Resumos
A síndrome pós-COVID-19 é um termo usado para descrever um conjunto diversificado de sintomas que persistem por mais de 12 semanas da infecção diagnosticada. O objetivo deste estudo foi analisar a síndrome pós-COVID-19 entre hospitalizados por COVID-19 após 6 e 12 meses da alta hospitalar. Trata-se de estudo de coorte ambidirecional, realizado com indivíduos que receberam alta em três dos principais hospitais da capital de Mato Grosso, Brasil, entre outubro e dezembro de 2021 e janeiro e março de 2022. Após coleta de dados em prontuários, os indivíduos foram entrevistados por telefone após 6 e 12 meses da alta hospitalar, sendo questionados sobre a presença de sintomas persistentes ou novos, para a avaliação de sua frequência segundo características sociodemográficas, econômicas, relativas à internação e condições de saúde. Dos 277 prontuários avaliados, 259 pacientes foram elegíveis para o estudo, 190 aos seis meses e 160 após 12 meses da alta hospitalar. Aos seis meses, 59% eram mulheres, 40% com 60 anos ou mais de idade e 87,4% referiram a presença de pelo menos um sintoma. Aos 12 meses, 58,7% eram mulheres, 37,5% com 30 a 49 anos e 67,5% referiram a presença de pelo menos um sintoma. A fadiga foi o sintoma mais comum após 6 e 12 meses de alta hospitalar (55,3% e 40,6%, respectivamente), seguido de problemas de memória (36,8%; 20%) e perda de cabelo (26,8%; 11,2%). Foi maior a prevalência de síndrome pós-COVID-19 entre indivíduos de maior faixa etária, menor renda, hipertensos, diabéticos e com maior gravidade durante a internação. Os fatores de risco da síndrome pós-COVID-19 contribuem para a compreensão dos efeitos a longo prazo e da importância do acompanhamento após a fase aguda da doença.
Palavras-chave:
COVID-19; Síndrome Pós-COVID-19 Aguda; Hospitais
El síndrome post-COVID-19 es un término utilizado para describir un conjunto diversificado de síntomas que persisten durante más de 12 semanas de la infección diagnosticada. El objetivo fue analizar el síndrome post-COVID-19 entre hospitalizados por COVID-19 tras 6 y 12 meses del alta hospitalaria. Se trata de un estudio de cohorte ambidireccional, realizado con individuos que fueron dados de alta en tres de los principales hospitales de la capital de Mato Grosso, Brasil, entre octubre y diciembre de 2021 y enero y marzo de 2022. Tras recolectar los datos en registros médicos, se entrevistaron los individuos por teléfono tras 6 y 12 meses del alta hospitalaria, cuestionándoles sobre la presencia de síntomas persistentes o nuevos y evaluando su frecuencia conforme las características sociodemográficas, económicas, relacionadas con la hospitalización y condiciones de salud. De los 277 registros médicos evaluados, se eligieron 259 pacientes para el estudio, 190 a los 6 meses y 160 tras 12 meses del alta hospitalaria. A los 6 meses, el 59% eran mujeres, el 40% tenían 60 años o más y el 87,4% refirieron la presencia de al menos un síntoma. A los 12 meses, el 58,7% eran mujeres, el 37,5% tenían entre 30 y 49 años y el 67,5% refirieron la presencia de al menos un síntoma. La fatiga fue el síntoma más común tras 6 y 12 meses del alta hospitalaria (el 55,3% y el 40,6%, respectivamente), seguido de los problemas de memoria (el 36,8% y el 20%) y caída del pelo (el 26,8% y el 11,2%). La prevalencia de síndrome post-COVID-19 fue más alta entre los individuos de mayor edad, menor renta, hipertensos, diabéticos y con mayor gravedad durante la hospitalización. Los factores de riesgo del síndrome post-COVID-19 contribuyen para la comprensión de los efectos a largo plazo y de la importancia del seguimiento tras la fase aguda de la enfermedad.
Palabras-clave:
COVID-19; Síndrome Post Agudo de COVID-19; Hospitales
Introdução
A pandemia da COVID-19, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), é uma emergência de saúde pública de impacto mundial 11. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico Especial. Doença pelo Novo Coronavírus COVID-19 2021; (86). https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/covid-19/2021/boletim_epidemiologico_covid_86-final-_29out.pdf.
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-... . Até janeiro de 2023, em todo o mundo, mais de 600 milhões de pessoas haviam contraído a doença 22. World Health Organization. WHO COVID-19 dashboard. https://covid19.who.int/ (accessed on 23/Jan/2023).
https://covid19.who.int/... , e mais de 35 milhões no Brasil, o que representa incidência acumulada de 17,35 a cada 10 mil habitantes 33. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19: versão 3. Brasília: Ministério da Saúde; 2020.. Especificamente no Estado de Mato Grosso, esse número chega a mais de 838 mil contaminados, contendo 15.246 óbitos em decorrência da doença 44. Ministério da Saúde. Painel interativo COVID-19. https://covid.saude.gov.br/ (accessed on 09/Jan/2023).
https://covid.saude.gov.br/... . Com a progressão da pandemia de COVID-19, a conscientização sobre seus impactos a longo prazo na saúde da população vem crescendo 55. Kim Y, Ha B, Kim SW, Chang HH, Kwnom KT, Bae S, et al. Post-acute COVID-19 syndrome in patients after 12 months from COVID-19 infection in Korea. BMC Infect Dis 2022; 22:93-127.. Atualmente, o SARS-CoV-2 é reconhecido como responsável não apenas por uma condição pulmonar, mas também por uma síndrome de múltiplos órgãos 66. Ramakrishnan RK, Kashour T, Hamid Q, Halwani R, Tleyjeh IM. Unraveling the mistery surrounding post-acute sequelae of COVID-19. Front Immunol 2021; 12:686029..
Após a infecção aguda inicial, como muitos outros distúrbios virais, uma variedade de sintomas duradouros e novos da COVID-19 foi descrita, sendo adotadas as terminologias síndrome pós-COVID-19, COVID longa e condições posteriores à COVID-19 77. Centers for Disease Control and Prevention. Long COVID or post-COVID conditions. https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/long-term-effects/index.html#:~:text=People%20with%20post%2DCOVID%20conditions%20(or%20long%20COVID)%20may,away%20or%20come%20back%20again (accessed on 23/Jan/2023).
https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-nco... . Essas terminologias são usadas para descrever um conjunto diversificado de sintomas que se desenvolvem durante ou após uma infecção pelo SARS-CoV-2 e que permanecem após 12 semanas da infecção diagnosticada 88. National Institute for Health and Care Excellence. COVID-19 rapid guideline: managing the long-term effects of COVID-19. https://www.nice.org.uk/guidance/ng188 (accessed on 23/Jan/2023).
https://www.nice.org.uk/guidance/ng188... ,99. Baig AM. Chronic COVID syndrome: need for an appropriate medical terminology for long COVID and COVID long haulers. J Med Virol 2021; 93:2555-6.,1010. Chen C, Haupert SR, Zimmermann L, Shi X, Fritsche LG, Mukherjee B. Global prevalence of post COVID-19 condition or long COVID: a meta-analysis and systematic review. J Infect Dis 2022; 16:136..
Estima-se que os sintomas da COVID-19 persistem em aproximadamente um a cada dez casos da doença 1010. Chen C, Haupert SR, Zimmermann L, Shi X, Fritsche LG, Mukherjee B. Global prevalence of post COVID-19 condition or long COVID: a meta-analysis and systematic review. J Infect Dis 2022; 16:136.; entretanto, no Brasil, estudo realizado em São Paulo mostrou que 68% dos pacientes internados apresentavam pelo menos um sintoma recorrente relacionado à COVID-19 após 11 meses 1111. Freire MP, Oliveira MS, Magri MMC, Tavares BM, Marinho I, Nastri ACSS, et al. Frequency and factors associated with hospital readmission after COVID-19 hospitalization: the importance of post-COVID diarrhea. Clinics (Sao Paulo) 2022; 77:100061..
A frequência dos sintomas persistentes depende da extensão e gravidade da infecção e dos órgãos que foram afetados 1212. Gamberini L, Mazzoli CA, Gordini G, Prediletto I, Sintonen H, Scaramuzzo G, et al. Health-related quality of life profiles, trajectories, persistent symptoms and pulmonary function one year after ICU discharge in invasively ventilated COVID-19 patients, a prospective follow-up study. Respir Med 2021; 189:106665.. Além disso, estudo de revisão sistemática com estudos longitudinais identificou que os sintomas mais reportados, em até um ano após a recuperação da COVID-19, foram: fadiga, dispneia, perda de memória e dificuldade de concentração 1313. Han Q, Zheng B, Daines L, Sheikh A. Long-term sequelae of COVID-19: a systematic review and meta-analysis of one-year follow-up studies on post-COVID symptoms. Pathogens 2022; 19:2-269.. O mesmo estudo mostrou que o sexo feminino, a idade avançada, comorbidades e maior gravidade na fase aguda da doença são fatores de risco para desenvolver a síndrome pós-COVID-19 1313. Han Q, Zheng B, Daines L, Sheikh A. Long-term sequelae of COVID-19: a systematic review and meta-analysis of one-year follow-up studies on post-COVID symptoms. Pathogens 2022; 19:2-269..
Deve-se destacar a importância de avaliar a síndrome pós-COVID-19 em relação à variante dominante do SARS-CoV-2. Desde sua primeira identificação, diversas variantes já foram identificadas, sendo muitas vezes responsáveis por novas ondas de casos e mortalidade pela doença 1414. Moura EC, Cortez-Escalante J, Cavalcante FV, Barreto ICHC, Sanchez MN, Santos LMP. Covid-19: evolução temporal e imunização nas três ondas epidemiológicas, Brasil, 2020-2022. Rev Saúde Pública 2022; 56:105.. As vacinas desenvolvidas também acompanham a identificação dessas variantes para o seu aprimoramento 1515. Menni C, Klaser K, May A, Polidori L, Capdevilla J, Louca P, et al. Vaccine side-effects and SARS-CoV-2 infection after vaccination in users of the COVID Symptom Study app in the UK: a prospective observational study. Lancet Infect Dis 2021; 21:939-49.. Ao final de 2021, a variante ômicron (PANGO B.1.1.529) foi responsável por uma elevação brusca de casos em todo o mundo, sendo avaliado em recente estudo que a chance de síndrome pós-COVID-19 foi menor entre os casos de ômicron quando comparada com a variante delta (a predominante até o aparecimento da ômicron) 1616. Antonelli M, Pujol JC, Spector TD, Ourselin S, Steves CJ. Risk of long COVID associated with delta versus omicron variants of SARS-CoV-2. Lancet 2022; 399:2263-4..
Nesse contexto dinâmico da pandemia de COVID-19, faz-se necessário caracterizar a síndrome pós-COVID-19 ao longo do tempo, bem como os fatores associados a essa condição. Além de muitos pacientes demandarem acompanhamento especializado, há uma proporção de casos que necessitam ser readmitidos em hospitais 1010. Chen C, Haupert SR, Zimmermann L, Shi X, Fritsche LG, Mukherjee B. Global prevalence of post COVID-19 condition or long COVID: a meta-analysis and systematic review. J Infect Dis 2022; 16:136., o que significa um aumento nos atendimentos dos serviços de saúde 33. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19: versão 3. Brasília: Ministério da Saúde; 2020.. Esses resultados coincidem com os identificados em uma revisão sistemática 1010. Chen C, Haupert SR, Zimmermann L, Shi X, Fritsche LG, Mukherjee B. Global prevalence of post COVID-19 condition or long COVID: a meta-analysis and systematic review. J Infect Dis 2022; 16:136., que destacou, ainda, que uma parcela considerável dos participantes relatou prejuízo na área profissional, social/familiar e na saúde mental.
Assim, este estudo teve como objetivo analisar a síndrome pós-COVID-19 entre hospitalizados por COVID-19 após 6 e 12 meses da alta hospitalar.
Métodos
Trata-se de um estudo de coorte ambidirecional, realizado com pacientes confirmados com COVID-19, residentes em Cuiabá e Várzea Grande (município vizinho à capital), e que foram internados em hospitais públicos e privados em Cuiabá, capital de Mato Grosso, com fechamento do caso como alta hospitalar entre outubro e dezembro de 2021 e janeiro e março de 2022. Os casos foram identificados pelo IndicaSUS, sistema implantado pelo governo de Mato Grosso 44. Ministério da Saúde. Painel interativo COVID-19. https://covid.saude.gov.br/ (accessed on 09/Jan/2023).
https://covid.saude.gov.br/... , por meio do acesso junto à Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá. Após coleta de dados em prontuários, os indivíduos foram entrevistados por telefone 6 e 12 meses após a alta hospitalar.
Dos sete hospitais de Cuiabá, apenas três permitiram o acesso aos prontuários dos pacientes. Foram considerados como elegíveis os indivíduos de 18 anos ou mais, casos confirmados por meio de reação em cadeia da polimerase (PCR), teste rápido ou teste de antígeno, e que receberam alta hospitalar, segundo informações registradas no IndicaSUS. Estabeleceram-se como critérios de exclusão: pacientes que residem em casa de repouso e pacientes que tiverem dificuldades de comunicação (afasia, comprometimento cognitivo e grave perda auditiva).
De outubro de 2021 a março de 2022, 998 casos confirmados de COVID-19 em residentes de Cuiabá e Várzea Grande tiveram fechamento do caso nos hospitais da capital; desses, 689 receberam alta hospitalar (69%), sendo 277 nos três hospitais selecionados para o estudo (40,2% do total dos pacientes adultos que tiveram alta no período). Durante a coleta nos prontuários, dez pacientes foram excluídos por residirem em casa de repouso e oito que, apesar de estarem registrados no IndicaSUS como alta hospitalar, foram a óbito durante a internação. Portanto, permaneceram elegíveis para o estudo 259 indivíduos (Figura 1).
Fluxograma de seleção dos pacientes que foram internados e entrevistas seis meses após a alta hospitalar. Cuiabá, Mato Grosso, Brasil, 2022.
Os participantes foram contactados por ligações telefônicas e aplicativo de mensagens e convidados para participar da pesquisa, agendada de acordo com a preferência do entrevistado. Durante a coleta, foram informados sobre o objetivo da pesquisa, o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), a livre decisão em participar e a garantia de privacidade, além da possibilidade de desistência da participação a qualquer momento.
Para identificação de possíveis óbitos após a alta hospitalar, foi realizada a busca no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) dos indivíduos não localizados por meio do contato telefônico após 12 meses da alta hospitalar. A busca foi realizada por técnicos da Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá, por meio das informações pessoais do prontuário (nome, CPF, data de nascimento e nome da mãe). Além desses, foram considerados perdas aqueles que não podiam fazer contato por telefone, recusaram-se a participar, e que não conseguiam responder ao questionário, por terem dificuldades de comunicação, por conta de afasia, comprometimento cognitivo ou grave perda auditiva, além dos óbitos após a alta hospitalar.
As entrevistas foram individuais, realizadas via telefone e tiveram duração de 20 a 35 minutos, aproximadamente. As questões referiam-se a características demográficas e socioeconômicas, de moradia e condições de vida, da saúde e dados de internação, e sintomas persistentes desde a fase aguda da COVID-19 ou novos até o momento da entrevista.
As variáveis sobre características sociodemográficas e econômicas analisadas foram: sexo; faixa etária em anos (18-29, 30-49, 50-59 e 60 ou mais); etnia/cor (branca, parda, preta, amarela/indígena); escolaridade (Ensino Fundamental completo, Médio completo e Superior completo ou mais); renda mensal em salários mínimos (até 2, 2-3 e 3 ou mais); e se trabalhava quando foi internado e no momento da entrevista (entre os que informaram que estavam trabalhando quando foram internados).
Em relação às características de saúde e internação, foram consideradas as informações obtidas na entrevista: diagnóstico de COVID-19 anteriormente à infecção que causou a internação; número de doses de vacinas recebidas antes da internação (1, 2, 3 ou 4); comorbidades autorreferidas (hipertensão arterial, diabetes mellitus, obesidade, doença do coração); e número de comorbidades (sem comorbidades, 1 ou 2, 3 ou mais). As variáveis que foram obtidas por meio do acesso ao prontuário hospitalar foram: tempo de internação (dias de internação avaliada em média e classificada em tercil); internação em unidade de terapia intensiva (UTI) (sim/não); dias de internação em UTI (considerando média de dias e também classificada em tercil); e necessidade de ventilação mecânica (sim/não).
Foram consideradas, na análise dos dados, as comorbidades hipertensão arterial, diabetes mellitus, obesidade e doença de coração, por terem sido as mais frequentes entre as comorbidades relatadas. Entretanto, apenas 11 pacientes referiram positivamente quanto à obesidade, sendo que, quando classificado o índice de massa corporal (IMC) a partir do peso e estatura autorreferidos, 46 indivíduos foram identificados com 30kg/m2 ou mais, caracterizando obesidade 1717. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a World Health Organization Consultation. Geneva: World Health Organization; 2000. (WHO Obesity Technical Report Series, 284)., informação que foi considerada na análise dos dados.
Os entrevistados também foram questionados sobre 24 classes de sintomas presentes na fase aguda de COVID-19 e após 6 e 12 meses de alta hospitalar, essa lista de sintomas foi construída a partir da literatura 1818. Nalbandian A, Sehgal K, Gupta A, Madhavan MV, McGroder C, Stevens JS, et al. Post-acute COVID-19 syndrome. Nat Med 2021; 27:601-15.. Havia um campo aberto para o paciente informar algum sintoma que não foi citado durante a entrevista.
Os sintomas foram classificados em: muscular (cansaço/fadiga, dor nas articulações, astenia/fraqueza muscular, disforia/indisposição); neuropsiquiátrico (problemas de memória, ansiedade, déficit de atenção/problemas de concentração, tontura, depressão, dor de cabeça, perda/diminuição do paladar e olfato, distúrbios do sono, humor baixo, transtorno de estresse pós-traumático); dermatológico (perda de cabelo); cardiovascular (palpitações, dispneia, dores no peito); e pulmonar (dispneia, tosse, necessidade de oxigênio). Outros sintomas também foram investigados: dor de garganta, coriza, febre, sudorese, náusea 1818. Nalbandian A, Sehgal K, Gupta A, Madhavan MV, McGroder C, Stevens JS, et al. Post-acute COVID-19 syndrome. Nat Med 2021; 27:601-15.. Além disso, foram avaliados os dez sintomas mais frequentes na fase aguda da doença segundo a presença de sintomas persistentes após seis meses da alta hospitalar. Considerou-se como síndrome pós-COVID-19 a presença de sintomas persistentes ou novos após 6 e 12 meses da alta hospitalar, como adotado em estudos anteriores 55. Kim Y, Ha B, Kim SW, Chang HH, Kwnom KT, Bae S, et al. Post-acute COVID-19 syndrome in patients after 12 months from COVID-19 infection in Korea. BMC Infect Dis 2022; 22:93-127.,1010. Chen C, Haupert SR, Zimmermann L, Shi X, Fritsche LG, Mukherjee B. Global prevalence of post COVID-19 condition or long COVID: a meta-analysis and systematic review. J Infect Dis 2022; 16:136.,1919. Moreno-Pérez O, Merino E, Leon-Ramirez MJ, Andres M, Ramos JM, Arenas-Jiménez J, et al. Post-acute COVID-19 syndrome. Incidence and risk factors: a Mediterranean cohort study. J Infect 2021; 82:378-83., sendo avaliadas, também, as características segundo o número de sintomas (nenhum, 1 ou 2, 3 ou mais).
As análises foram realizadas utilizando o software Stata, versão 16 (https://www.stata.com). As variáveis foram descritas por meio de frequência absoluta e relativa, sendo aplicado o teste de qui-quadrado ou teste exato de Fisher para avaliar as diferenças entre as proporções, considerando nível de significância estatística de 5% (valor de p < 0,05).
Foram respeitados todos os aspectos éticos em pesquisa, de acordo com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Área da Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso - Campus Cuiabá (parecer nº 5.415.255/2022, de 18 de maio de 2022). Todos os participantes assinaram o TCLE.
Resultados
Foram avaliados 190 pacientes após seis meses da alta hospitalar (média: 6,29 meses; desvio padrão - DP: 1,24) e 160 pacientes após 12 meses da alta hospitalar (média: 13,17 meses; DP: 1,11), representando 73,3% e 62,2% da população elegível, respectivamente. Entre as perdas e exclusões de 6 e 12 meses, as maiores proporções referiram-se à não possibilidade de contato por telefone (n = 48), recusas (n = 11), impossibilidade de responder ao questionário por terem dificuldades de comunicação, por conta de afasia, comprometimento cognitivo ou grave perda auditiva (n = 13), além dos óbitos após a alta hospitalar (n = 28) (Figura 1).
Dos 190 indivíduos avaliados aos seis meses, 59% eram mulheres, 40% tinham 60 anos ou mais de idade, 63,2% se autodeclararam pardos, 55,8% tinham até o Ensino Fundamental completo e 57,4% referiram estar trabalhando quando foram internados, entre os quais, apenas 41,6% disseram ainda trabalhar quando a entrevista foi realizada. Ao serem questionados sobre a presença de sintomas, 87,4% responderam que apresentam sintomas da COVID-19 na entrevista após seis meses da alta hospitalar e 83,2% não se consideram recuperados da COVID-19. Quando avaliados os 24 sintomas, 88,4% referiram pelo menos um sintoma e 36,3% apresentavam três ou mais sintomas (Tabela 1).
Aos 12 meses, 160 indivíduos foram avaliados, sendo que 58,7% eram mulheres, e seguindo a distribuição das características sociodemográficas semelhante ao seguimento de seis meses da alta. Ao serem questionados sobre a presença de sintomas, 67,5% responderam que apresentam sintomas da COVID-19 na entrevista e 66,8% não se consideram recuperados da COVID-19. Quando avaliados os 24 sintomas, 68,7% referiram pelo menos um sintoma e 8,13% apresentavam três ou mais sintomas (Tabela 1).
Não foi verificada diferença significativa em relação à presença de síndrome pós-COVID-19 de acordo com sexo aos seis meses; porém, após 12 meses da alta, foi maior a prevalência de três ou mais sintomas entre as mulheres (11,6%), quando comparadas aos homens (3,1%). Não houve diferenças significativas nas variáveis etnia/cor, escolaridade e situação de trabalho no momento da internação. Foi maior a frequência de síndrome pós-COVID-19 entre os indivíduos de maior faixa etária, etnia/cor parda, menor renda familiar e entre os que não estavam trabalhando quando a entrevista foi realizada após 6 e 12 meses da alta hospitalar. Quando avaliado após 12 meses, a prevalência de sintomas persistentes não manteve diferença estatisticamente significativa. A presença de três ou mais sintomas foi significativamente maior entre os que relataram não estar trabalhando (46%), quando comparados aos que estavam trabalhando (22,8%) (Tabela 1).
Apenas 9,4% dos indivíduos já haviam sido diagnosticados com COVID-19 anteriormente à infecção que causou a internação hospitalar, não havendo diferença significativa com a presença de síndrome pós-COVID-19 após 6 e 12 meses da alta hospitalar. Entretanto, verificou-se que, entre os pacientes que foram internados devido à infeção recorrente de COVID-19, 64,7% apresentaram três ou mais sintomas após seis meses, comparados a 34,4% dos que haviam sido internados pela primeira infecção, com nível de significância borderline (valor de p = 0,05). Aos 12 meses após a alta, essa diferença não se manteve. Mais de 70% dos entrevistados tinham recebido pelo menos duas doses da vacina contra o SARs-CoV-2 antes da internação (41,6% receberam duas doses e 32,6% três ou quatro doses), não havendo diferença significativa em relação à síndrome pós-COVID-19 após 6 e 12 meses (Tabela 2).
A prevalência da síndrome pós-COVID-19 foi maior entre os que tinham hipertensão (98,2%) e diabetes (98,4%), quando comparados aos indivíduos sem essas comorbidades (74,7% e 83,3%, respectivamente; valor de p < 0,01) aos seis meses, e entre os que tinha hipertensão (81,6%) e entre os que tinham diabetes (77,1%), quando comparados aos indivíduos sem essas comorbidades (53,4% e 65,2%) aos 12 meses, havendo diferença significativa apenas para hipertensão arterial nessa segunda onda de acompanhamento prospectivo. Não foi verificada diferença significativa entre aqueles com obesidade e doença do coração. Foi maior a prevalência de síndrome pós-COVID-19 e de presença de três ou mais sintomas entre aqueles com maior número de comorbidades aos seis meses após a alta (valor de p < 0,01) (Tabela 2).
A média de tempo de internação dos pacientes foi de 12,7 dias, sendo maior entre os pacientes que tinham pelo menos um sintoma após seis meses de alta (13,6 dias), quando comparados aos que não tinham sintomas (5,6 dias); resultados semelhantes foram observados após 12 meses. Também foi maior a prevalência de síndrome pós-COVID-19 e presença de três ou mais sintomas, após 6 e 12 meses da alta, entre os pacientes do tercil de maior tempo de internação. Dos pacientes avaliados, 30% necessitaram de internação em UTI, sendo a média de 13,8 dias de internação nesse tipo de leito, e 6,5% precisaram de ventilação mecânica invasiva e apresentaram síndrome pós-COVID-19, não sendo verificada diferença estatisticamente significante, em relação a essas variáveis, de síndrome pós-COVID-19 e número de sintomas (Tabela 2).
Mais da metade dos pacientes apresentaram sintomas musculares (58,9%) e neuropsiquiátricos (55,3%) aos seis meses após a alta hospitalar e essa porcentagem manteve-se elevada aos 12 meses: 44,4% e 30,6%, respectivamente. A fadiga foi o sintoma mais comum após 6 e 12 meses de alta hospitalar (55,3% e 40,6%, respectivamente), seguido de problemas de memória ou para tomar decisões (36,8%; 20%), perda de cabelo (26,8%; 11,2%), dispneia (16,3%; 7,5%), ansiedade (14,2%; 8,1%), dor nas articulações (12,1%; 6,8%) e déficit de atenção/problemas de concentração (10%; 1,2%) (Tabela 3). Em relação ao sexo, a perda de cabelo foi o único sintoma que apresentou diferença significativa (valor de p < 0,01), com maior prevalência entre as mulheres.
Aos seis meses após a alta, foi observado maior proporção de síndrome pós-COVID-19 entre os pacientes que relataram maior número de sintomas na fase aguda da COVID-19 (valor de p < 0,01). Quando avaliado cada sintoma especificamente, observou-se maior prevalência de síndrome pós-COVID-19 entre os pacientes que apresentaram tosse (92,2%), febre (92,4%) e dor no corpo (95,9%), quando comparados aos que não apresentaram esses sintomas (77,5%, 79,3% e 80,6%, respectivamente; valor de p < 0,05). Também foi observado maior número de sintomas persistentes após a alta hospitalar entre aqueles que tiverem esses sintomas após seis meses (Tabela 4).
Quando avaliados após 12 meses de alta hospitalar, verificou-se que a proporção de síndrome pós-COVID-19 foi maior entre os pacientes que relataram ter mais de dois sintomas na fase aguda da COVID-19 (68,7%). Quando comparado a cada sintoma especificamente, observou-se maior predomínio de síndrome pós-COVID-19 entre os pacientes que apresentaram tosse (71,6%), febre (73,7%) e dispneia (74,4%), quando comparados aos que não apresentaram esses sintomas (60%, 56,5% e 61,4%, respectivamente; não houve diferença estatisticamente significativa) (Tabela 5).
Discussão
Os resultados deste estudo revelaram que 88,4% e 67,5% dos pacientes que se recuperaram da fase aguda da COVID-19 ainda apresentavam pelo menos um sintoma aos 6 e 12 meses, respectivamente, e mais de 30% apresentavam três ou mais sintomas da doença nos dois momentos da entrevista, sendo fadiga, dispneia, dor nas articulações, perda de cabelo e ansiedade os mais frequentes. Foi mais elevada a prevalência de síndrome pós-COVID-19 entre os de maior faixa etária, com comorbidades e menor renda per capita. Os resultados destacaram que a síndrome pós-COVID-19 foi maior entre os pacientes que apresentaram maior gravidade na fase aguda, considerando o tempo de internação e necessidade de internação em UTI.
A prevalência da síndrome pós-COVID-19 entre 6 e 12 meses após a recuperação da fase aguda tem variado entre 61% e 87% na literatura internacional 1313. Han Q, Zheng B, Daines L, Sheikh A. Long-term sequelae of COVID-19: a systematic review and meta-analysis of one-year follow-up studies on post-COVID symptoms. Pathogens 2022; 19:2-269. e nacional 2020. Lapa J, Rosa D, Mendes JPL, Deusdará R, Romero GAS. Prevalence and associated factors of post-COVID-19 syndrome in a Brazilian cohort after 3 and 6 months of hospital discharge. Int J Environ Res Public Health 2023; 2:848., sendo semelhante ao verificado neste estudo. No Brasil, ainda são poucos os estudos que avaliaram a presença de sintomas persistentes da COVID-19 2020. Lapa J, Rosa D, Mendes JPL, Deusdará R, Romero GAS. Prevalence and associated factors of post-COVID-19 syndrome in a Brazilian cohort after 3 and 6 months of hospital discharge. Int J Environ Res Public Health 2023; 2:848.,2121. Bonifácio LP, Csizmar VNF, Barbosa-Júnior F, Pereira APS, Koenigkam-Santos M, Wada DT, et al. Long-term symptoms among COVID-19 survivors in prospective cohort study, Brazil. Emerg Infect Dis 2022; 28:730-3.,2222. Silva KM, Freitas DCA, Medeiros SS, Miranda LVA, Carmo JBM, Silva RG, et al. Prevalence and predictors of COVID-19 long-term symptoms: a cohort study from the Amazon Basin. Am J Trop Med Hyg 2023; 26:220362.,2323. Talhari C, Criado PR, Castro CCS, Ianhez M, Ramos PM, Miot HA. Prevalence of and risk factors for post-COVID: results from a survey of 6,958 patients from Brazil. An Acad Bras Ciênc 2023; 95:e20220143., sendo este o primeiro estudo realizado em Mato Grosso, estado que se destacou pela elevada taxa acumulada de mortalidade por COVID-19, estando em segundo lugar entre as Unidades Federativas do país 11. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico Especial. Doença pelo Novo Coronavírus COVID-19 2021; (86). https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/covid-19/2021/boletim_epidemiologico_covid_86-final-_29out.pdf.
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-... .
A frequência dos sintomas em nosso estudo foi superior aos achados de um estudo prospectivo nacional com pacientes hospitalizados, em que 61% apresentaram pelo menos um sintoma após seis meses, sendo os mais frequentes fadiga e perda de memória 2020. Lapa J, Rosa D, Mendes JPL, Deusdará R, Romero GAS. Prevalence and associated factors of post-COVID-19 syndrome in a Brazilian cohort after 3 and 6 months of hospital discharge. Int J Environ Res Public Health 2023; 2:848.. Esse resultado pode ser explicado porque, em nosso estudo, 83,2% dos entrevistados não se consideram recuperados da COVID-19.
Apesar de, após seis meses, não ter sido verificada diferença significativa na proporção de pacientes com síndrome pós-COVID-19 segundo o sexo, aos 12 meses foi maior a proporção de mulheres com três ou mais sintomas, quando comparada aos homens. Esse resultado assemelha-se ao verificado em uma coorte na Região Amazônica que identificou o sexo feminino, etnia/cor não branca e IMC elevado como preditores independentes de maior número de sintomas na síndrome pós-COVID-19 2222. Silva KM, Freitas DCA, Medeiros SS, Miranda LVA, Carmo JBM, Silva RG, et al. Prevalence and predictors of COVID-19 long-term symptoms: a cohort study from the Amazon Basin. Am J Trop Med Hyg 2023; 26:220362.. Outros estudos também verificaram isso 1111. Freire MP, Oliveira MS, Magri MMC, Tavares BM, Marinho I, Nastri ACSS, et al. Frequency and factors associated with hospital readmission after COVID-19 hospitalization: the importance of post-COVID diarrhea. Clinics (Sao Paulo) 2022; 77:100061.,1313. Han Q, Zheng B, Daines L, Sheikh A. Long-term sequelae of COVID-19: a systematic review and meta-analysis of one-year follow-up studies on post-COVID symptoms. Pathogens 2022; 19:2-269.,2323. Talhari C, Criado PR, Castro CCS, Ianhez M, Ramos PM, Miot HA. Prevalence of and risk factors for post-COVID: results from a survey of 6,958 patients from Brazil. An Acad Bras Ciênc 2023; 95:e20220143..
A maior prevalência de síndrome pós-COVID-19 entre os indivíduos de maior faixa etária, menor renda e que não estavam trabalhando após seis meses da alta foi consistente ao verificado em estudos realizados em outros países 1313. Han Q, Zheng B, Daines L, Sheikh A. Long-term sequelae of COVID-19: a systematic review and meta-analysis of one-year follow-up studies on post-COVID symptoms. Pathogens 2022; 19:2-269. e no Brasil sobre a temática 2020. Lapa J, Rosa D, Mendes JPL, Deusdará R, Romero GAS. Prevalence and associated factors of post-COVID-19 syndrome in a Brazilian cohort after 3 and 6 months of hospital discharge. Int J Environ Res Public Health 2023; 2:848.. Ademais, os impactos nas funções físicas e cognitivas nos indivíduos com síndrome pós-COVID-19 podem dificultar o retorno ao trabalho e, consequentemente, impactar diretamente na renda familiar 2020. Lapa J, Rosa D, Mendes JPL, Deusdará R, Romero GAS. Prevalence and associated factors of post-COVID-19 syndrome in a Brazilian cohort after 3 and 6 months of hospital discharge. Int J Environ Res Public Health 2023; 2:848.. Essa diferença em relação ao trabalho atual não se manteve na avaliação após 12 meses após a alta hospitalar, o que pode ser explicado pelo período do tempo desde a alta até a entrevista e, logo, a diminuição dos sintomas persistentes entre os pacientes. Além disso, houve avanço no contexto de reabertura econômica no país 2424. Buonsenso D, Gualano MR, Rossi MF, Gris AV, Sisti LG, Borrelli I, et al. Post-acute COVID-19 sequelae in a working population at one year follow-up: a wide range of impacts from an Italian sample. Int J Environ Res Public Health 2022; 19:11093..
É importante considerar que a síndrome pós-COVID-19 vem afetando desproporcionalmente grupos sociais, e possíveis fatores sociais, econômicos, ambientais e políticos antecedentes à pandemia contribuíram para as disparidades em saúde 2525. Goldin I, Muggah R. Viral inequality. Project Syndicate 2020; 27 mar. https://www.project-syndicate.org/onpoint/viral-inequality-by-ian-goldin-and-robert-muggah-2020-03.
https://www.project-syndicate.org/onpoin... . Assim, a desigualdade age como “amplificador de ameaças”, interagindo com a síndrome pós-COVID-19 de forma a intensificar a vulnerabilidade da sociedade como um todo 2525. Goldin I, Muggah R. Viral inequality. Project Syndicate 2020; 27 mar. https://www.project-syndicate.org/onpoint/viral-inequality-by-ian-goldin-and-robert-muggah-2020-03.
https://www.project-syndicate.org/onpoin... .
Em relação à comorbidades, estudos prospectivos correlacionam comorbidades pré-existentes com a síndrome pós-COVID-19, como a hipertensão arterial, doença cardiovascular, lesão cardíaca aguda e diabetes mellitus 55. Kim Y, Ha B, Kim SW, Chang HH, Kwnom KT, Bae S, et al. Post-acute COVID-19 syndrome in patients after 12 months from COVID-19 infection in Korea. BMC Infect Dis 2022; 22:93-127.,2626. Zhu Z, Wang M, Lin W, Cai Q, Zhang L, Chen D, et al. Cardiac biomarkers, cardiac injury, and comorbidities associated with serious illness and mortality in coronavirus disease 2019 (COVID-19): a systematic review and meta-analysis. Immun Inflamm Dis 2021; 9:1071-100., dados consistentes aos achados deste estudo. Tal relação pode estar relacionada ao fato da infecção por SARS-CoV-2 poder causar a liberação excessiva de citocinas (pró-inflamatórias, pró-fibróticas e regulatórias da resposta imune), o que resulta em exacerbação dos mecanismos inflamatórios. Além disso, a infecção direta do vírus na célula endotelial e sua consequente disfunção estão entre as explicações da maior ocorrência de casos mais graves e síndrome pós-COVID-19 entre pacientes com comorbidades relacionadas aos vasos sanguíneos 2727. Costela-Ruiz VJ, Illescas-Montes R, Puerta-Puerta JM, Ruiz C, Melguizo-Rodríguez L. SARS-CoV-2 infection: the role of cytokines in COVID-19 disease. Cytokine Growth Factor Rev 2020; 54:62-75.. Ainda, tem sido observado que pacientes internados com COVID-19 podem apresentar agravamento das comorbidades pré-infecção, como piora na hipertensão arterial e diabetes mellitus 55. Kim Y, Ha B, Kim SW, Chang HH, Kwnom KT, Bae S, et al. Post-acute COVID-19 syndrome in patients after 12 months from COVID-19 infection in Korea. BMC Infect Dis 2022; 22:93-127..
Como esperado, a presença de sintomas após 6 e 12 meses foi maior entre pacientes que permaneceram mais tempo internados, o que pode refletir maior gravidade da doença na fase aguda. Estudos explorados na literatura mostraram risco maior de sintomas de longo prazo em pacientes que necessitam de internação em UTI e/ou suporte ventilatório do que em pacientes não graves em termos de status de infecção aguda 2828. Huang L, Qun Y, Gu X, Wang Q, Ren L, Wang Y, et al. 1-year outcomes in hospital survivors with COVID-19: a longitudinal cohort study. Lancet 2021; 398:747-58.,2929. Zhang X, Wang F, Shen Y, Zhang X, Cen Y, Wang B, et al. Symptoms and health outcomes among survivors of COVID-19 infection 1 year after discharge from hospitals in Wuhan, China. JAMA Netw Open 2021; 4:e2127403.. Recente estudo realizado no Brasil verificou maior frequência de sintomas persistentes entre pacientes que foram classificados como críticos na fase aguda, quando comparados aos de nível leve e moderado 2121. Bonifácio LP, Csizmar VNF, Barbosa-Júnior F, Pereira APS, Koenigkam-Santos M, Wada DT, et al. Long-term symptoms among COVID-19 survivors in prospective cohort study, Brazil. Emerg Infect Dis 2022; 28:730-3..
Entre os sintomas persistentes nos indivíduos analisados, os sintomas musculares e neuropsiquiátricos foram mais frequentes, especificamente fadiga e dispneia, e se mostraram semelhantes a outros estudos 55. Kim Y, Ha B, Kim SW, Chang HH, Kwnom KT, Bae S, et al. Post-acute COVID-19 syndrome in patients after 12 months from COVID-19 infection in Korea. BMC Infect Dis 2022; 22:93-127.,2828. Huang L, Qun Y, Gu X, Wang Q, Ren L, Wang Y, et al. 1-year outcomes in hospital survivors with COVID-19: a longitudinal cohort study. Lancet 2021; 398:747-58.,3030. Augustin M, Schommers P, Stecher M, Dewald F, Gieselmann L, Gruell H, et al. Post-COVID syndrome in non-hospitalised patients with COVID-19: a longitudinal prospective cohort study. Lancet Reg Health Eur 2021; 6:100122., e podem estar associadas a um retorno ao serviço de saúde 3131. Günster C, Busse R, Spoden M, Rombey T, Schillinger G, Hoffmann W, et al. 6-month mortality and readmissions of hospitalized COVID-19 patients: a nationwide cohort study of 8,679 patients in Germany. PLoS One 2021; 16:e0255427.. Uma possível explicação para esses sintomas seria a persistência de áreas pulmonares residuais fibróticas, resultado de um estágio de organização ineficaz após a resposta inflamatória aguda inicial da doença 3232. Duarte AR, Izquierdo MR, Fernández de Alba IG, Contreras MP, Fernández-Martínez NF, Ruiz-Montero R, et al. Sequelae, persistent symptomatology and outcomes after Covid-19 hospitalization: the ANCOHVID multicentre 6-month follow up study. BMC Med 2021; 19:129..
A pandemia impactou a saúde mental de pessoas infectadas e não infectadas 3333. Rogers JP, Chesney E, Oliver D. Psychiatric and neuropsychiatric presentations associated with severe coronavirus infections: a systematic review and meta-analysis with comparison to the COVID-19 pandemic. Lancet Psychiatry 2020; 7:611-27.. Os sobreviventes da COVID-19 têm elevado risco de desfechos psiquiátricos, como ansiedade e depressão 3434. Al-Aly Z, Xie Y, Bowe B. High-dimensional characterization of post-acute sequelae of COVID-19. Nature 2021; 594:259-64., sendo observado que a frequência de sintomas depressivos após mais de 12 semanas da infecção por SARS-CoV-2 varia de 11% a 28% 3535. Renaud-Charest O, Lui LM, Eskander S, Ceban F, Ho R, Di Vincenzo JD, et al. Onset and frequency of depression in post-COVID-19 syndrome: a systematic review. J Psychiatr Res 2021; 144:129-37.. Foi constatado, neste estudo, que 55,3% dos pacientes apresentavam condições neuropsiquiátricas aos seis meses, e 30,6% aos 12 meses, sendo que 14,2% dos pacientes relataram ter ansiedade e 2,1% depressão aos seis meses e, aos 12 meses, 8,1% relataram ansiedade e 1,2% depressão. Os sintomas depressivos podem ser pelo menos parcialmente explicados pela exacerbação dos mecanismos inflamatórios previamente mencionados, uma vez que há evidência existente sobre a associação entre inflamação e depressão e da observação de que a sintomatologia depressiva na síndrome pós-COVID-19 é proporcional à inflamação sistêmica medida na fase aguda infecção 3535. Renaud-Charest O, Lui LM, Eskander S, Ceban F, Ho R, Di Vincenzo JD, et al. Onset and frequency of depression in post-COVID-19 syndrome: a systematic review. J Psychiatr Res 2021; 144:129-37.. Além disso, os sintomas psicológicos podem ser causados por um efeito indireto da infecção pelo vírus, como o medo de morrer pela doença, contato social reduzido, solidão, recuperação incompleta da saúde física e perda de emprego 3434. Al-Aly Z, Xie Y, Bowe B. High-dimensional characterization of post-acute sequelae of COVID-19. Nature 2021; 594:259-64..
Ainda entre os sintomas neuropsiquiátricos, problemas de memória estão entre os referidos 3636. Duarte Junior SS, Guarnier GFF, Cardoso IBR, Felicio FC, Pereira JS, Silva ACS, et al. Recuperação de déficit de memória pós-COVID-19: uma revisão. Revista de Ciências Biológicas e da Saúde 2021; 4(3). https://unignet.com.br/wp-content/uploads/10_RECUPERACAO-DE-DEFICIT-DE-MEMORIA-POS-COVID-19.pdf.
https://unignet.com.br/wp-content/upload... . Destaca-se que os indivíduos que se recuperaram da COVID-19 têm desempenho pior em testes cognitivos em vários domínios do que seria esperado. Esse déficit é proporcional à gravidade dos sintomas e é mais frequente entre aqueles que passaram por tratamento hospitalar 3636. Duarte Junior SS, Guarnier GFF, Cardoso IBR, Felicio FC, Pereira JS, Silva ACS, et al. Recuperação de déficit de memória pós-COVID-19: uma revisão. Revista de Ciências Biológicas e da Saúde 2021; 4(3). https://unignet.com.br/wp-content/uploads/10_RECUPERACAO-DE-DEFICIT-DE-MEMORIA-POS-COVID-19.pdf.
https://unignet.com.br/wp-content/upload... . Ademais, o déficit de memória após infecção pelo SARS-CoV-2 possivelmente não tem relação a um dano exclusivamente neurológico, mas pode estar associado a distúrbios psiquiátricos e ao agravamento de dificuldades cognitivas pré-existentes. É importante que mais pesquisas sejam realizadas para compreender a gama de distúrbios neurológicos associados à COVID-19 e suas manifestações cognitivas 3636. Duarte Junior SS, Guarnier GFF, Cardoso IBR, Felicio FC, Pereira JS, Silva ACS, et al. Recuperação de déficit de memória pós-COVID-19: uma revisão. Revista de Ciências Biológicas e da Saúde 2021; 4(3). https://unignet.com.br/wp-content/uploads/10_RECUPERACAO-DE-DEFICIT-DE-MEMORIA-POS-COVID-19.pdf.
https://unignet.com.br/wp-content/upload... ,3737. Miskowiak KW, Johnsen S, Sattler SM, Nielsen S, Kunalan K, Rungby J, et al. Cognitive impairments four months after COVID-19 hospital discharge: pattern, severity and association with illness variables. Eur Neuropsychopharmacol 2021; 46:39-48..
Deve ser destacado o fato de o problema de perda do cabelo estar entre os principais sintomas relatados aos 6 e 12 meses após a alta, sobressaindo-se entre os sintomas dermatológicos da síndrome pós-COVID-19 elencados na literatura 1818. Nalbandian A, Sehgal K, Gupta A, Madhavan MV, McGroder C, Stevens JS, et al. Post-acute COVID-19 syndrome. Nat Med 2021; 27:601-15., sendo possivelmente explicada por sua patogênese, curso clínico e tratamento 3232. Duarte AR, Izquierdo MR, Fernández de Alba IG, Contreras MP, Fernández-Martínez NF, Ruiz-Montero R, et al. Sequelae, persistent symptomatology and outcomes after Covid-19 hospitalization: the ANCOHVID multicentre 6-month follow up study. BMC Med 2021; 19:129.,3838. Nguyen BS, Tosti A. Alopecia in patients with COVID-19: a systematic review and meta-analysis. JAAD Int 2022; 7:67-77.. Estudo de Saceda-Corralo et al. 3939. Saceda-Corralo D, Pindado-Ortega C, Moreno-Arrones OM, Ortega-Quijano D, Fernández-Nieto D, Jiménez-Cauhe J, et al. Association of inflammation with progression of hair loss in women with frontal fibrosing alopecia. JAMA Dermatol 2020; 156:700-2. identificou que a perda de cabelo pode ser uma sequela dos sobreviventes da COVID-19, observada quase exclusivamente em mulheres, o que vai ao encontro com os nossos achados, quando comparado aos homens. O resultado do estudo de Zeng et al. 4040. Zeng F, Dai C, Cai P, Wang J, Xu L, Li J, et al. A comparison study of SARS-CoV-2 IgG antibody between male and female COVID-19 patients: a possible reason underlying different outcome between sex. J Med Virol 2020; 92:2050-4. indicou que as mulheres desenvolvem respostas humorais e celulares mais fortes ao COVID-19, o que pode perpetuar as manifestações dos sintomas e desencadear sequelas como a queda de cabelo. A perda de cabelo maior entre as mulheres também pode ser explicada pelas mudanças hormonais e estados de estresse que podem ser causados pela doença 4141. Banka N, Mubki T, Bunagan MJK, McElwee K, Shapiro J. Frontal fibrosing alopecia: a retrospective clinical review of 62 patients with treatment outcome and long-term follow-up. Int J Dermatol 2014; 53:1324-30..
Os resultados apresentados chamam a atenção para a maior proporção de síndrome pós-COVID-19 entre os pacientes que tiveram sintomas como tosse, febre e dor no corpo na fase aguda da doença, o que pode ser explicado pela relação desses sintomas com a gravidade da doença. Tais resultados estão em concordância com os achados na literatura, a exemplo de estudos anteriores que identificaram que a gravidade da doença na fase aguda estava associada à persistência de sintomas como a fadiga, dispneia, fraqueza muscular e estresse 2828. Huang L, Qun Y, Gu X, Wang Q, Ren L, Wang Y, et al. 1-year outcomes in hospital survivors with COVID-19: a longitudinal cohort study. Lancet 2021; 398:747-58.,4242. Ioannou GN, Baraff A, Fox A, Shahoumian T, Hickok A, O'Hare AM, et al. Rates and factors associated with documentation of diagnostic codes for long COVID in the national veterans affairs health care system. JAMA Netw Open 2022; 5:e2224359..
Embora febre seja um sintoma comum na fase aguda, parece melhorar com o tempo e não tem sido observada entre os principais sintomas após a recuperação. Em estudo de metanálise sobre os sintomas prolongados em sobreviventes da COVID-19, foram encontradas maiores frequências de fadiga, dispneia, tosse, dor no corpo, depressão, ansiedade, perda de memória e insônia em um ano de acompanhamento. A febre não apareceu entre os sintomas persistentes 1313. Han Q, Zheng B, Daines L, Sheikh A. Long-term sequelae of COVID-19: a systematic review and meta-analysis of one-year follow-up studies on post-COVID symptoms. Pathogens 2022; 19:2-269.,4343. Shang YF, Liu T, Yu JN, Xu XR, Zahid KR, Wei YC, et al. Half-year follow-up of patients recovering from severe COVID-19: analysis of symptoms and their risk factors. J Intern Med 2021; 290:444-50..
Neste estudo, menos da metade dos pacientes avaliados tinha completado o esquema vacinal antes da internação, não havendo diferença significativa da proporção de sintomas persistentes de acordo com as doses da vacina. Entretanto, deve-se considerar o importante papel da vacinação na redução significativa do número de infecções, reinfecções e casos graves 4444. World Health Organization. Update on Omicron. https://www.who.int/news/item/28-11-2021-update-on-omicron (accessed on 23/Jan/2023).
https://www.who.int/news/item/28-11-2021... . O fato de este estudo ter analisado apenas pacientes que necessitaram de internação e de não ter sido avaliada a data da última dose em relação à data da internação pode ter dificultado a análise dessa informação, uma vez que evidências vêm tentando explicar a relação da menor probabilidade de sintomas prolongados entre os que foram imunizados 1616. Antonelli M, Pujol JC, Spector TD, Ourselin S, Steves CJ. Risk of long COVID associated with delta versus omicron variants of SARS-CoV-2. Lancet 2022; 399:2263-4.,4545. Rosenblat JD, Cha DS, Mansur RB, McIntyre RS. Inflamed moods: a review of the interactions between inflammation and mood disorders. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry 2014; 53:23-4..
Entre as limitações deste estudo, além da mencionada acima, devem ser destacadas: a amostragem por conveniência, que impede a generalização dos achados, e a não avaliação da síndrome pós-COVID-19 diferenciando as variantes do vírus. Deve-se considerar, também, a definição da síndrome pós-COVID-19 adotada, sendo considerada a partir do relato do entrevistado pela presença de um ou mais sintomas na lista de 24 sintomas considerados no questionário, aos 6 e 12 meses após a alta hospitalar, de acordo com outros estudos observacionais realizados 55. Kim Y, Ha B, Kim SW, Chang HH, Kwnom KT, Bae S, et al. Post-acute COVID-19 syndrome in patients after 12 months from COVID-19 infection in Korea. BMC Infect Dis 2022; 22:93-127.,99. Baig AM. Chronic COVID syndrome: need for an appropriate medical terminology for long COVID and COVID long haulers. J Med Virol 2021; 93:2555-6.. Ou seja, não foi adotada a definição estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) publicada em outubro de 2021, na qual a síndrome pós-COVID-19 é caracterizada pela presença de sintomas após três meses da fase aguda e com duração mínima de dois meses, não sendo explicado por diagnóstico alternativo. Entretanto, a OMS reconhece a estimativa de que 15,1% dos indivíduos infectados pelo SARS-CoV-2 apresentam sintomas persistentes após 12 meses do início da infecção, além dos principais sintomas incluírem fadiga, dispneia e problemas cognitivos, como o verificado neste estudo 4646. Davis HE, McCorkell L, Vogel JM, Topol EJ. Long COVID: major findings, mechanisms and recommendations. Nat Rev Microbiol 2023; 21:133-46.. Adicionalmente, considerando a variedade de sintomas da síndrome pós-COVID-19 mencionados na literatura, a lista com 24 sintomas considerada no questionário pode ter sido uma limitação, já que mais de 200 sintomas têm sido identificados, com impacto em múltiplos órgãos 4646. Davis HE, McCorkell L, Vogel JM, Topol EJ. Long COVID: major findings, mechanisms and recommendations. Nat Rev Microbiol 2023; 21:133-46.. Além disso, não se pode ignorar o possível viés de memória para algumas perguntas retrospectivas e sobre os sintomas presentes na fase aguda durante a admissão hospitalar.
Estudos futuros com representatividade amostral e identificação de linhagem do vírus podem contribuir para o conhecimento sobre a síndrome pós-COVID-19 e como a pandemia de COVID-19 evoluiu ao longo do tempo.
Nossos resultados sugerem que elevada proporção de pacientes pode apresentar síndrome pós-COVID-19 em até um ano após hospitalização, sendo mais frequente entre os de maior faixa etária, com comorbidades, menor renda familiar per capita e que não estavam trabalhando, bem como aqueles que tiveram casos mais graves da COVID-19 na fase aguda. Acredita-se que o estudo pode contribuir com informações sobre a prevalência dos sintomas persistentes. É necessário avaliar amplamente a atenção primária sobre os efeitos a longo prazo e seu impacto na qualidade de vida e, se possível, direcionar os pacientes que vierem a necessitar dos serviços de alta complexidade.
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
19 Fev 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
16 Fev 2023 - Revisado
22 Jul 2023 - Aceito
05 Out 2023