ARTIGO
Estudo comparativo da eficácia de armadilhas para Aedes aegypti
Milton Moura LimaI; Ronaldo Santos do AmaralII; Mario B. AragãoIII
IOrganização Panamericana da Saúde
IISuperintendência de Campanhas de Saúde Pública - SUCAM
IIIEscola de Saúde Pública
RESUMO
Nos verões de 1984 e 1985, foram feitos ensaios com armadilhas para pesquisa de Aedes aegypti. Em ambas as oportunidades destacou-se a armadilha feita cortando em três pedaços um pneu de automóvel. A armadilha autocida de Chan, modificada por Cheng et al. (1982), não foi capaz de competir com o pneu e os depósitos de barro, usados rotineiramente pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM). Verificou-se, também, que a colocação de plantas nas armadilhas aumenta muito a atratividade. Entretanto, essa prática não é interessante para uso rotineiro. Principalmente no caso do pneu é imprescindível o recolhimento da armadilha, por ocasião da inspeção e o seu enchimento com água. Este sistema dobrou a positividade dos pneus. Essa presença de ovos não eclodidos exige que as armadilhas sejam flambadas antes de serem expostas. O encontro de pupas sete dias depois da exposição, mostra que esse prazo não pode ser ultrapassado. O pneu, além de ter se revelado a armadilha mais eficiente, tem a vantagem de ser de custo nulo e não ser quebradiço.
ABSTRACT
In the summer of 1984 and 1985 comparative trials for the surveillance of Aedes aegypti were performed. In both occasions the most effective trap was one made by cutting an automobile tire in three parts. The Chan´s autocide trap, modified by Cheng et al. (1982) was less effective than the tires as well as the baked clay containers routinely used by the "Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM)." It was found also that plants on the traps increase to a great extent its attractiveness. This procedure however, is not functional for its routine use. The tires must always be taken to the laboratory and filled with water for the hatching of eggs. This practice has duplicated the positivity of the ovitrap. In view of the persistence of non hatched eggs the flaming of the traps must always be done before exposition. The finding of pupae 7 days after exposition shows that this period can not be exceded. Tires are more effective traps and have also the advantages of being costless and non breakable.
INTRODUÇÃO
O uso de armadilhas para detectar a presença de Aedes aegypti é uma técnica do tempo de Oswaldo Cruz (Cruz, 1909). Durante a campanha iniciada em 1903, quando, numa área, a pesquisa larvária tornava-se negativa, eram colocadas vasilhas com água em locais adequados para a postura desse mosquito. Posteriormente, essa técnica foi substituída pela captura de mosquitos adultos que apresenta uma vantagem. É que o encontro de exemplares machos indica a proximidade do criadouro que, quando a pesquisa larvária de rotina torna-se negativa, está em local de difícil acesso ou pouco visível.
Mais recentemente, o problema da reintrodução de A. aegypti em áreas de onde ele havia sido erradicado, criou a necessidade de uma vigilância permanente nos terminais terrestres, marítimos e aéreos. Isso provocou o interesse pelo desenvolvimento de armadilhas capazes de detectar qualquer introdução, o mais rapidamente possível. Com essa preocupação Fay & Perry (1965) estudaram, em laboratório, as características dos depósitos e das superfícies, que os tornavam preferidos, pelos mosquitos, para fazer a postura. Com esses dados Fay & Eliason (1966) montaram uma armadilha que se mostrou mais eficiente do que a pesquisa larvária, sobretudo, depois de decorridos 14 a 18 dias de uma chuva forte. Resultado semelhante foi obtido por Evans & Bevier (1969), trabalhando na Flórida, Carolina do Sul e Texas.
Numa competição de depósitos, Bond & Fay (1969) verificaram que a maior positividade e o maior número de larvas apresentavam correlação positiva com o volume e a cor escura do depósito.
Em 1984, a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM) pediu à Organização Panamericana de Saúde algumas armadilhas autocidas inventadas por K. L. Chang, em Singapura e modificadas por Cheng et al. (1982), a fim de que fossem experimentadas no Rio de Janeiro. Essas armadilhas são constituídas de um frasco cilíndrico de vidro escuro e um embolo de plástico, onde estão encravadas duas lâminas para postura. O centro desse embolo tem uma abertura circular ocupada por uma tela de nylon. A teoria é a seguinte: as larvas eclodem e vão para a água abaixo da tela, de onde depois do 2º. estádio não podem mais sair.
Para experimentar essa armadilha resolveu-se fazer uma competição com os potes de barro e os pneus, atualmente, usados como armadilhas pela SUCAM e frascos de vidro e potes de barro com plantas.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram feitas duas observações, uma em 1984 e outra em 1985.
As armadilhas eram colocadas em residências onde havia depósitos com grande quantidade de larvas.
Em 1984, a competição foi feita no bairro de Madureira e foram colocadas em quatro casas as seguintes armadilhas: pneu preto; pneu branco; depósito de barro preto por dentro; depósito de barro todo preto; depósito de barro ao natural e armadilha autocida de Chan, modificada por Cheng et al.
O pneu é um terço do pneu de automóvel. Usou-se também pneu branco, porque existiam pneus que tinham sido pintados dessa cor. O depósito de barro é uma vasilha, de cerca de um litro, com boca larga. A cor preta foi pintada. São esses depósitos de barro, junto com os pneus, que estão sendo usados, atualmente, pela SUCAM nos portos, aeroportos e terminais rodoviários.
Em 1985, uma parte do ensaio foi feita em Madureira e outra em Jacarepaguá é foram colocadas, em 6 casas, as seguintes armadilhas: pneu preto; depósito de barro preto por dentro; idem com planta; depósito de barro todo preto; idem com planta; depósito de barro ao natural; idem com planta; frasco de vidro; idem com planta e armadilha autocida de Chan modificada por Cheng et al. A planta é uma arácea do gênero Scindapsus vulgarmente conhecida por jibóia. O frasco de vidro é escuro, tem boca larga e volume de cerca de meio litro.
Em cada ano, o trabalho durou 8 semanas.
As armadilhas eram deixadas com água até a metade e inspecionadas depois de sete dias. Nessa inspeção, as larvas eram contadas e levadas para identificação. As armadilhas eram trocadas por outras iguais e trazidas para a sede, onde eram cheias até a borda. Quatro dias depois eram novamente inspecionadas, lavadas e flambadas com chama de álcool. Normalmente, a troca das armadilhas era feita na segunda-feira e a segunda inspeção na sexta-feira.
É claro que o uso de plantas, nas armadilhas, complica o trabalho. No caso presente, elas eram trocadas por outras e eliminadas, por ocasião da inspeção. Elas foram usadas, unicamente, para testar a atração exercida sobre os mosquitos, pois, em alguns bairros da cidade do Rio de Janeiro a maioria dos depósitos positivos são jarras com plantas (Lima et al. 1988).
RESULTADOS E COMENTÁRIOS
Na tabela 1 figura o número de armadilhas positivas e na tabela 2, a soma do número de larvas recolhidas na primeira e na segunda inspeção, no ensaio de 1984. Não se encontrou correlação com os totais semanais de chuva nem com a média semanal da temperatura do ar. No mês de fevereiro não houve precipitação e em março choveu 81,5mm. A temperatura média de fevereiro foi 30,4ºC e a de março 27,6ºC.
Os mesmos dados obtidos, em 1985, figuram nas tabelas 3 e 4. Em nenhuma das quatro tabelas está mencionada a armadilha autocida, porque ela nunca foi encontrada com larvas. Isso que parece um contrasenso, na realidade não é. No trabalho em que apresentaram a modificação da armadilha de Chan, Cheng et al. informaram que removeram todos os depósitos da área e que, nas inspeções, retiravam qualquer depósito novo que fosse encontrado. Esse procedimento é o inverso do que foi feito por Carter (1924), quando classificou os criadouros de A. aegypti em referenciais e compulsórios. Esse autor, pesquisando áreas onde haviam sido eliminados todos os depósitos, normalmente, encontrados com larvas, encontrou o mosquito criando em depósitos anômalos, como axilas de folhas de plantas que acumulam água. Colocando no local alguns depósitos preferenciais, nunca mais apareceram larvas nos depósitos que chamou de compulsórios. No ensaio, aqui relatado, havia, na mesma residência, toda a série de depósitos que figuram nas quatro primeiras tabelas. Aí, também, pode ser visto que o frasco de vidro, sem planta, só uma única vez foi encontrado com larvas e isso em 48 possibilidades. O que mostra a pouca atração exercida pelo vidro, mesmo sendo escuro. Por sua vez a presença da planta fez com que esse depósito fosse positivo seis vezes.
Nesse ano de 1985, as temperaturas médias foram em março 27,4ºC e em abril 26,2ºC, e as precipitações foram, respectivamente, 152,7mm e 212,6mm.
Todas as quatro tabelas mostram que a armadilha mais atrativa é o pneu preto, o que concorda com observações anteriores (Bond & Fay; Cheng et al.).
Para apreciar o significado dos dados obtidos foi aplicado o teste do , somando-se os valores de 1984 aos de 1985, nas tabelas 1 e 3. Não se utilizou na análise os dados das tabelas 2 e 4, por dois motivos: um, que o importante é a armadilha ser positiva ou não e outro, que o número de larvas encontradas não parece ter muita consistência. O fato de, nos dois ensaios, o pneu ter apresentado maior número de larvas, deve decorrer da maior superfície disponível para oviposição e do maior volume de água.
Foram significativos ao nível de 5%, os seguintes contrastes: pneu preto versus pneu branco; pneu preto versus todos os tipos de depósito de barro; os três tipos de depósito de barro sem planta. Não foi significativa a diferença observada entre o pneu preto e qualquer um dos depósitos de barro com planta.
Na tabela 5 estão o número e a porcentagem de vezes em que as armadilhas foram positivas na primeira inspeção e somente na segunda. No total, o aumento da positividade não foi grande (10%), entretanto, com o pneu esse aumento (27%) dobrou a positividade da armadilha. O outro fato a destacar foi o encontro, por 7 vezes, durante o mês de abril de 1985, de pupas no sétimo dia após a exposição da armadlha.
CONCLUSÕES
Não resta dúvida que a armadilha eficiente é o pneu. Essa atração do pneu é por demais reconhecida, tanto é que as instruções americanas, para exposição de armadilhas, recomendam que não sejam colocadas próximas a pilhas de pneus (Evans & Bevier). A ele só se igualam os depósitos de barro com planta que, como foi mencionado, não servem para uso rotineiro. A cor preta, ou melhor escura, mencionada como importante cor Fay & Perry só se comprovou no caso do pneu, pois não houve diferença significativa entre os dados das três armadilhas de barro.
O prazo de sete dias para a inspeção das armadilhas não pode, de maneira alguma, ser ultrapassado, como prova o encontro de pupas por diversas vezes.
O recolhimento das armadilhas, quando da inspeção, também é imprescindível, pois, no caso do pneu, o enchimento com água, na sede, dobrou a positividade.
Os dados obtidos desestimulam o uso de armadilhas feitas com frascos de vidro, como tem sido recomendado pelos autores americanos já citados. Além de serem pouco atrativos, quebram com facilidade. Os depósitos de barro são melhores, porém, não parece ser vantajoso pintá-los de preto. O pneu, além de ter se destacado como armadilha mais atrativa, apresenta as vantagens de ser de custo nulo e de não ser quebradiço. O fato de, mais de um quarto das vezes em que os pneus foram recolhidos, estarem com ovos não eclodidos, torna obrigatória a sua flambagem antes de cada exposição.
AGRADECIMENTOS
Os autores são gratos aos servidores Henrique Emílio Nunes Sampaio e Eudes de Paula e Silva, pela dedicação com que executaram suas tarefas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BOND, H. A. & FAY, R. W. Factors influencing Aedes aegypti ocurrence in containers. Mosc. News, 29: 113-6, 1969.
2. CARTER, H. R. Preferential and compulsory breeding places of Aedes (Stegomyia) aegypti and their limits. Ann. trop. Med. Parasit., 18: 493-503, 1924.
3. CHENG, M., HO, B., BARTNETT, R. E. & GOODWIN, N. Role of a modified ovitrap in the control of Aedes aegypti in Houston, Texas, USA. Bull. Wld Hlth Org., 60: 291-6, 1982.
4. CRUZ, O. Prophylaxia da Febre Amarela. Rio de Janeiro, Typ. do "Jornal do Commercio", 1909.
5. EVANS, B. R. & BEVIER, G. A. Measurement of field populations of Aedes aegypti with the ovitrap in 1968. Mosq. News., 29: 347-53, 1969.
6. FAY, R. W. & ELIASON, D. A. A prefered oviposition sit as a surveillance method for Aedes aegypti. Mosqu. News, 26: 531-5, 1966.
7. FAY, R. W. & PERRY, A. S. Laboratory studies of ovipositional preferences of Aedes aegypti. Mosq. News, 25: 276-81,1965.
8. LIMA, M. M. ARAGÃO,M.B. & AMARAL,R.S. Criadouros de Aedes aegypti encontrados em alguns bairros da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Publ., RJ, 4, 1988, em publicação.