronteira com alguma cidade paraguaia (75,0%) e 69,0% dos casos de violência ocorreram na residência. Em todas as análises a diferença entre as proporções foram estatisticamente significativas exceto cidade de ocorrência (p=0,989) (Tabela 1).

De acordo com o modelo ajustado, mulheres com companheiros apresentaram a prevalência de VPI 32% maior, quando comparadas com as mulheres sem companheiro (RP 1,32, IC95% 1,19; 1,46). Mulheres que sofrem a violência crônica, chamada de violência de repetição, apresentaram uma prevalência de 15% maior (RP 1,15, IC95% 1,05; 1,25) quando comparadas com as mulheres que não sofrem violência crônica, controladas pelas demais variáveis. Quanto ao local de ocorrência, a mulher estando no domicílio, aumenta a prevalência de VPI (RP 1,13, IC95% 1,01; 1,29), quando comparada com a ocorrência da violência em outros locais, ajustadas pelas demais variáveis (Tabela 2).

Tabela 2
Razão de prevalência bruta e ajustada para a VPI, conforme as características das mulheres indígenas notificadas na macrorregião de Dourados-MS, entre os anos de 2009 e 2020.

Discussão

A VPI é identificada como a forma mais comum de violência contra as mulheres, estando entre as cinco principais causas de incapacidades a nível mundial11 Arango DJ. Morton M, Gennari F, Kiplesund S, Ellsberg M. Interventions to prevent or reduce violence against women and girls: A systematic review of reviews. The World Bank; 2014.,1818 Olff M, Wall Stig. Intimate partner violence and mental health-Remarks from two Chief Editors on a joint publishing venture. Eur J Psychotraumatol 2014; 5(1):25679.. No presente estudo, não houve um aumento significativo das prevalências de VPI associado as faixas etárias. Em um estudo realizado no estado do Paraná com mulheres não indígenas, a proporção de notificações de VPI entre 2009 e 2012 foi de 38,4% e entre 2013 e 2016 foi 39,1% na faixa etária de 20 a 29 anos1919 Moroskoski M. Brito FAM, Queiroz RO, Higarashi IH, Oliveira RR. Aumento da violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo: uma análise de tendência. Cien Saude Colet 2021; 26(Supl. 3):4993-5002.. Já em outro estudo que realizou a análise de 2.807 boletins de ocorrência de violência doméstica contra mulheres no município de Dourados-MS, entre os anos de 2017 e 2018, a média de idade das vítimas foi de 32,5 anos. Deste total, 265 boletins de ocorrência foram de mulheres indígenas que sofreram violência doméstica e a média de idade das vítimas foi de 32,1 anos2020 Machado SP. Violência doméstica e familiar: análise de documentos na Delegacia de Atendimento à Mulher de Dourados-MS [dissertação]. Dourados: Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados; 2020.. No entanto, podemos concluir que em termos proporcionais, os resultados encontrados neste estudo em relação à idade, são semelhantes ao que a literatura demonstra.

Merece preocupação, a alta proporção de mulheres que sofrem violência com idade entre 10 e 19 anos. Neste estudo, na violência por não parceiro íntimo, 40,7% das mulheres estão na faixa etária entre 10 e 19 anos, o que pode ter associação com as transformações sociais, culturais, econômicas, desestruturação familiar e a perda do território. A população indígena da macrorregião de saúde de Dourados vive em reservas indígenas, aldeias ou em áreas de retomada, sendo estes últimos considerados instáveis e não reconhecidos pelo estado, não havendo se quer em alguns locais, o atendimento da equipe de saúde indígena do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI). Neste processo de criação das reservas indígenas, a população indígena vive em regiões com altas densidades populacionais, recursos produtivos insuficientes, quadros econômicos precários e a persistência de racismo por não indígenas, o que impacta no modo e na qualidade de vida, levando ao crescimento dos conflitos políticos, sociais, econômicos e de gênero2121 Viana AEA, Zimmermann TR. Relações de gênero e violência contra mulheres indígenas em Amambai-MS (2007-2013). Espaço Ameríndio 2015; 9(1):105.. Essa dinâmica complexa e desfavorável pode contribuir para que as mulheres indígenas sejam precocemente vítimas da violência.

Quanto à gestação, nos resultados obtidos neste estudo, não houve aumento da prevalência da VPI em mulheres gestantes quando comparadas a mulheres não gestantes. A mulher está sujeita à violência em qualquer momento da vida, e a violência na gestação merece uma atenção especial, pois ocorre num período de maior sensibilidade emocional e alterações físicas podendo causar danos tanto para a mulher quanto para o feto2222 Audi CAF, Segall-Corrêa AM, Santiago SM, Andrade MGG, Pèrez-Escamila R. Violência doméstica na gravidez: prevalência e fatores associados. Rev Saude Publica 2008; 42:877-885.. Poucos estudos abordam a gravidez como fator relacionado a VPI, sendo protetor ou gatilho para a ocorrência2323 Van Parys A, Verhamme A, Temmerman M, Verstraelen H. Information sheet Intimate partner violence during pregnancy. PLoS One 2014; 9(1):183-197.. Em um estudo realizado na cidade do Recife, estado do Pernambuco, foi analisado o padrão da violência por parceiro íntimo antes e durante a gestação e no pós-parto. Nesta pesquisa, não se observou grandes alterações na prevalência da VPI pré-gestação e na gestação, sendo de 32,4% e 31,0% respectivamente. No entanto, houve alteração em relação ao tipo de violência sendo a física prevalente no período pré-gestação, a psicológica na gestação e a violência sexual se mantendo constante2424 Silva EP, Ludermir AB, Araújo TVB, Valongueiro SA. Freqüência e padrão da violência por parceiro íntimo antes, durante e depois da gravidez. Rev Saude Publica 2011; 45:1044-1053.. Em algumas das comunidades, é comum a ideia de posse masculina do corpo feminino, sendo esse pensamento no contexto indígena, possivelmente uma herança do processo de dominação europeia no período colonial, ou um reflexo da interação dos indígenas com a população não indígena2525 Nichnig CR. Refletindo sobre a atuação política das mulheres indígenas guarani e kaiowá, o enfrentamento às violências de gênero e o acesso à educação universitária: diálogos possíveis a partir da kuñangue aty guasu [Internet]. [acessado 2022 nov 10]. Disponível em: https://www.snh2021.anpuh.org/resources/anais/8/snh2021/1628534842_ARQUIVO_44f6903ab74f4c41e145029d9c111686.pdf.
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. Na medida que existe a iniquidade de gênero na população, é possível que a ocorrência de práticas violentas aumente em todas as fases da vida, inclusive na gravidez.

Este estudo também demonstrou um aumento da prevalência de VPI na presença de um parceiro atual. Situação semelhante foi observada na análise das notificações de violência doméstica no estado de Santa Catarina2626 Galeli PR. Violência doméstica contra a mulher em Santa Catarina: panorama da notificação compulsória de casos [dissertação]. Santa Catarina: Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Universidade Estadual de Santa Catarina; 2019.. Conforme um estudo realizado na Paraíba, com mulheres atendidas em um Centro de Referência da Mulher, as mulheres permanecem na situação de violência devido à dependência financeira2727 Costa MS, Serafim MLF, Nascimento ARS. Violência contra a mulher: descrição das denúncias em um Centro de Referência de Atendimento à Mulher de Cajazeiras, Paraíba, 2010 a 2012. Epidemiol Serv Saude 2015; 24:551-558.. Nas etnias Guarani e Kaiowá as relações de gênero têm se tornado conflituosas devido ao recolhimento dos indígenas em pequenos territórios, degradação do ambiente natural e redução das práticas xamânticas e rituais2828 Zimmerman TR, Viana AEA. Apontamentos sobre gênero e violência contra mulheres indígenas em Amambai-MS (2007-2014). Tellus 2014; 27:117-128.. Mas outros fatores também podem ter relação com a associação entre a VPI e a situação conjugal nesta população. Enquanto as mulheres indígenas Guarani e Kaiowá geralmente são responsáveis por ficar no território indígena cuidando do lar, dos filhos e mantendo as tradições culturais, os homens frequentemente buscam trabalho fora das terras indígenas2929 Pereira LM, Silva MF. Imagens Kaiowá do sistema social e seu entorno [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2004.. Portanto, o fato de a mulher permanecer no ambiente doméstico e o homem sair do território indígena em busca de trabalho, pode contribuir para aumentar a dependência financeira das mulheres em relação aos companheiros, obrigando as mulheres a permanecerem em situação de violência.

O consumo de álcool por parte do agressor na VPI é um achado presente em vários estudos no mundo3030 Menezes TC, Amorim MMR, Santos LC, Faúndes A. Violência física doméstica e gestação: resultados de um inquérito no puerpério. Rev Bras Ginecol Obstetr 2003; 25:309-316.. Acredita-se que o uso do álcool por parte do parceiro íntimo é um fator que pode facilitar a ocorrência de atos violentos através da modificação do comportamento3030 Menezes TC, Amorim MMR, Santos LC, Faúndes A. Violência física doméstica e gestação: resultados de um inquérito no puerpério. Rev Bras Ginecol Obstetr 2003; 25:309-316.. Um estudo realizado com mulheres indígenas americanas entre 1999 e 2004, demonstra uma associação positiva entre o consumo de álcool e a ocorrência de VPI3131 Brownridge DA. Understanding the elevated risk of partner violence against Aboriginal women: A comparison of two nationally representative surveys of Canada. J Family Violence 2008; 23(5):353-367.. Em um estudo com entrevistou mulheres indígenas da etnia Sateré-Mawé, do estado do Amazonas, o álcool foi elencado como o principal responsável pela violência doméstica3232 Barroso MF, Torres IC. Significado da violência doméstica para as mulheres Sateré-Mawé no município de Parintins-Amazonas [Internet]. Fazendo Gênero; 2010 [acessado 2022 nov 10]. Disponível em: https://www.fg2010.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1278285247_ARQUIVO_Artigo-Mulheressatere-maweeosignificadodaviolenciaFinal.pdf.
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. Entre os indígenas da macrorregião de saúde de Dourados-MS, a mistura étnica através do contato com a população não indígena e com os indígenas do Paraguai, tem proporcionado modificações incluindo o uso excessivo e prejudicial do álcool e de outras drogas ilícitas dentro das terras indígenas, gerando um aumento no número de casos de violência3333 Pereira L. As Políticas públicas para a saúde indígena e a política de saúde das mulheres Kaiowá da reserva de Amambai, MS: aproximações e impasses [dissertação]. Dourados (MS): Universidade Federal da Grande Dourados; 2020.. As terras e reservas indígenas próximas aos centros urbanos possuem uma intensificação do contato com a população urbana o que também contribui para o aumento do consumo excessivo do álcool e drogas ilícitas dentro dos seus territórios1616 Troquez MCC. Reserva Indígena de Dourados (1917-2017): composição multiétnica, apropriações culturais e desafios da subsistência [Internet]. Reserva Indígena de Dourados; 2019 [acessado 2022 dez 18]. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/prov0103.pdf.
https://acervo.socioambiental.org/sites/...
. No entanto, neste estudo não houve um aumento significativo da prevalência de violência por parceiro íntimo entre as mulheres cujo agressor estava sob efeito do álcool. O resultado sobre o uso do álcool pelo agressor e a VPI neste estudo deverá ser interpretado com cautela uma vez que a amostra aqui analisada representa somente as mulheres que foram atendidas nos serviços de saúde e foram notificadas através da ficha de notificação compulsória.

Na caracterização do tipo de violência é importante destacar que raramente a mulher está sujeita apenas a um tipo de violência pois alguns fatores de risco são compartilhados pelos vários tipos de violência (física, psicológica, sexual e outras violências). Normas econômicas, sociais, culturais, o uso abusivo do álcool e outras drogas, e o acesso a armas de fogo são fatores relacionados a ocorrência de mais de um tipo de violência. Mulheres que sofrem VPI estão sujeitas à todo tipo de violência, sejam elas isoladas ou associadas3434 Smith PH, Smith JB, Earp JAL. Beyond the measurement trap: A reconstructed conceptualization and measurement of woman battering. Psychol Women Quarterly 1999; 23(1):177-193.. Neste estudo, o tipo de violência mais praticado foi a física. Este resultado corrobora com o achado de outros estudos que utilizaram dados do SINAN para avaliar a violência em populações não indígenas. Em um estudo realizado no estado do Pernambuco, que analisou 18.125 notificações de violência entre os anos de 2015 e 2019, o tipo de violência predominante foi a física (53,3%)3535 Pestana JTS, Santos EKM, Silva AMM, Rocha CM, Nascimento GA, Rodrigues IS, Silva MC, Monteiro TMQ. Epidemia invisível: perfil epidemiológico de mulheres vítimas de violência doméstica no Estado de Pernambuco entre 2015 e 2019. Braz J Develop 2021; 7(6):64290-64308.. É importante ressaltar que a violência física é a mais notificada e valorizada pelos profissionais, pois a mesma desencadeia a ida ao serviço de saúde, deixa marcas físicas e é a representação da imagem da violência3636 Acosta DF, Gomes VLO, Oliveira DC, Marques SC, Fonseca AD. Representações sociais de enfermeiras acerca da violência doméstica contra a mulher: estudo com abordagem estrutural. Rev Gaucha Enferm 2018; 39:e61308.. Já a violência psicológica dentro de um relacionamento, em algumas situações não é percebida pelo profissional notificador, por ser um tipo de violência que não permite identificar algum “marcador” da agressão associado à violência3636 Acosta DF, Gomes VLO, Oliveira DC, Marques SC, Fonseca AD. Representações sociais de enfermeiras acerca da violência doméstica contra a mulher: estudo com abordagem estrutural. Rev Gaucha Enferm 2018; 39:e61308..

A violência de repetição neste estudo apresentou uma prevalência maior na VPI. Estudos demonstram que a violência de repetição está conectada ao ambiente doméstico e consequentemente à VPI. A violência de repetição envolve o convívio próximo com o agressor que pode ser um familiar (pai, mãe, irmão, irmã) ou parceiro íntimo3737 Gaspar RS, Pereira MUL. Evolução da notificação de violência sexual no Brasil de 2009 a 2013. Cad Saude Publica 2018; 34:e00172617.. Muitas mulheres continuam no ambiente de violência pois acreditam na mudança dos parceiros, que eles deixarão de ser violentos, ou porque possuem dependência financeira. Outros fatores também contribuem para que a mulher se mantenha em uma relação de violência, tais como: medo de perder os filhos, exposição perante aos amigos e familiares, dependência emocional e afetiva do companheiro e medo das ameaças realizadas pelos agressores2727 Costa MS, Serafim MLF, Nascimento ARS. Violência contra a mulher: descrição das denúncias em um Centro de Referência de Atendimento à Mulher de Cajazeiras, Paraíba, 2010 a 2012. Epidemiol Serv Saude 2015; 24:551-558.. Na ocorrência de um ato de violência contra mulheres, o fato é levado primeiramente para a liderança local, sendo esta que decide se vai prosseguir com a denúncia ou realizar o aconselhamento. No entanto, muitas mulheres deixam de levar o fato para a liderança com receio da incompreensão ou por sofrerem alguma pressão por parte da comunidade e/ou dos familiares. Outras já não denunciam com receio da situação de violência se agravar ou por considerarem que a justiça indígena e não indígena não garantem a proteção, ou por não conhecerem a lei, ou por considerarem de difícil acesso3838 Santos NMT, Pereira LM. Gênero e geração: a configuração dos papéis sociais atribuídos à mulher nas comunidades kaiowá e guarani contemporâneas de Mato Grosso do Sul [Internet]. [acessado 2022 dez 14]. Disponível em: http://eventos.ufgd.edu.br/enepex/anais/arquivos/454.pdf.
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. Portanto, a falta da denúncia e a dificuldade de aplicação da lei dentro do território indígena podem contribuir para a manutenção do ciclo vicioso da violência no ambiente doméstico nessa população estudada.

Em relação ao local de ocorrência do ato violento, a residência também esteve associada ao aumento da prevalência VPI corroborando com os resultados de outros estudos. Este achado demonstra que o domicílio, ao invés de ser um local de acolhimento e protetor contra as diversas formas de violência, pode ser um lugar perigoso na presença do agressor, sendo um ambiente de medo, tensão e agressões constantes2727 Costa MS, Serafim MLF, Nascimento ARS. Violência contra a mulher: descrição das denúncias em um Centro de Referência de Atendimento à Mulher de Cajazeiras, Paraíba, 2010 a 2012. Epidemiol Serv Saude 2015; 24:551-558.. Em um estudo realizado na Paraíba entre os anos de 2010 e 2012, a maioria da vítimas de violência sofreram o ato dentro do seu próprio domicílio2727 Costa MS, Serafim MLF, Nascimento ARS. Violência contra a mulher: descrição das denúncias em um Centro de Referência de Atendimento à Mulher de Cajazeiras, Paraíba, 2010 a 2012. Epidemiol Serv Saude 2015; 24:551-558.. Nos indígenas Guarani e Kaiowá, a organização social destaca-se pelo fogo doméstico como a unidade dos coletivos indígenas e influenciadora das relações de gênero2929 Pereira LM, Silva MF. Imagens Kaiowá do sistema social e seu entorno [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2004.. O fogo doméstico é constituído por pessoas ligadas por conjugalidade que unem os homens e mulheres e por descendência que unem pais e filhos, sendo as mulheres responsáveis por controlar este fogo doméstico unindo e alimentando seus integrantes2929 Pereira LM, Silva MF. Imagens Kaiowá do sistema social e seu entorno [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2004.. Portanto, a modificação social, econômica e cultural entre estes indígenas, e a descontinuação do fogo doméstico, devido ao contato com não indígenas, à falta de terras e os constantes conflitos com agropecuários, tem aumentado a violência nos territórios indígenas3939 Pereira LM. A criança kaiowa, o fogo doméstico e o mundo dos parentes: espaços de sociabilidade infantil. Encontro Anual ANPOCS 2008; 32:1-24..

Na verificação da cidade de ocorrência da VPI, residir em cidades gêmeas ou que possuem linha de fronteira com o Paraguai, não teve associação com a VPI. O estado do Mato Grosso do Sul faz divisa com vários estados brasileiros (Mato Grosso, São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Paraná) e, também, com dois países, a Bolívia e o Paraguai. Essa localização geográfica faz com que o estado seja uma rota para as drogas que saem dos países fronteiriços4040 Batistote JR, Nepomuceno DA. Tráfico de drogas, crime organizado e a relação com as pessoas chamadas de "mulas" no transporte de ilicitos na fronteira do Mato Grosso do Sul e países vizinhos [Internet]. 2019 [acessado 2022 nov 28]. Disponível em: https://www.idesf.org.br/old/assets/uploads/anexos/mulas.pdf.
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. Apesar de ser uma região violenta, outros fatores como as características sociodemográficas dos municípios, precisam ser avaliados para verificar se o contexto municipal influencia na ocorrência de VPI contra as mulheres indígenas da região.

A notificação do agravo violência e a inserção dos dados nos sistemas de informação em saúde são ferramentas importantes pois possibilitam o reconhecimento dos tipos de violência que são atendidos pelos serviços de saúde, o perfil da população mais acometida, além de subsidiar a implantação de políticas públicas de prevenção e enfrentamento das situações de violência. No entanto, em se tratando de população indígena, durante a notificação dos casos suspeitos e/ou confirmados de violência, é preciso considerar o contexto intercultural e a diversidade dos povos indígenas do Brasil. Ao respeitar as especificidades de cada povo será possível cumprir o direito de autodeterminação e possibilitar a inclusão dos povos indígenas na discussão das políticas de enfrentamento da violência.

O presente estudo apresentou algumas limitações. Dentre essas, a etnia dos indígenas não pode ser identificada. A etnia está vinculada com à cultura e ao modo de vida e através da análise desta variável, seria possível conhecer os comportamentos de cada grupo étnico perante à ocorrência da VPI. Uma outra limitação é a falta de análises de outros bancos de dados como o da Segurança Pública, do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) para determinar a magnitude e a gravidade dos casos de violências contra as mulheres indígenas da macrorregião de saúde de Dourados. Ao utilizar dados secundários neste estudo, não possível comparar as mulheres que sofreram VPI com aquelas que não sofreram nenhum tipo de violência, uma vez que todas as mulheres deste estudo sofreram violência, seja por parceiro íntimo ou por outro perpetrador. Para além disso, a incompletude e a inconsistência dos dados do SINAN presente nos dados secundários podem influenciar nas análises.

Este estudo demonstrou que a maioria das notificações de violência contra as mulheres indígenas registradas nos serviços de saúde da macrorregião de saúde de Dourados-MS são perpetradas por parceiro íntimo. O conhecimento do perfil das violências que chegam nos serviços de saúde aliado aos fatores associados, deverão possibilitar a implementação de estratégias voltadas para a redução do número de casos além de auxiliar os profissionais de saúde, assistência social, segurança pública e judiciário a realizar um atendimento adequado das mulheres vítimas de violência, através do entendimento do contexto em que essa violência ocorre.

Agradecimentos

Ao Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde do Estado do Mato Grosso do Sul pelo fornecimento dos dados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    Dez 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2023
  • Aceito
    29 Fev 2024
  • Publicado
    19 Jun 2024
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br