Resumos
O objetivo deste estudo foi mapear na literatura científica a relação entre desrespeito e abuso no parto e a ocorrência da depressão pós-parto. Trata-se de uma revisão de escopo elaborada de acordo com as recomendações do Instituto Joanna Briggs. As buscas foram realizadas nas bases de dados Embase, LILACS, MEDLINE, PsycINFO e Web of Science e no Portal de Teses e Dissertações da CAPES. Foram incluídos estudos que investigaram a relação entre desrespeito e abuso no parto e depressão pós-parto. Foram considerados como depressão os casos diagnosticados pelo médico e os autorrelatos por meio de escalas validadas, sem restrições quanto ao ano de publicação e ao idioma. Identificaram-se 3.399 publicações e, após remoção de duplicatas, leitura de título, resumo e textos completos, houve seleção de sete artigos para integrar esta revisão. Os estudos foram publicados a partir de 2017 e somente em quatro países. As mulheres que tiveram experiências de desrespeito e abuso no parto foram mais propensas a apresentar sintomas de depressão pós-parto. Faz-se necessária uma terminologia padrão para a assistência desrespeitosa e abusiva no parto, bem como a elaboração de instrumento para mensuração que seja aceito universalmente.
Palavras-chave:
Depressão Pós-parto; Parto; Serviços de Saúde Materna; Violência
El objetivo de este estudio fue identificar en la literatura científica la relación entre la falta de respeto y el abuso durante el parto y la ocurrencia de depresión posparto. Esta es una revisión de alcance realizada según las recomendaciones del Instituto Joanna Briggs. Las búsquedas se realizaron en las bases de datos Embase, LILACS, MEDLINE, PsycINFO y Web of Science y en el Portal de Disertaciones y Tesis de la CAPES. Se incluyeron estudios que investigaron la relación entre la falta de respeto y el abuso durante el parto y la depresión posparto, y se consideró como depresión los casos diagnosticados por el médico y autorreportados mediante escalas validadas, sin restricción de año de publicación o idioma. Se identificaron 3.399 publicaciones y, después de eliminar los duplicados y analizar el título, el resumen y los textos completos, se seleccionaron siete artículos para componer esta revisión. Los estudios se publicaron a partir de 2017, solamente en cuatro países. Las mujeres que tuvieron experiencias de falta de respeto y abuso durante el parto tenían más probabilidades de presentar síntomas de depresión posparto. Se necesita una terminología estándar para la atención del parto irrespetuosa y abusiva, así como el desarrollo de un instrumento de medición que sea universalmente aceptado.
Palabras-clave:
Depresión Posparto; Parto; Servicios de Salud Materna; Violencia
Introdução
O desrespeito e abuso no parto, também conhecido pelos termos maus-tratos à mulher no parto, violência obstétrica, violência institucional de gênero no parto e assistência desumana/desumanizada, é resultado das condições e restrições dos sistemas de saúde e, mais frequentemente, da interação entre os profissionais de saúde e a mulher 11. Diniz SG, Salgado HO, Andrezzo HFA, Carvalho PGC, Carvalho PCAC, Aguiar CA, et al. Violência obstétrica como questão para a saúde pública no Brasil: origens, definições, tipologia, impactos sobre a saúde materna, e propostas para sua prevenção. J Hum Growth Dev 2015; 25:377-84-8.,22. Tesser CD. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Rev Bras Med Fam Comunidade 2015; 10:1-12.,33. Sadler M, Santos MJ, Ruiz-Berdún D, Rojas GL, Skoko E, Gillen P, et al. Moving beyond disrespect and abuse: addressing the structural dimensions of obstetric violence. Reprod Health Matters 2016; 24:47-55.,44. Leite TH, Marques ES, Esteves-Pereira AP, Nucci MF, Portella Y, Leal MC. Desrespeitos e abusos, maus tratos e violência obstétrica: um desafio para a epidemiologia e a saúde pública no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:483-91.. Não há consenso sobre a terminologia usada 44. Leite TH, Marques ES, Esteves-Pereira AP, Nucci MF, Portella Y, Leal MC. Desrespeitos e abusos, maus tratos e violência obstétrica: um desafio para a epidemiologia e a saúde pública no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:483-91. e, dessa forma, este artigo empregará o termo desrespeito e abuso em virtude do seu emprego frequente na literatura internacional 33. Sadler M, Santos MJ, Ruiz-Berdún D, Rojas GL, Skoko E, Gillen P, et al. Moving beyond disrespect and abuse: addressing the structural dimensions of obstetric violence. Reprod Health Matters 2016; 24:47-55.,55. Tobasía-Hege C, Pinart M, Madeira S, Guedes A, Reveiz L, Valdez-Santiago R, et al. Irrespeto y maltrato durante o parto e o aborto na América Latina: revisão sistemática y metaanálisis. Rev Panam Salud Pública 2019; 43:e36.,66. Mesenburg MA, Victora CG, Jacob Serruya S, Ponce de León R, Damaso AH, Domingues MR, et al. Disrespect and abuse of women during the process of childbirth in the 2015 Pelotas birth cohort. Reprod Health 2018; 15:54.,77. Raj A, Dey A, Boyce S, Seth A, Bora S, Chandurkar D, et al. Associations between mistreatment by a provider during childbirth and maternal health complications in Uttar Pradesh, India. Matern Child Health J 2017; 21:1821-33.,88. Kujawski S, Mbaruku G, Freedman LP, Ramsey K, Moyo W, Kruk ME. Association between disrespect and abuse during childbirth and women's confidence in health facilities in Tanzania. Matern Child Health J 2015; 19:2243-50.,99. Minckas N, Gram L, Smith C, Mannell J. Disrespect and abuse as a predictor of postnatal care utilization and maternal-newborn well-being: a mixed-methods systematic review. BMJ Glob Health 2021; 6:e004698.,1010. Hajizadeh K, Mirghafourvand M. Relationship of post-traumatic stress disorder with disrespect and abuse during childbirth in a group of Iranian postpartum women: a prospective study. Ann Gen Psychiatry 2021; 20:8.. Pode ser expresso por abuso físico, sexual, verbal, discriminação com base em características sociodemográficas, não cumprimento de normas profissionais recomendadas (falta de consentimento informado e confidencialidade, exame físico e procedimentos, negligência e abandono), relações inadequadas entre mulheres e profissionais de saúde, condições do sistema de saúde e restrições 1111. Bohren MA, Vogel JP, Hunter EC, Lutsiv O, Makh SK, More JPSS, et al. The mistreatment of women during childbirth in health facilities globally: a mixed-methods systematic review. PLoS Med 2015; 12:e1001847..
O desrespeito e abuso no parto, embora seja grave violação dos direitos humanos, afeta muitas mulheres nas instituições de saúde em todo o mundo 1212. World Health Organization. The prevention and elimination of disrespect and abuse during facility-based childbirth. Genebra: World Health Organization; 2014.. Um estudo transversal realizado na Índia em 2016 identificou que 77,3% das 875 entrevistadas vivenciaram algum tipo de desrespeito e abuso no parto 1313. Dey A, Shakya HB, Chandurkar D, Kumar S, Das AK, Anthony J, et al. Discordance in self-report and observation data on mistreatment of women by providers during childbirth in Uttar Pradesh, India. Reprod Health 2017; 14:149.. Na América Latina, uma revisão sistemática realizada com 18 estudos mostrou que a prevalência de desrespeito e abuso no parto na região correspondeu a 43% 55. Tobasía-Hege C, Pinart M, Madeira S, Guedes A, Reveiz L, Valdez-Santiago R, et al. Irrespeto y maltrato durante o parto e o aborto na América Latina: revisão sistemática y metaanálisis. Rev Panam Salud Pública 2019; 43:e36.. No Brasil, um inquérito nacional de base hospitalar com 23.940 mulheres 1414. d'Orsi E, Brüggemann OM, Diniz SCG, Aguiar JM, Gusnan CR, Torres JA, et al. Desigualdades sociais e satisfação das mulheres com o atendimento ao parto no Brasil: estudo nacional de base hospitalar. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S154-68., realizado em 2011/2012, entrevistou 15.688 delas por telefone. O estudo estimou que a prevalência de violência física, verbal ou psicológica durante o parto foi 5,9% mais frequente entre pardas ou pretas, de menor escolaridade e residentes na Região Nordeste. Outra pesquisa 66. Mesenburg MA, Victora CG, Jacob Serruya S, Ponce de León R, Damaso AH, Domingues MR, et al. Disrespect and abuse of women during the process of childbirth in the 2015 Pelotas birth cohort. Reprod Health 2018; 15:54., de base populacional com 4.000 mulheres em Pelotas (Rio Grande do Sul), evidenciou que 18,5% delas relataram algum tipo de desrespeito e abuso durante o parto, sendo 10% de abuso verbal e 5% de abuso físico.
As experiências de desrespeito e abuso no parto podem resultar em inúmeras consequências negativas, como maior probabilidade de complicações e menor satisfação com o parto 77. Raj A, Dey A, Boyce S, Seth A, Bora S, Chandurkar D, et al. Associations between mistreatment by a provider during childbirth and maternal health complications in Uttar Pradesh, India. Matern Child Health J 2017; 21:1821-33., redução da confiança nas unidades de saúde 88. Kujawski S, Mbaruku G, Freedman LP, Ramsey K, Moyo W, Kruk ME. Association between disrespect and abuse during childbirth and women's confidence in health facilities in Tanzania. Matern Child Health J 2015; 19:2243-50. e menor envolvimento da mulher com os cuidados de saúde materno e neonatal 99. Minckas N, Gram L, Smith C, Mannell J. Disrespect and abuse as a predictor of postnatal care utilization and maternal-newborn well-being: a mixed-methods systematic review. BMJ Glob Health 2021; 6:e004698.. Além disso, situações traumáticas durante o parto também exibem associação com maior risco de problemas de saúde mental, como ansiedade, estresse pós-traumático e depressão pós-parto 99. Minckas N, Gram L, Smith C, Mannell J. Disrespect and abuse as a predictor of postnatal care utilization and maternal-newborn well-being: a mixed-methods systematic review. BMJ Glob Health 2021; 6:e004698.,1010. Hajizadeh K, Mirghafourvand M. Relationship of post-traumatic stress disorder with disrespect and abuse during childbirth in a group of Iranian postpartum women: a prospective study. Ann Gen Psychiatry 2021; 20:8.,1515. Reed R, Sharman R, Inglis C. Women's descriptions of childbirth trauma relating to care provider actions. BMC Pregancy Childbirth 2017; 17:21.. Não receber informações adequadas, sentir dor física, ser submetida a procedimentos sem consentimento e vivenciar interações negativas com os profissionais de saúde durante o parto aumentam as chances de a mulher desenvolver sintomas depressivos pós-natais 1515. Reed R, Sharman R, Inglis C. Women's descriptions of childbirth trauma relating to care provider actions. BMC Pregancy Childbirth 2017; 17:21.,1616. Elmir R, Schmied V, Wilkes L, Jackson D. Women's perceptions and experiences of a traumatic birth: a meta-ethnography. J Adv Nurs 2010; 66:2142-53.,1717. Harris R, Ayers S. What makes a labour and birth traumatic? A survey of intrapartum 'hotspots'. Psychol Health 2012; 27:1166-77..
A depressão pós-parto é uma forma de transtorno depressivo que ocorre no primeiro ano após o parto 1818. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed; 2014.,1919. Moraes GP, Lorenzo L, Pontes GA, Montenegro MC, Cantilino A. Screening and diagnosing postpartum depression: when and how? Trends Psychiatry Psychother 2017; 39:54-61., afetando 17,2% das mulheres em todo o mundo 2020. Wang Z, Liu J, Shuai H, Cai Z, Fu X, Liu Y, et al. Mapping global prevalence of depression among postpartum women. Transl Psychiatry 2021; 11:543.. Porém, grande parte dos estudos sobre prevalência não permite afirmar se a depressão pós-parto é uma ocorrência nova ou, ao contrário, continuação de um quadro anterior à gestação 2121. Shorey S, Chee CYI, Ng ED, Chan VH, Tam WWS, Chong YS. Prevalence and incidence of postpartum depression among healthy mothers: a systematic review and meta-analysis. J Psychiatr Res 2018; 104:235-48.,2222. Santi S, Mauri M, Oppo A, Borri C, Rambelli C, Ramacciotti D, et al. From the third month of pregnancy to 1 year postpartum. Prevalence, incidence, recurrence, and new onset depression. Results from perinatal depression - research & screening unit study. Compr Psychiatry 2011; 52:343-51.. Os sintomas mais comuns incluem humor deprimido, distúrbios do sono, perda de energia, sentimento de culpa, irritabilidade, ansiedade e ideações suicidas 2323. Quevedo J, Nardi AE, Silva AG. Depressão: teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed; 2018.. Além disso, a depressão pós-parto pode interferir negativamente na interação entre a mãe e o bebê 2424. Hakanen H, Flykt M, Sinervä E, Nolvi S, Kataja EL, Pelto J, et al. How maternal pre- and postnatal symptoms of depression and anxiety affect early mother-infant interaction? J Affect Disord 2019; 257:83-90., favorecer a interrupção precoce da amamentação 2525. Silva CS, Lima MC, Sequeira-de-Andrade LAS, Oliveira JS, Monteiro JS, Lima NMS, et al. Association between postpartum depression and the practice of exclusive breastfeeding in the first three months of life. J Pediatr 2017; 93:356-64., ocasionar problemas no crescimento 2626. Farías-Antúnez S, Xavier MO, Santos IS. Effect of maternal postpartum depression on offspring's growth. J Affect Disord 2018; 228:143-52. e contribuir para alterações cognitivas/comportamentais nos filhos cujas mães apresentaram sintomas de depressão pós-parto 2727. Netsi E, Pearson RM, Murray L, Cooper P, Craske MG, Stein A. Association of persistent and severe postnatal depression with child outcomes. JAMA Psychiatry 2018; 75:247-53.,2828. Kingston D, Kehler H, Austin MP, Mughal MK, Wajid A, Vermeyden L, et al. Trajectories of maternal depressive symptoms during pregnancy and the first 12 months postpartum and child externalizing and internalizing behavior at three years. PLoS One 2018; 13:e0195365..
Alguns estudos primários sobre a relação entre o desrespeito e abuso no parto e a ocorrência da depressão pós-parto foram publicados, porém uma busca preliminar no PROSPERO, MEDLINE (PubMed), Biblioteca Cochrane e Instituto Joanna Briggs (JBI) não encontrou revisão de escopo ou sistemática, atual ou em andamento, justificando, portanto, a produção desta revisão.
Esta revisão foi conduzida com o intuito de mapear na literatura científica a relação entre desrespeito e abuso no parto e a ocorrência de depressão pós-parto.
Métodos
Revisão de escopo (scoping review) elaborada conforme as seis etapas metodológicas recomendadas pelo JBI: determinação da questão de pesquisa; identificação de estudos relevantes; seleção dos artigos; extração de dados; separação, sumarização e relatório de resultados; e divulgação dos resultados 2929. Peters MDJ, Godfrey C, McInerney P, Munn Z, Tricco AC, Khalil H. Chapter 11: scoping reviews. In: Aromataris E, Munn Z, editores. JBI manual for evidence synthesis. https://jbi-global-wiki.refined.site/space/MANUAL/4687342/Chapter+11%3A+Scoping+reviews.
https://jbi-global-wiki.refined.site/spa... . A lista de verificação do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) 3030. Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O'Brien KK, Colquhoun H, Levac D, et al. PRISMA Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR): checklist and explanation. Ann Intern Med 2018; 169:467-73. também foi utilizada para orientar a construção desta revisão.
A elaboração da questão norteadora de pesquisa foi fundamentada na estratégia mnemônica PCC (população, conceito e contexto) 3131. Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG; PRISMA Group. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. PLoS Med 2009; 6:264-9., em que se conferiu “P” a mulheres que sofreram desrespeito e abuso durante o parto, “C” à depressão pós-parto e “C” ao período após o parto. A questão de pesquisa originada foi a seguinte: qual é a relação do desrespeito e abuso durante o parto com a ocorrência da depressão pós-parto?
Para identificar os estudos relevantes, as buscas foram feitas no período de maio a junho de 2022 e atualizadas em janeiro de 2023, por dois revisores independentes, nas bases de dados Embase, LILACS (via Biblioteca Virtual em Saúde), MEDLINE (via PubMed), PsycINFO, Web of Science e no Portal de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
A estratégia de busca nas bases de dados foi realizada em três etapas. Na primeira, uma busca inicial limitada no MEDLINE foi feita utilizando os descritores relacionados à mnemônica PCC: “violence”, “parturition”, “childbirth” e “depression postpartum”, padronizados e indexados no vocabulário MeSH (Medical Subject Headings), com o intuito de verificar palavras presentes no título e resumo dos artigos e termos de indexação relevantes. Na segunda etapa, as palavras e os termos de indexação identificados foram associados aos descritores por meio dos operadores booleanos AND e OR, originando estratégias diferentes em cada base de dados (Quadro 1). Na terceira etapa, a lista de referência de todos os estudos incluídos na revisão foi analisada.
Os critérios de inclusão foram estudos que investigaram a relação entre desrespeito e abuso no parto e depressão pós-parto. Foram considerados como depressão pós-parto os casos diagnosticados pelo médico e os autorrelatos por meio de escalas validadas. Não foram definidas restrições quanto ao ano de publicação e ao idioma. Excluíram-se os estudos duplicados, artigos de opinião, estudos em que o texto completo não estava disponível e aqueles que não demonstraram os resultados da pesquisa.
Para o processo de seleção, todos os estudos encontrados foram transportados para o software EndNote (http://www.endnote.com/), realizando-se a exclusão de duplicatas. Em seguida, efetivou-se a seleção em duas etapas: na primeira, ocorreu a leitura de títulos e resumos e, na segunda, a leitura do texto na íntegra. Na leitura de títulos e resumos, foram selecionados para a fase seguinte os estudos que atendiam aos critérios de inclusão e aqueles em que não era possível, com a leitura apenas do título e resumo, identificar se foi investigada a relação entre desrespeito e abuso no parto e depressão pós-parto. Com a leitura dos textos na íntegra, foram selecionados os estudos que analisaram a relação entre desrespeito e abuso no parto e depressão pós-parto e que demonstraram os resultados dessa investigação. O processo de seleção foi feito por dois revisores independentes, com o auxílio do aplicativo Rayyan QCR (https://www.rayyan.ai/). As discordâncias foram resolvidas com um terceiro revisor.
A extração de dados foi orientada por um formulário elaborado em conjunto pelos autores, que englobou os seguintes dados: autor/ano de publicação; país do estudo; tipo de pesquisa; objetivo do artigo; população do estudo/tamanho da amostra; instrumento para avaliação do desrespeito e abuso no parto; instrumento para avaliação da depressão pós-parto; tipos de desrespeito e abuso no parto autorrelatados e principais resultados. Os dados extraídos foram apresentados em quadros, acompanhados de um resumo narrativo.
Resultados
Foram identificadas 3.399 publicações, das quais 221 eram duplicatas. Dos 3.178 documentos, após a leitura de títulos e resumos, foram excluídos 3.125, resultando em uma amostra de 53 publicações. Após a leitura completa, foram selecionados 7 artigos para integrar esta revisão (Figura 1).
Ao caracterizar os artigos segundo o ano, observou-se maior frequência do ano de 2022, com 4 (57,1%) publicações. As demais pesquisas foram publicadas em 2017, 2019 e 2020. A maioria dos estudos foi realizada no Brasil, com 4 (57,1%) publicações, havendo outros 3 (42,9%) de outros países (Argentina, Espanha e Rússia). O tipo de estudo predominante foi o transversal, com 5 (71,4%) artigos, sendo os outros 2 (28,6%) de coorte (Quadro 2).
Descrição dos estudos incluídos na revisão de escopo segundo autores/ano, local, tipo de estudo, objetivos e população/tamanho da amostra.
Os instrumentos utilizados para avaliar o desrespeito e abuso no parto foram diferentes em cada um dos estudos analisados, sendo elaborados pelos autores da pesquisa 3232. Souza KJ, Rattner D, Gubert MB. Institutional violence and quality of service in obstetrics are associated with postpartum depression. Rev Saúde Pública 2017; 51:69.,3333. Silveira MF, Mesenburg MA, Bertoldi AD, Mola CL, Bassani DG, Domingues MR, et al. The association between disrespect and abuse of women during childbirth and postpartum depression: findings from the 2015 Pelotas birth cohort study. J Affect Disord 2019; 256:441-7.,3434. Leite TH, Pereira APE, Leal MC, Silva AM. Disrespect and abuse towards women during childbirth and postpartum depression: findings from Birth in Brazil Study. J Affect Disord 2020; 273:391-401.,3535. Martinez-Vázquez S, Hernández-Martínez A, Rodríguez-Almagro J, Delgado-Rodríguez M, Martínez-Galiano JM. Relationship between perceived obstetric violence and the risk of postpartum depression: an observational study. Midwifery 2022; 108:103297.,3636. Paiz JC, Castro SMJ, Giugliani ERJ, Ahne SMS, Dall'Aqua CB, Giugliani C. Association between mistreatment of women during childbirth and symptoms of postpartum depression. BMC Pregnancy Childbirth 2022; 22:664.,3737. Puppo S, Cormick G, Gibbons L, Rodríguez R, Correa M, Smith J, et al. The peripartum period involvement in the development of post-partum depression: a prospective cohort study. J Psychosom Res 2022; 155:1107480.,3838. Yakupova V, Suarez A, Karchenko A. Birth experience, postpartum PTSD and depression before and during the pandemic of COVID-19 in Russia. Int J Environ Res Public Health 2022; 19:335.. Todos os estudos avaliaram a depressão pós-parto por meio da Escala de Depressão Pós-natal de Edimburgo (EPDS) 3232. Souza KJ, Rattner D, Gubert MB. Institutional violence and quality of service in obstetrics are associated with postpartum depression. Rev Saúde Pública 2017; 51:69.,3333. Silveira MF, Mesenburg MA, Bertoldi AD, Mola CL, Bassani DG, Domingues MR, et al. The association between disrespect and abuse of women during childbirth and postpartum depression: findings from the 2015 Pelotas birth cohort study. J Affect Disord 2019; 256:441-7.,3434. Leite TH, Pereira APE, Leal MC, Silva AM. Disrespect and abuse towards women during childbirth and postpartum depression: findings from Birth in Brazil Study. J Affect Disord 2020; 273:391-401.,3535. Martinez-Vázquez S, Hernández-Martínez A, Rodríguez-Almagro J, Delgado-Rodríguez M, Martínez-Galiano JM. Relationship between perceived obstetric violence and the risk of postpartum depression: an observational study. Midwifery 2022; 108:103297.,3636. Paiz JC, Castro SMJ, Giugliani ERJ, Ahne SMS, Dall'Aqua CB, Giugliani C. Association between mistreatment of women during childbirth and symptoms of postpartum depression. BMC Pregnancy Childbirth 2022; 22:664.,3737. Puppo S, Cormick G, Gibbons L, Rodríguez R, Correa M, Smith J, et al. The peripartum period involvement in the development of post-partum depression: a prospective cohort study. J Psychosom Res 2022; 155:1107480.,3838. Yakupova V, Suarez A, Karchenko A. Birth experience, postpartum PTSD and depression before and during the pandemic of COVID-19 in Russia. Int J Environ Res Public Health 2022; 19:335., sendo que um deles utilizou a versão curta da escala, a EPDS-6 3232. Souza KJ, Rattner D, Gubert MB. Institutional violence and quality of service in obstetrics are associated with postpartum depression. Rev Saúde Pública 2017; 51:69.. Além da EPDS, uma pesquisa também aplicou o Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI; Mini-Entrevista Neuropsiquiátrica Internacional) 3737. Puppo S, Cormick G, Gibbons L, Rodríguez R, Correa M, Smith J, et al. The peripartum period involvement in the development of post-partum depression: a prospective cohort study. J Psychosom Res 2022; 155:1107480. (Quadro 3).
No que se refere aos tipos de desrespeito e abuso no parto relatados pelas mulheres, foram identificados a falta de acompanhante no parto 3636. Paiz JC, Castro SMJ, Giugliani ERJ, Ahne SMS, Dall'Aqua CB, Giugliani C. Association between mistreatment of women during childbirth and symptoms of postpartum depression. BMC Pregnancy Childbirth 2022; 22:664., exames vaginais dolorosos, alívio inadequado da dor, assistência ruim, falta de comunicação/explicações insuficientes do profissional sobre os procedimentos obstétricos realizados e uso de linguagem ofensiva pelos profissionais de saúde durante o parto 3232. Souza KJ, Rattner D, Gubert MB. Institutional violence and quality of service in obstetrics are associated with postpartum depression. Rev Saúde Pública 2017; 51:69., falta de privacidade e acolhimento, não ter sentido segurança no ambiente do parto e não ter se sentido à vontade para fazer perguntas e participar das decisões sobre seus cuidados 3636. Paiz JC, Castro SMJ, Giugliani ERJ, Ahne SMS, Dall'Aqua CB, Giugliani C. Association between mistreatment of women during childbirth and symptoms of postpartum depression. BMC Pregnancy Childbirth 2022; 22:664.. Abusos verbais 3838. Yakupova V, Suarez A, Karchenko A. Birth experience, postpartum PTSD and depression before and during the pandemic of COVID-19 in Russia. Int J Environ Res Public Health 2022; 19:335. e/ou físicos, negação de atendimento e procedimentos indesejados durante o parto também foram relatados 3333. Silveira MF, Mesenburg MA, Bertoldi AD, Mola CL, Bassani DG, Domingues MR, et al. The association between disrespect and abuse of women during childbirth and postpartum depression: findings from the 2015 Pelotas birth cohort study. J Affect Disord 2019; 256:441-7.,3535. Martinez-Vázquez S, Hernández-Martínez A, Rodríguez-Almagro J, Delgado-Rodríguez M, Martínez-Galiano JM. Relationship between perceived obstetric violence and the risk of postpartum depression: an observational study. Midwifery 2022; 108:103297.,3737. Puppo S, Cormick G, Gibbons L, Rodríguez R, Correa M, Smith J, et al. The peripartum period involvement in the development of post-partum depression: a prospective cohort study. J Psychosom Res 2022; 155:1107480.. Além dessas formas, um estudo demonstrou que, no setor público de saúde, o desrespeito e abuso no parto esteve relacionado à hospitalização materna, à manobra de pressão uterina e à impossibilidade de escolha do tipo de parto, enquanto no setor privado não poder escolher a via de parto foi o tipo de assistência desrespeitosa e abusiva relatada 3434. Leite TH, Pereira APE, Leal MC, Silva AM. Disrespect and abuse towards women during childbirth and postpartum depression: findings from Birth in Brazil Study. J Affect Disord 2020; 273:391-401. (Quadro 3).
Todos os artigos evidenciaram que o desrespeito e abuso no parto esteve associado à maior ocorrência de sintomas de depressão pós-parto 3232. Souza KJ, Rattner D, Gubert MB. Institutional violence and quality of service in obstetrics are associated with postpartum depression. Rev Saúde Pública 2017; 51:69.,3333. Silveira MF, Mesenburg MA, Bertoldi AD, Mola CL, Bassani DG, Domingues MR, et al. The association between disrespect and abuse of women during childbirth and postpartum depression: findings from the 2015 Pelotas birth cohort study. J Affect Disord 2019; 256:441-7.,3434. Leite TH, Pereira APE, Leal MC, Silva AM. Disrespect and abuse towards women during childbirth and postpartum depression: findings from Birth in Brazil Study. J Affect Disord 2020; 273:391-401.,3535. Martinez-Vázquez S, Hernández-Martínez A, Rodríguez-Almagro J, Delgado-Rodríguez M, Martínez-Galiano JM. Relationship between perceived obstetric violence and the risk of postpartum depression: an observational study. Midwifery 2022; 108:103297.,3636. Paiz JC, Castro SMJ, Giugliani ERJ, Ahne SMS, Dall'Aqua CB, Giugliani C. Association between mistreatment of women during childbirth and symptoms of postpartum depression. BMC Pregnancy Childbirth 2022; 22:664.,3737. Puppo S, Cormick G, Gibbons L, Rodríguez R, Correa M, Smith J, et al. The peripartum period involvement in the development of post-partum depression: a prospective cohort study. J Psychosom Res 2022; 155:1107480.,3838. Yakupova V, Suarez A, Karchenko A. Birth experience, postpartum PTSD and depression before and during the pandemic of COVID-19 in Russia. Int J Environ Res Public Health 2022; 19:335.. Um deles demonstrou que os abusos durante o parto e a falta de acompanhante estiveram associados significativamente ao risco mais elevado de depressão pós-parto 3737. Puppo S, Cormick G, Gibbons L, Rodríguez R, Correa M, Smith J, et al. The peripartum period involvement in the development of post-partum depression: a prospective cohort study. J Psychosom Res 2022; 155:1107480.. Em outra investigação, as mulheres que sofreram violência obstétrica do tipo psicoafetiva ou verbal foram mais propensas à depressão pós-parto 3535. Martinez-Vázquez S, Hernández-Martínez A, Rodríguez-Almagro J, Delgado-Rodríguez M, Martínez-Galiano JM. Relationship between perceived obstetric violence and the risk of postpartum depression: an observational study. Midwifery 2022; 108:103297..
Os sintomas de depressão pós-parto foram mais intensos nas mulheres submetidas a mais formas de derespeito e abuso no parto 3838. Yakupova V, Suarez A, Karchenko A. Birth experience, postpartum PTSD and depression before and during the pandemic of COVID-19 in Russia. Int J Environ Res Public Health 2022; 19:335.. Mulheres que relataram pelo menos um tipo de desrespeito e abuso no parto tiveram 1,6 vez mais chance de apresentar depressão pós-parto, ao passo que aquelas que sofreram três ou mais tipos de desrespeito e abuso no parto foram quase três e quatro vezes mais propensas a ter sintomas de depressão pós-parto 3333. Silveira MF, Mesenburg MA, Bertoldi AD, Mola CL, Bassani DG, Domingues MR, et al. The association between disrespect and abuse of women during childbirth and postpartum depression: findings from the 2015 Pelotas birth cohort study. J Affect Disord 2019; 256:441-7.. Medidas de associação mais elevadas foram encontradas em outro estudo, em que as mulheres submetidas à violência por negligência no parto tiveram sete vezes mais chances de desenvolver depressão pós-parto quando comparadas às mulheres que não sofreram com assistência desrespeitosa e abusiva 3232. Souza KJ, Rattner D, Gubert MB. Institutional violence and quality of service in obstetrics are associated with postpartum depression. Rev Saúde Pública 2017; 51:69.. Por sua vez, o desrespeito e abuso no parto esteve associado à depressão pós-parto tanto no setor público quanto no setor privado de saúde 3434. Leite TH, Pereira APE, Leal MC, Silva AM. Disrespect and abuse towards women during childbirth and postpartum depression: findings from Birth in Brazil Study. J Affect Disord 2020; 273:391-401. (Quadro 3).
Discussão
Esta revisão de escopo, embora sem restrição de idioma e ano de publicação, constatou estudos apenas a partir de 2017 e somente em quatro países (Argentina, Brasil, Espanha e Rússia), refletindo a escassez de pesquisas no mundo sobre essa temática tão relevante.
Entre os tipos de desrespeito e abuso no parto mais frequentes estiveram o impedimento de um acompanhante no parto, não sentir segurança no ambiente do parto e, principalmente, relações inadequadas entre os profissionais e as mulheres (exames vaginais dolorosos, alívio inadequado da dor, atendimento considerado ruim, falta de comunicação e explicações do profissional sobre os procedimentos obstétricos realizados, procedimentos indesejados, negação de atendimento, não poder escolher a via de parto e abuso verbal, físico e psicoafetivo) 3232. Souza KJ, Rattner D, Gubert MB. Institutional violence and quality of service in obstetrics are associated with postpartum depression. Rev Saúde Pública 2017; 51:69.,3333. Silveira MF, Mesenburg MA, Bertoldi AD, Mola CL, Bassani DG, Domingues MR, et al. The association between disrespect and abuse of women during childbirth and postpartum depression: findings from the 2015 Pelotas birth cohort study. J Affect Disord 2019; 256:441-7.,3434. Leite TH, Pereira APE, Leal MC, Silva AM. Disrespect and abuse towards women during childbirth and postpartum depression: findings from Birth in Brazil Study. J Affect Disord 2020; 273:391-401.,3535. Martinez-Vázquez S, Hernández-Martínez A, Rodríguez-Almagro J, Delgado-Rodríguez M, Martínez-Galiano JM. Relationship between perceived obstetric violence and the risk of postpartum depression: an observational study. Midwifery 2022; 108:103297.,3636. Paiz JC, Castro SMJ, Giugliani ERJ, Ahne SMS, Dall'Aqua CB, Giugliani C. Association between mistreatment of women during childbirth and symptoms of postpartum depression. BMC Pregnancy Childbirth 2022; 22:664.,3737. Puppo S, Cormick G, Gibbons L, Rodríguez R, Correa M, Smith J, et al. The peripartum period involvement in the development of post-partum depression: a prospective cohort study. J Psychosom Res 2022; 155:1107480.,3838. Yakupova V, Suarez A, Karchenko A. Birth experience, postpartum PTSD and depression before and during the pandemic of COVID-19 in Russia. Int J Environ Res Public Health 2022; 19:335.. Essas formas de desrespeito e abuso no parto também foram identificadas em outros estudos 3939. Carvalho IS, Brito RS. Formas de violência obstétrica vivenciadas por puérperas que tiveram parto normal. Enferm Glob 2017; 16:80-8.,4040. Oluoch-Aridi J, Smith-Oka V, Milan E, Dowd R. Exploring mistreatment of women during childbirth in a peri-urban setting in Kenya: experiences and perceptions of women and healthcare providers. Reprod Health 2018; 15:209.,4141. Galle A, Manaharlal H, Cumbane E. Disrespect and abuse during facility-based childbirth in Southern Mozambique: a cross-sectional study. BMC Pregnancy Childbirth 2019; 19:369.. Tais relatos contrariam as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), com destaque para o direito das mulheres ao apoio empático dos prestadores de serviço, à presença de um acompanhante e ao fornecimento de todas as informações e explicações que desejarem durante o trabalho de parto 4242. World Health Organization. Care in normal birth: a pratical guide. Genebra: World Health Organization; 1996..
Os estudos incluídos nesta revisão avaliaram a assistência desrespeitosa e abusiva no parto utilizando instrumentos distintos 3232. Souza KJ, Rattner D, Gubert MB. Institutional violence and quality of service in obstetrics are associated with postpartum depression. Rev Saúde Pública 2017; 51:69.,3333. Silveira MF, Mesenburg MA, Bertoldi AD, Mola CL, Bassani DG, Domingues MR, et al. The association between disrespect and abuse of women during childbirth and postpartum depression: findings from the 2015 Pelotas birth cohort study. J Affect Disord 2019; 256:441-7.,3434. Leite TH, Pereira APE, Leal MC, Silva AM. Disrespect and abuse towards women during childbirth and postpartum depression: findings from Birth in Brazil Study. J Affect Disord 2020; 273:391-401.,3535. Martinez-Vázquez S, Hernández-Martínez A, Rodríguez-Almagro J, Delgado-Rodríguez M, Martínez-Galiano JM. Relationship between perceived obstetric violence and the risk of postpartum depression: an observational study. Midwifery 2022; 108:103297.,3636. Paiz JC, Castro SMJ, Giugliani ERJ, Ahne SMS, Dall'Aqua CB, Giugliani C. Association between mistreatment of women during childbirth and symptoms of postpartum depression. BMC Pregnancy Childbirth 2022; 22:664.,3737. Puppo S, Cormick G, Gibbons L, Rodríguez R, Correa M, Smith J, et al. The peripartum period involvement in the development of post-partum depression: a prospective cohort study. J Psychosom Res 2022; 155:1107480.,3838. Yakupova V, Suarez A, Karchenko A. Birth experience, postpartum PTSD and depression before and during the pandemic of COVID-19 in Russia. Int J Environ Res Public Health 2022; 19:335.. Em 2014, a OMS publicou um documento recomendando a elaboração de pesquisas para mensurar o derespeito e abuso no parto 1212. World Health Organization. The prevention and elimination of disrespect and abuse during facility-based childbirth. Genebra: World Health Organization; 2014.. Desde então, foram propostas ferramentas de medidas validadas, bem como desenvolvidos alguns formulários por autores que buscaram investigar a ocorrência de derespeito e abuso no parto 11. Diniz SG, Salgado HO, Andrezzo HFA, Carvalho PGC, Carvalho PCAC, Aguiar CA, et al. Violência obstétrica como questão para a saúde pública no Brasil: origens, definições, tipologia, impactos sobre a saúde materna, e propostas para sua prevenção. J Hum Growth Dev 2015; 25:377-84-8.,77. Raj A, Dey A, Boyce S, Seth A, Bora S, Chandurkar D, et al. Associations between mistreatment by a provider during childbirth and maternal health complications in Uttar Pradesh, India. Matern Child Health J 2017; 21:1821-33.,4141. Galle A, Manaharlal H, Cumbane E. Disrespect and abuse during facility-based childbirth in Southern Mozambique: a cross-sectional study. BMC Pregnancy Childbirth 2019; 19:369.,4343. Abuya T, Ndwiga C, Ritter J, Kanya L, Bellows B, Binkin N, et al. The effect of a multi-component intervention on disrespect and abuse during childbirth in Kenya. BMC Pregnancy Childbirth 2015; 15:224.,4444. Andrade PON, Silva JQP, Diniz CMM, Caminha MFC. Fatores associados à violência obstétrica na assistência ao parto vaginal em uma maternidade de alta complexidade em Recife, Pernambuco. Rev Bras Saúde Matern Infant 2016; 16:29-37.,4545. Bohren MA, Vogel JP, Fawole B, Maya ET, Maung TM, Baldé MD, et al. Methodological development of tools to measure how women are treated during facility-based childbirth in four countries: labor observation and community survey. BMC Med Res Methodol 2018; 18:132.,4646. Kruk ME, Kujawski S, Mbaruku G, Ramsey K, Moyo W, Freedman LP. Disrespectful and abusive treatment during facility delivery in Tanzania: a facility and community survey. Health Policy Plan 2018; 33:e26-33.. Contudo, até mesmo um dos instrumentos mais populares, proposto por Bohren et al. 4545. Bohren MA, Vogel JP, Fawole B, Maya ET, Maung TM, Baldé MD, et al. Methodological development of tools to measure how women are treated during facility-based childbirth in four countries: labor observation and community survey. BMC Med Res Methodol 2018; 18:132., apresenta limitações importantes, como a não investigação da violência sexual. Portanto, entende-se que ainda não há um instrumento para mensuração de desrespeito e abuso no parto aceito universalmente 44. Leite TH, Marques ES, Esteves-Pereira AP, Nucci MF, Portella Y, Leal MC. Desrespeitos e abusos, maus tratos e violência obstétrica: um desafio para a epidemiologia e a saúde pública no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:483-91..
A ausência dessa ferramenta, aliada à falta de um termo padronizado para esse tipo de assistência, é um obstáculo para estimar prevalência, fatores de risco e consequências, bem como para comparar os resultados entre os estudos disponíveis sobre o tema 44. Leite TH, Marques ES, Esteves-Pereira AP, Nucci MF, Portella Y, Leal MC. Desrespeitos e abusos, maus tratos e violência obstétrica: um desafio para a epidemiologia e a saúde pública no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:483-91.. Dentre as nomenclaturas utilizadas para nomear esse fenômeno, além de desrespeito e abuso no parto, destacam-se maus-tratos à mulher no parto, violência institucional de gênero no parto, assistência desumana/desumanizada e violência obstétrica 22. Tesser CD. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Rev Bras Med Fam Comunidade 2015; 10:1-12.,33. Sadler M, Santos MJ, Ruiz-Berdún D, Rojas GL, Skoko E, Gillen P, et al. Moving beyond disrespect and abuse: addressing the structural dimensions of obstetric violence. Reprod Health Matters 2016; 24:47-55.,44. Leite TH, Marques ES, Esteves-Pereira AP, Nucci MF, Portella Y, Leal MC. Desrespeitos e abusos, maus tratos e violência obstétrica: um desafio para a epidemiologia e a saúde pública no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:483-91.,4747. Katz L, Amorim MM, Giordano JC, Bastos MH, Brilhante AVM. Quem tem medo da violência obstétrica? Rev Bras Saúde Matern Infant 2020; 20:627-31.. Bastante conhecido do público em geral, a terminologia violência obstétrica é alvo de críticas, especialmente dos profissionais de saúde, que defendem que algumas práticas consideradas como violência são procedimentos rotineiros na assistência ao parto. Além disso, a palavra “obstétrica” pode ser associada de forma errônea às condutas exclusivas do profissional médico, desconsiderando as atitudes dos outros profissionais de saúde e da estrutura da instituição em que ocorre o parto 44. Leite TH, Marques ES, Esteves-Pereira AP, Nucci MF, Portella Y, Leal MC. Desrespeitos e abusos, maus tratos e violência obstétrica: um desafio para a epidemiologia e a saúde pública no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:483-91.,4848. Asefa A, Bekele D. Status of respectful and non-abusive care during facility-based childbirth in a hospital and health centers in Addis Ababa, Ethiopia. Reprod Health 2015; 12:33..
Os achados constataram também que as mulheres que sofreram desrespeito e abuso no parto estiveram mais propensas a apresentar sintomas de depressão pós-parto, com aumento entre 1,6 e 7 vezes no risco 3232. Souza KJ, Rattner D, Gubert MB. Institutional violence and quality of service in obstetrics are associated with postpartum depression. Rev Saúde Pública 2017; 51:69.,3333. Silveira MF, Mesenburg MA, Bertoldi AD, Mola CL, Bassani DG, Domingues MR, et al. The association between disrespect and abuse of women during childbirth and postpartum depression: findings from the 2015 Pelotas birth cohort study. J Affect Disord 2019; 256:441-7.. A literatura dispõe de poucos estudos que possam ser comparados com esses resultados, uma vez que a maioria das pesquisas investiga os tipos e a prevalência de derespeito e abuso no parto 4141. Galle A, Manaharlal H, Cumbane E. Disrespect and abuse during facility-based childbirth in Southern Mozambique: a cross-sectional study. BMC Pregnancy Childbirth 2019; 19:369.,4343. Abuya T, Ndwiga C, Ritter J, Kanya L, Bellows B, Binkin N, et al. The effect of a multi-component intervention on disrespect and abuse during childbirth in Kenya. BMC Pregnancy Childbirth 2015; 15:224.,4848. Asefa A, Bekele D. Status of respectful and non-abusive care during facility-based childbirth in a hospital and health centers in Addis Ababa, Ethiopia. Reprod Health 2015; 12:33.,4949. Madeiro A, Rufino AC, Acaqui RF, Barbosa CM, Martins VMML, Sousa AMC. Disrespect and abuse during childbirth in maternity hospitals in Piauí, Brazil: a cross-sectional study. Int J Gynecol Obstet 2022; 159:961-7., havendo poucos artigos que analisam suas consequências 44. Leite TH, Marques ES, Esteves-Pereira AP, Nucci MF, Portella Y, Leal MC. Desrespeitos e abusos, maus tratos e violência obstétrica: um desafio para a epidemiologia e a saúde pública no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:483-91.. Contudo, corroborando a associação identificada nesta revisão, um estudo transversal realizado na Região Sul do Brasil com 2.687 puérperas demonstrou que o apoio dos profissionais no parto diminuiu em 23% o risco de depressão pós-parto 5050. Hartmann JM, Mendoza-Sassi RA, Cesar JA. Depressão entre puérperas: prevalência e fatores associados. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00094016.. Por outro lado, ausência de informações sobre os procedimentos, falta de participação das mulheres na tomada de decisões referentes ao parto e tratamento desumano/desrespeitoso são fatores contribuintes para as experiências negativas ou traumáticas do parto 1616. Elmir R, Schmied V, Wilkes L, Jackson D. Women's perceptions and experiences of a traumatic birth: a meta-ethnography. J Adv Nurs 2010; 66:2142-53., colaborando para a ocorrência de sofrimento psicológico como a depressão pós-parto 5151. Bell AF, Andersson E. The birth experience and women's postnatal depression: a systematic review. Midwifery 2016; 39:112-23..
Apesar da associação observada neste estudo, é necessário ter cautela ao analisar os resultados, tendo em vista que a EPDS, utilizada nos estudos incluídos para avaliar a depressão pós-parto, é uma ferramenta para rastreio da depressão pós-parto, e não para diagnóstico 5252. Cox JL, Holden JM, Sagovsky R. Detection of postnatal depression. Development of the 10-item Edinburgh Postnatal Depression Scale. Br J Psychiatry 1987; 50:782-6.. Além disso, a ocorrência do transtorno pode estar relacionada a outros fatores, diferentes do desrespeito e abuso no parto, tais como histórico de depressão, baixo apoio social, gravidez não planejada ou indesejada, violência doméstica, eventos estressantes da vida, relacionamento conjugal ruim e dificuldades financeiras 2020. Wang Z, Liu J, Shuai H, Cai Z, Fu X, Liu Y, et al. Mapping global prevalence of depression among postpartum women. Transl Psychiatry 2021; 11:543.,5353. Norhayati MN, Hazlina NH, Asrenee AR, Emilin WM. Magnitude and risk factors for postpartum symptoms: a literature review. J Affect Disord 2015; 175:34-52..
Deve ser ressaltado que esta revisão apresenta limitações que devem ser consideradas. Primeiro, a estratégia de busca empregada pode não ter sido suficientemente abrangente para identificar todo o conteúdo disponível sobre o tema, tendo em vista que há falta de consenso na definição para a assistência desrespeitosa e abusiva no parto. Depois, os estudos incluídos utilizaram instrumentos distintos para avaliar o desrespeito e abuso no parto, o que pode ter interferido na associação. Por fim, a ocorrência de depressão pós-parto e desrespeito e abuso no parto foi investigada com instrumentos baseados nos autorrelatos das participantes, o que favorece o viés de memória. No entanto, a lacuna científica identificada nesta revisão poderá incentivar a elaboração de pesquisas futuras. Além disso, nossos resultados poderão contribuir para o corpo da literatura sobre esse tema, bem como reforçar a necessidade de uma terminologia e um instrumento de avaliação universal para a assistência desrespeitosa e abusiva no parto.
Conclusão
Os resultados deste estudo sugerem que o desrespeito e abuso no parto está associado ao risco aumentado para o desenvolvimento de depressão pós-parto. Os achados também evidenciaram escassez de pesquisas científicas sobre o tema. Recomenda-se que novas investigações sobre a relação entre desrespeito e abuso no parto e depressão pós-parto sejam realizadas, tendo em vista que a identificação dos fatores de risco da depressão pós-parto poderá auxiliar no desenvolvimento de estratégias para reduzir a ocorrência desse transtorno.
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
08 Maio 2023 - Data do Fascículo
2023
Histórico
- Recebido
10 Dez 2022 - Revisado
27 Fev 2023 - Aceito
01 Mar 2023