ARTIGO ARTICLE

 

Padrão de comportamento relacionado às práticas sexuais e ao uso de drogas de adolescentes do sexo feminino residentes em Vitória, Espírito Santo, Brasil, 2002

 

Behavior patterns related to sexual practices and drug use among female adolescents in Vitória, Espírito Santo, Brazil, 2002

 

 

Angélica Espinosa MirandaI, II; Angela Maria Jourdan GadelhaII; Célia Landmann SzwarcwaldIII

INúcleo de Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil
IIEscola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
IIICentro de Informação Científica e Tecnológica, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Adolescentes constituem um subgrupo populacional vulnerável às doenças sexualmente transmissíveis (DST). O objetivo foi descrever o padrão de comportamento de adolescentes do sexo feminino, de 15 a 19 anos, relacionado às práticas sexuais e uso de drogas, residentes na região de Maruípe em Vitória, Brasil, assistida pelo Programa Saúde da Família. Foi realizado um estudo descritivo, de março a junho de 2002, aplicadas entrevistas face a face e coletada uma amostra de urina para realização de teste para Chlamydia trachomatis. Durante o estudo, 464 adolescentes foram incluídas, 69,0% das adolescentes já tinham iniciado vida sexual; 12,8% relataram história de DST; 14,0% o uso de alguma droga ilícita e 3,7% história de prostituição. Somente 23,4% relataram uso regular de preservativos apesar de mais de 90,0% ter relatado acesso às informações sobre riscos e prevenção de DST/AIDS. A história de gravidez foi relatada por 31,6% das adolescentes e a realização prévia do teste HIV foi relatada por 17,0%. Apesar de terem conhecimento das formas de transmissão das DST/AIDS, as adolescentes não se previnem adequadamente. Os resultados mostram a necessidade de ações preventivas, incluindo, entre outras, testes de rotina para detecção de DST e programas de redução de riscos.

Adolescente; Doenças Sexualmente Transmissíveis; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Comportamento Sexual


ABSTRACT 

Adolescents are a vulnerable group for sexually transmitted diseases (STDs). The goal of this study was to describe behavior patterns among female adolescents (15-19 years) in relation to sexual practices and drug use in an area covered by the Health Family Program in Vitória, capital city of Espírito Santo State, Brazil. A descriptive study from March to June 2002 was performed. A face-to-face interview was conducted and urine samples were collected for the Chlamydia trachomatis LCx test. A total of 464 adolescents were included in the study. Sixty-nine percent were already sexually active; 12.8% reported previous STDs, 14% illicit drug use, and 3.7% a history of prostitution. Only 23.4% reported regular condom use, although more than 90% had received information on STD/AIDS risks and prevention. History of pregnancy was reported by 31.6% of the adolescents, and a previous HIV test by 17%. Although they reported receiving information on STD/AIDS, they were failing to take adequate self-protective measures. The results highlight the need for preventive measures, including STD screening and risk-reduction programs.

Adolescent; Sexually Transmitted Diseases; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Sexual Behaviour


 

 

Introdução

A adolescência é um conceito moderno que significa o período de vida iniciado na puberdade, e que acaba quando o jovem entra no que, culturalmente, se considera a idade adulta (maturidade social e/ou independência econômica). É durante a fase da adolescência que o indivíduo se desenvolve física e emocionalmente, se inicia sexualmente, e adota comportamentos, influenciado pelo meio sócio-ambiental 1.

Entretanto, para facilitar os estudos dirigidos, especificamente, à adolescência, a definição proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é baseada apenas na faixa etária estabelecendo que adolescente é toda pessoa com idade entre 10 e 19 anos 2. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente 3, lei brasileira que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, adolescente é toda pessoa entre 12 e 18 anos. Recentemente, diversos autores têm recomendado a inclusão do grupo de 20 a 24 anos de idade, pela semelhança no perfil de morbi-mortalidade 4.

Atualmente, 1,7 bilhões de pessoas (mais do que a quarta parte dos habitantes do planeta) encontram-se na faixa etária de 10 a 24 anos, sendo que 86,0% dos indivíduos deste grupo etário habitam em países em desenvolvimento 5. Esta geração atual de jovens é a mais educada e a mais urbana da história. Todavia, ao mesmo tempo em que a urbanização tem aumentado o acesso à educação e aos serviços de saúde, os adolescentes são mais expostos aos riscos do uso de drogas lícitas e ilícitas, à violência e às infecções de transmissão sexual, incluindo o HIV/AIDS 2.

No que se refere à saúde da adolescente em particular, conforma-se, atualmente, um quadro de saúde em que ganham relevância os aspectos relacionados à sexualidade, em adição àqueles relativos à concepção, à gravidez e ao parto 6. Entre as jovens do sexo feminino de 15 a 19 anos, as complicações relacionadas à gravidez, ao parto e aos abortos em condições de risco são a principal causa de morte em muitas partes do mundo. Por outro lado, não podemos deixar de citar as taxas elevadas de infecções sexualmente transmissíveis, incluindo a infecção pelo HIV 7.

Após o advento da infecção pelo HIV, o controle das doenças sexualmente transmissíveis (DST) começou a ser considerado prioritário, pois foi visto que a prevenção e o controle dessas infecções representam oportunidades únicas de melhorar a saúde reprodutiva da mulher 8,9. Tanto na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento em 1994, como em sua revisão no ano de 1999, os participantes consideraram as adolescentes como um grupo especialmente vulnerável, comprometendo-se a fornecer subsídios para a formação e implementação de serviços em saúde sexual e reprodutiva, de boa qualidade, específicos para adolescentes 5.

O objetivo deste estudo é descrever o comportamento sexual de risco em relação às infecções sexualmente transmissíveis de adolescentes brasileiras, residentes em uma área de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, assistida pelo Programa Saúde da Família (PSF), com a finalidade de elaborar estratégias de prevenção e assistência direcionadas a esta população.

 

Metodologia

Foi realizado um estudo por amostragem nos bairros da região de Maruípe, em Vitória, onde o PSF já estava implantado, e que dispunham de uma lista completa dos domicílios. As micro-regiões incluídas foram: Consolação, Gilson Santos e Andorinhas.

Constituição da amostra

Adolescentes do sexo feminino, de 15 a 19 anos, que habitavam nas regiões descritas acima. A lista de adolescentes foi obtida através do cadastro, feito pelo PSF, de todas as jovens desta faixa etária, que eram residentes nas regiões citadas. Com base neste cadastro, identificaram-se 3.367 adolescentes e se procedeu a uma seleção aleatória simples das adolescentes que participaram do estudo.

O tamanho da amostra foi calculado com base na estimação da prevalência da infecção por Chlamydia trachomatis em adolescentes do sexo feminino, com um intervalo de confiança de 95,0%. Dado que no estudo piloto a prevalência observada foi de 11,4%, entre as sexualmente ativas, considerando-se um erro bilateral de 3,0%, o tamanho da amostra foi calculado em 357 mulheres. Levando-se em consideração que, aproximadamente, 30,0% das adolescentes nesta faixa etária não têm atividade sexual 10, o tamanho final da amostra foi de 464 adolescentes.

O período de coleta de dados ocorreu em quatro meses, de março a junho de 2002, sendo realizado por cinco entrevistadoras, enfermeiras do PSF, treinadas para tal.

Questionário

O questionário utilizado foi baseado em outro da ACSJ (Analyse des Comportements Sexuels des Jeunes) 11 e validado no estudo piloto. O instrumento continha dados sócio-demográficos (idade, escolaridade, religião, profissão, estado civil e dados sobre a família); dados clínicos (sintomas DST, contracepção, gravidez e abortos); sexuais (carícias, beijos, relações não-sexuais, primeira relação sexual); sobre comportamentos de risco (uso de preservativos, número de parceiros sexuais, prostituição, uso de álcool e drogas, transfusão de sangue) para infecção pelo HIV e outras DST e conhecimentos sobre contracepção. Todas as perguntas contidas no questionário eram fechadas.

Testes laboratoriais

Foi coletada uma amostra de 10ml de urina para realização de testes de biologia molecular — LCx, laboratórios ABBOTT para Chlamydia. Os testes LCx usam a tecnologia de amplificação da Reação em Cadeia da Ligase (LCR — ligase chain reaction) no sistema de sonda LCx para detecção direta e qualitativa do plamídio DNA da C. trachomatis e Neisseria gonorrhoea. Pode ser usado para detecção de amostras de secreção uretrais e endocervicais e amostra de primeiro jato de urina. Os testes foram realizados no Núcleo de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Espírito Santo.

Análise dos dados

Todas as informações foram codificadas e armazenadas anonimamente em um banco de dados criado para este fim. Foi utilizado o programa estatístico SPSS, versão 9.0.

No presente estudo, foram considerados os seguintes aspectos: dados sócio-demográficos; experiência de violência familiar; comportamento sexual; uso de drogas lícitas e ilícitas; uso e negociação do uso de preservativo masculino; conhecimento sobre formas de transmissão do HIV. Os resultados dos testes laboratoriais, presença de infecções sexualmente transmissíveis e demais aspectos comportamentais serão objeto de estudo posterior.

A análise estatística consistiu na utilização de métodos descritivos e no uso de testes c2 de associação entre variáveis.

Aspectos éticos

Este projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz. Agentes de saúde foram às residências fazer o convite às adolescentes selecionadas e pediram autorização, por escrito, aos pais para que elas participassem do projeto. Os pais foram convidados a comparecer à unidade para esclarecimento de qualquer dúvida ou para maiores explicações. Todas as adolescentes selecionadas foram convidadas a participar do estudo em caráter voluntário. Aquelas que aceitaram participar, assinaram um termo de consentimento escrito após receber as informações sobre o projeto. Elas receberam tratamento, de acordo com as normas do Manual de Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, para as infecções diagnosticadas 12.

 

Resultados

Todas as adolescentes selecionadas no processo de amostragem aceitaram participar do estudo. Do total de 464 participantes, apenas três se recusaram a coletar a amostra de urina para realização dos testes diagnósticos, participando somente da entrevista. O índice de resposta foi, portanto, de 99,4%.

As características sócio-demográficas encontram-se descritas na Tabela 1. A média de idade das participantes foi de 17 anos e a distribuição por ano de idade, entre 15 e 19 anos, foi, praticamente, uniforme. A média do número de anos completos de estudo foi de 9 anos, sendo que nenhuma adolescente era analfabeta e 27,1% das participantes completaram, pelo menos, o ensino médio. No que diz respeito ao uso regular de bebida alcoólica, 27,4% das participantes revelaram consumir, pelo menos, uma vez por semana. Em relação ao fumo, 10,3% fumam regularmente. Quanto às drogas ilícitas, 9,7% relataram uso de maconha e 1,9% o uso de drogas injetáveis, sendo que 14,0% responderam que utilizaram, pelo menos, uma droga ilícita.

 

 

Na Tabela 2, observa-se o relato de violência doméstica, analisada segundo o nível de renda familiar. Primeiramente, percebe-se que 36,7% das adolescentes relataram algum tipo de violência na família (devido a problemas de alcoolismo, brigas entre o casal ou entre os filhos). Este percentual foi superior a 40,0% entre as adolescentes com renda familiar até 1,9 salários mínimos. Considerando a violência com parceiro sexual, 27,2% das adolescentes com parceiro sexual relataram algum tipo de violência, sendo que o menor percentual ocorreu entre as adolescentes de maior renda familiar (18,8%). Em segundo lugar, percebe-se que 20,4% das adolescentes relataram violência familiar e violência com parceiro sexual, enquanto 56,6% não relataram nenhum tipo de violência, percentual este que variou de 53,8% a 58,9%, da mais baixa até a mais alta categoria de renda.

 

 

O acesso às informações sobre sexualidade, contracepção, DST e AIDS e características do comportamento sexual das adolescentes estão descritos na Tabela 3. Apesar de mais de 90,0% ter relatado acesso às informações sobre riscos e prevenção de DST/AIDS, a presença de história de DST ocorreu em 12,8% da amostra. Destaca-se ainda que 31,6% já haviam engravidado, com 23,8% destas relatando aborto provocado. Apenas 23,4% das adolescentes relataram uso regular de preservativo em todas as relações sexuais, enquanto 34,7% declararam usarem raramente ou nunca.

 

 

Na Tabela 4, encontram-se os relatos sobre as percepções em relação ao uso do preservativo de acordo com o grau de escolaridade. Observa-se que cerca de 28,0% acha que não é fácil propor ao parceiro o uso de preservativo, independentemente do grau de escolaridade. Diferenças maiores por grau de instrução foram encontradas nas proporções de adolescentes que relataram que o pedido de uso de preservativo pelo parceiro demonstra falta de confiança (34,0% para ensino fundamental e 19,0% para ensino médio).

Em relação ao uso de preservativo, tanto na primeira, na última relação sexual e na freqüência de uso, a proporção foi significativamente maior entre as de melhor escolaridade (p < 5,0%). Da mesma forma, o pedido de uso pelo parceiro como o fato de querer usar também foram relativamente mais freqüentes entre as adolescentes de maior grau de instrução. Entretanto, independentemente do grau de escolaridade, proporção elevada foi encontrada (cerca de 45,0%) de jovens que tiveram relação sexual sem preservativo, apesar de terem demonstrado vontade de usar.

Na Tabela 5, apresenta-se a associação entre o conhecimento sobre as formas de transmissão e o uso de preservativo na última relação sexual. Primeiramente, observa-se que a maior proporção de acertos foi relativa à transmissão por via sexual (94,4%), enquanto a menor correspondeu à doação de sangue (36,0%). Em segundo lugar, percebe-se que aquelas que já tiveram relação sexual mas não usaram preservativo na última relação têm, em geral, menor grau de conhecimento. Entre as entrevistadas, 11,0% responderam que namorariam uma pessoa infectada pelo HIV, 77,6% têm conhecimento que há pessoas infectadas e que não sabem de sua situação, e aproximadamente, 46,0% têm medo de se infectarem.

 

Discussão

No presente estudo, foram analisadas adolescentes do sexo feminino, na faixa etária de 15 a 19 anos, residentes em uma região de Vitória assistida pelo PSF, segundo o padrão de comportamento. A taxa de participação no estudo foi muito alta, quase 100,0%.

Tendo em vista que o trabalho com adolescentes torna necessária a autorização dos pais pelo Código de Ética em Pesquisa 13, projetos que abordam a sexualidade enfrentam, freqüentemente, dificuldades pois não é fácil propor, discutir e garantir o sigilo às adolescentes. Este aspecto consumiu grande tempo do projeto (quatro meses aproximadamente) em reuniões com os pais e as adolescentes, em conjunto e em separado, para garantir a confidencialidade e a importância da adesão. Apesar do tempo consumido, a experiência foi proveitosa porque mostrou ser possível, com muito diálogo e negociação, conquistar a confiança das participantes, permitindo obter as informações das adolescentes com a mínima interferência dos pais.

As características sócio-demográficas das adolescentes incluídas no estudo refletem as características de todas adolescentes assistidas pelo PSF em Maruípe, região de saúde do Município de Vitória que é constituída por bairros de classe média baixa e baixa mas com acesso a escolas e aos serviços públicos de saúde, e que, na sua maioria, têm grau médio de escolaridade.

As drogas lícitas e ilícitas investigadas foram o cigarro, o álcool, a maconha, os medicamentos psicotrópicos, o crack, a cocaína inalatória e drogas injetáveis. A entrevista foi face a face, o que pode ter gerado uma subestimação dos resultados devido ao preconceito e ao temor das adolescentes em responder questões nesta área do comportamento. Adicionalmente, a amostra tem a peculiaridade de ter grau de escolaridade e renda familiar média superior à da população brasileira. Mas, feitas estas ressalvas, os resultados obtidos demonstraram estar em concordância com os dados resultantes da pesquisa sobre Comportamento Sexual da População Brasileira e Percepções do HIV/AIDS 10 onde 16,3% dos adolescentes, de 16 a 19 anos, declararam já ter utilizado algum tipo de droga. Da mesma forma, dados do último levantamento realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) entre crianças e adolescentes, escolarizados em 1997, relatam que as drogas lícitas e ilícitas são usadas rotineiramente por 15,0% dos escolares 14. No presente estudo, o percentual encontrado foi de 14,0%.

A história de violência — familiar ou causada pelo parceiro sexual — foi relatada freqüentemente neste estudo: 33,8% relataram alguma forma de violência familiar e 27,2% violência por parte do parceiro sexual. Um dado relevante foi a associação entre violência familiar e violência com o parceiro, já que, entre as que relataram algum tipo de violência familiar, a violência provocada pelo parceiro era mais prevalente.

Os efeitos da violência doméstica, sexual e racial, entre as mulheres, sobre a saúde física e mental têm sido evidenciados em outros trabalhos (Rufino A; 1999, comunicação pessoal). Em relação às crianças e adolescentes, Roque & Ferriani 15 apresentaram um estudo sobre a violência, conduzido no Fórum da cidade de Jardinópolis em São Paulo, com análise sob o ponto de vista jurídico. Os resultados mostraram que a violência doméstica está associada com a falta de estrutura familiar, condições econômicas e sociais precárias, casamentos instáveis, problemas mentais, alcoolismo e a falta de políticas sociais para controlar a situação.

Neste estudo, 69,0% das participantes relataram já ter iniciado atividade sexual, mas somente 23,0% faziam uso regular de preservativo. Apesar do acesso às informações sobre sexualidade, contracepção e DST/AIDS, a proporção de uso regular de preservativos foi baixa e as proporções de história de gravidez e DST foram elevadas. Estes dados estão em concordância com os resultados da pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) que indicam que, atualmente, os adolescentes têm a primeira relação sexual mais precocemente que as gerações anteriores, mas os níveis de conhecimento sobre as DST/AIDS não alteram o comportamento sexual de risco.

O presente estudo mostrou o papel do grau de escolaridade como variável explicativa das diferenças referentes às práticas sexuais de risco das adolescentes do sexo feminino. As jovens com maior grau de escolaridade relataram uso mais freqüente de preservativo, seja na última ou na primeira relação sexual, ou quando se trata de uso regular. Estes resultados foram semelhantes aos encontrados em estudo com adolescentes do sexo masculino, mediante pesquisa com conscritos do Exército do Brasil. Os jovens com primeiro grau incompleto iniciam mais precocemente o relacionamento sexual, têm uma freqüência maior de atividade sexual, um número maior de parceiros casuais, uma menor freqüência de utilização do preservativo, o que implica em piores índices de comportamento sexual de risco 16. Estudos realizados nos Estados Unidos mostram também que, neste país, a utilização do preservativo entre as adolescentes não é uma prática corrente apesar do conhecimento sobre o método e sobre sua importância na prevenção das DST 17,18. Dados de estudos europeus, por outro lado, mostram freqüência bem maior de uso de preservativo. Estudo realizado em Nantes (França) mostrou que 75,0% das jovens que participaram no estudo utilizaram algum método contraceptivo durante a primeira relação sexual e que o preservativo foi o método mais usado para evitar contracepção 19.

Neste estudo, foi encontrado alto percentual de gravidez na adolescência (32,0%) e, apesar da ilegalidade na lei brasileira, uma alta freqüência de aborto provocado. A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) 20, realizada em 1996, encontrou uma proporção menos elevada (18,0%) de adolescentes que já haviam engravidado pelo menos uma vez.

Em relação às percepções entre o uso do preservativo e o conhecimento sobre as formas de transmissão do vírus da AIDS, foi observado que, independentemente do grau de escolaridade, do conhecimento sobre as formas de transmissão e da percepção quanto à susceptibilidade à infecção, ainda há ressalvas quanto ao uso do preservativo de forma generalizada. Apesar do maior percentual de adolescentes que relatou uso de preservativo na primeira e na última relação sexual entre as jovens com maior instrução, não houve diferença entre os dois grupos, quando a falta de uso foi motivada pela recusa do parceiro. Quando são observadas as respostas obtidas sobre as formas de transmissão da AIDS, percebe-se que o percentual de acerto é alto em relação à transmissão sexual (94,4%), ao compartilhamento de seringas entre UDI (94,2%) e à transfusão de sangue (89,2%) mas baixo em relação à doação de sangue (36,0%), categoria esta que ainda gera muitas dúvidas no momento da resposta. Estes dados estão de acordo com os resultados da pesquisa com jovens do Exército Brasileiro em 1997, que também encontrou um alto percentual de acertos em relação à transmissão sangüínea e um baixo percentual em relação à doação de sangue 21, e com a PNDS 22, que também encontrou resultados semelhantes. Estes dados demonstram que, apesar do conhecimento sobre as formas de transmissão do HIV não ser suficiente para alterar significativamente o comportamento de risco, as estratégias para a ampliação do conhecimento relacionado ao HIV/ AIDS não devem ser negligenciadas, uma vez que este seria o primeiro passo na direção da percepção correta do risco à infecção pelo HIV.

Os resultados aqui encontrados mostram a importância de implementação de serviços de aconselhamento e assistência à saúde reprodutiva, que sejam dirigidos, especificamente, a este subgrupo populacional. Apesar da urgente necessidade de melhorar o nível de consciência pública, as barreiras culturais e institucionais dificultam programas de educação dos adolescentes em relação ao comportamento sexual de risco bem como quanto ao uso de drogas 22. Alguns pais e educadores ainda expressam sua preocupação sobre a possibilidade das informações desses assuntos estimularem a atividade sexual entre os adolescentes. Entretanto, um estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas sobre HIV/AIDS 23 mostrou que atividades educativas sobre HIV/AIDS e saúde sexual promovem condutas sexuais mais saudáveis sem aumentar o índice de atividade sexual, além de proteger contra as doenças sexualmente transmissíveis.

Os programas educacionais direcionados aos adolescentes devem incluir alguns elementos-chave para obterem êxito: uma programação planejada, controle regular, abordagem de questões específicas deste grupo populacional e prevenção e assistência às infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV. Os programas devem ser abrangentes, compreendendo tanto os adolescentes como os pais e educadores 5,7.

A prevenção da infecção pelo HIV e de outras DST baseada no desenvolvimento de estratégias de redução do número de parceiros e no incentivo a relacionamentos responsáveis tem se mostrado eficaz para adolescentes 24. Como evidenciado neste estudo, o conhecimento sobre os meios de transmissão das DST e dos métodos contraceptivos não é suficiente para ajudar na proteção; os adolescentes precisam aprender a identificar uma situação de risco, compreender sua vulnerabilidade, conhecer as alternativas que eles possuem para se proteger, decidir qual alternativa é melhor para cada situação e para seus valores pessoais, diante da conscientização do risco e dimensionamento das conseqüências posteriores 7,25.

Outro aspecto importante a ser enfatizado é que a introdução de métodos mais eficazes de abordagem das DST não será, em si, eficaz no controle dessas doenças, caso os adolescentes continuem sem acesso aos medicamentos e ao apoio prático e emocional necessários para a prevenção e o tratamento. Tendo em vista que esta população é assistida pelo PSF, é necessário estabelecer estratégias conjuntas com a participação da família, dos educadores e dos profissionais de saúde para obter maior êxito no controle das DST.

 

Colaboradores

A. E. Miranda contribuiu para a concepção, planejamento, análise e interpretação dos dados; na elaboração do rascunho e na revisão crítica do conteúdo; e da aprovação da versão final do manuscrito. A. J. Gadelha contribuiu para a concepção e planejamento dos dados e na elaboração do rascunho do manuscrito. C. L. Szwarcwald contribuiu para a análise e interpretação dos dados; na elaboração do rascunho e na revisão crítica do conteúdo; e da aprovação da versão final do manuscrito.

 

Agradecimentos

Agradecemos ao Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia do Município de Vitória (FACITEC) e ao Ministério da Saúde (PN-DST/AIDS — UNESCO: Projeto 914 BRA, 5º termo aditivo acordo Brasil-França) pelo suporte financeiro.

 

Referências

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Endereço para correspondência
A. E. Miranda
Núcleo de Doenças Infecciosas, Universidade Federal do Espírito Santo
Av. Marechal Campos 1468
Vitória, ES 29040-090, Brasil
espinosa@ndi.ufes.br

Recebido em 02/Dez/2003
Versão final reapresentada em 15/Jun/2004
Aprovado em 10/Ago/2004

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br