“Do chão dos territórios”: uma entrevista com Weibe Tapeba, secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde

Ricardo Weibe Tapeba Ana Lucia de Moura Pontes Ricardo Ventura Santos Diádiney Helena de Almeida Luiza Garnelo Sobre os autores

Resumo

Nesta entrevista, Weibe Tapeba, secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde no governo Lula, aborda o processo de reorganização da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) e do protagonismo indígena na nova gestão. Entre os pontos destacados pelo entrevistado estão a avaliação do cenário da saúde indígena no contexto político atual do Ministério da Saúde, os diálogos com as organizações do movimento indígena, assim como a articulação com instituições de pesquisa e ensino. A entrevista destaca a importância da elaboração de estratégias visando a reestruturação da SESAI e o aperfeiçoamento da política pública de saúde indígena envolvendo uma extensa articulação entre planejamento, gestão, financiamento e a participação social indígena com controle social. O secretário enfatiza a necessidade de cooperação política no âmbito do governo federal para promover o desenvolvimento de uma política de “cuidado integral nos territórios indígenas”, defendendo que a concepção de atenção primária à saúde precisa ser ampliada para garantir que os princípios do SUS sejam efetivamente garantidos aos povos indígenas no Brasil.

Palavras-chave:
Movimentos sociais; Povos indígenas; Saúde indígena

Ricardo Weibe Nascimento Costa, nascido em 8 de junho de 1983, pertence ao povo Tapeba, que habita a Terra Indígena Tapeba, no estado do Ceará, Brasil. Graduado em direito, sua militância no campo dos direitos indígenas começou quando ainda jovem, no âmbito da Educação Escolar Indígena, atuando em várias frentes nas lutas pela educação diferenciada, pela demarcação do território e pela saúde indígena. É vereador no município de Caucaia, Ceará, desde 2016. Tem ampla experiência no tema do controle social e atuou como assessor jurídico em várias organizações indígenas. Atualmente, ocupa a posição de secretário de Saúde Indígena no Ministério da Saúde.

Conte-nos sobre sua trajetória, sua atuação no movimento indígena e suas relações com a área da saúde indígena.

Os meus pais e avós são lideranças indígenas históricas do povo Tapeba, e eu, desde bastante jovem, acompanhava os espaços das reuniões, assembleias, ocupações e retomadas. Cresci dentro do movimento indígena. Com 14 anos, assumi uma função estratégica na comunidade ajudando minha tia, Professora Sinhá, uma das pioneiras na educação escolar indígena no Ceará, que iniciou um projeto de educação diferenciada em uma escola que funcionava debaixo de um cajueiro. Aos 17 anos de idade fui contratado pelo primeiro convênio da Seduc [Secretaria de Educação do Ceará] com a Associação das Comunidades dos Índios Tapeba de Caucaia. Fui coordenador e diretor de escola, fundei a Associação de Professores Indígenas Tapeba e, depois, a Organização dos Professores Indígenas do Ceará. Atuei por dez anos em uma instância de controle social, a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena, vinculada ao Ministério da Educação. Em seguida, fui indicado, em 2006, para atuar como relator da Subcomissão de Terra e Território na Comissão Nacional de Política Indigenista, antiga CNPI, que deu lugar ao Conselho Nacional de Política Indigenista. Entre 2006 e 2010 fui assessor regional da Coordenação Regional Nordeste II da Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], que inclui Piauí, Rio Grande do Norte e Ceará. No último ano da coordenação, em 2010, fui coordenador regional substituto, quando adquiri experiência em uma gestão mais ampla naquela região. Também em 2010, fui praticamente “empurrado” para o curso de direito depois de ser enganado por um procurador da Funai, em Brasília, em um processo no qual a nossa demarcação tinha sido anulada por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça. Passei pela Rede Nacional de Advogados(as) Indígenas, assessorei a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil [Apib] e a APOINME [Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo]. Na área da saúde, atuei nas instâncias de Controle Social no estado, no Conselho Local de Saúde e no Conselho Distrital. Minha mãe é agente indígena de saúde, meu pai é do quadro histórico que vem lutando pela política de saúde e atua nessa área do Controle Social desde a época da FUNASA [Fundação Nacional de Saúde]. Eu me considero um militante do movimento indígena que trabalha em diversas vertentes.

Como foi o cenário que levou à sua indicação e nomeação como secretário de Saúde Indígena no atual governo Lula?

O então pré-candidato a presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, esteve no Acampamento Terra livre [ATL] em 2022 e, indicado pela Apib e pela APOINME, eu disse que havia um interesse do movimento indígena brasileiro de garantir a sua reeleição, mas que “a gente queria ajudar a governar esse país”11 Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Carta aberta do Acampamento Terra Livre ao pré-candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva [Internet]. 2022. [acessado 2024 jun 18]. Disponível em: https://apiboficial.org/2022/04/12/carta-aberta-do -acampamento-terra-livre-ao-pre-candidato-a-presidencia-da-republica-luiz-inacio-lula-da-silva/
https://apiboficial.org/2022/04/12/carta...
. Após as eleições, o presidente Lula assumiu o compromisso de criar o Ministério dos Povos Indígenas [MPI]. Nesse período, me afastei da Câmara dos Vereadores de Caucaia, Ceará, onde eu era vereador desde 2016, para compor o grupo de trabalho da transição de governo. Nesse momento, fiz parte da lista tríplice da Apib, junto com Joênia Wapichana e a Sônia Guajajara, para assumir o MPI. As organizações indígenas queriam chegar de forma consensual e ajudar o projeto de governo do presidente Lula. Então, como filiado ao Partido dos Trabalhadores [PT], fui o primeiro a recuar e recebi, a princípio, o convite para assumir a Funai ou a SESAI. Foi junto à Apib e às organizações regionais que pactuamos a ideia de compor o governo, e quando a ministra da Saúde Nísia Trindade me fez o convite. Não aceitei de imediato porque precisava retornar, conversar com o [governador] Elmano, do PT, com a minha família, com as lideranças do meu povo, com o movimento do Ceará e fazer uma composição com a APOINME. Só depois aceitei o convite da ministra, colocando inicialmente dois pontos que, para mim, eram fundamentais22 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Ativista e advogado Ricardo Weibe Tapeba é o novo secretário de Saúde Indígena [Internet]. 2023. [acessado 2024 jun 18]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/ativista-e-advogado-ricardo-weibe-tapeba-e-o-novo-secretario-de-saude-indigena
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
. O primeiro era a recomposição do orçamento da SESAI. O presidente Bolsonaro tinha apresentado uma proposta orçamentária de corte de 59% no orçamento, o que iria acabar praticamente com a política de saúde indígena. Assim, conseguimos, ainda na transição, assegurar duas suplementações orçamentárias de mais de 500 milhões de reais para garantir a manutenção dos contratos até o fim do ano. E o outro ponto, uma questão também pessoal, era que, ainda no começo de 2022, havia uma discussão em Brasília indicando que a SESAI estaria impedida de realizar investimentos em áreas [indígenas] não homologadas, o que feria frontalmente os direitos das comunidades indígenas. Quando recebi o convite, era para mostrar que era possível fazer diferente e, no primeiro dia de gestão, tornei sem efeito essa decisão.

Qual o significado e como você avalia o impacto de ter alguém do movimento indígena à frente da SESAI?

É a demarcação de uma política focada no chão dos territórios indígenas, alinhada com os verdadeiros interesses dos usuários, empoderando pessoas indígenas na condução da Secretaria. Estamos vivendo um momento de protagonismo indígena aqui no nosso país e esse é o primeiro ponto. O segundo é que há uma visão de que só uma pessoa ligada à área da saúde poderia atuar na SESAI, ou em qualquer outra secretaria do Ministério da Saúde. Ora, se no governo passado o nível central e os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) foram entregues nas mãos de militares, sem conhecimento ou compromisso com a causa indígena, por que é que, agora, se questiona quanto a uma pessoa que vem do chão do território, cuja mãe é agente indígena de saúde e que vivenciou e vivencia os mesmos problemas? Tenho duas hérnias de disco por carregar cargas de água por 8 a 9 km. Então, eu sei o que é dificuldade de ter acesso à água potável e conheço, por dentro, os problemas que se vive em nossos territórios. Posso dizer com tranquilidade que, de todas as secretarias do Ministério da Saúde, a SESAI foi a mais impactada pela intervenção militar na gestão Bolsonaro. Gerou-se um caos absoluto na área da assistência. Há muitos entraves na regulação no que diz respeito aos municípios ou estados, o que se vincula a um ranço de muito preconceito. A Apib e suas organizações regionais foram, na gestão passada, impedidas de participar das reuniões do Fórum dos Presidentes [dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena - FPCondisi], instância que foi aparelhada com representação indígena para legitimar os atos encaminhados. Então, estamos buscando caminhar na contramão da desestruturação ocorrida anteriormente: fortalecendo o controle social; dando autonomia ao FPCondisi, incluindo a Apib e suas organizações regionais; e orientando os conselhos distritais para garantir uma participação mais efetiva na constituição do PDSI [Plano Distrital de Saúde Indígena].

Considerando sua experiência no “chão do território”, qual foi, em um primeiro momento, o principal desafio enquanto gestor que dialoga com o movimento indígena a partir do Ministério da Saúde?

A primeira estratégia que utilizamos foi receber todo mundo. É importante dialogar com as pessoas, as lideranças, os tuxaua, os caciques e as organizações indígenas. Havia uma orientação política anterior de não dialogar com o movimento indígena. Assim, nos primeiros meses, recebemos lideranças dia e noite porque havia uma expectativa muito grande de mudanças imediatas. Buscamos uma gestão compartilhada com os próprios interesses das populações indígenas, indo sempre que possível aos territórios para estabelecer compromissos.

Passado um ano de gestão, iniciada em 2023, o que poderia dizer sobre os avanços e os desafios?

Fizemos um diagnóstico que tem orientado a gestão a pensar na superação de problemas antigos. O soro antiofídico é um bom exemplo de insumo adquirido pelo Ministério da Saúde que não chegava à SESAI. Após debate interno, esses insumos estão começando a alcançar os polos-base [subdivisão territorial dos DSEI - Distrito Sanitário Especial Indígena] nos nossos territórios, equipes estão sendo treinadas e toda a rede está sendo reestruturada para que mais ninguém morra por ataque de animal peçonhento. As nossas unidades precisam de maior estrutura e a nossa assistência necessita ser mais resolutiva. Há um modelo de atenção primária que precisa ser aprimorado e pretendemos discutir isso. A segunda estratégia passava por reconhecer que há um passivo muito grande na estruturação das nossas unidades de saúde. Estamos falando de condições de trabalho para os nossos profissionais e de assistência aos nossos usuários. Em apenas 20% dos mais de 700 territórios acompanhados pelas nossas equipes de saúde há saneamento e alguma solução de água potável. Há vazios assistenciais, equipes incompletas e um atendimento precarizado em diversos territórios. E o nosso orçamento não tem acompanhado essa demanda, o que se constitui em um dos nossos principais desafios. Tem desafios de gestão e de planejamento, sendo fundamental a garantia orçamentária. Em 2023, propusemos um aumento na nossa LOA [Lei Orçamentária Anual] e foram aprovados 900 milhões a mais. Acredito que ainda não é suficiente, por isso buscamos novas fontes de financiamento. No debate com a Casa Civil, conseguimos incluir, pela primeira vez, a saúde indígena no Plano de Aceleração de Crescimento [PAC]. Dialogamos também com a Fiocruz a respeito de projetos junto ao BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. Com o Fundo Amazônia tem um campo favorável para financiamento, pela primeira vez, de projetos na área da infraestrutura. No Ministério da Saúde há um programa chamado Proadi-SUS [Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde] que opera na lógica de uma espécie de política de isenção fiscal: os hospitais de excelência financiam projetos especiais de fortalecimento do SUS. Em toda a existência do Proadi-SUS, a SESAI nunca foi financiada. Estamos também em uma parceria que envolve o Mercosul, voltada para a área de saneamento para os povos indígenas de região de fronteira. No ano passado, fizemos uma campanha na SESAI disparando ofícios para todos os gabinetes de senadores(as) e deputados(as) em busca de emendas parlamentares. O trabalho é sair do buraco do subfinanciamento, organizar parte do planejamento e da gestão e de fato avançar com uma nova política. Propusemos uma reestruturação, criando uma Coordenação Geral de Saúde voltada para os povos indígenas isolados e de recente contato e um Núcleo de Pessoa Indígena com Deficiência, além de fortalecer setores como o Núcleo de Saúde da Mulher Indígena, o Núcleo de Medicina Indígena e o Núcleo de Saúde Mental. Estamos reorganizando a nossa estrutura com propostas para fortalecer a gestão dos Distritos.

Quais seriam as lições possíveis da Emergência Yanomami para a Saúde Indígena?

Primeiro, preciso dizer que 2023, nosso primeiro ano à frente da SESAI, poderia ter sido um ano melhor do ponto de vista do planejamento e do aperfeiçoamento da gestão na saúde indígena. Isso porque tivemos que cuidar da primeira emergência sanitária de interesse nacional por desassistência em toda a história da República. Muitas remoções, feitas no território Yanomami, poderiam ter sido evitadas e centenas de vida preservadas se o subsistema fosse mais estruturado, com uma política que focasse o que chamamos de “cuidado integral”. Sabíamos que a saúde indígena, como um subsistema, tinha muitas limitações na relação com os estados e os municípios. Que atenção primária é essa que não pode ter um especialista no território? Que tipo de atenção primária é essa em que são feitas tantas remoções por via aérea? A Emergência Yanomami evidenciou a necessidade mais que urgente de aperfeiçoar a política. Tem dimensões simples, como o RENAME (Relação Nacional de Medicamentos [Essenciais]) se voltar para o atendimento da população indígena dentro do território. Isso é dialogar com os princípios de universalidade, integralidade e equidade do SUS. Embora haja muito esforço de levar saúde para os povos indígenas, esses princípios não são aplicados no sentido de um “cuidado integral”. Estamos nessa fase de contratar um serviço especializado de cargas para dar autonomia para as nossas equipes e melhorar as condições de trabalho para implantar e construir novas unidades de saúde enfrentando o desafio da logística. Então, um dos aprendizados é que, naquele tipo de território, não dá para aplicar a mesma atenção primária que é mais comum no âmbito da saúde indígena. Além dos impactos na saúde, diretamente pela ação do garimpo, como a contaminação pelo mercúrio, a malária e a desnutrição, as nossas equipes não podiam entrar em determinadas comunidades dominadas por garimpeiros armados. Há uma necessidade de desintrusão do território o mais rápido possível, mas também existe a premência de aperfeiçoamento da logística, da infraestrutura, da ampliação da equipe de profissionais, do perfil de profissional que precisamos. Tem problemas estruturais que a Emergência Yanomami tem ajudado a revelar. E muitos territórios estão sendo penalizados por esse mesmo modelo de saúde indígena.

Como você percebe o diálogo da SESAI com as outras estruturas do Ministério da Saúde? A saúde indígena tem prioridade dentro do governo?

A SESAI, do ponto de vista da gestão, não dialogava com as outras instâncias do Ministério da Saúde, ou com os outros ministérios de maneira geral. A saúde indígena é muito complexa e precisa atuar com parcerias, com cooperação e com diversas agências. Então, propusemos romper com esse isolamento reposicionando a saúde indígena dentro do plano institucional estratégico do Ministério da Saúde e do governo do presidente Lula. E isso acabou se transformando mesmo por conta da Emergência Yanomami. A Casa Civil instituiu um Comitê de Coordenação Nacional e implantou recentemente uma Casa de Governo em Roraima. Mas insistimos no reposicionamento da política de saúde indígena como um tema transversal de corresponsabilização das outras secretarias. A Emergência está vigente, mas muitas secretarias não compreendem que também são responsáveis pela política de saúde indígena. Buscamos fortalecer essa ideia da cooperação, atraindo agências governamentais e levando essa responsabilização para além do Ministério da Saúde. No Território Yanomami, se não fosse o Ministério de Minas e Energia, não tínhamos conseguido levar os kits fotovoltaicos para prover energia nas unidades de saúde. Estamos agora em discussão com o Ministério das Comunicações sobre a conectividade nos territórios indígenas. Como é que se fixa um profissional de saúde em um território, em uma unidade de saúde, que não dispõe de conectividade, de energia elétrica ou de água potável? No âmbito da tecnologia e focados nessa estratégia de “cuidado integral”, estamos intensificando e ampliando a estratégia da saúde digital. O Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) é um sistema muito frágil, que precisa de aperfeiçoamento. Propusemos junto à Secretaria de Informação e Saúde Digital (SEIDIGI) e ao DATASUS, assim como à própria SAPS [Secretaria de Atenção Primária a Saúde], a inclusão da saúde indígena no novo e-SUS APS. Vamos desenvolver um canal de entrada da saúde indígena com inteira operabilidade com os outros sistemas para permitir acesso às informações de saúde da população indígena em todos os municípios. A ideia é trabalhar com um sistema que funcione também off-line. E que seja mais transparente e acessível para qualquer pesquisador(a) que tenha interesse de buscar uma informação na saúde indígena. E a outra questão é o SISREG [Sistema de Regulação do Ministério da Saúde], em que a saúde indígena não tem incidência direta. Há muita coisa por fazer e posso dizer que o sistema interno de informações é prioridade.

Na sua opinião, quais são as agendas de pesquisa prioritárias, considerando a presença de pesquisadores indígenas, envolvendo o Subsistema de Saúde Indígena?

Há temas acerca dos quais as próprias comunidades indígenas criam um filtro de proteção para que os conhecimentos tradicionais não sejam capturados. É preciso cuidado, especialmente nas áreas das medicinas indígenas, que lidam com as muitas formas de espiritualidade e ritualísticas. Enfim, esse é um tema muito sensível para as próprias comunidades. Acredito que a academia tem se atraído pela pauta da saúde indígena, assim como da educação, nos últimos anos. Queremos, inclusive, resolver as dificuldades na relação entra a academia, a SESAI e a assistência direta, como a parte de estágios. Os nossos distritos, hoje, não estão autorizados a pactuar com as universidades. Já fiz uma proposta para regulamentar a atuação do coordenador do distrito para viabilizar a atuação de estagiários nos polos-base. Agora, na área da pesquisa em geral, considero que a gente tem tido parcerias importantes. A própria Abrasco [Associação Brasileira de Saúde Coletiva] é uma entidade que, para além da atuação com a SESAI como instituição, reúne grupos de pesquisadores que têm uma trajetória histórica e uma militância nessa área que tem apresentado bons produtos que podem ajudar na nova orientação da política. A Fiocruz tem dado suporte à SESAI na condução da elaboração e da aprovação da resolução da OMS. São colaboradores, inclusive, do movimento indígena. Acredito que, nessa fase do aperfeiçoamento da política, além dos seminários regionais de consulta à população indígena, precisamos do apoio de pesquisadores.

Você tem falado acerca da revisão da PNASPI [Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas]. Poderia abordar mais esse processo?

Tenho falado muito em aperfeiçoamento da política de saúde indígena33 Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Retrospectiva 2023: direitos indígenas não se negociam [Internet]. 2023. [acessado 2024 jun 18]. Disponível em: https://apiboficial.org/2023/12/27/retrospectiva-2023-direitos-indigenas-nao-se-negociam/
https://apiboficial.org/2023/12/27/retro...
,44 Passos J. Em 2024, vamos aperfeiçoar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Entrevista com o secretário da Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai/MS) Weibe Tapeba [Internet]. 2024. [acessado 2024 jun 18]. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/em-2024-vamos-aperfeicoar-a-politica-nacional-de-atencao-a-saude-dos-povos
https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/en...
. Não queremos revisão porque não queremos fazê-la de novo. Existem pontos positivos da PNASPI, como o controle social e a relação com as medicinas indígenas. Embora, no texto da PNASPI, a valorização das medicinas e dos conhecimentos tradicionais esteja bem resguardada, na prática há muita dificuldade de garanti-las. No ano passado, em Genebra, foi aprovada uma importante resolução na 76ª Assembleia Mundial de Saúde. Após 75 anos de fundação da OMS [Organização Mundial de Saúde], foi a primeira vez que [esse órgão] internalizou uma resolução colocando a saúde indígena como um tema prioritário no plano global de saúde. Essa resolução aponta para a necessidade de aperfeiçoamento da política. No âmbito da ADPF [Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental] 709, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro [Luís Roberto] Barroso aponta para a necessidade de aperfeiçoamento da política. Temos documentos como o Relatório do CMAP [Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas], manifestação da Corte Interamericana de Direitos Humanos e análises da Controladoria [da União] que apontam para a mesma necessidade. A nossa atuação está orientada para aperfeiçoar a política no sentido do “cuidado integral”. É preciso rever todos os atos normativos da saúde indígena, e de outras secretarias, elaborados e efetivados até o momento. Queremos desenvolver conceitualmente o que é a atenção básica nos territórios indígenas. E, especialmente, pensando na média complexidade, garantirmos a atenção especializada dentro do território. Queremos discutir uma nova estratégia na gestão do que estamos chamando de “cuidado integral nos territórios indígenas”, para além desse atual modelo de atenção primária. Transformar ou trazer para dentro da política o conceito de equipamento de saúde que supere a ideia de uma unidade básica de saúde indígena. Por que uma casa de reza ou uma casa de parto não podem ser reconhecidas como um equipamento de saúde para poder receber algum tipo de financiamento pela política de saúde indígena? Qual o papel da parteira nas equipes de saúde? Evidentemente que vamos contar com a consulta à população indígena, às suas instâncias representativas, às entidades que já militam nessa área, e inclusive realizaremos seminários regionais para debater o aperfeiçoamento da nova política.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    Dez 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2023
  • Aceito
    29 Fev 2024
  • Publicado
    19 Jun 2024
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br