Análise da associação entre níveis de fadiga por compaixão e engajamento no trabalho com a COVID-19 em profissionais de enfermagem

Luciano Garcia Lourenção José Gustavo Monteiro Penha Francisco Rosemiro Guimarães Ximenes Neto Betânia Maria Pereira dos Santos Vencelau Jackson da Conceição Pantoja Josias Neves Ribeiro Ludimila Magalhães Rodrigues da Cunha Vagner Ferreira do Nascimento Sobre os autores

Resumo

O artigo analisa a associação entre níveis de fadiga por compaixão e engajamento no trabalho com a COVID-19 em profissionais de enfermagem. Estudo longitudinal, tipo antes e depois, realizado com profissionais de enfermagem da linha de frente, nos períodos pré-pandêmico e pandêmico. Utilizou-se as versões brasileiras da Professional Quality of Life Scale e da Utrecht Work Engagement Scale. Observou-se altos níveis de satisfação por compaixão (≥43,0), baixos níveis de burnout (<23,0) e estresse traumático secundário (<23,0); e níveis altos de vigor (≥4,0 e ≤4,99), absorção (≥4,0 e ≤4,99) e escore geral (≥4,0 e ≤4,99). Houve correlação moderada, negativa e significativa do burnout com vigor (r: -0,505; p-valor: <0,001), no pré-pandemia; e com o escore geral, no pré-pandemia (r: -0,543; p-valor: <0,001) e período pandêmico (r: -0,458; p-valor: <0,001). Não houve alterações nos níveis de engajamento no trabalho. Profissionais com fadiga por compaixão tiveram redução do vigor, absorção e escore geral, classificados como médios no período pandêmico (≥2,0 e ≤3,99); e aumento da dedicação, que era baixa (≥1,0 e ≤1,99) no pré-pandemia. Concluiu-se não haver associação danosa entre fadiga por compaixão e engajamento no trabalho com a COVID-19 nos profissionais de enfermagem.

Palavras-chave:
Condições de Trabalho; Saúde Mental; Engajamento no Trabalho; Profissionais de Enfermagem; COVID-19

Introdução

No Brasil, a assistência de enfermagem é prestada por enfermeiros (profissionais de nível superior), técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem (profissionais de nível médio/técnico). A categoria representa 50% da Força de Trabalho em Saúde no país e conta com mais de dois milhões de profissionais, sendo 23% enfermeiros, 57% técnicos e 20% auxiliares de enfermagem11 Brasil. Presidência da República. Lei n° 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1986; 26 jun.

2 Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Enfermagem em números [Internet]. Brasília: COFEN; 2019 [acessado 15 jan 2022]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-numeros.
-33 Machado MH, Aguiar Filho W, Lacerda WF, Oliveira E, Lemos W, Wermelinger M, Vieira M, Santos MR, Souza Junior PB, Justino E, Barbosa C. Características gerais da enfermagem: o perfil sócio demográfico. Enferm Foco 2016; 6(1/4):9-14..

As condições de trabalho associadas à prestação de cuidados complexos nos processos de saúde-doença-cuidado, inerentes à prática laboral da profissão, tornam a enfermagem uma das categorias mais susceptíveis a sofrerem com sobrecarga laboral, favorecendo o desenvolvimento ansiedade, depressão e estresse. Muitas vezes, os profissionais dessa área de cuidado possuem dificuldades para gerenciar as emoções individuais vivenciadas na prática assistencial44 Rocha DD, Nascimento EC, Raimundo LP, Damasceno AMB, Bondim HFFB. Sentimentos vivenciados pelos profissionais de Enfermagem diante de morte em unidade de terapia intensiva neonatal. Mental 2017; 11:546-560.

5 Moraes Filho IM, Almeida RJ. Occupational stress at work in nursing in Brazil: an integrative review. Rev Bras Promo Saude 2016; 29(3):447-454.

6 Rotta DS, Pinto MH, Lourenção LG, Teixeira PR, Gonsalez EG, Gazetta CE. Anxiety and depression levels among multidisciplinary health residents. Rev Rene 2016; 17(3):372-377.

7 Julio RS, Lourenção LG, Oliveira SM, Farias DHR, Gazetta CE. Prevalence of anxiety and depression in Brazilian Primary Health Care workers. Cad Bras Ter Ocup 2022; 30:e2997.
-88 Cordioli DFC, Cordioli Jr JR, Gazzeta CE, Silva AG, Lourenção LG. Occupational stress and work engagement in primary health care workers. Rev Bras Enferm 2019; 72(6):1580-1587..

Durante a pandemia de COVID-19, a vulnerabilidade dos profissionais de enfermagem se potencializou. A falta de infraestrutura (leitos, equipamentos e medicamento) para o enfrentamento da doença, associada ao alto risco de morte aumentou o sofrimento das equipes de enfermagem da linha de frente, que passou a conviver com situações de dor, perdas de pacientes e luto de familiares99 Rocha MAM, Carvalho FM, Lins-Kusterer LEF. Health-related quality of life of nursing professionals in Bahia, Brazil, in the COVID-19 pandemic. Esc Anna Nery 2022; 26(n. esp.):e20210467.. A complexidade do atendimento dos doentes nas unidades de tratamento intensivo envolveu elevada tensão emocional e exaustão física e mental, sobretudo, se as condições de trabalho fossem desfavoráveis, com estrutura inadequada, dimensionamento desajustado ou falta de pessoal e de recursos materiais55 Moraes Filho IM, Almeida RJ. Occupational stress at work in nursing in Brazil: an integrative review. Rev Bras Promo Saude 2016; 29(3):447-454.,66 Rotta DS, Pinto MH, Lourenção LG, Teixeira PR, Gonsalez EG, Gazetta CE. Anxiety and depression levels among multidisciplinary health residents. Rev Rene 2016; 17(3):372-377.,1010 Roberts NJ, Kelly CA, Lippiett KA, Ray E, Welch L. Experiences of nurses caring for respiratory patients during the first wave of the COVID-19 pandemic: an online survey study. BMJ Open Respir Res 2021; 8(1):e000987.,1111 Julio RS, Lourenção LG, Penha JGM, Oliveira AMN, Nascimento VF, Oliveira SM, Gazetta CE. Anxiety, depression, and work engagement in Primary Health Care nursing professionals. Rev Rene 2021; 22:e70762..

No decorrer da pandemia, condições como a ansiedade em relação ao trabalho, a constante presença da morte e o luto dos acompanhantes, as rotinas rígidas e inflexíveis foram intensificadas e, somadas a outros fatores que exigem atenção dos enfermeiros sobre o exercício de suas funções no contexto sanitário e epidemiológico de pandemia, contribuíram para aumentar o sofrimento laboral66 Rotta DS, Pinto MH, Lourenção LG, Teixeira PR, Gonsalez EG, Gazetta CE. Anxiety and depression levels among multidisciplinary health residents. Rev Rene 2016; 17(3):372-377.,1111 Julio RS, Lourenção LG, Penha JGM, Oliveira AMN, Nascimento VF, Oliveira SM, Gazetta CE. Anxiety, depression, and work engagement in Primary Health Care nursing professionals. Rev Rene 2021; 22:e70762.

12 Souza CGVM, Benute GRG, Moretto MLT, Levin ASS, Assis GR, Padoveze MC, Lobo ED. Qualidade de vida profissional na saúde: um estudo em Unidades de Terapia Intensiva. Estud Psicol (Natal) 2019; 24(3):269-280.

13 Moreira AC, Lourenção LG, Sassaki NSGMS, Gazetta CE, Vendramini SHF, Santos MLSG. Mortality risk associated with blood sugar levels in patients with septicemia in Intensive Care. Rev Rene 2016; 17(3):324-329.
-1414 Backes MTS, Higashi GDC, Damiani PR, Mendes JS, Sampaio LS, Soares GL. Working conditions of the Nursing professionals in coping with the Covid-19 pandemic. Rev Gaucha Enferm 2021; 42(n. esp.):e20200339..

A presença constante do sofrimento no ambiente laboral pode desencadear a fadiga por compaixão, entendida como o envolvimento profundo do profissional com situações traumatizantes, conhecidas ou vivenciadas, gerando comportamentos e emoções negativas, decorrentes do estresse gerado pelo desejo de ajudar o paciente traumatizado, no momento da dor e do sofrimento1515 Borges EMN, Fonseca CINS, Baptista PCP, Queirós CML, Baldonedo-Mosteiro M, Mosteiro-Diaz MP. Compassion fatigue among nurses working on an adult emergency and urgent care unit. Rev Lat-Am Enferm 2019; 27:e3175.

16 Pehlivan T, Güner P. Compassion fatigue: The known and unknown. J Psychiatric Nurs 2018; 9(2):129-134.
-1717 Cocker F, Joss N. Compassion Fatigue among Healthcare, Emergency and Community Service Workers: A Systematic Review. Int J Environ Res Public Health 2016; 13(6):618.. No Brasil, a literatura sobre fadiga por compaixão na enfermagem ainda é escassa, especialmente no contexto hospitalar. Um estudo realizado no estado do Paraná, com enfermeiros que atuam na Atenção Primária mostrou que, mesmo com altos níveis de satisfação por compaixão, os profissionais apresentam sinais de cansaço1818 Fabri NV, Martins JT, Galdino MJQ, Ribeiro RP, Moreira AAO, Haddad MCLF. Satisfacción, fatiga por compasión y factores asociados en las enfermeras de la atención primaria. Enf Global 2021; 20(4):291-323..

No polo positivo há o engajamento no trabalho, que está ligado a um estado de espírito positivo e realizador, relacionado ao trabalho e caracterizado por vigor (energia e resiliência), dedicação (envolvimento e entusiasmo com o trabalho) e absorção (concentração e conexão com o trabalho)1919 Rotta DS, Lourenção LG, Gonsalez EG, Teixeira PR, Gazetta CE, Pinto MH. Engagement of multi-professional residents in health. Rev Esc Enferm USP 2019; 53:e03437.,2020 Magnan ES, Vazquez ACS, Pacico JC, Hutz CS. Normatização da versão Brasileira da Escala Utrecht de Engajamento no Trabalho. Aval Psicol 2016; 15(2):133-140.. Os múltiplos fatores que influenciam o engajamento no trabalho estão relacionados ao clima organizacional, aos recursos de trabalho e profissionais, e às demandas de trabalho2020 Magnan ES, Vazquez ACS, Pacico JC, Hutz CS. Normatização da versão Brasileira da Escala Utrecht de Engajamento no Trabalho. Aval Psicol 2016; 15(2):133-140.

21 Gonsalez EG, Lourenção LG, Teixeira PR, Rotta DS, Gazetta CE, Beretta D, Pinto MH. Work engagement in employees at professional improvement programs in health. Cad Bras Ter Ocup 2017; 25(3):509-517.

22 Gómez-Salgado J, Domínguez-Salas S, Romero-Martín M, Romero A, Coronado-Vázquez V, Ruiz-Frutos C. Work engagement and psychological distress of health professionals during the COVID-19 pandemic. J Nurs Manag 2021; 29(5):1016-1025.
-2323 Santos FBD, Lourenção LG, Vieira E, Ximenes Neto FRG, Oliveira AMN, Oliveira JF, Borges MA, Arroyo TR. Occupational stress and work engagement among military police officers. Cien Saude Colet 2021; 26(12):5987-5996..

O engajamento no trabalho pode auxiliar no enfrentamento da crise sanitária, que causa uma situação difícil e estressante nos profissionais da saúde, pois apresenta-se como um fator de proteção contra os distúrbios psíquicos, em todas suas dimensões. Os profissionais com altos níveis de engajamento no trabalho possuem menos sofrimento moral, evitando um desconforto emocional de não alcançar seus objetivos2222 Gómez-Salgado J, Domínguez-Salas S, Romero-Martín M, Romero A, Coronado-Vázquez V, Ruiz-Frutos C. Work engagement and psychological distress of health professionals during the COVID-19 pandemic. J Nurs Manag 2021; 29(5):1016-1025..

Este estudo partiu do pressuposto de que os profissionais de enfermagem brasileiros que atuaram em unidades hospitalares, na linha de frente do atendimento à COVID-19, podem ter sofrido alterações nos níveis de fadiga por compaixão e de engajamento no trabalho, devido à sobrecarga de trabalho e ao aumento do desgaste físico e emocional, causados pela situação sanitária e epidemiológica da doença.

Ante o exposto, este estudo objetivou analisar a associação entre níveis de fadiga por compaixão e engajamento no trabalho com a COVID-19 em profissionais de enfermagem.

Métodos

Trata-se de estudo longitudinal, do tipo antes e depois, seguindo o protocolo Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). O estudo foi realizado junto a profissionais de enfermagem de um hospital universitário do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Esse hospital possui 221 leitos, distribuídos nas áreas de UTI (adulto, neonatal e pediátrica), especialidades cirúrgicas e clínicas, obstetrícia e pediatria, além do Serviço de Pronto Atendimento (SPA). Essa instituição integra a rede assistencial da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) desde julho de 2015, e foi referência para o atendimento de casos graves de COVID-19 do extremo sul desse estado, aspecto que motivou a escolha do local para o estudo. À época do estudo, a equipe de enfermagem da instituição era composta por 497 profissionais de enfermagem, sendo 146 (29,4%) enfermeiros, 218 (43,9%) técnicos de enfermagem e 133 (26,7%) auxiliares de enfermagem.

Este estudo considerou como população os 81 profissionais de enfermagem (20 enfermeiros e 61 auxiliares/técnicos de enfermagem) que trabalharam no Serviço de Pronto Atendimento do hospital, na assistência a pacientes com COVID-19, considerando os seguintes critérios de inclusão: possuir, no mínimo, seis meses de atuação na instituição e atuar no período pré-pandêmico e durante a pandemia, entre março de 2019 e abril de 2022. Os profissionais que foram remanejados para outros setores do hospital após o início da pandemia (março de 2020), por pertencerem a grupos de risco, e os profissionais contratados para compor força de trabalho de forma temporária foram excluídos do estudo. A amostra ocorreu por conveniência, sendo todos os profissionais convidados a participar do estudo. Foram recrutados 73 profissionais, sendo 20 (27,4%) enfermeiros e 53 (72,6%) auxiliares/técnicos de enfermagem.

A coleta de dados foi realizada em dois momentos, sendo o primeiro entre setembro e dezembro de 2019 (M1) e o segundo entre fevereiro e abril de 2022 (M2), por um mesmo pesquisador, do sexo masculino, enfermeiro e com titulação de mestre, que foi treinado previamente pela coordenação do projeto de pesquisa. Os participantes da pesquisa foram abordados no próprio ambiente de trabalho e, após esclarecimentos sobre o objetivo da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, receberam três instrumentos impressos, em envelope sem identificação, sendo orientados a responderem com calma e no local que julgassem mais apropriado. Foi disponibilizado o período de sete dias para a devolutiva dos envelopes e os profissionais entravam em contato com o enfermeiro pesquisador para recolhê-los. Em ambos os momentos (M1 e M2), a abordagem aos participantes do estudo ocorreu de forma presencial, com o preenchimento dos mesmos instrumentos, sem a intervenção do pesquisador quanto ao esclarecimento de questões.

O primeiro instrumento foi um questionário estruturado, elaborado pelos próprios pesquisadores e pré testado com população semelhante, que não integrou a amostra final do estudo. Esse questionário possuía variáveis sociodemográficas (sexo, faixa etária, escolaridade, estado civil, renda familiar e prática de atividade física) e profissionais (categoria profissional, turno de trabalho, tempo de atuação no hospital, e se possui outra atividade remunerada).

Como segundo instrumento utilizou-se a Professional Quality of Life Scale - BR (ProQoL-BR), validada para o Brasil por Lago e Codo2424 Lago K, Codo W. Fadiga por compaixão: evidências de validade fatorial e consistência. Estud Psicol (Natal) 2013; 18(2):213-21.. Esta escala avalia a qualidade de vida profissional, a partir de três subescalas: Satisfação por Compaixão (SC), Burnout (BO) e Estresse Traumático Secundário (ETS)2424 Lago K, Codo W. Fadiga por compaixão: evidências de validade fatorial e consistência. Estud Psicol (Natal) 2013; 18(2):213-21.,2525 Stamm BH. The Concise Manual for the Professional Quality of Life Scale. 3ª ed. Idaho: Ed. Pocatello; 2010..

A ProQoL-BR possui 30 questões relacionadas à experiência do indivíduo com a compaixão pelas pessoas que ajuda. As respostas são do tipo Likert, numa escala de 0 a 5, sendo: 0 = Nunca, 1 = raramente, 2 = algumas vezes, 3 = frequentemente, 4 = muito frequentemente e 5 = quase sempre. Cada subescala da ProQoL-BR é formada por 10 itens, sendo: SC - itens 3, 6, 12, 16, 18, 20, 22, 24, 27, 30; BO - itens 1, 4, 8, 10, 15, 17, 19, 21, 26, 29; e ETS - itens 2, 5, 7, 9, 11, 13, 14, 23, 25, 28. O valor total de cada subescala é obtido pela soma da pontuação de cada um dos 10 itens correspondentes, sendo que os valores dos itens 1, 4, 15, 17 e 29 devem ser invertidos. A fadiga por compaixão resulta de elevado burnout e elevado estresse traumático secundário2525 Stamm BH. The Concise Manual for the Professional Quality of Life Scale. 3ª ed. Idaho: Ed. Pocatello; 2010..

O terceiro instrumento foi a versão reduzida da Utrecht Work Engagement Scale (UWES-9), traduzida e validada no Brasil2626 Vasquez ACS, Magnan ES, Pacico JC, Hutz CS, Schaufeli WB. Adaptation and Validation of the Brazilian Version of the Utrecht Work Engagement Scale. Psico USF 2015; 20(2):207-217.,2727 Ferreira MC, Valentini F, Damásio BF, Mourão L, Porto JB, Chinelato RSC, et al. Evidências adicionais de validade da UWES-9 em amostras brasileiras. Estud Psicol (Natal) 2016; 21(4):435-445.. Este instrumento é composto por nove itens que avaliam o nível de engajamento no trabalho do profissional, manifestado em sentimentos de vigor, absorção e dedicação ao trabalho. As respostas são dadas em uma escala Likert de sete pontos, sendo: 0 = nunca; 1 = quase nunca; 2 = às vezes; 3 = regularmente; 4 = frequentemente; 5 = quase sempre; 6 = sempre. Os escores são calculados a partir da média aritmética das respostas dos profissionais às questões que compõem cada dimensão, variando de zero a seis2828 Schaufeli W, Bakker A. Escala de Engagement no Trabalho de Utrecht - Manual. Trad. Agnst R, Benevides-Pereira AMT, Porto-Martins PC. Curitiba: GEPEB; 2009..

O vigor é mensurado pelos itens relacionados à energia, ao esforço, resiliência e persistência dos profissionais: “Em meu trabalho, sinto-me repleto (cheio) de energia”; “No trabalho, sinto-me com força e vigor (vitalidade)”; e “Quando me levanto pela manhã, tenho vontade de ir trabalhar”. A mensuração da absorção é feita a partir das questões referentes à imersão do profissional no trabalho: “Sinto-me feliz quando trabalho intensamente”; “Sinto-me envolvido com o trabalho que faço”; e “Deixo-me levar pelo meu trabalho”. Para mensurar a dedicação são consideradas as questões relacionadas aos sentimentos de entusiasmo, inspiração e orgulho pelo trabalho: “Estou entusiasmado com meu trabalho”; “Meu trabalho me inspira”; e “Estou orgulhoso com o trabalho que realizo”. A UWES-9 permite, ainda, o cálculo de um escore geral, que corresponde à média aritmética das respostas de todas as questões da escala2626 Vasquez ACS, Magnan ES, Pacico JC, Hutz CS, Schaufeli WB. Adaptation and Validation of the Brazilian Version of the Utrecht Work Engagement Scale. Psico USF 2015; 20(2):207-217.,2828 Schaufeli W, Bakker A. Escala de Engagement no Trabalho de Utrecht - Manual. Trad. Agnst R, Benevides-Pereira AMT, Porto-Martins PC. Curitiba: GEPEB; 2009..

Os dados obtidos foram digitados duplamente em planilha do programa Microsoft Excel® e conferidos, utilizando-se a ferramenta Data Compare®, a fim de monitorar quaisquer inconsistências ou erros. Posteriormente, esses dados foram importados para o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 23.0. Para verificar a normalidade na distribuição dos dados foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov. A análise da confiabilidade das medidas dos construtos apontou valores do Coeficiente Alfa de Cronbach variaram de 0,70 a 0,86, apontando confiabilidade dos resultados2929 Lourenção LG, Sodré PC, Gazeta CE, Silva AG, Castro JR, Maniglia JV. Occupational stress and work engagement among primary healthcare physicians: a cross-sectional study. Sao Paulo Med J 2022; 140(6):747-754..

A avaliação da fadiga por compaixão foi realizada a partir do cálculo dos escores gerais das subescalas da qualidade de vida profissional, considerando fadiga por compaixão resulta de elevado burnout e elevado estresse traumático secundário2525 Stamm BH. The Concise Manual for the Professional Quality of Life Scale. 3ª ed. Idaho: Ed. Pocatello; 2010..

Os valores obtidos foram classificados conforme orientações do The Concise ProQOL Manual, sendo: SC e ETS = escores <23 - nível baixo, escores ≥23 e <43 - nível moderado, e escores ≥43 - nível alto; BO = escores <23 - nível baixo, escores ≥23 e <41 - nível moderado e escores ≥41 - nível alto2525 Stamm BH. The Concise Manual for the Professional Quality of Life Scale. 3ª ed. Idaho: Ed. Pocatello; 2010..

Em seguida, realizou-se o cálculo dos pontos de corte da escala ProQol-BR, transformando-se os valores primários das subescalas satisfação por compaixão, burnout e estresse traumático secundário em Zscores e, em seguida, em tscores, aplicando-se a fórmula [tscore = (Zscore*10)+50]. Essa conversão dos valores primários permite a comparação entre os valores das três dimensões e com a literatura2525 Stamm BH. The Concise Manual for the Professional Quality of Life Scale. 3ª ed. Idaho: Ed. Pocatello; 2010..

Para avaliação do engajamento no trabalho foram calculados os escores das dimensões da escala UWES, conforme modelo estatístico proposto no Manual Preliminar UWES, apresentando-se média e desvio padrão para cada dimensão da escala. Após o cálculo dos escores foi realizada a classificação dos valores obtidos, conforme decodificação do manual, sendo: 0 a 0,99 = Muito Baixo; 1 a 1,99 = Baixo; 2 a 3,99 = Médio; 4 a 4,99 = Alto; 5 a 6 = Muito Alto2828 Schaufeli W, Bakker A. Escala de Engagement no Trabalho de Utrecht - Manual. Trad. Agnst R, Benevides-Pereira AMT, Porto-Martins PC. Curitiba: GEPEB; 2009..

Para verificar diferença entre os escores das subescalas que compõem a qualidade de vida profissional e as dimensões do engajamento no trabalho, nos dois momentos do estudo (M1 - período pré-pandemia e M2 - período pandêmico), foi aplicado o teste t, considerando nível de significância de 5% (p≤0,05).

O teste de correlação de Pearson (r) foi aplicado para analisar a correlação entre as subescalas da qualidade de vida profissional e as dimensões do engajamento no trabalho, nos dois momentos do estudo. Considerou-se a correlação fraca para valores de r até 0,399, moderada para valores entre 0,400 e 0,699, e forte para valores iguais ou superiores a 0,7001919 Rotta DS, Lourenção LG, Gonsalez EG, Teixeira PR, Gazetta CE, Pinto MH. Engagement of multi-professional residents in health. Rev Esc Enferm USP 2019; 53:e03437.. O nível de significância de 5% (p≤0,05).

Por fim, foram analisados os níveis de engajamento no trabalho, nos períodos pré-pandemia e pandêmico, dos profissionais que apresentavam fadiga por compaixão. Utilizou-se o teste t, com nível de significância de 5% (p≤0,05).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob Parecer nº. 2.896.620.

Resultados

Entre os participantes do estudo, prevaleceu o sexo feminino (72,6%), faixa etária de 18 a 39 anos (66,3%), com ensino superior (41,1%), casados (58,9%), renda familiar de dois a cinco salários-mínimos (61,6%), que trabalhavam no período diurno (54,8%) e não possuíam outro vínculo empregatício (90,4%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas e profissionais dos trabalhadores de enfermagem. Rio Grande (RS), Brasil, 2022 (n=73).

Na avaliação das subescalas da qualidade de vida profissional, observou-se escores compatíveis com alto nível de Satisfação por Compaixão (≥43,0) e baixos níveis de Burnout (<23,0) e Estresse Traumático Secundário (<23,0), em ambos os momentos de avaliação. Destaque para a significativa redução do nível de Burnout no período pandêmico, em relação ao período pré-pandemia (p=0,042). Quanto ao engajamento no trabalho, identificou-se níveis altos de vigor (≥4,0 e ≤4,99), absorção (≥4,0 e ≤4,99) e escore geral (≥4,0 e ≤4,99) nos dois momentos investigados. Contudo, houve uma redução significativa nos níveis de dedicação, no período pandêmico (p=0,040) (Tabela 2).

Tabela 2
Análise das subescalas da qualidade de vida profissional e das dimensões do engajamento no trabalho dos profissionais de enfermagem. Rio Grande (RS), Brasil, 2022 (n=73).

A análise das subescalas da qualidade de vida profissional, segundo a categoria profissional mostrou que, no período pandêmico, os enfermeiros apresentaram uma leve diminuição da satisfação por compaixão e um importante aumento do estresse traumático secundário. Os auxiliares e técnicos de enfermagem, por outro lado, apresentaram um leve aumento da satisfação por compaixão, acompanhada de uma leve diminuição do burnout e do estresse traumático secundário, em relação ao período pré-pandemia (Figura 1).

Figura 1
Análise da qualidade de vida profissional, segundo categoria profissional e momento da avaliação. Rio Grande (RS), Brasil, 2022.

Não foram encontradas alterações nos níveis de engajamento no trabalho dos enfermeiros e dos técnicos/auxiliares de enfermagem entre os dois momentos de avaliação. A correlação entre as subescalas da qualidade de vida profissional e as dimensões do engajamento no trabalho evidenciou correlação moderada, negativa e significativa do burnout com a dimensão vigor (r: -0,505; p-valor: <0,001), no pré-pandemia; e com a dimensão escore geral no pré-pandemia (r: -0,543; p-valor: <0,001) e no período pandêmico (r: -0,458; p-valor: <0,001). Outras correlações fracas foram identificadas, apontando uma leve tendência de diminuição dos níveis de dedicação, na medida em que há aumento da satisfação por compaixão (ou vice-versa). Além de uma leve tendência de elevação da dedicação quando há o aumento do burnout e do estresse traumático secundário (Tabela 3).

Tabela 3
Correlações entre as subescalas da qualidade de vida profissional e as dimensões do engajamento no trabalho. Rio Grande (RS), Brasil.

A análise das dimensões do engajamento no trabalho nos profissionais que apresentavam fadiga por compaixão (associação entre burnout e estresse traumático secundário elevados) mostrou que estes profissionais tiveram redução dos níveis de vigor, absorção e escore geral, classificados como altos (≥4,0 e ≤4,99) no período pré-pandemia e como médios no período pandêmico (≥2,0 e ≤3,99). Por outro lado, apresentaram aumento dos níveis de dedicação, que eram baixos (≥1,0 e ≤1,99) no período pré-pandemia (Figura 2).

Figura 2
Análise das dimensões do engajamento no trabalho em profissionais que apresentavam fadiga por compaixão. Rio Grande (RS), Brasil.

Discussão

Os profissionais de enfermagem avaliados neste estudo mantiveram bons níveis de satisfação por compaixão durante o período pandêmico, apesar de todo o desgaste físico e emocional imposto pelo atendimento às pessoas acometidas pela COVID-19. Estes resultados demonstram que estes profissionais possuem sentimentos positivos sobre sua capacidade de ser eficaz no trabalho e apresentam alta satisfação em desenvolver suas atividades laborais, contribuir com a equipe e com o ambiente de trabalho1717 Cocker F, Joss N. Compassion Fatigue among Healthcare, Emergency and Community Service Workers: A Systematic Review. Int J Environ Res Public Health 2016; 13(6):618.,1818 Fabri NV, Martins JT, Galdino MJQ, Ribeiro RP, Moreira AAO, Haddad MCLF. Satisfacción, fatiga por compasión y factores asociados en las enfermeras de la atención primaria. Enf Global 2021; 20(4):291-323..

Não obstante, no período pandêmico, os profissionais estudados apresentaram uma redução significativa do nível de burnout, além de uma pequena diminuição do estresse traumático secundário, em relação à avaliação anterior. Esses resultados podem estar relacionados aos altos níveis de engajamento no trabalho apresentados pelos profissionais de enfermagem, com destaque para a concentração (absorção), energia e alta capacidade de resiliência (vigor). Essa evidencia é reforçada pela correlação moderada, negativa e significativa do burnout com as dimensões vigor e escore geral do engajamento no trabalho, encontrada no estudo.

Os altos níveis de engajamento no trabalho funcionam como fatores de proteção psíquica para os trabalhadores que, devido ao comprometimento com a profissão e à relação positiva com o ambiente e a prática laboral tendem a apresentar menos desconforto emocional e sofrimento, quando não alcançam sucesso na prática assistencial2222 Gómez-Salgado J, Domínguez-Salas S, Romero-Martín M, Romero A, Coronado-Vázquez V, Ruiz-Frutos C. Work engagement and psychological distress of health professionals during the COVID-19 pandemic. J Nurs Manag 2021; 29(5):1016-1025.,2929 Lourenção LG, Sodré PC, Gazeta CE, Silva AG, Castro JR, Maniglia JV. Occupational stress and work engagement among primary healthcare physicians: a cross-sectional study. Sao Paulo Med J 2022; 140(6):747-754.,3030 Lourenção LG, Silva RASD, Moretti MDSR, Sasaki NSGMDS, Sodré PC, Gazetta CE. Career commitment and entrenchment among Primary Care nurses. Rev Esc Enferm USP 2021; 55:e20210186.. O engajamento no trabalho é, portanto, um excelente parâmetro para analisar o bem-estar, a motivação e os níveis de satisfação dos profissionais com suas condições de trabalho3131 Silva AG, Cabrera EMS, Gazetta CE, Sodré PC, Castro JR, Cordioli Junior JR, et al. Engagement in primary health care nurses: A cross-sectional study in a Brazilian city. Public Health Nurs 2020; 37(2):169-177.,3232 Lourenção LG. Work engagement among participants of residency and professional development programs in nursing. Rev Bras Enferm 2018; 71(Supl. 4):1487-1492..

O aspecto temporal também pode ter influenciado na manutenção dos níveis elevados de satisfação por compaixão e engajamento no trabalho, com diminuição do burnout e do estresse traumático secundário nos profissionais de enfermagem, nos dois momentos avaliados. Além de os altos níveis de comprometimento e satisfação por compaixão são predisponentes do engajamento no trabalho, o desenvolvimento da fadiga por compaixão depende da exposição prolongada a situações traumáticas3333 Zhang YY, Zhang C, Han XR, Li W, Wang YL. Determinants of compassion satisfaction, compassion fatigue and burn out in nursing: A correlative meta-analysis. Medicine (Baltimore) 2018; 97(26):e11086.. Nesse contexto, o alto nível de energia e resiliência (vigor) dos profissionais pode ter retardado a percepção do desgaste emocional entre os profissionais deste estudo, que preservaram as condições positivas para atuar no enfrentamento da pandemia2222 Gómez-Salgado J, Domínguez-Salas S, Romero-Martín M, Romero A, Coronado-Vázquez V, Ruiz-Frutos C. Work engagement and psychological distress of health professionals during the COVID-19 pandemic. J Nurs Manag 2021; 29(5):1016-1025.,3434 Engelbrecht M, Rau A, Nel P, Wilke M. Emotional well-being and work engagement of nurses who moonlight (dual employment) in private hospitals. Int J Nurs Pract 2020; 26(1):e12783..

Contudo, é certo que a pandemia de COVID-19 agravou os problemas vivenciados pelos trabalhadores da saúde no ambiente hospitalar e isso impactou, de alguma forma, nas condições de saúde e na relação destes trabalhadores com a prática laboral. O aumento descontrolado da demanda por atendimento hospitalar agravou demasiadamente a precariedade da estrutura física dos serviços de saúde, além de obrigar os profissionais a aumentar as jornadas de trabalho, causando ainda mais exaustão e sofrimento3535 Fagundes MCM, Freire NP, Machado MH, Ximenes Neto FRG. Unidades de terapia intensiva no Brasil e a fila única de leitos na pandemia de Covid-19. Enferm Foco 2020; 11(n. esp. 2):23-31.,3636 Silva VLM, Felix RS, Souza N, Nascimento CM, Moura LKS, Salvador PTCO. Managerial stress according to rodgers' evolutionary concept analysis. R Pesq Cuid Fundam Online 2021; 13:94-102.. As condições de trabalho impostas pela pandemia impactaram na saúde física e mental dos profissionais e, embora o alto nível de engajamento no trabalho associado à questão temporal (tempo de exposição avaliado) possa ter interferido na percepção dos profissionais estudados, os setores de atendimento à COVID-19 são considerados ambientes laborais propícios ao desenvolvimento da fadiga por compaixão3737 Oviedo HC, Campo-Arias A. Aproximación al uso del coeficiente alfa de Cronbach. Rev Colomb Psiquiatr 2005; 34(4):572-580..

Nesse estudo, este impacto foi observado entre os enfermeiros, que apresentaram uma tendência de redução dos níveis de satisfação por compaixão e aumento do estresse traumático secundário, no período pandêmico. Esse resultado pode estar relacionado à natureza do trabalho dos enfermeiros que, além de atividades assistenciais, são responsáveis por atividades administrativas e de gestão, além da supervisão dos técnicos e auxiliares de enfermagem11 Brasil. Presidência da República. Lei n° 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1986; 26 jun.. Em um cenário de grande pressão e altamente desgastante, as atribuições que demandem grandes responsabilidades, capacidade técnica e tomada de decisão imediata tendem a impactar mais rapidamente nas condições emocionais e mentais dos profissionais, fazendo-os sentir-se esgotados e menos satisfeitos3737 Oviedo HC, Campo-Arias A. Aproximación al uso del coeficiente alfa de Cronbach. Rev Colomb Psiquiatr 2005; 34(4):572-580.,3838 Figueiredo Filho DB, Silva Júnior JA. Desvendando os Mistérios do Coeficiente de Correlação de Pearson (r). Polít Hoje 2009; 18(1):115-146..

Ressalta-se, ainda, que muitos profissionais não compartilham e não demonstram o que estão sentindo. Com isso, os sintomas de burnout e estresse traumático secundário, que levam à fadiga por compaixão podem se desenvolver de forma inconsciente, quase imperceptível. Portanto, é necessário que os gestores e líderes das equipes prestem atenção a reações emocionais inesperadas, demonstradas pelos profissionais de enfermagem, pois podem ser um indicador de fadiga por compaixão3939 Ortega-Campos E, Vargas-Román K, Velando-Soriano A, Suleiman-Martos N, Cañadas-de la Fuente GA, Albendín-García L, Gómez-Urquiza JL. Compassion Fatigue, Compassion Satisfaction, and Burnout in Oncology Nurses: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sustainability 2020; 12(1):72..

Outro aspecto relevante evidenciado neste estudo foi o impacto negativo da fadiga por compaixão nos níveis de engajamento no trabalho dos profissionais de enfermagem, no período pandêmico, demonstrado pela redução dos níveis vigor, absorção e escore geral. Esses achados reforçam que a exaustão decorrente da longa exposição dos profissionais a situações traumáticas, que podem desencadear desregulações biológicas, psicológicas e sociais, coloca em risco a qualidade da assistência e a segurança do paciente, uma vez que diminuição do vigor leva à perda da capacidade do profissional superar as dificuldades presentes no ambiente de trabalho1919 Rotta DS, Lourenção LG, Gonsalez EG, Teixeira PR, Gazetta CE, Pinto MH. Engagement of multi-professional residents in health. Rev Esc Enferm USP 2019; 53:e03437.,3232 Lourenção LG. Work engagement among participants of residency and professional development programs in nursing. Rev Bras Enferm 2018; 71(Supl. 4):1487-1492.,4040 Adimando A. Preventing and Alleviating Compassion Fatigue Through Self-Care: An Educational Workshop for Nurses. J Holist Nurs 2018; 36(4):304-317.. Além disso, a presença da fadiga por compaixão reduz a capacidade e o interesse dos profissionais serem empáticos e compassivos com o sofrimento dos pacientes e familiares, fazendo com que os profissionais desenvolvam mecanismos de defesa, como a negação da importância do paciente, o distanciamento, a postergação de decisões, a negação de sentimentos e a diminuição do senso de responsabilidade profissional, que poderão causar iatrogenias2626 Vasquez ACS, Magnan ES, Pacico JC, Hutz CS, Schaufeli WB. Adaptation and Validation of the Brazilian Version of the Utrecht Work Engagement Scale. Psico USF 2015; 20(2):207-217.,4141 Xie W, Chen L, Feng F, Okoli CTC, Tang P, Zeng L, Jin M, Zhang Y, Wang J. The prevalence of compassion satisfaction and compassion fatigue among nurses: A systematic review and meta-analysis. Int J Nurs Stud 2021; 120:103973..

A fadiga por compaixão pode ser frequente entre profissionais que trabalham ambientes de atendimento a catástrofes e pandemias, com a alta presença de dor e sofrimento humano4242 Peters E. Compassion fatigue in nursing: A concept analysis. Nurs Forum 2018; 53(4):466-480.. Os profissionais de enfermagem são apontados como um importante grupo de risco que, muitas vezes, acabam na linha de frente do atendimento em saúde em ambientes críticos e são os primeiros a responder e aliviar o sofrimento dos pacientes e familiares. Com isso, tornam-se expostos a uma forma de estresse traumático secundário que, se prolongado, pode desencadear um estado de exaustão psíquica que caracteriza a fadiga por compaixão3939 Ortega-Campos E, Vargas-Román K, Velando-Soriano A, Suleiman-Martos N, Cañadas-de la Fuente GA, Albendín-García L, Gómez-Urquiza JL. Compassion Fatigue, Compassion Satisfaction, and Burnout in Oncology Nurses: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sustainability 2020; 12(1):72.,4343 Ruiz-Fernández MD, Ramos-Pichardo JD, Ibáñez-Masero O, Cabrera-Troya J, Carmona-Rega MI, Ortega-Galán AM. Compassion fatigue, burnout, compassion satisfaction and perceived stress in healthcare professionals during the COVID-19 health crisis in Spain. J Clin Nurs 2020; 29(21-22):4321-4330..

A fadiga por compaixão pode estar relacionada à diminuição do bem-estar geral, à incapacidade de enfrentamento das condições expostas e à absorção intensa do sofrimento dos pacientes1515 Borges EMN, Fonseca CINS, Baptista PCP, Queirós CML, Baldonedo-Mosteiro M, Mosteiro-Diaz MP. Compassion fatigue among nurses working on an adult emergency and urgent care unit. Rev Lat-Am Enferm 2019; 27:e3175.,1717 Cocker F, Joss N. Compassion Fatigue among Healthcare, Emergency and Community Service Workers: A Systematic Review. Int J Environ Res Public Health 2016; 13(6):618., além de desencadear problemas com o consumo de álcool e drogas, aumento da rotatividade (turnover) e do número de faltas e atestados, redução da produtividade e o aumento dos riscos à segurança do paciente4444 Jarrad R, Hammad S, Shawashi T, Mahmoud N. Compassion fatigue and substance use among nurses. Ann Gen Psychiatry 2018; 17:13.. Para evitar esses impactos negativos é necessário a implementação de ações terapêuticas voltadas para a saúde emocional e o aumento da resiliência dos profissionais, além de estruturas de apoio que estimulem e fortaleçam a capacidade dos profissionais da enfermagem adotarem estratégias positivas de enfrentamento e resolução dos problemas presentes no ambiente88 Cordioli DFC, Cordioli Jr JR, Gazzeta CE, Silva AG, Lourenção LG. Occupational stress and work engagement in primary health care workers. Rev Bras Enferm 2019; 72(6):1580-1587.,3131 Silva AG, Cabrera EMS, Gazetta CE, Sodré PC, Castro JR, Cordioli Junior JR, et al. Engagement in primary health care nurses: A cross-sectional study in a Brazilian city. Public Health Nurs 2020; 37(2):169-177.,4545 Faria FRC, Lourenção LG, Silva AG, Sodré PC, Castro JR, Borges MA, Gazetta CE. Occupational stress, work engagement and coping strategies in Community Health Workers. Rev Rene 2021; 22:e70815.,4646 Lourenção LG, Rigino BM, Sasaki NSGMDS, Pinto MJC, Ximenes Neto FRG, Borges FA, Santos MLSG, Penha JGM, Galvão DM, Santos BMP, Cunha ICKO, Oliveira JF, Afonso MDS, Cunha CLF, Silva FG, Freire NP, Nascimento VF, Rodrigues ST, Carvalho TM, Lemos M, Cunha JL, Domingos NAM. Analysis of the Coping Strategies of Primary Health Care Professionals: Cross-Sectional Study in a Large Brazilian Municipality. Int J Environ Res Public Health 2022; 19(6):3332..

Este estudo se destaca por analisar a associação entre níveis de fadiga por compaixão e engajamento no trabalho com a COVID-19, em profissionais de enfermagem da linha de frente. O estudo apresenta limitações, como o tamanho amostral e sua realização em uma única instituição hospitalar. Contudo, os resultados são relevantes, por ser tratar de um primeiro estudo na literatura científica, além de evidenciar que não houve associação danosa entre fadiga por compaixão e engajamento no trabalho com a COVID-19 nos profissionais estudados, que se mantiveram engajados e com a satisfação por compaixão elevada, além de não demonstrarem aumento do burnout e do estresse traumático secundário.

Enfatizamos a necessidade do desenvolvimento de novas pesquisas sobre a temática, com análise multivariada e outras abordagens que incluam coletivos mais amplos de profissionais em diferentes instituições de saúde, para investigar fatores associados a possíveis impactos tardios sofridos por esses profissionais, na linha de frente, e analisar possibilidades terapêuticas, quando identificada a fadiga por compaixão. Além disso, é fundamental a inserção da temática na educação permanente dos profissionais, de forma conscientizá-los sobre os sinais e sintomas da fadiga por compaixão e sobre a busca de apoio para evitar complicações e melhorar as condições de saúde, bem-estar e qualidade de vida destes trabalhadores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Out 2023

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2022
  • Aceito
    01 Jun 2023
  • Publicado
    26 Jun 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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