ARTIGO ARTICLE
Arlete Maria dos Santos Fernandes1 | Conhecimento, atitudes e práticas de mulheres brasileiras atendidas pela rede básica de saúde com relação às doenças de transmissão sexual Knowledge, attitudes, and practices of Brazilian women treated in the primary health care system concerning sexually transmitted diseases
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1 Departamento de Tocoginecologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Av. John Boyd Dunlop s/no, Campinas, SP 13059-900, Brasil. 2 Departamento de Tocoginecologia, Universidade Estadual de Campinas. Rua Alexandre Fleming 222, Cidade Universitária, Campinas, SP 13081-970, Brasil. 3 Centro de Pesquisas das Doenças Materno Infantis de Campinas. Rua Vital Brazil 200, Cidade Universitária, Campinas, SP 13081-970, Brasil. | Abstract An increase has been observed in the prevalence of HIV infection among Brazilian women in recent years. This study focused on women's knowledge, attitudes, and practices towards prevention of sexually transmitted diseases (STDs) in the primary health care system in Campinas, São Paulo. Of the 249 women interviewed, 10% reported condom use, while consistent use was reported by 7.6%. Although most women reported receiving information from television (87.6%), the quality of such information was insufficient to sensitize women as to their risk of exposure to STD. Most of the women reported physician confidence as an important factor. We conclude that women do not opt for condoms to prevent STD/AIDS, but as a contraceptive method. An instructive dialogue on STD/AIDS should be adopted during physician consultation, and the kind and quality of information should be updated to foster compliance with safer sex practices by the population. Key words Acquired Immunodeficiency Syndrome; Sexually Transmitted Diseases; condoms; Women's Health
Resumo Nos últimos anos tem-se observado aumento na prevalência da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana entre mulheres brasileiras. O objetivo deste estudo foi o de determinar conhecimentos, atitudes e práticas de prevenção com relação às doenças de transmissão sexual (DST) no que se refere a mulheres atendidas na rede primária de saúde de Campinas, São Paulo, para implementar futuras ações. Entre 249 mulheres entrevistadas, 10% disseram usar a camisinha e 7,6% relataram uso consistente. Apesar de a maioria das mulheres (87,6%) referir a televisão como fonte de informação, a qualidade desta foi pobre para sensibilizá-las do risco das DST. A totalidade das mulheres expressou confiança no médico. Concluiu-se que as mulheres não optam pelo uso da camisinha para prevenção de DST/AIDS, utilizando-o, em geral, com a intenção de contracepção. É preciso implementar a adoção do diálogo informativo a respeito das DST/AIDS durante a consulta e inovar a forma e a qualidade das informações, de modo a viabilizar maior aderência da população às práticas do comportamento sexual seguro. |
Introdução
As mudanças sócio-sexuais das últimas décadas têm mudado o perfil das doenças sexualmente transmissíveis (DST), transformando seu controle em desafio para a saúde pública em todo o mundo. O maior número de adolescentes e adultos jovens que vivenciam sua sexualidade com maior liberdade e as mudanças econômicas que levaram à concentração da população de baixa renda nos perímetros urbanos - onde as condições de saúde, quase sempre, são precárias, o nível de instrução é baixo e nem sempre é fácil o acesso aos serviços de saúde - têm elevado o número de casos novos de doenças nessas duas populações. Além disso, há pessoas denominadas grupos-núcleo por estarem assumindo papel preponderante como disseminadores das infecções dentro de algumas comunidades e populações fechadas, em virtude de suas práticas sexuais de risco e do grande número de parceiros, como descrito por Yorke et al. (1978), Rothemberg (1983) e Potterat et al. (1985).
O papel das drogas - em especial, o fenômeno da troca de sexo por craque-cocaína - tem aumentado a população de grupos-núcleo, da mesma forma que também tem agido como facilitador para o comportamento de risco, conforme citado por Cates Jr. & Holmes (1991); Weinstock et al. (1995) e Wilson et al. (1998).
Por seu lado, as DST provocam aumento de morbidade e mortalidade perinatal e materna, diminuição da fertilidade no período da vida de maior potencial reprodutivo de homens e mulheres, aumento da incidência de neoplasias de colo uterino, vulva, vagina e pênis. Ademais, a infecção pelo HIV tem levado à morte homens e mulheres através da AIDS.
Nos países em desenvolvimento, as complicações e seqüelas das DST são mais freqüentes principalmente em virtude da falta de recursos para diagnóstico e tratamento adequados, como descrito por Meheus et al. (1990).
Afora isso, a inter-relação entre a infecção pelo HIV e as demais DST tem sido comprovada nos últimos anos. Tanto as doenças ulcerativas - como o herpes genital, sífilis e cancróide, citado por Wasserheit (1991) - quanto as DST não ulcerativas - clamídia, gonococo e tricomonas, segundo estudo concluído por Laga et al. (1993) - constituem fator de risco para contrair ou transmitir o HIV.
O número de infectados pelo HIV tem-se elevado no Brasil - em particular, entre mulheres jovens de baixa renda e escolaridade. Como conseqüência, aumenta também a transmissão perinatal. A relação homem-mulher na população de 13-49 anos passou de 5:1, em 1985, para 2:1, em 1996/97. Sessenta por cento dos casos novos de AIDS entre mulheres maiores de 12 anos deve-se à transmissão sexual (CNDST/ AIDS, 1997).
Por sua vez, o alto número de adolescentes e adultos jovens no País - somado ao fato de grande parte da população estar concentrada na periferia de grandes cidades e apresentar baixo nível sócio-econômico - constitui certamente característica facilitadora do processo de transmissão. Além disso, é provável que os adolescentes e a população jovem recebam pouca informação com relação ao seu risco de doença, embora sejam a população de maior risco.
Em vista de tal situação, o objetivo deste trabalho é o estudo de mulheres atendidas pelo setor primário de saúde, buscando determinar seu conhecimento, atitudes e práticas com relação às DST, o que pensam a respeito dessas infecções e o que fazem em termos de prevenção.
Material e métodos
O estudo foi realizado em seis Centros de Saúde pertencentes à rede municipal, em setor economicamente carente da cidade de Campinas. As mulheres foram entrevistadas após consentimento verbal, enquanto aguardavam atendimento ginecológico ou obstétrico, em dois períodos, os meses de setembro de 1996 e março de 1997.
As variáveis estudadas foram: idade, escolaridade, renda familiar, antecedentes gestacionais, estado marital e tempo de convívio com o parceiro, antecedente de DST, conhecimento, atitudes e práticas com relação às DST, número de parceiros sexuais no último ano, conhecimento, atitudes e práticas com relação à camisinha e informações recebidas acerca das DST.
Calculou-se um tamanho amostral de 120 mulheres para cada período estudado, de acordo com Pocock (1983). A análise foi descritiva para cada variável, e utilizou-se o software "Statistical Analysis System" - SAS Release 6.12.
Resultados
Foram entrevistadas 249 mulheres, das quais 25% eram adolescentes e mais da metade tinha até 29 anos de idade. A maior parte (76%) era casada ou amasiada, 20% eram solteiras e 4%, viúvas. Independente da faixa etária, a maioria delas tinha companheiro estável. Entre as solteiras e viúvas, 47% tinham parceiro sexual, enquanto somente cinco entre as casadas ou amasiadas estavam sem companheiro.
Das mulheres que tinham companheiro no momento da entrevista, dois terços relataram tempo de convívio maior de um ano naquele relacionamento. O número de mulheres distribuídas por tempo de convívio de 1 a 5 anos, 6 a 10 anos e maior de 11 anos foi semelhante. Sessenta e sete mulheres estavam grávidas no momento da entrevista, das quais, apenas seis encontravam-se sem companheiro.
A maioria das mulheres tinha de 2 a 8 anos de instrução formal - 77% e 87,4%, respectivamente, nas duas amostras - e, do total, mais de dois terços referiam renda familiar de até cinco salários-mínimos.
Em relação aos antecedentes gestacionais, somente 20 mulheres, na primeira amostra, e 11, na segunda, nunca haviam engravidado. Mais da metade (53%) tinha 1 ou 2 filhos, e um quarto tinha 3 ou 4 filhos. A percentagem de partos cesáreos foi de 35,3% na primeira amostra e 30,2% na segunda. A prevalência de abortos anteriores também foi alta, pois 28,5% e 20,7% das mulheres na primeira e segunda entrevista, respectivamente, mencionaram pelo menos um aborto anterior. Mais de 90% das mulheres negaram ter antecedente de qualquer episódio de infecção transmitida sexualmente, não tendo havido variação, neste dado, entre as diferentes faixas etárias.
A análise do conhecimento que as mulheres tinham com relação às DST encontra-se nas Tabelas 1, 2 e 3. Mais da metade da população estudada expôs não saber de qualquer sintoma que uma DST poderia causar. Apesar disso, 14% delas referiram o nome de alguma das doenças e um quarto das mulheres citou sintomas locais como leucorréia e dor pélvica. O desconhecimento pareceu aumentar diretamente com a faixa de idade, enquanto o conhecimento relacionou-se inversamente com a idade (Tabela 1).
Por outro lado, 61,3% das adolescentes e 56,2% de todas as mulheres disseram conhecer a forma de contágio através de relações sexuais. Além disso, 19,4% das adolescentes citaram o sexo sem camisinha como forma de adquirir doença. Ter vários parceiros foi a resposta para 12,9% das mulheres, ao passo que 6% referiram transfusão de sangue ou uso de drogas (Tabela 2).
Mais de 18% de todas as mulheres afirmaram nada saber a respeito da transmissão das DST. Entretanto, a análise por faixa etária foi diferente, mostrando maior desinformação com o aumento da idade, ou seja, de 11,3% das adolescentes para 33,3% das mulheres com 40 anos ou mais (Tabela 2).
Quanto ao conhecimento relativo à prevenção, a maioria das mulheres sabia da ação protetora da camisinha -72,7% de todas as mulheres e 77,4% das adolescentes -, ao passo que um quarto delas referiu parceiro fixo ou único como forma de prevenção. A ida freqüente ao médico e o uso das medicações prescritas foram citados também como condutas de prevenção por 7,2%. Menos de 10% das mulheres alegaram nada saber a respeito de prevenção (Tabela 3).
Com relação às atitudes, mais de 70% das mulheres na primeira amostra e 80% na segunda não associaram corrimento vaginal com DST. As que mais fizeram a associação foram as mais jovens, mulheres com menos de 29 anos.
Apesar disso, caso imaginassem estar com alguma DST, a primeira atitude adotada por 98% das mulheres entrevistadas seria procurar um médico. Para a maioria delas, o local escolhido para a consulta seria o Centro de Saúde. Pequena parte dessas mulheres preferiria procurar médico no hospital. A justificativa para tal atitude foi a confiança no médico, citada por 86,7% delas, e essa confiança mostrou-se maior com o aumento da faixa etária; contudo, a facilidade no atendimento foi a resposta para 7,2% das mulheres. Apenas três mulheres usariam remédio caseiro e duas recorreriam a uma farmácia ou esperariam um pouco mais para procurar atenção médica.
Conhecer a camisinha e já tê-la visto foi resposta para 95,2% das adolescentes e 91,6% de todas as mulheres. A sua utilidade para evitar doenças e gravidez foi mencionada por 67,7% das adolescentes, entre as quais 19,4% disseram que seu uso evitava contrair a AIDS. Do total das mulheres, mais da metade referiu a contracepção e a prevenção de doenças como benefícios do uso da camisinha (Tabela 4).
Com relação ao antecedente de uso, 41 adolescentes narraram já ter utilizado a camisinha; destas, 35 (56,5%) haviam-na utilizado várias vezes, enquanto 33,9% delas jamais a tinham usado. Quanto maior a faixa etária, mais elevada foi a freqüência das mulheres que nunca tinham usado o preservativo e menor a freqüência daquelas que o haviam usado várias vezes. A ruptura da camisinha foi referida por 15% das mulheres; entretanto, 11% delas citaram episódio único. Entre as adolescentes, a freqüência de rompimento também foi baixa.
A maioria das mulheres - 72,3% - disse que não estava usando o preservativo atualmente, bem como 61,3% das adolescentes. Entre as primeiras, um quinto referia utilizá-lo de vez em quando e somente 7,6% usavam-no de forma consistente (Tabela 5). Entre as adolescentes, um terço o utilizava ocasionalmente e apenas 8% usavam-no sempre nas relações sexuais.
Em relação às mulheres grávidas, 70% narraram que nunca usam a camisinha, 20% usam-na ocasionalmente e 8% referiram uso consistente. Não houve diferença na freqüência do uso e não uso entre grávidas e não grávidas.
Entre as mulheres que já haviam utilizado a camisinha, foi-lhes perguntado por que razão a utilizavam (Tabela 6). A maioria respondeu que usava o preservativo como método contraceptivo (29% das adolescentes e 20% das mulheres); apenas 12,9% das adolescentes objetivavam evitar doenças ou evitar doenças e gravidez. Entre as mulheres das demais faixas de idade, a freqüência desse objetivo foi ainda menor. Mais da metade de todas as mulheres e 61,3% das adolescentes disseram saber usar o preservativo, e poucas mencionaram ter dificuldade em colocá-lo.
Ao final da entrevista, quando foram novamente questionadas a respeito de estarem fazendo uso da camisinha no momento da pesquisa, somente 10% das mulheres responderam que sim, registrando-se que 14,5% delas eram menores de 19 anos. Apenas uma grávida disse que a estava utilizando. A justificativa de contracepção para as mulheres que o estavam empregando foi de 12,9% das adolescentes e 8,8% das mulheres adultas, enquanto o objetivo de evitar contrair doenças foi respectivamente de 3,2% e 2,4% (Tabela 7).
A justificativa para a não utilização da camisinha na maioria das mulheres foi o uso de outros métodos contraceptivos (18,5%) ou estarem grávidas (26,9%). A freqüência dessas justificativas entre as adolescentes foi respectivamente de 14,5% e 40,3%. Onze por cento das mulheres alegaram confiar no parceiro, motivo pelo qual não usavam a camisinha; a maior freqüência dessa resposta foi entre mulheres de 20-29 anos e 30-39 anos (Tabela 7). As justificativas ao uso e ao não uso da camisinha também não variaram entre grávidas e não grávidas.
Apenas dez mulheres do total da amostra disseram ter tido mais de um parceiro sexual no último ano, dentre as quais dois eram adolescentes, cinco tinham entre 20 e 29 anos e as três restantes eram maiores de 30 anos. Uma adolescente de 13 anos referiu cinco parceiros além do atual.
Perguntou-se a 127 mulheres se haviam recebido informação quanto à prevenção e aos riscos das DST. Somente cinco responderam que nunca tinham sido informadas. A fonte de informação mais citada foi a televisão - 87,4% das mulheres -, não existindo diferença entre as faixas de idade atingidas por esse meio de comunicação. O médico foi a fonte de informação para nove mulheres (7%) e a enfermeira, para dez delas. A escola foi a segunda fonte mais mencionada - 14,2% das mulheres - e, entre estas, um terço era de adolescentes. Apenas uma adolescente citou a mãe como fonte de informação acerca de DST (Tabela 8).
Quando o informante foi o médico, sete mulheres disseram que ele havia falado sobre a camisinha, três disseram que ele tinha comentado a respeito de métodos contraceptivos; quatro, acerca de DST e AIDS; e uma, a respeito de corrimento vaginal. As demais 118 mulheres não citaram o médico como fonte de informação.
Discussão
Os resultados mostram que mais da metade das mulheres entrevistadas tinham idade entre 13 e 29 anos, caracterizando a grande freqüência de mulheres jovens que buscam atenção nos Centros de Saúde. Das menores de 19 anos, 60% estavam casadas ou amasiadas, ao passo que 84% das solteiras e separadas tinham companheiro no momento da entrevista. Do mesmo modo, dois terços das mulheres de 20-29 anos e praticamente a totalidade das mulheres de 30-39 anos tinham parceiros sexuais. Esses dados vêm ao encontro do conhecido perfil das mulheres brasileiras nos censos demográficos, em que as idades precoces de iniciação sexual e de casamento levam as mulheres a abandonar cedo a escola, conforme a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde - PNDS (PNDS, 1996). Como conseqüência dessa situação, encontrou-se baixo nível de escolaridade nesta população, uma vez que a maioria das mulheres contava com 2 a 8 anos de instrução e 10% delas não tinham qualquer instrução. Nenhuma tinha curso superior. As mulheres, neste estudo, apresentaram menos anos de instrução formal que o geralmente descrito para mulheres brasileiras na PNDS. Os dados de baixo rendimento familiar são acrescidos a isso, com relatos de ganho familiar mensal de 1 a 5 salários-mínimos para dois terços da amostra.
O perfil sociológico de mulheres mais jovens - inseguras e incapazes de se impor diferentemente ao poder masculino -, acrescido ao baixo poder econômico e à pouca instrução, faz com que estas exerçam pouca ação de proteção no que se refere a suas vidas e aos seus corpos. A camisinha, muitas vezes, não lhes é acessível e, mesmo quando têm acesso a ela e querem utilizá-la, dificilmente conseguem negociar o seu uso com o parceiro.
Dados do Ministério da Saúde mostraram que a epidemia de AIDS no Brasil. além de estar cada vez mais sendo transmitida via heterossexual e de estar se femininizando, também está sofrendo processo de pauperização e de interiorização. O grupo de mulheres em que a infecção mais está se elevando possui nível de escolaridade até o 1o grau ou são analfabetas, e os municípios onde mais vem ocorrendo crescimento de casos novos entre mulheres de 20-49 anos são aqueles com 200 mil a 500 mil habitantes, segundo Chequer (1998).
Por outro lado, apenas nove (3,6%) das 249 mulheres referiram algum antecedente de haver contraído uma DST. Isso possivelmente se deve ao fato de o médico não abordar o vínculo entre o diagnóstico realizado e a forma de transmissão. Os profissionais, mesmo após o diagnóstico da DST, não esclarecem as mulheres a respeito da doença e de seu risco para o futuro reprodutivo.
Em relação ao nível de conhecimento a respeito das DST, observou-se que, apesar deste conhecimento ser positivamente mais elevado entre as de idades mais jovens, metade das mulheres menores de 19 anos e dois terços das acima de 30 anos não tinham idéia do que fosse DST.
Ao contrário, o conhecimento da forma de transmissão foi amplo, 67,5% das mulheres relataram a via sexual ou o sexo sem o uso da camisinha como forma de transmissão (80% das adolescentes e 71% das mulheres de 20-29 anos). O conhecimento ruim, a má informação ou a falta de conhecimento foram citados poucas vezes e, mesmo assim, nas faixas etárias maiores de 30 anos.
Quanto ao conhecimento relativo à prevenção, mais de 70% das mulheres mencionaram o uso da camisinha, e um quarto delas citou o parceiro fixo e único como forma de prevenção de DST/AIDS. É importante notar que as mulheres têm conhecimento a respeito da transmissão e que possuem informação quanto à prevenção pelo uso da camisinha; entretanto, isso não faz com que relacionem algum sintoma físico pessoal com a possibilidade de haver contraído uma DST nem faz com que se sintam vulneráveis a contrair essas doenças.
Nas duas amostras, quando perguntadas acerca da atitude de considerar a possibilidade de corrimento vaginal como DST, apenas 29,5% e 11%, respectivamente, os relacionaram. Nesse aspecto, não houve variação no que se refere à faixa de idade. Desse modo, coloca-se não somente a discussão concernente à pouca informação recebida, mas a pouca importância dada às leucorréias tanto pela própria mulher como também pelos profissionais de saúde. Parece ser amplamente aceito que ter corrimento vaginal é normal. É igualmente usual ouvir-se a assertiva, da parte de colegas especialistas, de que basta ser mulher para ter dor pélvica ou leucorréia.
Apesar de as mulheres não terem conhecimento de antecedente pessoal de DST e de não correlacionarem o corrimento vaginal a essas infecções, quando lhes foi perguntado a respeito da atitude que tomariam frente à possibilidade de estarem com uma DST, praticamente a totalidade das mulheres respondeu que procuraria um médico no próprio Centro de Saúde ou em um hospital, e mais de 84% delas o fariam por confiança no médico.
Esse resultado evidencia que nossa população mais carente confia no médico e nele busca, além de tratamento, a informação. Da mesma forma, mostra que existe confiança e procura da rede básica de saúde. Em um momento no qual os médicos se sentem acuados pelos processos de erro médico, vê-se que a realidade no Brasil ainda não é essa, ao menos por parte das mulheres entrevistadas.
Quando foi analisado o conhecimento acerca da camisinha, mais de 90% das mulheres relataram já ter visto um preservativo alguma vez, e mais de três quartos dessa população o relacionou como fator de proteção de doenças e/ou AIDS. As mulheres sabem para que serve a camisinha e, apesar de conhecerem sua principal função - a de evitar doenças - possivelmente pela informação dada pela mídia, seu antecedente de uso e o uso atual é baixo, afora que, quando o utilizam, referem a contracepção como justificativa. Isto denota, mais uma vez, que as mulheres sentem-se seguras e não vulneráveis a adquirir doenças, ou que sentem o risco muito distante delas.
Observa-se ainda que a inabilidade da mulher em proteger-se existe em decorrência de seu déficit cultural e econômico. Há muito se tem descrito e avaliado o papel de dominação da mulher como intimamente relacionado com a definição social dos papéis masculino e feminino, e como espelho da relação de poder entre os sexos. Mulheres em todo o mundo, muitas vezes têm dificuldade ou não podem pedir o uso da camisinha, conquanto sabendo que o parceiro é HIV positivo, como destacado por De Cock et al. (1994). Além de perceber sua vulnerabilidade, a mulher deve ainda desenvolver a habilidade em conversar e negociar o uso da camisinha com o parceiro.
Apesar de a metade de todas as mulheres entrevistadas já ter utilizado a camisinha várias vezes e também referir baixa freqüência de ruptura, menos de 20% delas utilizam-na de vez em quando e menos de 8% relataram seu uso consistente. Mais de 70% não a utilizavam.
Essa percepção errônea de não ser vulnerável é importante no âmbito da saúde coletiva. Em especial, os indivíduos jovens - que, provavelmente, exercitarão a sexualidade com maior número de parceiros antes da idade madura - devem ser sensibilizados quanto à prevenção de doenças. Segundo o CDC (1998), os adolescentes que apresentam maior risco para as DST são os homens que fazem sexo com homens, os heterossexuais sexualmente ativos, os que consultam com alguma DST e os usuários de drogas injetáveis. Esse aumento de risco é atribuído a terem freqüentemente relações desprotegidas, serem biologicamente mais suscetíveis às infecções e apresentarem inúmeros obstáculos para utilizar os serviços de saúde. Muitas vezes, a oportunidade de realizar a verdadeira prevenção primária será do profissional do Centro de Saúde que, ao receber esses adolescentes, os ajudará a desenvolver comportamentos sexuais saudáveis e a prevenir outros, que possam comprometer sua saúde sexual.
Além dos jovens e adolescentes, também as mulheres com parceiro fixo, sejam casadas ou não, não se sentem vulneráveis a adquirir qualquer infecção, por sentirem distante o risco de contrair DST e AIDS.
Em estudo realizado por Silva (1996) entre 201 mulheres infectadas pelo HIV através de contato heterossexual, metade delas afirmou ter parceiro único e fixo, além de muitas delas terem referido nada saber a respeito dos antecedentes ou das práticas sexuais de seus parceiros.
Pode-se supor que, para a população de mulheres entrevistadas, o uso da camisinha em si é fácil, já que a maioria das mulheres afirmou saber como vesti-la, contra 7% que disseram ter alguma dificuldade para fazê-lo. Apesar disso, das mulheres que o utilizavam, 10% contaram que estavam usando camisinha naquele momento, das quais 2,4% com o objetivo de evitar doenças e 8,8% para evitar gravidez. Entre as justificativas para o não uso, 27% delas responderam que por estarem grávidas, 11% em razão de terem parceiro fixo e 19% por estarem usando outro método anticoncepcional.
No entanto, nenhuma dessas condições diminui a vulnerabilidade da mulher a contrair doenças. Pelo contrário, no período da gravidez, a diminuição da imunidade da mulher, a mudança do pH vaginal e a maior freqüência de ectopia cervical e monilíase vaginal aumentam a fragilidade da mucosa vaginal. O fato de ter parceiro fixo não tem sido fator de proteção para inúmeras mulheres casadas com AIDS. Entre todos os métodos de contracepção, ainda hoje, os únicos que conferem proteção contra as DST e o vírus HIV são a camisinha masculino e o feminino.
Nesta amostra, mais de 93% das mulheres não haviam tido outro parceiro sexual no último ano. Não é difícil pensar que a transmissão heterossexual às mulheres possa se fazer através de parceiros que utilizem drogas injetáveis, que mantenham relacionamento com outras parceiras, com mulheres trabalhadoras do sexo, ou, ainda, por meio de parceiros que, em razão do preconceito social, escondam relacionamentos homossexuais.
A idéia de que o comportamento das mulheres com múltiplos parceiros é de maior risco para contrair DST e AIDS é verdadeira. Entretanto, é preciso lembrar de que basta um único parceiro usuário de drogas com seringa compartilhada ou um parceiro que exerça comportamento sexual de risco ou sexo não seguro para aumentar o risco de doenças das mulheres monogâmicas.
Em estudos com homens, as altas taxas daqueles que mantêm relações sexuais com mulheres trabalhadoras do sexo, bem como a baixa freqüência no uso da camisinha, têm sido apontadas como fatores de aumento de risco para suas esposas ou parceiras fixas, como em Daly et al. (1994), Bassett et al. (1996), Siraprapasiri et al. (1996) e Nagachinta et al. (1997).
Mais de 96% das mulheres referiram ter informações a respeito das DST já antes do estudo, a grande maioria por intermédio da televisão. A escola, os pais e os profissionais de saúde constituíram fonte de informação para proporção pequena de mulheres. Observou-se que a população aprendeu muito pelos meios de comunicação e pouco por intermédio dos médicos e profissionais de saúde. Contudo, quando foram colocadas perguntas referentes à credibilidade, o médico continuou sendo a fonte da qual a população gostaria de receber informações sobre DST/AIDS. Assim, esse profissional deveria desempenhar papel expressivo nesse processo de educação e informação com respeito à epidemia, agindo de modo continuado e discutindo com cada paciente a questão da AIDS.
As fontes de informação, mídia, escola, profissionais de saúde e familiares, deveriam ser integradas. O fato de existir divulgação ampla pela mídia - em particular, mediante a televisão - favorece que se discuta, inclusive durante a consulta médica, com menos tabus e menos medo, a transmissão de doenças via sexual.
Um esforço de educação para a prevenção das DST necessita ser realizado por todos os profissionais de saúde, estejam estes inseridos na atenção primária ou em uma especialidade, em qualquer local de atividade, setor público ou privado. O resultado dessa ação preventiva pode ser visto não somente no que diz respeito à atitude do indivíduo consultado, pois é preciso lembrar que a informação acerca das DST e da AIDS dada pelo médico a qualquer pessoa talvez não consiga desencadear nela o poder de mudança no próprio comportamento sexual ou no de seu parceiro. Entretanto, essa mulher ou esse homem, em seus papéis sociais de mãe, pai, avós e tios, serão estimulados certamente a falar com seus jovens filhos, netos e sobrinhos acerca do risco da AIDS, e isso é prevenção para o futuro.
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