As informações sobre os direitos sociais estão acessíveis aos pacientes oncológicos?

Is information on social rights accessible to cancer patients?

¿Es accesible la información de los derechos sociales para los pacientes con cáncer?

Fernanda Guedim Batista André Salem Szklo Sobre os autores

Resumos

A legislação brasileira assegura aos pacientes com câncer direitos que auxiliam no tratamento e atenuam os gastos despendidos na jornada de adoecimento. O objetivo do estudo foi calcular a proporção de indivíduos em tratamento oncológico de um centro de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) que referiram conhecer 15 direitos específicos previstos em lei, segundo o subgrupo populacional elegível para solicitar cada direito. Foram entrevistados todos os pacientes oncológicos adultos em início de tratamento no Hospital Associação Feminina de Prevenção e Combate ao Câncer de Juiz de Fora (ASCOMCER), Minas Gerais, entre março e julho de 2022 (n = 62). Cerca de 60% desses pacientes eram analfabetos ou não tinham completado o ensino fundamental, aproximadamente 75% viviam em domicílios em que a renda per capita era de no máximo um salário mínimo e 91,9% eram atendidos pelo SUS. Para nove dos 15 direitos selecionados, a proporção de pacientes elegíveis foi superior a 10%, variando de 17,7% para “saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)” a 100% para “prioridade na tramitação de processos”. No entanto, o único desses direitos conhecido por pelo menos 50% dos pacientes elegíveis foi o “auxílio-doença” (70,6%), sendo que para três direitos as respectivas proporções não chegaram a 5% (isenção de imposto sobre propriedade predial e territorial urbana, isenção do imposto de renda na aposentadoria, pensão e reforma e prioridade na tramitação de processos). Os pacientes oncológicos necessitam ter seus cuidados integrais fortalecidos. Dessa forma, é fundamental aumentar o acesso à informação sobre os benefícios que eles podem obter de um Estado democrático de direito.

Palavras-chave:
Direitos Socioeconômicos; Processo Saúde-Doença; Legislação Médica; Sistema Único de Saúde


Brazilian legislation provides for rights for cancer patients in order to assist with their treatment and mitigate the expenses they face during their illness. This study aimed to calculate the proportion of individuals undergoing cancer treatment at a Brazilian Unified National Health System (SUS) referral center who reported being aware of 15 specific legal rights, according to the population subgroup eligible to request each right. All adult cancer patients starting treatment at the Juiz de Fora Women’s Association for Preventing and Fighting Cancer Hospital (ASCOMCER), Minas Gerais State, from March to July 2022, were interviewed (n = 62). About 60% of these patients had incomplete primary education or were illiterate, around 75% lived in households with a per capita income below one minimum wage, and 91.9% received treatment from the SUS. For nine of the 15 selected rights, the proportion of eligible patients was higher than 10%, ranging from 17.7% for “Withdrawal from the Severance Pay Fund (FGTS)” to 100% for “priority in the processing of procedures”. However, the only one of these rights known to at least 50% of eligible patients was “sickness benefit” (70.6%). The respective proportions were below 5% in three rights, including “exemption from property tax”, “exemption from income tax on retirement, pension, and retirement”, and “priority in the processing of cases”. Cancer patients need to have their comprehensive care strengthened. Therefore, it is crucial to enhance the availability of information regarding the benefits cancer patients may receive from a democratic state that respects the rule of law.

Keywords:
Socioeconomic Rights; Health-Disease Process; Medical Legislation; Unified Health System


La legislación brasileña garantiza a los pacientes con cáncer derechos que les ayudan en el tratamiento y mitigan los gastos que tienen a lo largo de la enfermedad. El objetivo de este estudio fue calcular la proporción de individuos sometidos al tratamiento oncológico en un centro de referencia del Sistema Único de Salud (SUS) brasileño que informaron conocer 15 derechos específicos previstos por la ley, según el subgrupo de población elegible para solicitar cada derecho. Se entrevistó a todos los pacientes adultos con cáncer que comenzaron el tratamiento en el Hospital Asociación de Mujeres para la Prevención y Lucha contra el Cáncer de Juiz de Fora (ASCOMCER), Minas Gerais, entre marzo y julio de 2022 (n = 62). Cerca del 60% de estos pacientes eran analfabetos o no habían completado la escuela primaria, aproximadamente el 75% vivía en hogares con ingreso per cápita de un salario mínimo y el 91,9% eran tratados por el SUS. Para 9 de los 15 derechos seleccionados, la proporción de pacientes elegibles para ellos fue superior al 10%, oscilando del 17,7% para el “retirada del Fondo de Garantía por Duración del Servicio” al 100% para “prioridad en la tramitación de procedimientos”. Sin embargo, de estos derechos el único conociodo por al menos el 50% de los pacientes elegibles conocía fue el “beneficio por enfermedad” (70,6%), y en 3 derechos las proporciones respectivas no alcanzaron ni siquiera el 5% (“exención del impuesto sobre bienes inmuebles y territorial urbano”, “exención del impuesto sobre la renta por jubilación, pensión y retiro” y “prioridad en la tramitación de procedimientos”). Los pacientes con cáncer requieren el fortalecimiento de una atención integral. Por lo tanto, es esencial incrementar el acceso a la información sobre los beneficios que los pacientes con cáncer pueden obtener de un Estado de derecho democrático.

Palabras-clave:
Derechos Socioeconómicos; Proceso Salud-Enfermedad; Legislación Médica; Sistema Único de Salud


Introdução

O câncer é um problema mundial cuja incidência e mortalidade vêm aumentando, estando entre as quatro principais causas de morte precoce na maioria dos países. No Brasil, estimam-se, para o triênio 2023-2025, 704 mil novos casos de câncer por ano 11. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer; 2022..

Nos países em desenvolvimento, observa-se uma transição na incidência dos tipos de câncer, com queda daqueles predominantemente associados a infecções e aumento daqueles relacionados à melhoria das condições socioeconômicas e à incorporação de hábitos e atitudes relativos à urbanização, tais como sedentarismo e comportamentos alimentares inadequados 2. É fundamental, portanto, estar preparado para o crescimento dessas enfermidades nos sistemas de saúde, adotando medidas de prevenção, diagnóstico precoce, distribuição de recursos para tratamento apropriado, tendo em vista um aumento na complexidade e nos custos anuais 11. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer; 2022.,22. Sung H, Ferlay J, Siegel RL, Laversanne M, Soerjomataram I, Jemal A, et al. Global Cancer Statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin 2021; 71:209-49..

Especificamente no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) proporcionou, com sua regulamentação em 1990, o acesso universal, sem discriminação, ao sistema público de saúde 33. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 19 set.. A atenção integral à saúde, e não somente aos cuidados assistenciais, passou a ser um direito de todos os brasileiros, com foco na saúde com qualidade de vida, visando à prevenção e à promoção da saúde. Posteriormente, foram instituídas e aprimoradas políticas públicas de prevenção e controle do câncer no sentido de reforçar a atribuição ao Estado do dever de desenvolver políticas de saúde específicas voltadas à pessoa com câncer 44. Ministério da Saúde. Portaria nº 874, de 16 de maio de 2013. Institui a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2013; 17 mai.,55. Brasil. Lei nº 14.238, de 19 de novembro de 2021. Institui o Estatuto da Pessoa com Câncer. Diário Oficial da União 2021; 22 nov.. Nesse contexto, e considerando que durante o tratamento o paciente pode ter gastos extras que prejudicam a dinâmica familiar, vale a pena destacar que a legislação brasileira assegura aos pacientes portadores de doenças graves e câncer, bem como a seus familiares, direitos que auxiliam no tratamento e, especificamente, atenuam as despesas que são necessárias nesse período de adoecimento (Quadro 1) 66. Instituto Nacional de Câncer. Direitos sociais da pessoa com câncer: orientações aos usuários. https://www.inca.gov.br/publicacoes/cartilhas/direitos-sociais-da-pessoa-com-cancer-orientacoes-aos-usuarios (acessado em 08/Ago/2023).
https://www.inca.gov.br/publicacoes/cart...
,77. Oncoguia. Direitos do paciente. http://www.oncoguia.org.br/direitos-dos-pacientes/ (acessado em 08/Ago/2023).
http://www.oncoguia.org.br/direitos-dos-...
,88. Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Portaria nº 55, de 24 de fevereiro de 1999. Dispõe sobre a rotina do Tratamento Fora de Domicílio no Sistema Único de Saúde - SUS, com inclusão dos procedimentos específicos na tabela de procedimentos do Sistema de Informações Ambulatoriais do SIA/SUS e dá outras providências. Diário Oficial da União 1999; 26 fev..

Quadro 1
Direitos assegurados pela legislação brasileira a pacientes portadores de doenças graves e câncer, bem como a seus familiares, que auxiliam no tratamento e atenuam as despesas que são necessárias no período de adoecimento.

Há poucos estudos relacionados ao conhecimento do paciente portador de câncer sobre seus direitos sociais 99. Santos BD, Marques-Camargo AR, Pan R, Reis SMG, Andrade RC, Neri RR, et al. Conhecimento familiar sobre direitos legais de crianças e adolescentes com câncer. Rev Bras Enferm 2021; 74:e20200725.,1010. Sonobe H, Buetto L, Zago M. O conhecimento dos pacientes com câncer sobre seus direitos legais. Rev Esc Enferm USP 2011; 45:342-8.,1111. Longo CJ, Deber R, Fitch M, Williams AP, D'Souza D. An examination of cancer patients' monthly 'out-of-pocket' costs in Ontario, Canada. Eur J Cancer Care (Engl) 2007; 16:500-7.,1212. Stolagli VP, Evangelista MRB, Camargo OP. Implicações sociais enfrentadas pelas famílias que possuem pacientes com sarcoma ósseo. Acta Ortop Bras 2008; 16:242-6.. Avaliar esse aspecto, principalmente entre aqueles atendidos no SUS, é fundamental para assegurar o compromisso de prover condições econômicas de acesso a alimentação, habitação, educação, meio ambiente, trabalho, transporte e lazer, fortalecendo, assim, os cuidados integrais ao usuário 1313. Assis MMA, Nascimento MAA, Pereira MJB, Cerqueira EM. Comprehensive health care: dilemmas and challenges in nursing. Rev Bras Enferm 2015; 68:333-8.,1414. Townsend D, Accurso-Massana C, Lechman C, Duder S, Chasen M. Cancer nutrition rehabilitation program: the role of social work. Curr Oncol 2010; 17:12-7.. O objetivo deste estudo foi, portanto, analisar a proporção de indivíduos em tratamento oncológico de um centro de referência do SUS que referiram conhecer os direitos específicos pesquisados.

Metodologia

Trata-se de um estudo observacional descritivo. A pesquisa foi planejada e executada pelo serviço social do Hospital Associação Feminina de Prevenção e Combate ao Câncer de Juiz de Fora (ASCOMCER), Minas Gerais, Brasil, onde o tratamento é primordialmente direcionado a pacientes do SUS (94%). O critério de inclusão para o estudo foi definido como todos os pacientes oncológicos maiores de idade que agendaram consulta para serem tratados pela primeira vez nos ambulatórios de radioterapia e quimioterapia do Hospital ASCOMCER entre março e julho de 2022. Aqueles casos com recidiva de câncer, casos de segundo (ou mais) câncer e/ou pacientes sem condições clínicas para participar da pesquisa foram excluídos do estudo.

Em razão dos dados do registro hospitalar de câncer sobre os casos novos analíticos em que os pacientes realizaram algum tipo de tratamento específico de controle de neoplasias malignas no Hospital ASCOMCER (cerca de 500 em 2020) 1515. Instituto Nacional de Câncer. Integrador RHC. https://irhc.inca.gov.br/RHCNet/ (acessado em 20/Jul/2023).
https://irhc.inca.gov.br/RHCNet/...
, estimou-se entrevistar pelo menos 200 pacientes em cinco meses. Para os pacientes que foram abordados no dia da consulta para iniciar o tratamento e concordaram em participar do estudo (n = 62), foi realizada uma entrevista individual por meio de um questionário envolvendo perguntas destinadas a coletar informações sociodemográficas, de perfil de elegibilidade para os direitos selecionados e de conhecimento dos direitos específicos (conforme Material Suplementar 1: https://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00096023-1_1023.pdf; e Material Suplementar 2: https://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00096023-2_8377.pdf).

O desfecho principal do estudo, ou seja, o conhecimento sobre cada direito selecionado, foi avaliado a partir de duas questões:

(1) uma pergunta sobre conhecimento espontâneo: O(A) Sr(a) conhece algum direito do paciente oncológico? Se a resposta for afirmativa, qual(is)?;

(2) uma pergunta sobre conhecimento direcionado: O(A) Sr(a) sabe se o paciente oncológico tem direito a [direito específico baseado no Quadro 1]? Com opções de resposta (a) não; (b) sim, sempre; (c) sim, sob determinados requisitos; e (d) não conheço esse benefício. As opções (b) e (c) foram agrupadas para definir a resposta afirmativa.

Para o conjunto de todos os pacientes, foi calculada a proporção de “conhecimento de pelo menos algum dos direitos selecionados”, baseada na pergunta de conhecimento espontâneo ou na de conhecimento direcionado.

Calcularam-se as proporções de pacientes elegíveis para solicitar cada direito selecionado e, posteriormente, as proporções de conhecimento espontâneo ou direcionado específico por direito, adotando como denominador a população elegível (ou a não elegível) para solicitar o direito. A elegibilidade para poder solicitar determinado direito foi definida a partir das exigências estabelecidas em lei de acordo com a condição socioeconômica e/ou de saúde em que o paciente estivesse no momento da entrevista (conforme Material Suplementar 1: https://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00096023-1_1023.pdf; e Material Suplementar 2: https://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00096023-2_8377.pdf).

Para verificar a associação entre a proporção de conhecimento do direito selecionado e o status de elegibilidade para solicitá-lo, foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson; quando do não atendimento dos pressupostos para seu uso, foi utilizado o teste exato de Fisher.

Todas as análises foram realizadas com o programa estatístico Stata, versão 15.0 (https://www.stata.com).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (CEP-Inca; CAAE 53368221.50000.5274) no dia 25 de fevereiro de 2022.

Resultados

No total, 88 pacientes chegaram para iniciar pela primeira vez o tratamento no Hospital ASCOMCER. Destes, cerca 26,1% não apresentaram condições clínicas para serem entrevistados e 3,4% se recusaram a assinar o consentimento informado e foram excluídos do estudo. Dos 62 pacientes entrevistados, predominaram mulheres (51,6%), indivíduos com idade superior a 64 anos (54,8%), com nível educacional abaixo do Ensino Médio (66,1%), vivendo em domicílios com renda per capita de no máximo um salário mínimo (75%), aposentados (46,8%), atendidos pelo SUS (91,9%) e provenientes da cidade de Juiz de Fora (58,1%). Predominaram, ainda, pacientes com câncer de mama (21%) ou de próstata (21%) e em estadiamento III (32,3%) (dados não mostrados em tabela).

Entre todos os pacientes, a proporção de “conhecimento de pelo menos algum dos direitos selecionados” baseada na pergunta de conhecimento espontâneo (21%) foi menor quando comparada à respectiva proporção fundamentada na pergunta de conhecimento direcionado (62,9%) (Tabela 1). Nota-se que nove dos 15 direitos selecionados exibiram proporção de pacientes elegíveis superior a 10%, variando de 17,7% para “saque do FGTS” a 100% para “prioridade na tramitação de processos”. Desses nove direitos, aqueles que apresentaram pelo menos 1/3 de pacientes elegíveis com “conhecimento direcionado” foram apenas “auxílio-doença” e “passe livre municipal”, com proporções estatisticamente superiores às encontradas entre os pacientes não elegíveis para solicitar esses direitos. A proporção de conhecimento do direito “aposentadoria por invalidez” foi bem inferior à proporção de conhecimento do direito “auxílio-doença” entre os mesmos pacientes elegíveis (70,6% vs. 11,8%). A alta proporção de pacientes elegíveis para os direitos “isenção do imposto de renda” (59,7%), “isenção de imposto sobre propriedade predial e territorial urbana” (80,7%) e “prioridade na tramitação de processos” (100%) foi acompanhada de baixíssima proporção de conhecimento sobre eles (2,7%, 6% e 3,2%, respectivamente). Finalmente, vale a pena destacar a ausência total de conhecimento sobre o direito ao “saque do Programa de Integração Social (PIS) ou do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep)” entre os quase 20% de pacientes elegíveis para ele.

Tabela 1
Proporção de conhecimento de direitos selecionados, segundo tipo de pergunta e status de elegibilidade ao direito. Hospital da Associação Feminina de Prevenção e Combate ao Câncer de Juíz de Fora, Minas Gerais, Brasil, 2022.

Discussão

A proporção de conhecimento dos direitos específicos por meio de perguntas direcionadas entre todos os pacientes oncológicos atendidos no Hospital ASCOMCER (elegíveis ou não para os direitos) esteve sempre abaixo de 40% (com exceção do “auxílio-doença”), sendo que, para cerca de 70% dos direitos selecionados, essa proporção ficou abaixo de 10%. Ao analisar a proporção de pacientes que “conheciam pelo menos algum dos direitos selecionados”, o percentual encontrado foi de 62,9%.

Estudo realizado em 2008 em uma unidade de tratamento oncológico para pacientes com perfil socioeconômico mais elevado do que o dos atendidos no Hospital ASCOMCER encontrou percentual relativamente parecido (55%) 1010. Sonobe H, Buetto L, Zago M. O conhecimento dos pacientes com câncer sobre seus direitos legais. Rev Esc Enferm USP 2011; 45:342-8.. É importante assinalar, contudo, que a proporção de conhecimento de direitos específicos não foi a mesma entre os estudos, o que pode, de certa forma, refletir diferenças na contribuição relativa da proporção de pacientes elegíveis para cada direito analisado. Outro estudo realizado em 2015 em uma unidade pediátrica oncológica encontrou elevada proporção de conhecimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC)/Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) 99. Santos BD, Marques-Camargo AR, Pan R, Reis SMG, Andrade RC, Neri RR, et al. Conhecimento familiar sobre direitos legais de crianças e adolescentes com câncer. Rev Bras Enferm 2021; 74:e20200725., mas 50% dos pacientes que o solicitaram tiveram o pedido negado, o que pode sugerir, entre outros aspectos, a limitação deste estudo de não ter avaliado a proporção de conhecimento dos direitos específicos em função da elegibilidade dos pacientes para eles. O estudo realizado junto aos pacientes do Hospital ASCOMCER tem o ineditismo, portanto, de avaliar a proporção de conhecimento por direito selecionado em uma população para a qual esse direito tinha evidentemente mais relevância (ou seja, na população elegível para solicitá-lo).

Aproximadamente 1/3 dos direitos selecionados apresentaram uma “relação desequilibrada” entre a proporção de pacientes elegíveis (> 50%) e a proporção de conhecimento do direito entre a população elegível (< 50%). Considerando que a maioria das pessoas atendidas para tratamento pela primeira vez no Hospital ASCOMCER tinha condição socioeconômica precária, o impacto populacional obtido com a disseminação desse tipo de informação em pacientes com câncer atendidos pelo SUS pode ser, portanto, relevante para atenuar as desigualdades sociais do país. Nesse ponto, o profissional de saúde, sobretudo o assistente social do Hospital ASCOMCER (ou de qualquer outra instituição), é fundamental, tendo em vista que ele atua como facilitador para que o paciente e seus familiares tenham acesso às informações sobre seus direitos e saibam como solicitá-los 99. Santos BD, Marques-Camargo AR, Pan R, Reis SMG, Andrade RC, Neri RR, et al. Conhecimento familiar sobre direitos legais de crianças e adolescentes com câncer. Rev Bras Enferm 2021; 74:e20200725.,1010. Sonobe H, Buetto L, Zago M. O conhecimento dos pacientes com câncer sobre seus direitos legais. Rev Esc Enferm USP 2011; 45:342-8.,1111. Longo CJ, Deber R, Fitch M, Williams AP, D'Souza D. An examination of cancer patients' monthly 'out-of-pocket' costs in Ontario, Canada. Eur J Cancer Care (Engl) 2007; 16:500-7.,1212. Stolagli VP, Evangelista MRB, Camargo OP. Implicações sociais enfrentadas pelas famílias que possuem pacientes com sarcoma ósseo. Acta Ortop Bras 2008; 16:242-6.,1313. Assis MMA, Nascimento MAA, Pereira MJB, Cerqueira EM. Comprehensive health care: dilemmas and challenges in nursing. Rev Bras Enferm 2015; 68:333-8.,1414. Townsend D, Accurso-Massana C, Lechman C, Duder S, Chasen M. Cancer nutrition rehabilitation program: the role of social work. Curr Oncol 2010; 17:12-7.. O contato com pacientes e familiares é, de fato, fundamental, pois muitas vezes eles acabam expressando ao assistente social suas dúvidas, queixas e preocupações acerca do momento que estão vivendo. Com isso, cabe ao assistente social acolher e compreender as solicitações apresentadas pelos indivíduos 1313. Assis MMA, Nascimento MAA, Pereira MJB, Cerqueira EM. Comprehensive health care: dilemmas and challenges in nursing. Rev Bras Enferm 2015; 68:333-8..

É interessante notar que, no caso do “passe livre municipal” e do “tratamento fora de domicílio”, provavelmente, muitos dos pacientes elegíveis que já usufruem desses direitos nem percebem que eles somente são concedidos sob determinadas condições às quais os pacientes fazem jus. De fato, quando vemos a enorme diferença entre a resposta à pergunta de conhecimento espontâneo e a resposta à pergunta de conhecimento direcionado fica ainda mais evidente a necessidade de reforçar para essa população que uma parte dela já está, provavelmente, sendo beneficiada. Além dos benefícios econômicos advindos do direito, a consciência de ter acesso a algum direito garantido em lei em razão da sua condição de saúde pode reforçar sentimentos importantes de pertencimento social, os quais auxiliam na jornada do tratamento 1616. Tan TT, Tan MP, Lam CL, Loh EC, Capelle DP, Zainuddin SI, et al. Mindful gratitude journaling: psychological distress, quality of life and suffering in advanced cancer: a randomised controlled trial. BMJ Support Palliat Care 2021; bmjspcare-2021-003068.,1717. Allen S. The science of gratitude. https://ggsc.berkeley.edu/images/uploads/GGSC-JTF_White_Paper-Gratitude-FINAL.pdf (acessado em 08/Ago/2023).
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.

Infelizmente, a quantidade de pacientes atendidos pela primeira vez no Hospital ASCOMCER entre os meses de março e julho de 2022 ficou bem aquém daquela inicialmente prevista, o que acabou prejudicando a significância estatística de algumas comparações realizadas. Houve, de fato, perda diferencial de quase 30% dos potenciais pacientes elegíveis para este estudo, muito em razão do agravamento das condições clínicas daqueles que provavelmente retardaram o início do tratamento devido à pandemia de COVID-19 1515. Instituto Nacional de Câncer. Integrador RHC. https://irhc.inca.gov.br/RHCNet/ (acessado em 20/Jul/2023).
https://irhc.inca.gov.br/RHCNet/...
. Outra limitação inerente ao estudo é o fato de que algumas informações utilizadas para estabelecer o critério de elegibilidade para solicitar determinado direito foram autorreferidas no momento da aplicação do questionário.

Conclusão

A proporção de conhecimento dos pacientes acerca dos direitos para os quais eles eram elegíveis ficou abaixo de 10% para mais da metade dos direitos pesquisados. É fundamental orientar os pacientes quanto aos seus direitos e benefícios, de forma a auxiliar na identificação de recursos que favoreçam o processo de tratamento da doença.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2023
  • Revisado
    08 Ago 2023
  • Aceito
    11 Ago 2023
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br