PESQUISA
Epilepsia: dados básicos de um serviço público do Rio de Janeiro*
Vera Lúcia KodjaoglanianI; Edinilsa Ramos de SouzaII; José Ramon Rodrigues Arras LopesIII; Anastácio Ferreira MorgadoIV
ISecretaria de Saúde do Estado de Mato Grosso do Sul. Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso do Sul FUCMT
IISecretaria de Saúde do Estado de Pernambuco
IIIHospital Pinel DINSAM
IVEscola Nacional de Saúde Pública FIOCRUZ RJ
RESUMO
Depois de efetuar uma breve revisão sobre o contexto das epilepsias enquanto um problema de Saúde Pública, inclusive de sua prevalência, os autores descrevem um estudo realizado em um serviço público da cidade do Rio de Janeiro. De novembro de 1979 a junho de 1984, foram atendidos em ambulatórios 782 pacientes, cujos prontuários constituíram a fonte de dados desse estudo.
Dos 782 pacientes, 532 (68%) incluíram-se na classificação eletroclínica das epilepsias de Gastaut, com 416 (78,2%) no grupo das generalizadas; 115 (21,6%) no grupo das parciais ou focal e 1 (0,2%) com unilateral Mais 69 pacientes foram considerados também epilépticos que não se ajustaram na classificação de Gastaut, por terem associações de tipos de epilepsias. Portanto, dos 782 pacientes, em 601 (76,9%) foi feito o diagnóstico de epilepsia; em 58 ( 7,4%) havia condições clínicas filiáveis à epilepsia, isto é, desmaios, enxaqueca, perda de fôlego, sonambulismo, etc; em 33 (4,2%) havia doença mental bem definida, mas previamente lhes fora prescrita medicação anticonvulsivante e acabaram sendo encaminhados ao referido Serviço; em 90 (11,5%) pacientes não se completou a investigação para esclarecer o que eles tinham.
Em relação à idade do início das primeiras manifestações, em 78,4% dos pacientes foi diagnosticada a epilepsia antes dos 20 anos, sendo que, em 31,1% dos pacientes, tal início se deu até os 4 anos de idade. Essa correlação negativa do início da doença com o aumento da idade foi estatisticamente significativa (p < 0,01).
ABSTRACT
After a brief review over the role of epilepsy in Public Health, including its overall prevalence rates, the authors describe a study carried out in a Public Hospital's out-patient clinic in Rio de Janeiro. From November-1979 to June-1984, 782 patients, whose files served as source of data, were included in the study.
From these 782 patients, 532 (68%) fulfilled Gastaut's electro-clinic criteria for epilepsy, being 416 ( 78,2%) in the group of generalized, 115 (21,6%) in the group of partial or focal and 1 (0,2%) with unilateral presentation. Other 69 patients were considered as having epilepsy, but did not fulfill Gastaut's criteria, due to associations of two or more types of epilepsy. Therefore, of 782 patients, 601 (76,9%) had the diagnosis of epilepsy; 58 of them (7,4%) had epilepsy-like conditions, that is, fainting, migraine, "gasping", sleep-walking;33 (4,2%)of them had a well-defined mental illness but an anti-convulsivant drug treatment was initiated before they were send to the mentioned clinic; in 90 (11,5%) patients the investigation was not accomplished.
The onset of the first signs of epilepsy did happen before the age of 20 years in 78,4% patients and in 31,1% of them until the 4th year of Ufe. This negative correlation of increasing age and first signs of disease onset was statistically significant (p < 0,01).
O presente trabalho é voltado para as categorias de diagnóstico da demanda de uma clínica de epilepsias, particularmente sobre suas formas clínicas e sobre a idade em que se deram as primeiras manifestações do quadro clínico.
Qual o valor em se conhecer estas categorias? Em primeiro lugar, porque o avanço do conhecimento veio demonstrar que as epilepsias constituem um grupo de formas clínicas muito polimorfas, e cada uma delas com terapêutica bastante específica. Em segundo lugar, por serem transtornos que não se curam, e sim que podem ser controlados; é instrutivo saber a idade em que eles se iniciam. É natural que um transtorno grave, iniciado nos primeiros anos de vida, acarretará crescentes prejuízos e sofrimentos ao seu portador, aos familiares deste e à sociedade, se não for devidamente controlado.
Essas conseqüências avolumam-se quando se constata que a taxa de prevalência das epilepsias têm uma relevante dimensão, formando um conjunto que pode ser caracterizado como um problema de Saúde Pública. Um dos estudos mais rigorosos que se conhece sobre o complexo das epilepsias na população é o descrito por Hauser e Kurland6. Nesse estudo logrou-se diagnosticar com precisão todos os casos de uma população inteira, com um acompanhamento rigoroso, ao longo de 33 anos. Não é demais afirmar que seus resultados vieram esclarecer muitas noções vagas sobre as epilepsias, inclusive as taxas de prevalência e de incidência.
As taxas de prevalência acumuladas para 1º de janeiro de 1960 e 1965, épocas em que contaram todo e qualquer paciente que, em qualquer época tivesse tido duas ou mais crises recorrentes, sem febre, foram de 6,7% e 6,5%, respectivamente. Isto é, para cada 1000 habitantes da cidade de Rochester havia entre 6 e 7 pessoas portadoras de alguma forma de epilepsia. Importa acentuar que, nesse estudo, as taxas de epilepsia focal foram um pouco mais altas que as taxas da generalizada. Hauser e Kurland enfatizaram que a grande diversidade nos resultados dos estudos mundiais da epilepsia decorriam dos critérios do que seja epilepsia, bem como da exaustividade com que se procuram os casos na população.
Em um bem conduzido inquérito de morbidade psiquiátrica, em amostra representativa de um bairro de Buenos Aires, Tarnopolsky et alii12 encontraram uma taxa de prevalência de 8,2%. Os autores não conhecem nenhum trabalho que dê taxa de prevalência (na população) para alguma localidade do Brasil. No estudo de Morgado e Coutinho10, encontrou-se uma taxa de 8,0%. mas não foi em população geral, e sim entre 796 familiares de 150 consumidores de drogas ilícitas.
Importa destacar que o significado das taxas de prevalência em transtornos como as epilepsias fica necessariamente vinculado ao transcurso do transtorno que, em geral, é crônico. As taxas de prevalência acumulada (lifetime) aqui são as mais importantes, embora incluam um subconjunto de pacientes que tiveram poucas crises, sempre mais que duas; entretanto, à crise, quase sempre associam-se os "sintomas da personalidade", os quais estão presentes mesmo que não haja recorrência convulsiva.
Os tipos de manifestações das epilepsias dependem da maturidade psico-sensório-motora do SNC. Gastaut5 estabeleceu uma correspondencia entre a mencionada maturidade e o respectivo tipo de crise, com os seguintes padrões:
1. o bebê de 0 a 15 dias possui uma excitabilidade cerebral normal que o torna não-vulnerável a convulsões; por esta razão, mais comumente, a epilepsia do recém-nascido se expressa por crises parciais (focais);
2. de 15 dias até em torno de 03 anos de idade, o cérebro encontra-se em desenvolvimento rápido e progressivo, ou seja, com uma grande reatividade que lhe facilita produzir crises generalizadas ou hemigeneralizadas;
3. a partir dos 03 anos até a idade adulta, nota-se uma acentuada redução daquela reatividade e da predisposição convulsivante e conseqüentemente, há um rebaixamento do número de crises;
4. na vida adulta, observa-se um ligeiro aumento das crises parciais, com ou sem generalização secundária. Entre outros autores, Diament2, Passouand et alii11 concordam com o mencionado modelo de Gastaut.
DEMANDA ESTUDADA
O estudo foi realizado a partir dos prontuários do arquivo da Clínica de Epilepsias do Hospital Pinel (DINSAM), do Ministério da Saúde, na cidade do Rio de Janeiro, cujos dados foram analisados no Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da ENSP/FIOCRUZ. Os pacientes da amostra são, em sua maioria, oriundos do estrato sócio-econômico baixo, o que decorre do próprio modelo de atendimento oferecido por essa Clínica, situada num hospital, cujo atendimento e tratamento são gratuitos, pois em sua demanda há um predomínio de pessoas carentes. O nível de instrução dos pacientes da amostra é suficiente para comprovar isso: 9,8% deles são analfabetos; 81,0% têm apenas o 1º grau; 7,6% têm o 2º grau e 1,6% têm nível superior.
Um bom indicador da inserção da Clínica de Epilepsia no Hospital Pinel é o da proporção da demanda atendida, que se observa na tabela 1. Ali, mostra-se a distribuição de seus três ambulatórios: o SAPE, Serviço de Atendimento ao Paciente Externo, o COIJ, Centro de Orientação Infanto-Juvenil, e a Clínica de Epilepsias, mediante o número de consultas efetuadas nestes últimos três anos. Com o passar dos anos, observa-se que houve um aumento significativo da demanda atendida na Clínica de Epilepsias. Importa notar que, em 1983, a Clínica atendeu a mais de 20% da demanda, uma vez que passou a oferecer à clientela um atendimento especializado e de elevada qualidade, exclusivamente voltado para o tratamento da epilepsia.
MATERIAL E MÉTODOS
Realizou-se uma análise de dados de registro no total de 782 prontuários existentes no arquivo de epilepsias, referentes aos atendimentos efetuados no período de 1979 a junho de 1984.
Foi elaborada uma ficha para coleta de dados que diziam respeito às categorias clínicas ,e epidemiológicas, consideradas importantes no estudo das epilepsias. Tal ficha foi reformulada, após seu pré-teste no estudo-piloto1. Antes da coleta, efetuou-se um estudo-piloto em uma subamostra de 70 prontuários, extraídos aleatoriamente do arquivo, mediante procedimento sistemático. Para adquirir uniformização no preenchimento da ficha, além do estudo-piloto, foi elaborado um glossário com a definição precisa das categorias. Os dados foram apurados manualmente pelos mesmos profissionais da coleta e, a seguir, foram distribuídos por tabelas e gráficos. Diante da necessidade, foram aplicados estes estatísticos (qui-quadrado e grau de correlação por postos) para avaliar a significância das diferenças encontradas. Esses testes estão descritos por Miller9 e Conover1.
As formas clínicas das epilepsias foram classificadas segundo o traçado do eletroencefalograma (EEG) e sua correlação com a clínica. Adotou-se a classificação eletroclínica de crises epilépticas elaborada por Gastaut4, cujos tipos se encontram a seguir:
A CRISES GENERALIZADAS
A1 "Grande Mal", crise convulsiva generalizada, tônico-clônico
A2 "Pequeno Mal" ou ausências típicas
A3 Mioclônica
A4 Atônica ou acinética
B CRISES HEMIGENERALIZADAS OU UNILATERAIS
C CRISES PARCIAIS OU FOCAIS
C1 Sintomatologia elementar
C2 Sintomatologia complexa ou psicomotora
C3 Secundariamente generalizadas
Esta classificação das crises epilépticas baseia-se na observação direta da crise e sua correlação com a expressão eletroencefalográfica crítica (durante a crise). Na prática clínica, porém, dificilmente se observam diretamente as crises no paciente. O usual é dispor-se da descrição retrospectiva, que se apoia na anamnese do paciente e na descrição por terceiros, espectadores da crise. Além disso, no atendimento feito em instituições públicas como a presente, o paciente tem uma acentuada pobreza vocabular e dificuldade de abstração e descrição de suas vivências pré-críticas, críticas e pós-críticas. Por outro lado, na maioria das vezes, se não em todas, os traçados encefalográficos são intercríticos e, conseqüentemente, indicam apenas a expressão da crise. Tudo isso faz com que o diagnóstico final do tipo da crise seja algo arbitrário, ou fique indeterminado; portanto, a consistência do emprego da classificação aqui adotada é precária, embora seja uma classificação das mais recomendadas.
Para Freitas Jr.3, o conceito de epilepsias, no sentido lógico-formal, não é definível à base dos conhecimentos atuais, porém sua representação persiste, não somente como um dado histórico, mas sobretudo como imposição da Clínica. Este procedimento clínico, que mostra um grupo de pacientes, embora agrupados mediante uma representação conceitualmente difusa, permite uma atuação terapêutica de certa homogeneidade e com razoável grau de validez. Por conseguinte, há limitações na classificação adotada neste trabalho, mas ela ajuda a compreender melhor o fenômeno estudado e instituir um tratamento que possua eficácia já bem estabelecida.
RESULTADOS
Na Tabela 2, distribui-se a clientela estudada segundo o sexo e segundo a idade, do início das manifestações epilépticas. Em 78,5% dos casos as manifestações tiveram início entre 0 e 19 anos; os restantes 21,5% as tiveram na faixa de 20 a 69 anos de idade. Entre os estudos que fornecem este tipo de análise, destacam-se o de Diament2, o qual considera que, em 90% dos casos de epilepsia, as manifestações se iniciaram antes dos 20 anos de idade, e o de Hauser e Kurland6 que encontraram taxas de incidência por idades específicas similares nos vários intervalos no período de 33 anos de estudo, ou seja, as taxas foram sistematicamente mais altas no primeiro ano de vida, relativamente baixas nas idades intermediárias e novamente altas nas idades avançadas. As taxas referentes ao sexo foram de 0,51% para o masculino e 0,46% para o feminino, diferença que também não foi estatisticamente significativa.
Da clientela total, 347 (45%) eram do sexo masculino e 435 (55%) do sexo feminino. Apesar da distribuição das faixas etárias no sexo feminino parecer mais desviada, no sentido dos mais velhos, do que no masculino exceto nas faixas de 0 a 4 anos e de 40 a 44 anos a diferença entre as duas distribuições não é estatisticamente significativa (x2 = 11,47; p > 0,10, com 8 graus de liberdade.).
Na tabela 3, observa-se que, dos 782 pacientes, apenas 532 (41,6%) se ajustaram à classificação de Gastaut, ou seja, 250 não se enquadraram nos tipos de classificação mais adotadas. Desses 532 pacientes, 23 não possuíam dados precisos em seus prontuários quanto à idade de início das primeiras manifestações, razão pela qual foram excluídos da tabela. Assim, dos 509 pacientes restantes, 78,8% exteriorizam a epilepsia sob as formas generalizadas e, em 21,2% a epilepsia se manifestou sob as formas parciais. Do total que compõe a tabela, 70,9% dos pacientes foram acometidos de crises do tipo Generalizada Grande Mal e 11,6% apresentaram crises Parciais com Generalização Secundária. Apenas em 0 2% o início das manifestações foi sob a forma hemigeneralizada.
Em relação à idade em que se iniciaram as primeiras manifestações, observa-se que 31,1% dos pacientes encontravam-se na faixa entre 0 e 4 anos de idade; deve-se destacar que 21,6% tiveram suas primeiras manifestações após os 20 anos de idade. Esses resultados concordam com a literatura, pois o início das Formas Generalizadas e das Parciais foi de freqüência cada vez menor com o aumento da idade. Essa correlação decrescente entre as epilepsias e a idade, verificada tanto nas formas Generalizadas quanto nas Parciais, foi mensurada através do grau de correlação por postos Tau uma estatística de Kendall. Para as Formas Generalizadas e as Parciais, o valor do "Tau" foi, respectivamente, de t = 0,87 e t = 0,82, ambos com p < 0,01.
No gráfico 1, são apresentados os dados da tabela 3. Nele observa-se que, segundo a distribuição por faixa etária, as freqüências das Formas Generalizadas são sempre maiores que as das Formas Parciais. Entretanto, essa comparação das distribuições das duas formas clínicas por idade não é estatisticamente significativa (x2 = 6,3 p > 0,10, com 6 graus de liberdade).
No estudo realizado em Rochester por Hauser e Kurland6, adotando a classificação da LICE, Liga Internacional contra Epilepsia, verificou-se que 60% dos casos manifestaram-se sob a forma de Convulsão Parcial. As convulsões Tônico-Clônicas Generalizadas apresentaram uma taxa de incidência, por idades específicas, quase constante, em todos os grupos de idade, que permaneceu estável no período de 33 anos do estudo. As taxas de incidência de convulsões parciais foram altas nos extremos da vida; já as crises de Pequeno Mal revelaram maior taxa nos dez primeiros anos de vida e, a partir daí, caíram para um nível mínimo.
No intervalo do período total entre 1935 e 1967, após 1944, a taxa de incidência de convulsões parciais foi quase o dobro daquela encontrada no inervalo de 1935 a 1944. Acreditou-se que isto for devido à melhor identificação dos casos de convulsões focais, após 1944. Ressalte-se que a taxa de convulsão parcial aumentou entre as pessoas idosas, o que já fora detectado em Rochester.
No tocante ao Pequeno Mal, Livingston et alii8 verificaram que esse tipo de epilepsia é encontrado mais freqüentemente na infância e raramente continua na vida adulta. Inicia-se mais comumente entre 4 e 8 anos e raramente antes dos 3 e após os 15 anos de idade. Entretanto, esses pacientes que manifestaram crises de Pequeno Mal ou "ausências" são propensos a desenvolver epilepsias do tipo Grande Mal após a adolescência. Lefèvre7, tal como outros autores, considera o Pequeno Mal como manifestação epiléptica própria da infância e da adolescência. A estatística de Lennox e Gibbs, citados por Lefèvre7, confirma em grande parte esta afirmação, pois 84% dos casos de Pequeno Mal por eles estudados ocorreram antes dos 20 anos de idade. O diagnóstico por eletroencefalograma igualmente evidenciou que 80% dos casos foram diagnosticados em pacientes com menos de 20 anos; há autores que chegam mesmo a afirmar que não se diagnostica o Pequeno Mal após os 20 anos de idade.
Na tabela 4, os pacientes estão distribuídos segundo categorias elaboradas nesse trabalho. Nesta tabela foram incluídos mais 23 pacientes que não constam da tabela 3 devido à imprecisão na idade de início das manifestações, que estão assim distribuídos: Formas Generalizadas 12 Grande Mal e 3 Pequeno Mal; Formas Parciais 1 Elementar, 5 Complexas e 2 Secundariamente Generalizadas. Foram considerados como formas compostas os pacientes que padeciam de duas ou mais formas clínicas da epilepsia em associação; onde se incluíam 69 (8,8%) pacientes. Foram denominadas de condições clínicas filiáveis á epilepsia aquelas condições que, embora não sejam epilepsia, acabam sendo tratadas em serviços que cuidam de epilépticos. Nestas condições, foram incluídos 58 (7,4%) pacientes, dos quais 38% apresentaram desmaios, 32,8% enxaqueca; 15,5%, perda de fôlego; 5,2%, enurese; 3,4%, sonambulismo; 1,7% desorientação; 1,7%, náuseas persistentes; e 1,7%, espirro paroxístico, com horas de duração. É importante ressaltar que estas condições foram colocadas exatamente como estavam registradas no prontuário do paciente, o que não exclui a possibilidade de outros pacientes, mesmo os incluídos na classificação de Gastaut, também possuírem estas condições clínicas filiadas à epilepsia.
Em toda clínica especializada existe um subgrupo de pacientes não-portadores da doença específica que também não têm nem mesmo aquelas condições filiáveis, mas que acabam sendo atendidos. Na casuística estudada, 33 (4,2%) pacientes constituíram este subgrupo; eram pessoas com transtornos mentais e que erroneamente foram tratadas com terapêutica anticonvulsivante em algum outro Serviço; por tomarem medicação específica, acabam sendo orientadas para a clínica. Dessa forma, elas são matriculadas na Clínica de Epilepsias do Hospital Pinel, e o atendimento é muito mais voltado para reorientar o paciente, após esclarecê-lo de que ele não é epiléptico.
Em 90 pacientes não se formulou o diagnóstico, pois em 70 deles havia imprecisão nos dados e em 20 as informações eram insuficientes. Em geral, estes pacientes ficaram em observação na Clínica, mas não se chegou a nenhum diagnóstico ou não se logrou efetuar os exames necessários para formulá-lo.
COMENTÁRIOS
A partir dos dados da tabela 4, tira-se importante conclusão quanto à hipótese de se cuidar da epilepsia em Unidades Sanitárias na perspectiva de cuidados primários da saúde. A epilepsia que se manifesta sob a forma de convulsões generalizadas, nos dados, somou um total de 434 pacientes 373 com Grande Mal e 61 Secundariamente Generalizada. Como 601 pacientes foram diagnosticados como epilépticos, estes Postos de Saúde teriam condições de identificar e encaminhar aqueles 434 (72%) pacientes. Naturalmente, esta é uma cifra importante, mas tais postos deixariam quase 30% do total de epilépticos sem mesmo um diagnóstico presuntivo, uma vez que a epilepsia sem convulsão generalizada coloca dificuldades enormes para sua identificação.
Em termos da saúde pública, este prejuízo é muito relevante, por duas razões: por um lado, a prevalência das epilepsias tem uma dimensão bem significativa; por outro lado, são transtornos que causam sofrimento, mas que podem ser controlados mediante diagnóstico correto e tratamento adequado.
Uma vez que os resultados são oriundos de um serviço público cuja clientela em sua maioria é de baixa renda, é importante compará-los com outros resultados. O trabalho de Walker13 ofereceu uma boa oportunidade para tal comparação, pois ele fornece resultados para seis países pobres e dois desenvolvidos. As proporções das formas clínicas de epilepsia do presente trabalho, juntamente com aqueles do trabalho de Walker, encontram-se na tabela 5. Como alí se observa, não há diferenças marcantes entre as proporções das formas clínicas de epilepsias nos doze resultados comparados. Há uma boa consistência nesses diferentes dados. Conclui-se que o carro-chefe das epilepsias continua sendo o Grande Mal. Ao mesmo tempo, porém, verifica-se que há uma proporção, ao redor de 30%, constituída de epilepsia de difícil diagnóstico, que não Grande Mal.
É oportuno destacar que houve um importante subconjunto de 90 (11,5%) pacientes que, mesmo tendo á sua disposição um atendimento altamente qualificado, não tiveram esclarecida a doença de que padeciam. Este dado faz questionar as razões que levam uma população carente, tal como a descrita neste trabalho, ao não-aproveitamento de um serviço disponível. Parece-nos que tais razões devem ser buscadas no contexto das precárias condições de vida dessa clientela. Coutinho et alii2 , em outro trabalho a partir dos mesmos dados do serviço em pauta, evidenciaram que, entre os pacientes devidamente diagnosticados, a participação destes no tratamento deixou a desejar. As razões também residiam naquele mesmo contexto.
Tais resultados não são nada encorajadores para o setor de prestação de serviços de saúde à população. Ora, em termos de eficácia e eficiência, há respaldo para implantar e organizar tais serviços? A resposta não é otimista, pois nem mesmo o subconjunto de pacientes que tem sua "doença" esclarecida participa bem do tratamento. A.existência dessa prestação de serviços, contudo, é justificável: além de certa eficácia, como evidenciaram Coutinho et alii2, ela é imprescindível para que a clientela extravase sua aflição e desespero, de origens, sobretudo, não-médicas.
Consideramos de suma importância as palavras de Freitas Jr.3: "o melhor conhecimento da Epilepsia em suas diversas manifestações e modalidades poderá fazer inclusive o pensamento psiquiátrico voltar às fontes de onde nunca se deveria ter afastado, aos caminhos da ciência natural, que na verdade é a única ciência, como unitário é o objeto de conhecimento".
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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12. TARNOPOLSKY, A.; CAETANO, R.; LEVAV, I & OLMO, G. Prevalence of psychiatric morbidity in an industrial suburb of Buenos Aires. Soc. Psychiatr., 12:75-88,1977.
13. WALKER, A.E. The current status of epilepsy in some developing countries. Epilepsia, 3:99-106,1973.
Recebido para publicação em 23/04/86.
* Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Metodologia da Pesquisa em Saúde Mental Escola Nacional de Saúde Pública/ FIOCRUZ, apresentado no XVIII Congresso Brasileiro de Psiquiatria 11 a 16 de outubro de 1984 Recife Pernambuco.
1 Para os interessados, os autores possuem cópia disponível.
2 COUTINHO, E.S.F.; GONÇALVES, M.J.F.; SOUZA, E.R.; IGUCHI, T.; & MORCADO, A.F. Epilepsia: fatores condicionantes de seu tratamento numa população clínica de um serviço público. Trabalho submetido a apreciação para publicação no Bol. OPAS.