Resumos
Diversas fontes de dados têm identificado a labioplastia ou ninfoplastia, dedicada à redução dos pequenos lábios, como uma intervenção estética muito procurada por mulheres e adolescentes brasileiras, sendo que o Brasil é o país que mais faz este tipo de cirurgia. Este ensaio discute como se promove e quem produz a divulgação desta imagem de aumento da demanda e do número de cirurgias realizadas. Está embasado em análise de artigos em periódicos científicos, material de imprensa e outros documentos; e ancorado no cruzamento entre os estudos sociais da ciência e da tecnologia, os estudos de gênero e a antropologia do corpo e da saúde. Por meio deste recorte, analisa como o campo da cirurgia plástica, ou mais precisamente seus representantes mais atuantes na mídia e na produção bibliográfica, pode atuar na criação de determinadas demandas de intervenção, por meio da promoção de normas classificatórias, tecnologias biomédicas e divulgação de resultados com ênfase nos benefícios projetados. Conclui que, apesar da falta de consenso sobre o que seria a hipertrofia dos pequenos lábios, a cirurgia tem sido muito indicada e praticada e contribui para a (re)produção de padrões estritos associados ao gênero feminino e a uma certa noção de “normalidade” corporal. Poucas referências mencionam que a divulgação das técnicas operatórias e mesmo deste tipo de cirurgia no consultório médico seria um fator relevante para entender o fenômeno. Sugere que o papel de médicos/as na promoção desta possibilidade de intervenção estética cirúrgica que, como qualquer prática deste tipo, não é isenta de riscos e efeitos inesperados, precisaria ser alvo de um debate mais aprofundado.
Palavras-chave:
Identidade de Gênero; Cirurgia Plástica; Saúde da Mulher; Antropologia; Sexualidade
Various data sources have identified labiaplasty or nymphoplasty, aimed at the reduction of the labia minora, as an aesthetic intervention in high demand by Brazilian women and adolescents, with Brazil as the world’s leading country in the performance of this surgery. This essay discusses how and by whom the dissemination of this image is promoted and produced, with the increase in demand and in the number of surgeries performed. The study is based on an analysis of scientific journals, press stories, and other documents. The approach employs a cross-analysis of social studies of science and technology, gender studies, and anthropology of the body and health. The article analyzes how the field of plastic surgery, or more precisely its more active representatives in the media and in research output, can act to create certain demands for surgical intervention through the promotion of classificatory norms, biomedical technologies, and the publication of results with emphasis on the projected benefits. Despite the lack of consensus on the definition of hypertrophy of the labia minora, the surgery has been widely indicated and practiced and contributes to the (re)production of narrow standards associated with female gender and a certain notion of the “normal” body. Few references mention that publicizing the surgical technique and even this type of surgery in the physician’s office may be a relevant factor for understanding the phenomenon. The article suggests that the physician’s role in the promotion of this possibility for aesthetic surgical intervention, like any such practice, is not free of risks and unexpected effects and should be the target of a more in-depth debate.
Keywords:
Gender Identity; Plastic Surgery; Women’s Health; Anthropology; Sexuality
Diversas fuentes de datos han identificado la labioplastia o ninfoplastia, dedicada a la reducción de los labios menores, como una intervención estética muy solicitada por mujeres y adolescentes brasileñas, siendo Brasil el país donde más se realiza este tipo de cirugía. Este ensayo discute como se promueve y quién dirige la divulgación de esta imagen de aumento de la demanda y número de cirugías realizadas. Está basado en el análisis de artículos en periódicos científicos, material de prensa y otros documentos; y anclado en el cruce entre los estudios sociales de ciencia y tecnología, estudios de género y antropología del cuerpo y de la salud. Mediante esta reducción, analiza como el campo de la cirugía plástica, o más precisamente sus representantes más activos en los medios y producción bibliográfica, pueden actuar en la creación de determinadas demandas de intervención, mediante la promoción de normas clasificatorias, tecnologías biomédicas y divulgación de resultados con énfasis en los beneficios proyectados. Concluye que, a pesar de la falta de consenso sobre lo que sería la hipertrofia de los labios menores, la cirugía ha sido muy recomendada y practicada, así como que contribuye a la (re)producción de patrones estrictos asociados con el género femenino y a una cierta noción de “normalidad” corporal. Pocas referencias mencionan que la divulgación de las técnicas operatorias, incluidas las de este tipo de cirugía, en el consultorio médico sería un factor relevante para entender el fenómeno. Sugiere que el papel de médicos/as en la promoción de esta posibilidad de intervención estética quirúrgica que, como cualquier práctica de este tipo, no está exenta de riesgos y efectos inesperados, necesitaría ser objeto de un debate más profundo.
Palabras-clave:
Identidad de Género; Cirugía Plástica; Salud de la Mujer; Antropología; Sexualidad
Introdução
A chamada cirurgia estética íntima tem sido apresentada em muitos contextos como “a cirurgia da moda” e o Brasil como “o campeão mundial” na prática deste procedimento. De acordo com os dados mais recentes divulgados pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética em 2020 11. The International Society of Aesthetic Plastic Surgery. ISAPS international survey on aesthetic/cosmetic procedures performed in 2019. https://www.isaps.org/wp-content/uploads/2020/12/global-survey-2019.pdf (acessado em 12/Jul/2021).
https://www.isaps.org/wp-content/uploads... , referentes a procedimentos realizados no ano de 2019, o Brasil é o país campeão no número de procedimentos estéticos cirúrgicos, chegando a um total de 1.493.673 (13,1%) e ultrapassando até mesmo os Estados Unidos, onde se realizaram 1.351.917 (11,09%) intervenções, dentre um total de 11.363.569 efetuados no mundo. Esses dois países ocupam a liderança desse campo há muito tempo e todos os outros países apresentam taxas bem inferiores. Além disso, o Brasil também detém o primeiro lugar no ranking da chamada labioplastia, ninfoplastia, ou cirurgia de redução dos pequenos lábios vaginais. Foram 30.356 (18,43%) em comparação com 12.006 (7,29%) nos Estados Unidos, considerando um total de 164.667 deste tipo de cirurgia realizadas no mundo. Em 2018 haviam sido 18.476 (13,92%) no Brasil, 13.668 (10,3%) nos Estados Unidos, dentre um total de 132.664 em todos os países pesquisados. Além disso, no comparativo entre os anos de 2015 e 2019, a nível mundial, a realização deste procedimento teve um aumento de 73,3%, em contraste, por exemplo, com as cirurgias de aumento de seios, que subiram 20,6%.
Outro dado importante é que 79,2% das labioplastias realizadas no Brasil foram feitas por um/a cirurgião/ã plástico/a. Este é o índice mais alto entre todos os países. Nos Estados Unidos foram apenas 34,5% e no total dos países pesquisados 56,1%. Isso aponta para a predominância dos cirurgiões/ãs plásticos/as, a grande maioria homens, neste tipo de intervenção, especialmente em contraste com os/as ginecologistas, já que são estas as duas especialidades autorizadas a realizar este tipo de procedimento no Brasil. Também conforme a literatura especializada, “a primeira colocada” entre as cirurgias íntimas é a ninfoplastia ou labioplastia, que “visa à correção da hipertrofia dos pequenos lábios vaginais e prepúcio, retirando seu excesso, sem interferir na sua função de proteção da vagina e auxílio na lubrificação genital” 22. Colaneri AGF. Cirurgia íntima: plástica genital feminina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2018. (p. 65). Em virtude dessa predominância dos/as cirurgiões/ãs plásticos/as na realização desta cirurgia e também de sua maior presença em diversos meios de comunicação tratando deste assunto, suas posições serão privilegiadas aqui.
No que se refere ao perfil de mulheres e adolescentes que procuram por tais procedimentos, não há dados oficiais consolidados. Conforme as observações clínicas relatadas em artigos publicados por cirurgiões/ãs plásticos, cujo número total de procedimentos realizados por cada profissional variava entre três e 469, a faixa etária seria muito variada, dos 12 anos aos 70 anos, com a média girando em torno dos 30 anos 33. Rohden F, Silveira Cavalheiro C. Esculpindo corpos e criando normalidades: as cirurgias estéticas íntimas na produção científica da cirurgia plástica In: Rohden F, Pussetti C, Roca A, organizadores. Biotecnologias, transformações corporais e subjetivas: saberes, práticas e desigualdades. Brasília: ABA Publicações; 2021. p. 183-214.. Mas esses dados são muito fragmentados e tampouco há informações sobre raça/etnia, classe social ou escolaridade nesses trabalhos, o que indica o descompasso entre o aumento no número de cirurgias e a parca discussão analítica sobre o assunto. A julgar pelo que é possível identificar também em outras fontes, como pesquisa em redes sociais e matérias na imprensa, como será indicado na sequência do artigo, mulheres jovens, mas de várias idades e origem social e étnica, têm se interessado pelo procedimento. Nos grupos sobre a temática no Facebook, Whatsapp e sites que oferecem serviços de informação sobre cirurgias estéticas, que vêm sendo acompanhados nesta pesquisa, é muito frequente a busca de indicações de médicos/as que ofertem o procedimento por preços mais baixos ou dúvidas sobre a realização via planos de saúde privados ou pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que pode ser tomado como um indicativo da procura em classes sociais menos abastadas.
No sistema público e também nos planos de saúde, seria necessária uma justificativa atrelada à funcionalidade do procedimento. De acordo com a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998 44. Brasil. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial da união 1998; 4 jun., Art. 10º, as seguradoras não são obrigadas a cobrir procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos. Entretanto, alguns planos autorizam a cirurgia, quando as guias de requisição indicam razões de ordem funcional. As participantes mais experientes, em grupos de redes sociais, compartilham a informação de que seria necessária uma indicação médica, referendada em algum desconforto, sofrimento ou disfuncionalidade, e não apenas uma queixa estética, para tentar a realização da cirurgia sem arcar com todos os custos, via planos de saúde ou sistema público. Dessa forma, vai se alimentando um circuito de disponibilização e procura por procedimentos cuja justificativa é bastante questionável. Ao mesmo tempo em que não se percebe um posicionamento mais assertivo por parte de cirurgiões/ãs plásticos acerca dos limites éticos de tal procedimento.
Este ensaio discute como se produz a ideia de que a labioplastia é a “cirurgia da moda”, quais os dados que sustentariam esta afirmação e a própria definição deste tipo de intervenção médica. Tem como ponto de partida o questionamento acerca de como se promove e de quem produz a divulgação desta imagem de aumento da demanda e do número de cirurgias realizadas. Por meio deste recorte, investigo como o campo da cirurgia plástica estética, ou mais precisamente alguns de seus representantes mais atuantes na mídia e na produção bibliográfica, pode atuar diretamente na criação de determinadas demandas de intervenção, por meio da promoção de normas classificatórias, tecnologias biomédicas e divulgação de resultados com ênfase nos benefícios projetados. Espero contribuir para um debate mais amplo acerca do papel e da responsabilidade dos profissionais de saúde na oferta e disponibilização de recursos, nem sempre plenamente ou consensualmente justificados.
Esta discussão está ancorada no cruzamento entre os estudos sociais da ciência e da tecnologia, os estudos de gênero e a antropologia do corpo e da saúde. Parte do princípio de que toda produção científica e médica está profundamente embasada e comprometida com os valores que governam a sociedade na qual se enraízam. Portanto, ao refletirmos acerca de uma determinada produção científica e tecnológica, estamos também problematizando a própria sociedade que lhe dá origem. Nesse sentido, as ponderações feitas aqui especialmente no que se refere ao papel de cirurgiões/ãs plásticos/as no aumento das cirurgias íntimas é também uma análise das normas de gênero, sexualidade, juventude, raça/etnia que estão em constante atualização ou, nas palavras de Butler 55. Butler J. Bodies that matter. New York/London: Routledge; 1993., recitação, por meio dos corpos dos sujeitos.
Na direção do que argumenta Jasanoff 66. Jasanoff S. States of knowledge: the co-production of science and social order. New York: Routledge; 2004., trata-se de um processo de coprodução, no qual o conhecimento e seus vários usos estão inextrincavelmente relacionados com as visões de mundo e pretensões políticas da sociedade na qual se inserem. No caso analisado aqui, uma dimensão particularmente importante diz respeito a como as tecnologias exercem um papel de destaque ao ajudar a estabilizar ou desestabilizar as convenções de gênero. Oudshoorn 77. Oudshoorn N. Astronauts in the sperm world: the renegociation of masculine identities in discourses on male contraceptives. Men Masc 2004; 6:349-67., inspirada na concepção de Butler 55. Butler J. Bodies that matter. New York/London: Routledge; 1993. do gênero como repetição ritualizada de convenções, sinaliza que as tecnologias são fundamentais neste processo, criando novas performances de gênero ou reforçando as já existentes. A partir de seu amplo estudo sobre a responsabilização das mulheres, e não dos homens, pela contracepção, afirma que as tecnologias “não refletem propriedades essencialistas dos corpos, mas são os resultados materializados de negociações, processos de seleção, contingências e escolhas tecnológicas, incorporando valores e práticas social e culturalmente constituídas” 77. Oudshoorn N. Astronauts in the sperm world: the renegociation of masculine identities in discourses on male contraceptives. Men Masc 2004; 6:349-67. (p. 352).
Dessa forma, o crescimento das cirurgias íntimas é abordado pela mobilização de valores, normas ou prescrições que estão completamente imbricados pelas convenções de gênero. É importante ressaltar ainda que, historicamente, as mulheres e os corpos femininos têm sido objeto de uma atenção particular por parte da medicina, especialmente no que se refere ao escrutínio da chamada diferença sexual, com base na anatomia e fisiologia dos órgãos sexuais e reprodutivos, e mesmo à patologização da sexualidade feminina 88. Martin E. The woman in the body. A cultural analysis on reproduction. Boston: Beacon Press; 1992.,99. Rohden F. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2009.,1010. Nurka C. Female genital cosmetic surgery: deviance, desire and the pursuit of perfection. New York: Palgrave Macmillan; 2019.. Assim, têm sido também os principais alvos das intervenções cirúrgicas estéticas, em consonância com padrões sociais de gênero e sexualidade que circunscrevem e promovem normas estritas de feminilidade 1010. Nurka C. Female genital cosmetic surgery: deviance, desire and the pursuit of perfection. New York: Palgrave Macmillan; 2019.,1111. Gilman S. Making the body beautiful: a cultural history of aesthetic surgery. Princeton: Princeton University Press; 1999.,1212. Edmonds A. Pretty modern: beauty, sex and plastic surgery in brazil. Durham: Duke University Press; 2010.,1313. Edmonds A, Sanabria E. Medical borderlands: engineering the body with plastic surgery and hormonal therapies in Brazil. Anthropol Med 2014; 21:202-16.,1414. Jarrín A. The biopolitics of beauty: cosmetic citizenship and affective capital in Brazil. Oakland: University of California Press; 2017.. Em seguida apresento os resultados da investigação em matérias na imprensa, na página da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) 1515. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Missão. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/sbcp/missao/ (acessado em 28/Mai/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/sbcp... e nos artigos publicados na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (http://www.rbcp.org.br/) para, na sequência, tecer algumas considerações finais acerca dos desafios implicados na coprodução do “sucesso” das cirurgias íntimas.
A promoção do “sucesso” da labioplastia
A imagem da labioplastia como cirurgia da moda e suas justificativas aparecem com muita ênfase em qualquer pesquisa que se faça na Internet, utilizando mecanismos de busca por categorias como “cirurgia de redução dos pequenos lábios”, “cirurgia íntima”, “design vaginal”, “ninfoplastia”. Os principais resultados, que se concentram nos últimos cinco anos, se referem a sites, vídeos, reportagens em jornais e revistas de grande circulação e revistas femininas que, em geral, apresentam a opinião de especialistas e alguns depoimentos de mulheres. É muito comum também o material produzido pelos/as próprios/as médicos/as, principalmente cirurgiões/ãs plásticos/as e ginecologistas, seja em suas páginas pessoais profissionais ou perfis em redes sociais, sites de suas clínicas ou em canais no Youtube, nos quais se pode notar vídeos com mais de três milhões de visualizações. Sobre este aspecto, é relevante informar que, conforme o censo da SBCP realizado em 2018 1616. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Censo 2018. Análise comparativa das pesquisas 2014, 2016 e 2018. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/wp-content/uploads/2019/08/Apresentac%CC%A7a%CC%83o-Censo-2018_V3.pdf (acessado em 12/Jul/2021).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/wp-c... , a maioria dos cirurgiões/ãs plásticos usam mídias sociais profissionalmente: 60,2% Instagram, 58,4% Facebook, 55,5% WhatsApp e 10,9% Youtube, entre outras. Ainda segundo este levantamento, os/as cirurgiões/ãs afirmam que 60,9% da sua fonte de renda provém das cirurgias, 12,5% de procedimentos não cirúrgicos, 9,3% de plantões, 7,3% de consultas, 7,1% de atividades médicas assistenciais remuneradas e apenas 2,8% de atividades médicas de ensino e pesquisa.
Para ilustrar este quadro, sem expor os conteúdos diretamente produzidos pelos profissionais na Internet, utilizarei algumas matérias publicadas em variados veículos de imprensa como “revistas femininas” e revistas semanais de grande circulação, o que já indica o alcance do interesse pela temática, que repercutem a questão e trazem os especialistas do campo para se manifestarem. A tônica geral, pelo menos a partir de 2016 em diante, é tratar do aumento na procura pelas cirurgias íntimas, seja enfatizando um maior interesse das mulheres ou o próprio crescimento no número de procedimentos realizados, especialmente no Brasil.
A revista Claudia, já em 2016, anunciava que Em Tempos de ‘Nudes’, Mulheres Procuram as Cirurgias Íntimas para Recuperarem a Autoestima1717. Marinelli I. Em tempos de "nudes", mulheres procuram as cirurgias íntimas para recuperarem a autoestima. Claudia 2016; 23 mar. https://claudia.abril.com.br/saude/em-tempos-de-nudes-mulheres-procuram-as-cirurgias-intimas-para-recuperarem-a-autoestima/.
https://claudia.abril.com.br/saude/em-te... . Conforme a matéria, a prática de enviar fotos trajando nada ou quase nada, cada vez mais popularizada no Brasil, vinha provocando uma onda de insegurança em relação à aparência íntima. Este fator estético seria o principal motivo a levar mulheres e adolescentes a buscarem as cirurgias íntimas, mais um dos procedimentos que tem alçado o Brasil aos primeiros lugares no ranking internacional do número de cirurgias estéticas realizadas. O cirurgião plástico André Colaneri, especialista pela SBCP, é um dos entrevistados e afirma, a respeito da demanda das mulheres pela cirurgia, que cerca de “95% das pacientes procuram por desconforto e constrangimento”, demonstrando como estão insatisfeitas com a estética de região íntima. Segundo a reportagem, o médico atesta que os processos, como diminuição dos pequenos lábios, são simples, “surtem efeitos positivos e têm uma recuperação satisfatória”. Ainda conforme Colaneri 1717. Marinelli I. Em tempos de "nudes", mulheres procuram as cirurgias íntimas para recuperarem a autoestima. Claudia 2016; 23 mar. https://claudia.abril.com.br/saude/em-tempos-de-nudes-mulheres-procuram-as-cirurgias-intimas-para-recuperarem-a-autoestima/.
https://claudia.abril.com.br/saude/em-te... , “muitas pacientes se incomodam que eles ultrapassem os grandes lábios, embora não se trate de uma anormalidade funcional”. O procedimento seria rápido e pacientes operadas na sexta-feira já voltariam a trabalhar depois do final de semana. No leque de intervenções possíveis, ainda se acrescenta que “é possível reduzir o Monte de Vênus, a parte externa superior da vagina, através de uma lipoaspiração, que dura cerca de uma hora; e preencher os lábios exteriores, a fim de diminuir a flacidez e reduzir o excesso de pele da região” 1717. Marinelli I. Em tempos de "nudes", mulheres procuram as cirurgias íntimas para recuperarem a autoestima. Claudia 2016; 23 mar. https://claudia.abril.com.br/saude/em-tempos-de-nudes-mulheres-procuram-as-cirurgias-intimas-para-recuperarem-a-autoestima/.
https://claudia.abril.com.br/saude/em-te... . Já para o ginecologista consultado, Ricardo Luba, membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), seria melhor investir numa orientação adequada ou mesmo em uma segunda opinião médica, antes de proceder a cirurgia. Segundo o médico: “Conheço mulheres de 45, 50 anos que não conhecem bem o próprio corpo. Muitas vezes, as pacientes desistem por causa de uma simples orientação adequada. Alguém que diga: ‘não se preocupe, isso é normal’” 1717. Marinelli I. Em tempos de "nudes", mulheres procuram as cirurgias íntimas para recuperarem a autoestima. Claudia 2016; 23 mar. https://claudia.abril.com.br/saude/em-tempos-de-nudes-mulheres-procuram-as-cirurgias-intimas-para-recuperarem-a-autoestima/.
https://claudia.abril.com.br/saude/em-te... . Para ele, explicações sobre os riscos e mesmo sobre as variações no corpo humano deveriam vir em primeiro lugar. Esta diferenciação entre o tom adotado principalmente entre cirurgiões/ãs plásticos/as e ginecologistas se tornaria algo frequente e é indicativa das variações de posições adotadas no campo; mas não será possível tratar deste contraste no escopo deste ensaio.
No ano seguinte, 2017, a rede BBC (British Broadcasting Corporation) 1818. Como a pornografia tem levado cada vez mais adolescentes a buscar plásticas vaginais. BBC News 2017; 6 jul. https://www.bbc.com/portuguese/geral-40452390.
https://www.bbc.com/portuguese/geral-404... repercutiu no Brasil a matéria originalmente publicada no Reino Unido acerca das cirurgias íntimas entre adolescentes e sua relação com a divulgação de vídeos e fotos na Internet expondo a genitália feminina, frequentemente retocada com tratamentos de imagem. No Reino Unido, entre 2015 e 2016, mais de 200 meninas se submeteram à labioplastia, de acordo com o Serviço Nacional de Saúde (NHS), sendo que 150 delas tinham menos de 15 anos. Já nos Estados Unidos, em 2016, foram 560 procedimentos em menores de idade, de acordo com a Sociedade de Cirurgia Plástica Estética do país. As ginecologistas entrevistadas pela reportagem relatam preocupação com o fato deste ser “o procedimento cirúrgico que mais cresce no mundo” e que entre 2015 e 2016, aumentou 45%, segundo dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS). Já no que se refere ao Brasil, a matéria destaca que o país havia se tornado o “campeão mundial em labioplastia”, tendo realizado 23.155 procedimentos em 2016, também conforme dados da ISAPS.
No mesmo ano, a revista Claudia publicou a matéria Ninfoplastia: Cirurgia Íntima Vira Moda entre Adolescentes1919. D'Ercole I. Ninfoplastia: cirurgia íntima vira moda entre adolescentes. Claudia 2017; 21 nov. https://claudia.abril.com.br/saude/ninfoplastia-cirurgia-intima/.
https://claudia.abril.com.br/saude/ninfo... , mais uma vez destacando a liderança do Brasil neste tipo de procedimento, mas também a necessidade de refletir sobre os padrões de beleza em cena. A reportagem inicia com o caso de Laura, que fez a cirurgia aos 16 anos e ao acordar, ouviu a enfermeira dizer: “Agora você pode posar nua em uma revista masculina” 1919. D'Ercole I. Ninfoplastia: cirurgia íntima vira moda entre adolescentes. Claudia 2017; 21 nov. https://claudia.abril.com.br/saude/ninfoplastia-cirurgia-intima/.
https://claudia.abril.com.br/saude/ninfo... . Aos 21 anos, na época da entrevista, contou à revista que fez a cirurgia por sugestão do médico, para “diminuir a leve diferença de tamanho entre os pequenos lábios da vagina” 1919. D'Ercole I. Ninfoplastia: cirurgia íntima vira moda entre adolescentes. Claudia 2017; 21 nov. https://claudia.abril.com.br/saude/ninfoplastia-cirurgia-intima/.
https://claudia.abril.com.br/saude/ninfo... , mas que depois entendeu que não precisava seguir um modelo e que não tinha “nada gritante” que justificasse o procedimento. A matéria segue com os dados referentes ao aumento no número de cirurgias e, em especial, o salto de 80%, passando de 12.870 para 23.155 casos entre 2015 e 2016, segundo o ISAPS, devido, principalmente, ao acesso de informações na Internet, em que as mulheres teriam descoberto que “há alternativas para alcançar o que descrevem como ‘a vagina dos sonhos’” 1919. D'Ercole I. Ninfoplastia: cirurgia íntima vira moda entre adolescentes. Claudia 2017; 21 nov. https://claudia.abril.com.br/saude/ninfoplastia-cirurgia-intima/.
https://claudia.abril.com.br/saude/ninfo... . Contudo, destaque maior é dado ao fato de que muitas adolescentes e mulheres adultas estariam “correndo para os consultórios” em busca da cirurgia. Mesmo sem dados oficiais, “alguns calculam que metade das pacientes está nessa faixa” 1919. D'Ercole I. Ninfoplastia: cirurgia íntima vira moda entre adolescentes. Claudia 2017; 21 nov. https://claudia.abril.com.br/saude/ninfoplastia-cirurgia-intima/.
https://claudia.abril.com.br/saude/ninfo... . A divulgação de fotos e vídeos em sites de pornografia levariam a uma comparação com o modelo de “personagens que não têm pelos pubianos, com partes íntimas clarinhas e lábios internos inexistentes” 1919. D'Ercole I. Ninfoplastia: cirurgia íntima vira moda entre adolescentes. Claudia 2017; 21 nov. https://claudia.abril.com.br/saude/ninfoplastia-cirurgia-intima/.
https://claudia.abril.com.br/saude/ninfo... . Isso conduziria a uma demanda muito específica por certos resultados, conforme afirma o cirurgião plástico André Colaneri, que, segundo a matéria, já contabilizava mais de 400 intervenções deste tipo no currículo. Além da cirurgia, “para completar o visual, na clínica de dermatologia ou de estética, as mulheres solicitam a intervenção a laser com o objetivo de deixar a pele dos grandes lábios mais rósea e lisa e a região quase sem pelos” 1919. D'Ercole I. Ninfoplastia: cirurgia íntima vira moda entre adolescentes. Claudia 2017; 21 nov. https://claudia.abril.com.br/saude/ninfoplastia-cirurgia-intima/.
https://claudia.abril.com.br/saude/ninfo... . O texto prossegue citando rapidamente a contradição implicada no fato de que, se de um lado a Internet propaga mais liberdade, autonomia e diversidade, de outro, impulsiona a autocrítica e a busca pela perfeição. Informa ainda que o Conselho Federal de Medicina (CFM) admite que ginecologistas ou cirurgiões/ãs plásticos/as estão aptos e são responsáveis por fazer a avaliação e atestar se a operação é justificável.
Na mesma linha, a revista Veja, também em 2017, lançou uma reportagem intitulada Meninas de Apenas 11 anos Procuram Cirurgia Íntima2020. Meninas de apenas 11 anos procuram cirurgia íntima. Veja 2017; 4 jul. https://veja.abril.com.br/saude/meninas-de-apenas-11-anos-procuram-cirurgia-intima/.
https://veja.abril.com.br/saude/meninas-... , a qual relatava que a labioplastia já era “tendência” em cirurgias plásticas em todo o mundo. A afirmação é sustentada por um crescimento de 39% dos casos em relação a 2015, conforme dados da Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos, e um aumento de 10 vezes entre 2003 e 2013 no Reino Unido. A matéria reproduz informações e mesmo algumas ponderações críticas que haviam sido divulgadas pela BBC 1818. Como a pornografia tem levado cada vez mais adolescentes a buscar plásticas vaginais. BBC News 2017; 6 jul. https://www.bbc.com/portuguese/geral-40452390.
https://www.bbc.com/portuguese/geral-404... . No que se refere ao Brasil, atesta que “um levantamento realizado pela Dall’Ago & Manfrim Cirurgia Plástica mostrou que a procura pela cirurgia íntima feminina cresceu 250% em um ano”. Em busca de detalhes sobre este percentual tão elevado e sobre este levantamento, descobri que, na verdade, trata-se apenas de uma afirmação feita pelos cirurgiões Heloise Dall’Ago e Carlos Manfrim acerca do aumento percebido em sua própria clínica em Maringá (Paraná), com relação ao qual não sabemos nem o número total de casos. Um tom positivo no que se refere aos resultados e tranquilo no que diz respeito à simplicidade e rapidez do procedimento e da recuperação é ressaltado na reportagem da Veja2020. Meninas de apenas 11 anos procuram cirurgia íntima. Veja 2017; 4 jul. https://veja.abril.com.br/saude/meninas-de-apenas-11-anos-procuram-cirurgia-intima/.
https://veja.abril.com.br/saude/meninas-... , que tem como frase final exatamente uma declaração da médica mencionada: “Segundo a cirurgiã plástica Heloise Dall’Ago, as cirurgias da região íntima feminina são rápidas, pouco dolorosas e com repouso pós-operatório médio de sete dias”. Ou seja, apesar das ponderações referenciadas na matéria da BBC, citada também na reportagem, o texto termina com a declaração da cirurgiã atestando a facilidade deste tipo de procedimento, que teria aumentado 250% em um ano.
O mesmo tom de destaque ao crescimento no número de cirurgias aparece na matéria publicada pela revista Época em 2019 2121. Borges H. Brasil lidera o ranking de cirurgia plástica entre adolescentes. Época 2019; 9 mai. https://epoca.globo.com/brasil-lidera-ranking-de-cirurgia-plastica-entre-adolescentes-23651891.
https://epoca.globo.com/brasil-lidera-ra... , a qual salienta que o Brasil lidera o ranking de cirurgias plásticas para adolescentes e justifica que jovens buscam a cirurgia estética para aumentar a autoestima. Além da colocação de próteses de silicone nos seios e da rinoplastia, ressalta-se, mais uma vez, o aumento na procura pela labioplastia. No que se refere especificamente à labioplastia, afirma que é a modalidade na qual o Brasil é “o líder mundial”. E também que os profissionais procurados atestaram que mais da metade da procura seria por pacientes com menos de 18 anos. O cirurgião entrevistado, Fernando Bianco afirmou que “[a]s mulheres descobriram que podem ter a vagina dos sonhos” 2121. Borges H. Brasil lidera o ranking de cirurgia plástica entre adolescentes. Época 2019; 9 mai. https://epoca.globo.com/brasil-lidera-ranking-de-cirurgia-plastica-entre-adolescentes-23651891.
https://epoca.globo.com/brasil-lidera-ra... e que haveria uma influência das redes sociais nessa preocupação. Ainda segundo o médico “[o] que nos surpreende é o número de meninas menores de 18 anos procurando a labioplastia. Calculamos que mais da metade não tinha completado a maioridade” 2121. Borges H. Brasil lidera o ranking de cirurgia plástica entre adolescentes. Época 2019; 9 mai. https://epoca.globo.com/brasil-lidera-ranking-de-cirurgia-plastica-entre-adolescentes-23651891.
https://epoca.globo.com/brasil-lidera-ra... .
Em reportagem no Portal de Notícias R7 22, ligado à Rede Record, o destaque também é dado ao fato de o Brasil ser o líder em cirurgia íntima feminina, enfatizando no título da matéria que: “Brasileiras fazem o dobro de procedimentos que norte-americanas; especialista diz que grande procura se dá por quebra de tabu e ‘moda’” 2222. Borielo G. Brasil é líder em cirurgia íntima feminina. R7 2019; 15 jun. https://noticias.r7.com/saude/brasil-e-lider-em-cirurgia-intima-feminina-entenda-por-que-15062019.
https://noticias.r7.com/saude/brasil-e-l... . A chamada é sustentada pelo levantamento ISAPS realizado em 2017, quando se registrou 21 mil cirurgias por ano no Brasil, enquanto nos Estados Unidos, foram 11 mil. Para discutir o assunto, citam o cirurgião plástico Wendell Uguetto, membro da SBCP, que ressalta o aumento de 30% na procura de cirurgias genitais entre as mulheres nos últimos três anos. Para o médico, isto estaria associado “à quebra do tabu sobre assuntos relacionados às atividades sexuais, à Internet, que possibilita que a mulher busque informações sobre o assunto sem ser exposta e por essa ser considerada hoje a ‘cirurgia da moda’” 2222. Borielo G. Brasil é líder em cirurgia íntima feminina. R7 2019; 15 jun. https://noticias.r7.com/saude/brasil-e-lider-em-cirurgia-intima-feminina-entenda-por-que-15062019.
https://noticias.r7.com/saude/brasil-e-l... . Ele também afirma que na maior parte das vezes são razões estéticas que levam a fazer a cirurgia, e resume os principais procedimentos: “as cirurgias são utilizadas para fazer correções estéticas como diminuir os pequenos lábios, fazer lipoaspiração na região pubiana, diminuindo seu tamanho, e diminuir o tamanho do clitóris e injetar um pouco de gordura nos lábios maiores, caso eles murchem” 2222. Borielo G. Brasil é líder em cirurgia íntima feminina. R7 2019; 15 jun. https://noticias.r7.com/saude/brasil-e-lider-em-cirurgia-intima-feminina-entenda-por-que-15062019.
https://noticias.r7.com/saude/brasil-e-l... . A última frase do texto fala da facilidade e do preço da intervenção: “A cirurgia é feita com anestesia local e sedação, com duração de 45 minutos a duas horas. O preço varia de R$ 7 mil a R$ 15 mil” 2222. Borielo G. Brasil é líder em cirurgia íntima feminina. R7 2019; 15 jun. https://noticias.r7.com/saude/brasil-e-lider-em-cirurgia-intima-feminina-entenda-por-que-15062019.
https://noticias.r7.com/saude/brasil-e-l... .
O mesmo tom aparece ainda em publicações de 2020, como na matéria intitulada Design Vaginal: Tudo sobre Labioplastia2323. Santilli M. Design vaginal: tudo sobre labioplastia. Women's Health 2020; 17 fev. https://womenshealthbrasil.com.br/design-vaginal-labioplastia/.
https://womenshealthbrasil.com.br/design... , publicada na revista Women’s Health do Brasil, mas com conteúdo da edição norte-americana. Afirma que “[s]e as celebridades nos ensinaram alguma coisa nos últimos anos, é que a vulva e a vagina não estão fora dos limites quando se trata de tratamentos cosméticos” 2323. Santilli M. Design vaginal: tudo sobre labioplastia. Women's Health 2020; 17 fev. https://womenshealthbrasil.com.br/design-vaginal-labioplastia/.
https://womenshealthbrasil.com.br/design... . A labioplastia é apresentada como um procedimento prioritariamente estético, e se acrescenta que a insatisfação com a aparência dos lábios “é a razão número um” pela qual as mulheres tendem a realizá-la, já que elas “podem sentir vergonha ou falta de confiança na aparência de seus lábios, especialmente durante o sexo” 2323. Santilli M. Design vaginal: tudo sobre labioplastia. Women's Health 2020; 17 fev. https://womenshealthbrasil.com.br/design-vaginal-labioplastia/.
https://womenshealthbrasil.com.br/design... . O procedimento, no qual “o cirurgião plástico encurta os lábios para remover o excesso de tecido, o que pode estar incomodando o [sic] paciente por razões estéticas ou funcionais” 2323. Santilli M. Design vaginal: tudo sobre labioplastia. Women's Health 2020; 17 fev. https://womenshealthbrasil.com.br/design-vaginal-labioplastia/.
https://womenshealthbrasil.com.br/design... , é descrito como rápido, embora se mencione os riscos das possíveis complicações e um pós-operatório doloroso. O texto aponta que os “tratamentos de embelezamento lá embaixo”, especialmente a labioplastia, têm se tornado comuns também entre as não celebridades. Como forma de atestar o fenômeno, cita um aumento de 53% nos procedimentos de 2013 a 2018 nos Estados Unidos, de acordo com a Sociedade Americana de Cirurgia Plástica Estética. Uma tendência que estaria associada a uma maior “conscientização” e maior disponibilidade de tratamentos para cuidar da genitália feminina.
Esta interpretação do fenômeno é central para a discussão pretendida aqui, pois aciona, por um lado, uma ideia de maior percepção das mulheres acerca do que deveria ser modificado nos seus corpos, e especificamente na sua genitália, conforme determinados padrões divulgados em certas mídias; e, por outro, reconhece o impacto que a disponibilidade dos tratamentos pode ter no aumento da procura pelas cirurgias. Contudo, quase nada se diz sobre o contexto mais geral de produção dessa procura e sobre a responsabilidade ética dos/as profissionais envolvidos/as.
A escassez de informações oficiais
Se a tônica das reportagens e dos depoimentos dos cirurgiões/ãs que nelas aparecem caminha na direção de uma fraca ou inexistente discussão sobre o contexto mais amplo de produção do crescimento das labioplastias, caberia a procura por outros posicionamentos que conformariam um discurso mais oficial ou abalizado sobre o tema. Nesta direção, prossegui em uma investigação dos conteúdos referentes às cirurgias íntimas na página oficial da SBCP 1515. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Missão. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/sbcp/missao/ (acessado em 28/Mai/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/sbcp... . Conforme o site, a SBCP é uma das maiores associações mundiais da especialidade e órgão oficial da Associação Médica Brasileira e do CFM responsável por conferir o Título de Especialista em Cirurgia Plástica. Sua missão é “incentivar o avanço na qualidade dos atendimentos oferecidos aos pacientes, através da promoção de altos padrões de treinamento, ética, exercício profissional e pesquisa científica em Cirurgia Plástica” 1515. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Missão. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/sbcp/missao/ (acessado em 28/Mai/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/sbcp... . Além disso, destaca-se a busca de “integração com a comunidade através de comunicações na mídia, site da Internet e telefone de contato, visando proporcionar educação pública no que se refere aos assuntos da especialidade” 1515. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Missão. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/sbcp/missao/ (acessado em 28/Mai/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/sbcp... . Entretanto, e no que pese o fato de que os cirurgiões/ãs plásticos haviam sido responsáveis pela realização de 30.356 plásticas vaginais em 2019 11. The International Society of Aesthetic Plastic Surgery. ISAPS international survey on aesthetic/cosmetic procedures performed in 2019. https://www.isaps.org/wp-content/uploads/2020/12/global-survey-2019.pdf (acessado em 12/Jul/2021).
https://www.isaps.org/wp-content/uploads... , não encontrei muitas informações na busca por categorias como plástica vaginal, cirurgias íntimas, cirurgia dos pequenos lábios, ninfoplastia ou labioplastia. As sete referências localizadas, sendo duas repetições e todas no blog de “notícias”, não trazem discussões mais aprofundadas, mas refletem a posição adotada pela instituição.
A primeira referência data de 2012 é uma notícia sobre plástica vaginal que começa com a chamada: “Em alguns casos, a cirurgia para a redução dos pequenos lábios vaginais pode ser feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS)” 2424. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Plástica vaginal. Notícias 2012; 5 nov. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2012/11/05/plastica-vaginal/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2012... . Afirma que as intervenções estéticas têm se tornado comuns na vida dos brasileiros e “são usadas cada vez mais para corrigir alguns defeitinhos e aumentar a qualidade de vida de muitas mulheres e homens. Já existem técnicas para melhorar várias partes do corpo, inclusive as partes íntimas. Isso mesmo!” 2424. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Plástica vaginal. Notícias 2012; 5 nov. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2012/11/05/plastica-vaginal/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2012... . A matéria prossegue fazendo referência ao depoimento do então presidente da SBCP, Sebastião Nelson Edy Guerra, que afirmou que o número de pacientes em busca das cirurgias íntimas havia aumentado cerca de 50% nos últimos dois anos. Segundo o cirurgião, esta procura poderia ser explicada porque, “[c]ada vez mais, a mulher deseja satisfação pessoal e liberdade. Antigamente, essa questão ficava escondidinha e elas só falavam com o ginecologista. Mas hoje, com a conquista da maior liberdade sexual e independência, houve esse espaço para a mulher melhorar e buscar perfeição em alguns pontos” 2424. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Plástica vaginal. Notícias 2012; 5 nov. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2012/11/05/plastica-vaginal/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2012... . No caso da ninfoplastia, o médico afirma que a cirurgia é basicamente estética e melhora a confiança e autoestima das pacientes, que “saem muito mais felizes”. E acrescenta que “em mais de 95% dos casos, é usada para consertar assimetrias entre os lábios da vagina e não está ligada a alguma anormalidade, mas a questões estéticas” e ao desejo de “deixar a vagina com aspecto bem simétrico, com os pequenos lábios bem fechados”. Diz ainda que: “Elas chegam ao consultório falando detalhadamente o que querem. Depois da cirurgia, ficam horas se olhando no espelho. Já teve uma paciente que me pediu para deixar os lábios parecidos com gomos de mexerica, bem arredondados e certinhos” 2424. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Plástica vaginal. Notícias 2012; 5 nov. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2012/11/05/plastica-vaginal/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2012... . Nenhuma ponderação é feita sobre a procura e realização de intervenções conforme este padrão de exigência estética.
Duas outras referências encontradas no site (com datas de 2013 e 2014) 2525. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Ninfoplastia. Notícias 2013; 25 nov. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2013/11/25/ninfoplastia/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2013... ,2626. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Ninfoplastia. Notícias 2014; 30 abr. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2014/04/30/ninfoplastia-2/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2014... repetem o mesmo texto explicativo sobre a ninfoplastia, indicando que esta é a definição dada pela SBCP:
“A Ninfoplastia, também conhecida como cirurgia íntima, é a cirurgia plástica de redução dos pequenos lábios vaginais. Durante a puberdade, as mulheres podem ter um desenvolvimento anormal dos pequenos lábios vaginais, adquirindo tamanho desproporcional que por vezes tornam-se maiores que os grandes lábios. Além do desconforto estético pelo tamanho excessivo, o problema pode causar danos de ordem funcional, dificultando a higiene, a ventilação do local e trazendo incômodo durante as relações sexuais. A ninfoplastia é a cirurgia responsável pela retirada do excesso de mucosa do local e por devolver o aspecto natural da genitália feminina” 2626. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Ninfoplastia. Notícias 2014; 30 abr. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2014/04/30/ninfoplastia-2/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2014... .
É importante notar que se assume uma “anormalidade” no caso de pequenos lábios que ultrapassem os grandes lábios, que os danos podem ser de várias ordens e que a cirurgia devolveria a aparência “natural” que passa, exatamente, a ser construída por meio de definições como esta, chanceladas por um órgão oficial.
Em 2015 temos uma notícia 2727. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Três tendências que estão mudando a cirurgia plástica. Notícias 2015; 20 mai. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2015/05/20/tres-tendencias-que-estao-mudando-a-cirurgia-plastica/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2015... , com base em matéria publicada na revista Time, a respeito das “três tendências” que estariam mudando a cirurgia plástica em função do novo foco das mulheres em três objetivos: “glúteos maiores, lábios genitais menores e um rosto mais suave e recheado” 2727. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Três tendências que estão mudando a cirurgia plástica. Notícias 2015; 20 mai. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2015/05/20/tres-tendencias-que-estao-mudando-a-cirurgia-plastica/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2015... . Esta percepção estava embasada nos dados da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica Estética (ASAPS) relativos a 2014. O mais surpreendente, conforme o texto, foi o aumento de 49%, no último ano, das cirurgias plásticas íntimas, definidas como um procedimento que “reduz o tamanho ou reconstrói os lábios inferiores da genitália feminina” 2727. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Três tendências que estão mudando a cirurgia plástica. Notícias 2015; 20 mai. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2015/05/20/tres-tendencias-que-estao-mudando-a-cirurgia-plastica/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2015... . O presidente da ASAPS, Michael Edwards, explicava este aumento em função de um maior conhecimento de que a técnica estava disponível e do fato de que “as mulheres podem ter consciência de que sua lábia é grande e pode aparecer quando estiver usando um biquíni ou então que reduzi-la pode diminuir o desconforto na prática de exercícios físicos” 2727. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Três tendências que estão mudando a cirurgia plástica. Notícias 2015; 20 mai. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2015/05/20/tres-tendencias-que-estao-mudando-a-cirurgia-plastica/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2015... . Chama a atenção aqui a consideração dessas intervenções como uma “tendência” associada à publicização de técnica cirúrgica, além de uma percepção particular das mulheres sobre o próprio corpo.
Já em 2016 vemos o reconhecimento de que este tipo de procedimento estava fazendo sucesso também no Brasil. Na matéria Cirurgia Plástica para Diminuir os Lábios Vaginais tem feito Sucesso entre as Brasileiras2828. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Cirurgia plástica para diminuir os lábios vaginais tem feito sucesso entre as brasileiras. Notícias 2016; 24 mai. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2016/05/24/cirurgia-plastica-para-diminuir-os-labios-vaginais-tem-feito-sucesso-entre-as-brasileiras/ (acessado em 26/Fev/2020).
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2016... , reproduzida do site Metrópoles2929. Caldeira E. Cirurgia plástica para diminuir os lábios vaginais tem feito sucesso entre as brasileiras. Metrópoles 2016; 17 mar. https://www.metropoles.com/vida-e-estilo/bem-estar/cirurgia-plastica-para-diminuir-os-labios-vaginais-tem-feito-sucesso-entre-as-brasileiras?amp.
https://www.metropoles.com/vida-e-estilo... , registra-se que o Brasil é “campeão em um tipo inusitado de cirurgia plástica” 2929. Caldeira E. Cirurgia plástica para diminuir os lábios vaginais tem feito sucesso entre as brasileiras. Metrópoles 2016; 17 mar. https://www.metropoles.com/vida-e-estilo/bem-estar/cirurgia-plastica-para-diminuir-os-labios-vaginais-tem-feito-sucesso-entre-as-brasileiras?amp.
https://www.metropoles.com/vida-e-estilo... : a labioplastia ou ninfoplastia. Conforme o texto, de acordo com o último ISAPS, este teria sido “o procedimento mais escolhido pelas brasileiras” 2929. Caldeira E. Cirurgia plástica para diminuir os lábios vaginais tem feito sucesso entre as brasileiras. Metrópoles 2016; 17 mar. https://www.metropoles.com/vida-e-estilo/bem-estar/cirurgia-plastica-para-diminuir-os-labios-vaginais-tem-feito-sucesso-entre-as-brasileiras?amp.
https://www.metropoles.com/vida-e-estilo... , o que indica claramente um erro de interpretação dos dados do survey citado. O Brasil foi o país onde mais se fez labioplastias mas esta não foi a cirurgia mais escolhida pelas brasileiras naquele ano. A reportagem prossegue com o depoimento do cirurgião plástico Sérgio Feijó, que afirma que “a estética é o ponto de partida para que as mulheres busquem esse tipo de intervenção” 2929. Caldeira E. Cirurgia plástica para diminuir os lábios vaginais tem feito sucesso entre as brasileiras. Metrópoles 2016; 17 mar. https://www.metropoles.com/vida-e-estilo/bem-estar/cirurgia-plastica-para-diminuir-os-labios-vaginais-tem-feito-sucesso-entre-as-brasileiras?amp.
https://www.metropoles.com/vida-e-estilo... . O médico ainda conta que a cirurgia íntima é encarada com constrangimento pelo público feminino, que muitas vezes desconhece a existência da cirurgia, dando a entender o papel efetivo dos/as médicos/as na proposição deste tipo de procedimento: “Geralmente, as mulheres que vem fazer a abdominoplastia (cirurgia que corrige a flacidez causada pela gravidez e pelo grande emagrecimento) são as que optam por fazer a ninfoplastia. Mas muitas têm vergonha ou nem sabem que existe a cirurgia íntima” 2929. Caldeira E. Cirurgia plástica para diminuir os lábios vaginais tem feito sucesso entre as brasileiras. Metrópoles 2016; 17 mar. https://www.metropoles.com/vida-e-estilo/bem-estar/cirurgia-plastica-para-diminuir-os-labios-vaginais-tem-feito-sucesso-entre-as-brasileiras?amp.
https://www.metropoles.com/vida-e-estilo... . O cirurgião ainda explicou que não há “motivo para receio, já que não há perda de sensibilidade na área e o procedimento, com anestesia local, dura pouco menos de uma hora” 2929. Caldeira E. Cirurgia plástica para diminuir os lábios vaginais tem feito sucesso entre as brasileiras. Metrópoles 2016; 17 mar. https://www.metropoles.com/vida-e-estilo/bem-estar/cirurgia-plastica-para-diminuir-os-labios-vaginais-tem-feito-sucesso-entre-as-brasileiras?amp.
https://www.metropoles.com/vida-e-estilo... . A matéria termina com o depoimento de uma mulher que se sentia constrangida com o volume dos lábios, afirmando que fazer a cirurgia “trouxe uma autoconfiança inimaginável, porque é muito mais natural do que se imagina” 2929. Caldeira E. Cirurgia plástica para diminuir os lábios vaginais tem feito sucesso entre as brasileiras. Metrópoles 2016; 17 mar. https://www.metropoles.com/vida-e-estilo/bem-estar/cirurgia-plastica-para-diminuir-os-labios-vaginais-tem-feito-sucesso-entre-as-brasileiras?amp.
https://www.metropoles.com/vida-e-estilo... . Fica a impressão de que é um procedimento que se deve conhecer, que está entrando na moda, que é simples e pode melhorar muito a autoestima das mulheres.
Temos ainda uma outra matéria em 2016 intitulada De ‘Cara’ Nova: 9 Tratamentos para Melhorar a Aparência da Região Íntima3030. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. De "cara" nova: 9 tratamentos para melhorar a aparência da região íntima. Notícias 2016; 26 dez. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2016/12/26/de-cara-nova-9-tratamentos-para-melhorar-a-aparencia-da-regiao-intima/.
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2016... , cuja versão resumida é republicada em 2017 3131. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Nove tratamentos para melhorar a aparência da região íntima. Notícias 2017; 18 abr. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2017/04/18/9-tratamentos-para-melhorar-a-aparencia-da-regiao-intima/.
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2017... , tendo como fonte o site Universa do Uol 3232. Andrade T. De "cara" nova: 9 tratamentos para melhorar a aparência da região íntima. Universa Uol 2016; 20 dez. https://www.uol.com.br/universa/listas/de-cara-nova-9-tratamentos-para-melhorar-a-aparencia-da-regiao-intima.htm.
https://www.uol.com.br/universa/listas/d... . O texto cita que o Brasil foi recordista mundial em cirurgias íntimas em 2015, com 12.870 operações realizadas, conforme os dados do ISAPS. Explica que são muitos os motivos que levam as mulheres aos consultórios dos cirurgiões plásticos para melhorar a aparência da vulva, como “pele escurecida, tamanho dos grandes e dos pequenos lábios, do clitóris e do monte de vênus” 3030. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. De "cara" nova: 9 tratamentos para melhorar a aparência da região íntima. Notícias 2016; 26 dez. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2016/12/26/de-cara-nova-9-tratamentos-para-melhorar-a-aparencia-da-regiao-intima/.
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2016... . Recorre ao depoimento, mais uma vez, de André Colaneri que conta que a maioria das pacientes procura esses procedimentos por se sentirem constrangidas com o uso de roupa mais justa ou na relação sexual. O médico ainda afirma que: “[a] paciente opera por ela mesmo, e não para agradar o marido ou namorado. Na verdade, os homens não ligam muito para essas coisas, mas as mulheres querem se sentir melhor” 3030. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. De "cara" nova: 9 tratamentos para melhorar a aparência da região íntima. Notícias 2016; 26 dez. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2016/12/26/de-cara-nova-9-tratamentos-para-melhorar-a-aparencia-da-regiao-intima/.
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2016... . Este tipo de afirmação vai ajudando a construir a imagem de que são as próprias mulheres, e exclusivamente elas, que vão criando a demanda pelo aperfeiçoamento de sua genitália e pela realização das cirurgias, reproduzindo o argumento problemático, que tem se tornado comum, de que a busca pela “perfeição” estaria associada a conquistas atingidas pelas mulheres em um mundo “pós-feminista” 3333. McRobbie A. Notes on the perfect. Australian Feminist Studies 2015; 30:3-20.. Dos tratamentos citados, a labioplastia aparece novamente como o tipo de cirurgia íntima mais realizada no Brasil. E ainda conforme Colaneri, o procedimento cirúrgico é simples e feito com anestesia local e sedação: “Ele leva cerca de 40 minutos e a paciente é liberada no mesmo dia. A maioria opera na sexta e já volta a trabalhar na segunda-feira” 3030. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. De "cara" nova: 9 tratamentos para melhorar a aparência da região íntima. Notícias 2016; 26 dez. http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2016/12/26/de-cara-nova-9-tratamentos-para-melhorar-a-aparencia-da-regiao-intima/.
http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2016... .
Ao considerar essas informações, que foram as únicas encontradas no site da SBCP, constata-se a repetição dos argumentos de que a labioplastia tem sido muito procurada pelas mulheres e de que seria uma cirurgia simples e eficaz para a satisfação estética e melhoria da autoestima das pacientes, sem maiores ponderações acerca das razões que alimentariam esta procura ou dos possíveis problemas associados à intervenção. Esta precariedade de informações levou a mais uma etapa da investigação, em busca de maior aprofundamento, desta vez via o periódico científico da SBCP, publicação de referência no campo no Brasil. A hipótese era que se haveria um crescimento tão significativo no número deste tipo de intervenção, isso implicaria também uma ampliação da discussão técnico-científica que poderia estar retratada na literatura especializada 33. Rohden F, Silveira Cavalheiro C. Esculpindo corpos e criando normalidades: as cirurgias estéticas íntimas na produção científica da cirurgia plástica In: Rohden F, Pussetti C, Roca A, organizadores. Biotecnologias, transformações corporais e subjetivas: saberes, práticas e desigualdades. Brasília: ABA Publicações; 2021. p. 183-214..
As cirurgias íntimas em artigos científicos
Na busca por artigos sobre a labioplastia na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, em seu acervo virtual online, no qual estão disponíveis os artigos publicados a partir de 1997, encontrei apenas nove trabalhos (publicados entre 2011 e 2018) 3434. Cunha FI, Silva LM, Costa LA, Vasconcelos FRP, Amaral GT. Ninfoplastia: classificação e refinamentos técnicos. Rev Bras Cir Plást 2011; 26:507-11.,3535. Dornelas MT, Correa MPD, Melo ALR, Cunha MB, Nicolato AL, Corrêa LD, et al. Plástica de pequenos lábios e suas possibilidades atuais. Rev Bras Cir Plást 2016; 31:534-9.,3636. Daher M, Muniz AR, Daher AC, Vanzan K, Monteiro G, Maciel J, et al. Ninfoplastia em estrela: técnica para redução dos pequenos lábios vulvares. Rev Bras Cir Plást 2015; 30:44-50.,3737. Colaneri AGF. Nova classificação para hipertrofia dos pequenos lábios vaginais e correlação com as técnicas cirúrgicas indicadas. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:64-73.,3838. Mendes PRS, Mattiello CM, Silva MAR, Walter GP, Ely JB. Variação da técnica ninfoplastia com uso de haste metálica para maior simetria. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:145-7.,3939. Battisti C, Possamai LM, Freitas Neto F, Fasolin FB, Solano Junior PEK, Ely PB. Tratamento da hipertrofia de pequenos lábios vaginais na adolescência - experiência atual do Hospital da Criança Santo Antônio da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:175-7.,4040. Cunha TT, Nahas FX, Castro CC, Abreu ML, Serra F, Aboudib JH. Qualidade de vida de pacientes submetidas a ninfoplastia. Rev Bras Cir Plást 2013; 28:63.,4141. Felicio YA. Plástica do púbis e da genitália externa: duas décadas de experiência. Rev Bras Cir Plást 2011; 26:321-7.,4242. Valente D, Carvalho LA, Zanella RK, Ferreira MT. Redução estética de pequenos lábios utilizando ressecção piramidal central estendida. Rev Bras Cir Plást 2012; 27 (3 Suppl 1):83. o que já representa um indício da pouca produção científica sobre o tema no Brasil. Esta escassez de referências é revelada também na apresentação do compêndio Cirurgia íntima: plástica genital feminina 22. Colaneri AGF. Cirurgia íntima: plástica genital feminina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2018., organizado pelo cirurgião plástico André Colaneri, que afirma ser este o primeiro livro a ser escrito em língua portuguesa sobre o tema, destinado a “preencher a lacuna da literatura especializada sobre o assunto” 22. Colaneri AGF. Cirurgia íntima: plástica genital feminina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2018. (p. xi). A análise dos artigos da Revista Brasileira de Cirurgia Plástica revela uma estrutura geral muito semelhante, com foco nos relatos de casos (com uma variação entre três e 469 cirurgias realizadas pelos/as autores/as) e a sua apresentação como experiências exitosas que permitem a discussão das causas, indicações, classificações e técnicas cirúrgicas empregadas 33. Rohden F, Silveira Cavalheiro C. Esculpindo corpos e criando normalidades: as cirurgias estéticas íntimas na produção científica da cirurgia plástica In: Rohden F, Pussetti C, Roca A, organizadores. Biotecnologias, transformações corporais e subjetivas: saberes, práticas e desigualdades. Brasília: ABA Publicações; 2021. p. 183-214..
Considerando o objetivo deste ensaio, de se perguntar sobre a produção da labioplastia como a cirurgia da moda, vou privilegiar o conteúdo dos artigos relativos às justificativas e indicações para a realização da intervenção. A primeira observação a ser feita diz respeito ao fato de que os argumentos são muito repetitivos, por vezes, inclusive, de forma literal. Expressam a ideia de que na sociedade contemporânea haveria uma maior exposição do corpo feminino, maior comparação entre as genitálias, identificação do que se seria um padrão estético “mais agradável” e a procura por cirurgias que permitissem essa adequação ao modelo desejado 3434. Cunha FI, Silva LM, Costa LA, Vasconcelos FRP, Amaral GT. Ninfoplastia: classificação e refinamentos técnicos. Rev Bras Cir Plást 2011; 26:507-11.,3535. Dornelas MT, Correa MPD, Melo ALR, Cunha MB, Nicolato AL, Corrêa LD, et al. Plástica de pequenos lábios e suas possibilidades atuais. Rev Bras Cir Plást 2016; 31:534-9.,3636. Daher M, Muniz AR, Daher AC, Vanzan K, Monteiro G, Maciel J, et al. Ninfoplastia em estrela: técnica para redução dos pequenos lábios vulvares. Rev Bras Cir Plást 2015; 30:44-50.,3737. Colaneri AGF. Nova classificação para hipertrofia dos pequenos lábios vaginais e correlação com as técnicas cirúrgicas indicadas. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:64-73.,3838. Mendes PRS, Mattiello CM, Silva MAR, Walter GP, Ely JB. Variação da técnica ninfoplastia com uso de haste metálica para maior simetria. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:145-7.. Conforme dizem Cunha et al. 3434. Cunha FI, Silva LM, Costa LA, Vasconcelos FRP, Amaral GT. Ninfoplastia: classificação e refinamentos técnicos. Rev Bras Cir Plást 2011; 26:507-11. (p. 508): “[n]os dias atuais, com a maior exposição do corpo feminino em revistas, cinemas, Internet etc., as mulheres puderam perceber diferenças naturais existentes na anatomia genital externa e fazer comparações, identificando um modelo estético mais agradável às ninfas e aos grandes lábios”.
O artigo mais recente de Mendes et al. 3838. Mendes PRS, Mattiello CM, Silva MAR, Walter GP, Ely JB. Variação da técnica ninfoplastia com uso de haste metálica para maior simetria. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:145-7. (p. 145) continua na mesma linha, ao afirmar que a “sociedade tem se tornado mais aberta à sexualidade, e as mulheres têm condições de comparar suas genitálias e optar por intervenção cirúrgica, caso se sintam desconfortáveis”. É importante ressaltar que a dimensão estética é predominante em todas as indicações para a cirurgia. Fatores funcionais são pouco ou mal definidos e surgem, em geral, associados aos estéticos, em definições vagas 3434. Cunha FI, Silva LM, Costa LA, Vasconcelos FRP, Amaral GT. Ninfoplastia: classificação e refinamentos técnicos. Rev Bras Cir Plást 2011; 26:507-11.,3535. Dornelas MT, Correa MPD, Melo ALR, Cunha MB, Nicolato AL, Corrêa LD, et al. Plástica de pequenos lábios e suas possibilidades atuais. Rev Bras Cir Plást 2016; 31:534-9.,3636. Daher M, Muniz AR, Daher AC, Vanzan K, Monteiro G, Maciel J, et al. Ninfoplastia em estrela: técnica para redução dos pequenos lábios vulvares. Rev Bras Cir Plást 2015; 30:44-50.,3737. Colaneri AGF. Nova classificação para hipertrofia dos pequenos lábios vaginais e correlação com as técnicas cirúrgicas indicadas. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:64-73.,3838. Mendes PRS, Mattiello CM, Silva MAR, Walter GP, Ely JB. Variação da técnica ninfoplastia com uso de haste metálica para maior simetria. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:145-7.,3939. Battisti C, Possamai LM, Freitas Neto F, Fasolin FB, Solano Junior PEK, Ely PB. Tratamento da hipertrofia de pequenos lábios vaginais na adolescência - experiência atual do Hospital da Criança Santo Antônio da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:175-7.,4040. Cunha TT, Nahas FX, Castro CC, Abreu ML, Serra F, Aboudib JH. Qualidade de vida de pacientes submetidas a ninfoplastia. Rev Bras Cir Plást 2013; 28:63.,4141. Felicio YA. Plástica do púbis e da genitália externa: duas décadas de experiência. Rev Bras Cir Plást 2011; 26:321-7.,4242. Valente D, Carvalho LA, Zanella RK, Ferreira MT. Redução estética de pequenos lábios utilizando ressecção piramidal central estendida. Rev Bras Cir Plást 2012; 27 (3 Suppl 1):83., tal como no artigo de Cunha et al. 3434. Cunha FI, Silva LM, Costa LA, Vasconcelos FRP, Amaral GT. Ninfoplastia: classificação e refinamentos técnicos. Rev Bras Cir Plást 2011; 26:507-11. (p. 508): “[a]lterações anatômicas dos pequenos lábios podem trazer desconforto funcional e estético, interferindo na higiene pessoal, no uso de roupas mais justas, no transcurso sexual e na vaidade feminina” .
Em nenhum dos nove trabalhos apresenta-se qualquer discussão acerca das origens ou consequências da produção de determinados modelos, tendo em vista uma percepção mais geral sobre o bem-estar das pacientes ou sobre as normas impostas pela sociedade. Além disso, as mulheres passam a ser identificadas como as demandantes quase que espontâneas da intervenção, cabendo aos/às médicos/as realizar os procedimentos que resolveriam esses incômodos. Ao lado disso se associam as instabilidades na definição do que seria uma intervenção justificável, em decorrência de um padrão estético considerado inadequado.
Os artigos expressam, por um lado, a falta de consenso em relação a qual seria o padrão estético “normal” da genitália feminina e, portanto, quais seriam os casos que poderiam ser considerados como hipertrofia dos pequenos lábios. Conforme alguns exemplos: “Não existe uma definição anatômica sobre o tamanho apropriado dos pequenos lábios...” 3434. Cunha FI, Silva LM, Costa LA, Vasconcelos FRP, Amaral GT. Ninfoplastia: classificação e refinamentos técnicos. Rev Bras Cir Plást 2011; 26:507-11. (p. 508); “Atualmente, não há um consenso sobre a definição de tal hipertrofia dos lábios menores...” 3535. Dornelas MT, Correa MPD, Melo ALR, Cunha MB, Nicolato AL, Corrêa LD, et al. Plástica de pequenos lábios e suas possibilidades atuais. Rev Bras Cir Plást 2016; 31:534-9. (p. 535); “Não há um padrão estético genital ideal, entretanto, muitas mulheres consideram harmônicos lábios vaginais pequenos e simétricos que não sobressaiam aos grandes lábios...” 3939. Battisti C, Possamai LM, Freitas Neto F, Fasolin FB, Solano Junior PEK, Ely PB. Tratamento da hipertrofia de pequenos lábios vaginais na adolescência - experiência atual do Hospital da Criança Santo Antônio da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:175-7. (p. 175). Ou ainda, no que se refere precisamente às definições da hipertrofia, os autores atestam que apesar de diversas classificações terem sido propostas para o correto diagnóstico dessa condição, “todavia inexiste uma que seja consensual na comunidade médica” 4242. Valente D, Carvalho LA, Zanella RK, Ferreira MT. Redução estética de pequenos lábios utilizando ressecção piramidal central estendida. Rev Bras Cir Plást 2012; 27 (3 Suppl 1):83. (p. 83), ou “não há consenso na utilização de nenhuma delas” 3737. Colaneri AGF. Nova classificação para hipertrofia dos pequenos lábios vaginais e correlação com as técnicas cirúrgicas indicadas. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:64-73. (p. 71).
Por outro lado, esta imprecisão ou falta de consenso nas definições não impede que os/as cirurgiões/as tenham se empenhado na adoção de parâmetros classificatórios, no desenvolvimento de técnicas cirúrgicas e na efetiva realização das cirurgias, descritas como procedimentos relativamente simples, rápidos e eficazes 33. Rohden F, Silveira Cavalheiro C. Esculpindo corpos e criando normalidades: as cirurgias estéticas íntimas na produção científica da cirurgia plástica In: Rohden F, Pussetti C, Roca A, organizadores. Biotecnologias, transformações corporais e subjetivas: saberes, práticas e desigualdades. Brasília: ABA Publicações; 2021. p. 183-214.. E no que se refere à demonstração dos resultados, descritos enfaticamente como positivos, conforme o apresentado nos artigos, retoma-se mais uma vez uma ideia de “normalidade” anatômica e estética 33. Rohden F, Silveira Cavalheiro C. Esculpindo corpos e criando normalidades: as cirurgias estéticas íntimas na produção científica da cirurgia plástica In: Rohden F, Pussetti C, Roca A, organizadores. Biotecnologias, transformações corporais e subjetivas: saberes, práticas e desigualdades. Brasília: ABA Publicações; 2021. p. 183-214.,3535. Dornelas MT, Correa MPD, Melo ALR, Cunha MB, Nicolato AL, Corrêa LD, et al. Plástica de pequenos lábios e suas possibilidades atuais. Rev Bras Cir Plást 2016; 31:534-9.,3636. Daher M, Muniz AR, Daher AC, Vanzan K, Monteiro G, Maciel J, et al. Ninfoplastia em estrela: técnica para redução dos pequenos lábios vulvares. Rev Bras Cir Plást 2015; 30:44-50.,3838. Mendes PRS, Mattiello CM, Silva MAR, Walter GP, Ely JB. Variação da técnica ninfoplastia com uso de haste metálica para maior simetria. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:145-7.,3939. Battisti C, Possamai LM, Freitas Neto F, Fasolin FB, Solano Junior PEK, Ely PB. Tratamento da hipertrofia de pequenos lábios vaginais na adolescência - experiência atual do Hospital da Criança Santo Antônio da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Rev Bras Cir Plást 2018; 33:175-7.,4040. Cunha TT, Nahas FX, Castro CC, Abreu ML, Serra F, Aboudib JH. Qualidade de vida de pacientes submetidas a ninfoplastia. Rev Bras Cir Plást 2013; 28:63.,4242. Valente D, Carvalho LA, Zanella RK, Ferreira MT. Redução estética de pequenos lábios utilizando ressecção piramidal central estendida. Rev Bras Cir Plást 2012; 27 (3 Suppl 1):83.. Como ilustram Daher et al. 3636. Daher M, Muniz AR, Daher AC, Vanzan K, Monteiro G, Maciel J, et al. Ninfoplastia em estrela: técnica para redução dos pequenos lábios vulvares. Rev Bras Cir Plást 2015; 30:44-50., os resultados positivos estão associados a um retorno à aparência mais próxima do normal. A ninfoplastia: “tem demonstrado ser reprodutível, apresentando um grau de satisfação importante por parte das pacientes, uma vez corrigida a hipertrofia do pequeno lábio, e trazendo uma aparência genital mais próxima do normal. Possibilita eliminar, portanto, o desconforto social, funcional e estético associado à deformidade” 3636. Daher M, Muniz AR, Daher AC, Vanzan K, Monteiro G, Maciel J, et al. Ninfoplastia em estrela: técnica para redução dos pequenos lábios vulvares. Rev Bras Cir Plást 2015; 30:44-50. (p. 49).
É preciso acrescentar ainda que esta noção de uma aparência mais próxima do “normal” também é efetivamente produzida por meio do uso das imagens, fotografias de antes e depois da cirurgia, que estão presentes em todos os artigos. E se de um lado é difícil identificar qual “deformidade” estaria caracterizando as imagens do “antes”; de outro, identifica-se uma evidente padronização ou “normalização” das genitálias mostradas nas fotos após a realização das intervenções. Dessa forma, produz-se concretamente ou diretamente nos corpos dessas mulheres operadas, uma anatomia padrão que representa muito mais um ideal de feminilidade socialmente projetado do que a tradução da real diversidade humana. Algo muito próximo das imagens fabricadas ou retocadas que aparecem em diversas mídias e que estariam levando mulheres e adolescentes a procurar por uma readequação de seus corpos.
Considerações finais
Sumarizando o que aparece nos artigos da Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, temos: a afirmação de que as mulheres estariam buscando mais a labioplastia por motivos estéticos; a falta de consenso sobre o que seria a hipertrofia dos pequenos lábios; e a descrição dos resultados satisfatórios das intervenções justificados pelo redesenho de corpos mais próximos da “normalidade”. Ao associarmos estas constatações às informações repetidas nas reportagens citadas anteriormente e em diversas outras mídias e redes sociais, além do que é oferecido no site da SBCP, percebemos a conformação de um discurso comum ou pelo menos em grande sintonia. A chamada cirurgia da moda vem apresentando uma procura tão grande porque as mulheres (e adolescentes) estariam mais “conscientes”, vendo e comparando mais os seus corpos em função da Internet e, na busca por uma autoestima ou satisfação estética melhor, buscando uma intervenção cirúrgica.
De certa forma, o anúncio dos dados do ISAPS, atestando o aumento dessas cirurgias, tem tornado palpável em números aquilo que já percorria os grupos de Facebook e WhatsApp e se praticava nos consultórios médicos. E a publicização disso, na qual a mídia tem um papel importante e pouco discutido, evidentemente, ajuda a criar o próprio fenômeno, chamando a atenção para as expectativas envolvidas, os tipos de procedimentos possíveis, os especialistas disponíveis e até mesmo os valores das cirurgias. Um ponto importante é que essas reportagens, fortemente embasadas nos depoimentos de cirurgiões/ãs plásticos/as, atestam, sem maiores ponderações, que haveria um crescente interesse de mulheres e adolescentes em transformarem a aparência de sua genitália, por meio da “cirurgia da moda”. Repete-se que elas estariam buscando “a vulva ou vagina dos sonhos”, sem discutirem de quem seriam estes sonhos ou as dimensões estruturais mais profundas associadas a isso em nossa sociedade. E justificam isso pela crescente circulação de imagens de nudez e pornografia na Internet e redes sociais.
Mas não se discute em mais profundidade a produção dessa procura e muito menos o quanto as normas de gênero e sexualidade, e mesmo de raça e geração (como sugerem as ênfases em clareamento e rejuvenescimento), impõem padrões corporais muito específicos. No máximo, considera-se que é uma questão de autoestima e que para melhorá-la ou “recuperá-la”, seria necessário recorrer até mesmo às intervenções cirúrgicas, que são apresentadas como recursos simples e eficazes. Também não se problematiza o papel da medicina na coprodução desta demanda e mesmo no desenvolvimento de tecnologias específicas que permitiram a expansão do número de intervenções, inclusive entre adolescentes.
Poucas referências mencionam o fato de que a divulgação das técnicas operatórias e mesmo a apresentação e oferta desta possibilidade no próprio consultório médico seria um fator relevante para entender o fenômeno. As mulheres e adolescentes parecem então, nesse discurso, serem levadas a assumir toda a responsabilidade pela demanda. O papel de médicos/as na promoção desta possibilidade de intervenção estética cirúrgica que, como qualquer prática deste tipo, não é isenta de riscos e efeitos inesperados, praticamente não é abordado. Certamente, exceções e posturas mais críticas também existem em campo e não é possível fazer generalizações. Contudo, o que se apresenta como mais evidente e recorrente nos discursos públicos sobre as cirurgias íntimas reflete a postura de profissionais que pouco parecem questionar o impacto mais abrangente desta prática e sua divulgação ou promoção na vida das mulheres e adolescentes, considerando, entre outros aspectos, os imperativos de gênero e prescrições de modelos corporais que continuam a contribuir no processo de objetificação dos corpos femininos. Tanto nos seus depoimentos nas mídias quanto nos artigos que publicam, apenas se apresentam como capazes de realizar as transformações almejadas pelas pacientes, contribuindo para o seu bem-estar. Ao invés desta postura mais genérica de isenção em relação à procura pelas intervenções, é urgente que se faça uma discussão mais aprofundada, considerando suas implicações sociais mais amplas e a responsabilidade de cirurgiões/as na coprodução deste fenômeno.
É necessário debater os limites éticos e a responsabilidade médica na prática de tais intervenções. Na mesma linha, é importante enfatizar que a ausência dessa discussão se associa às pressões do campo mercadológico de intervenções estéticas cada vez mais presentes, cujos limites também têm sido pouco problematizados. Trata-se de interesses profissionais e financeiros que, neste cenário, estão em conjunção com um sistema de relações de gênero baseado em pressupostos binários e heterossexistas que se (re)produz por suas inscrições e recitações em corpos que deveriam ser, conforme a norma, altamente generificados 55. Butler J. Bodies that matter. New York/London: Routledge; 1993.. Dessa forma, as cirurgias íntimas podem ser reconhecidas como uma prática que expressa e colabora na manutenção de normas de gênero e sexualidade que fazem das mulheres e dos corpos femininos objetos prioritários de intervenção, neste caso, por meio da conformação via intervenções cirúrgicas, de uma anatomia feminina idealizada.
Seguindo esta direção, proponho que seria preciso refletir prioritariamente acerca dos padrões de gênero que são chamados a sustentar uma ideia de normalização e uniformização dos corpos que se manifesta, como visto aqui, em uma conformação muito específica, até mesmo da genitália feminina. É necessário nos perguntarmos de que forma nossa sociedade produz uma concepção de feminilidade, sexualidade, atratividade, autoestima definidas de forma tão precisamente circunscrita nos contornos do que definimos como partes consideradas “íntimas” 1010. Nurka C. Female genital cosmetic surgery: deviance, desire and the pursuit of perfection. New York: Palgrave Macmillan; 2019.,4343. Braun V. Selling the "perfect" vulva. In: Heys C, Jones M, editors. Cosmetic surgery: a Feminist primer. Farnham/Burlington: Ashgate Publishing; 2009. p. 133-49.,4444. Jones M. Expressive surfaces: the case of the designer vagina. Theory, Culture & Society 2017; 34:29-50.. Ao mesmo tempo, discutirmos como se tornou possível, e inquestionável em certos contextos de intervenção, a ideia de que o “aprimoramento” corporal, mesmo às custas da saúde, deveria ser almejado o tempo todo 1313. Edmonds A, Sanabria E. Medical borderlands: engineering the body with plastic surgery and hormonal therapies in Brazil. Anthropol Med 2014; 21:202-16.,4545. Rose N. The politics of life itself: biomedicine, power, subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press; 2007.,4646. Conrad P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: Johns Hopkins University Press; 2007.,4747. Clarke AE, Shim J, Mamo L, Fosket J, Fishman J. Biomedicalization: technoscience and transformations of health and illness in the U.S. Durham: Duke University Press; 2010.,4848. Rohden F. Vida saudável versus vida aprimorada: tecnologias biomédicas, processos de subjetivação e aprimoramento. Horizontes Antropológicos 2017; (23):29-60.. Talvez estes dois eixos constituam horizontes importantes para pensarmos sobre como é possível conceber que uma intervenção como a labioplastia se configure como “a cirurgia da moda” e o Brasil como “o campeão mundial”; e que tão pouca reflexão crítica tenha sido produzida sobre este fenômeno que tem afetado não apenas mulheres adultas, mas também meninas adolescentes, na procura incessante por um corpo ideal, muitas vezes fora da realidade e longe da diversidade humana concreta.
Agradecimento
Agradeço à Camila Silveira Cavalheiro, que colaborou como assistente de pesquisa (bolsista de Iniciação Científica) no projeto.
Referências
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» https://www.isaps.org/wp-content/uploads/2020/12/global-survey-2019.pdf - 2Colaneri AGF. Cirurgia íntima: plástica genital feminina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2018.
- 3Rohden F, Silveira Cavalheiro C. Esculpindo corpos e criando normalidades: as cirurgias estéticas íntimas na produção científica da cirurgia plástica In: Rohden F, Pussetti C, Roca A, organizadores. Biotecnologias, transformações corporais e subjetivas: saberes, práticas e desigualdades. Brasília: ABA Publicações; 2021. p. 183-214.
- 4Brasil. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial da união 1998; 4 jun.
- 5Butler J. Bodies that matter. New York/London: Routledge; 1993.
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- 9Rohden F. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2009.
- 10Nurka C. Female genital cosmetic surgery: deviance, desire and the pursuit of perfection. New York: Palgrave Macmillan; 2019.
- 11Gilman S. Making the body beautiful: a cultural history of aesthetic surgery. Princeton: Princeton University Press; 1999.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
15 Dez 2021 - Data do Fascículo
2021
Histórico
- Recebido
15 Jul 2021 - Revisado
28 Set 2021 - Aceito
08 Out 2021