Agradecemos os muito bem-vindos comentários empreendidos pelos pesquisadores reunidos por CSP - Carmen Fontes Teixeira, Elizabeth Artmann, Marilia Cristina Prado Louvison, Telma Maria Gonçalves Menicucci, Carlos Antonio Brandão e Eduardo Fagnani - um grupo diversificado, com formações e inserções institucionais diversas, o que colabora, de forma inequívoca, para que os leitores tenham, ao final da leitura dos textos, um conjunto de apuradas reflexões sobre o tema das transformações do território e suas implicações para a política de saúde e para o contexto das desigualdades socioespaciais no Brasil. Tema caro aos preceitos da Constituição Federal de 1988, que coloca o combate às desigualdades regionais, com base no desenvolvimento regional, como compromisso do Estado brasileiro.
São inúmeras as contribuições dos comentaristas sobre os percalços do processo de implantação de uma política voltada para a diminuição das desigualdades em saúde e que subsidie a consolidação de um sistema que responda, tanto às determinações da universalidade quanto ao respeito às especificidades regionais e locais. Da mesma forma, são diversos os aportes que se debruçam em levantar razões - vistas num período longo ou ressaltando um (atordoante) momento conjuntural - para o não compromisso com o aprofundamento das políticas públicas sistêmicas, universais, coordenadas e cooperativas (como é o caso do SUS).
Por isso mesmo, é impossível debater pontualmente com todas as questões sugeridas, pelo fato de que implica, não apenas a produção de outro(s) artigo(s), como a realização de novas pesquisas e um novo ciclo de reflexões. Portanto, avaliamos ser mais coerente permanecer na amplitude colocada pelo conjunto da discussão, nos remetendo às questões transversais que perpassam todos os comentários - embora, com diferentes vieses - e que são pertinentes aos argumentos de fundo do texto-debate.
É relevante reafirmar que o fenômeno regional conforma um processo amplo que envolve a combinação de distintas dimensões: política, institucional, econômica, cultural e natural. Ademais, por ser influenciado pela complexidade dos antigos e renovados fluxos internacionais e nacionais, cria um mosaico de largo espectro e diferenciação territorial. Desse modo, analisar a escala regional demanda identificar os processos inerentes à globalização. Tendo em vista esse acelerado período de transformações, a região, ao ser tomada em uma escala mais local, ainda parece ser provida de continuidade. Atualmente, entretanto, a alta fragmentação da região e a descontinuidade das suas extensões requerem uma interpelação conforme escalas territoriais diferenciadas, para assimilar, em um determinado espaço de tempo, os fenômenos analisados 11. Viana AL'A, Ferreira MP, Cutrim MA, Fusaro ER, Souza MR, Mourão L, et al. O processo de regionalização no Brasil: influência das dimensões Política, Estrutura e Organização. Rev Bras Saúde Mater Infant 2017; 17 Suppl 1:S27-S43..
Mostra-se pertinente pontuar tal compreensão ampla do fenômeno regional para que seja possível avançar para o cenário brasileiro perante os processos de reconfigurações territoriais na fase recente da globalização, predominantemente neoliberal.
Algumas observações breves e pontuais podem ser realizadas observando-se o processo de reescalonamento neoliberal no Brasil, que não foge de um padrão histórico de forte concentração territorial, e a criação de novos tipos subordinados à lógica da globalização ou estritamente induzidos pela globalização.
Na recente configuração espacial brasileira, explorada em estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) 22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2008., são as 14 Regiões Ampliadas e 171 Intermediárias, localizadas no Sudeste, Sul e Nordeste, que apresentam o maior número de polos e centros urbanos e, deste modo, o território é mais diversificado, manifesta arranjos urbano-regionais mais complexos e concentra a maior oferta de serviços especializados (de saúde e gerais) 33. Viana AL'A. População, território, saúde e governança setorial: horizontes para os próximos 20 anos. 2019. (Novos Caminhos, 17). http://www.resbr.net.br/novos-caminhos/#.XXfQHvd7lCU.
http://www.resbr.net.br/novos-caminhos/#... . Isso gera fluxos (longos e médios) e riscos de diversas naturezas (clínicos e outros) constantes e regulares para as pessoas, por um lado; por outro, (altos) custos de distintos tipos (transportes, administrativos, de regulação etc.) para os sistemas de provisão de serviços sociais, oriundos desses deslocamentos pelo território em busca de serviços especializados.
Os mapeamentos das regiões ampliadas e intermediárias sinalizam a grande disparidade socioespacial do território brasileiro, incluindo a distribuição da população, os indicadores sociais e de saúde e as atividades econômicas em geral: concentração acentuada da população brasileira nas regiões ampliadas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte (Minas Gerais) e demais faixas litorâneas. Lembramos que essa configuração é resultado da ocupação já consolidada dessas regiões e a relação direta com a disponibilidade dos serviços, atividades produtivas e infraestruturas existentes nessas redes de cidades. Por outro lado, essas regiões consolidadas demonstram crescimento populacional abaixo da média brasileira 33. Viana AL'A. População, território, saúde e governança setorial: horizontes para os próximos 20 anos. 2019. (Novos Caminhos, 17). http://www.resbr.net.br/novos-caminhos/#.XXfQHvd7lCU.
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Em contrapartida, novas regiões dinâmicas têm exibido cenário distinto e de incremento populacional. As pequenas e médias cidades das regiões intermediárias/imediatas no Amazonas, Pará, Roraima e Mato Grosso concentram menor contingente da população, porém, são as áreas que têm apresentado maior crescimento, maiores taxas de natalidade e participação da população jovem, sobretudo daquela com menos de 15 anos. Esse quadro está fortemente relacionado com os movimentos migratórios vinculados à expansão da fronteira agrícola e de outras atividades produtivas nessas regiões, especialmente daquelas associadas às atividades de uso dos recursos naturais lideradas por grandes projetos de empreendimentos hidrelétricos e minerários do país, induzidos inclusive pelo processo de globalização recente 33. Viana AL'A. População, território, saúde e governança setorial: horizontes para os próximos 20 anos. 2019. (Novos Caminhos, 17). http://www.resbr.net.br/novos-caminhos/#.XXfQHvd7lCU.
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O panorama traçado no Brasil aponta para o fato de que o sistema de saúde também reflete as consequências da desintegração entre política social e econômica, e é condicionado pelas lógicas de modernização seletiva e concentrada no território, incentivada pela globalização - quanto mais à margem destes processos um lugar se encontra, maiores são os desafios para a universalização do direito à saúde 44. Iozzi FL, Albuquerque MV. Saúde e desenvolvimento na formação socioespacial brasileira. In: Viana AL'A, Ibañez N, Elias P, organizadores. Saúde, desenvolvimento e território. São Paulo: Editora Hucitec; 2009. p. 60-96.. Nesse sentido, não é possível entender as desigualdades no campo da saúde sem apreender os impactos do fenômeno da globalização nos lugares. É preciso analisar a circulação de capital, pessoas, tecnologias, conhecimentos, bens e serviços. Ou seja, as ações e materialidades no âmbito da saúde são erigidas em relação à intensidade, qualidade e direção desses fluxos.
Os inúmeros arranjos institucionais constituídos ao longo das últimas décadas também não lograram responder de forma efetiva por um planejamento regional integrado - entre o social e o econômico e entre as diferentes políticas do campo social - de forma que o desenho federativo lidere (coordene) e auxilie (coopere) para a produção de políticas públicas voltadas para a diminuição das desigualdades.
Quanto ao argumento da influência da atual conjuntura política e econômica - de uma política fiscal e monetária que não recupera renda, mas aprofunda a depressão - já são claras as evidências em relação a qualquer parâmetro ou indicador de medição das desigualdades sociais e regionais, o profundo abismo que as políticas austeras atuais estão a consolidar.
Porém, num surto de otimismo, achamos que o conjunto dos textos do debate oferece novas sugestões de pesquisa e caminhos de reflexão - necessários para a construção de um novo ajuste entre desenvolvimento e a construção de sociedades menos desiguais e mais democráticas - e, também para a emergência de uma agenda de médio prazo que coloque algumas formulações essenciais em foco, como o combate às desigualdades no Brasil.
- 1Viana AL'A, Ferreira MP, Cutrim MA, Fusaro ER, Souza MR, Mourão L, et al. O processo de regionalização no Brasil: influência das dimensões Política, Estrutura e Organização. Rev Bras Saúde Mater Infant 2017; 17 Suppl 1:S27-S43.
- 2Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2008.
- 3Viana AL'A. População, território, saúde e governança setorial: horizontes para os próximos 20 anos. 2019. (Novos Caminhos, 17). http://www.resbr.net.br/novos-caminhos/#.XXfQHvd7lCU
» http://www.resbr.net.br/novos-caminhos/#.XXfQHvd7lCU - 4Iozzi FL, Albuquerque MV. Saúde e desenvolvimento na formação socioespacial brasileira. In: Viana AL'A, Ibañez N, Elias P, organizadores. Saúde, desenvolvimento e território. São Paulo: Editora Hucitec; 2009. p. 60-96.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
17 Out 2019 - Data do Fascículo
2019
Histórico
- Recebido
23 Ago 2019 - Aceito
28 Ago 2019