Fatores associados à notificação pós-óbito de casos de tuberculose no Brasil, 2014

Factores asociados a la notificación posterior a la muerte por casos de tuberculosis en Brasil, 2014

Ursila Manga Aridja Marli Souza Rocha Patrícia Bartholomay Daniele Maria Pelissari Daiane Alves da Silva Katia Crestine Poças Elisabeth Carmen Duarte Sobre os autores

Resumo:

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 1,6 milhão de mortes e 10,6 milhões de casos de tuberculose (TB) ocorreram no mundo em 2021. Quando a doença é oportunamente tratada com o esquema terapêutico recomendado, 85% dos pacientes se curam. A ocorrência de óbito por TB sem notificação anterior denuncia falhas no acesso ao tratamento oportuno e efetivo. Sendo assim, este estudo objetivou caracterizar os casos de TB notificados pós-óbito no Brasil. Trata-se de estudo caso-controle aninhado na coorte de casos novos de TB notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). As variáveis analisadas foram: características selecionadas do indivíduo (sexo, idade, raça/cor, escolaridade), do município (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - IDH-M, taxa de pobreza, porte municipal, região e município), dos serviços de saúde e causa básica ou associada de morte. Foi estimada regressão logística respeitando um modelo de análise hierárquico. Pessoas com TB de 60 anos de idade ou mais (OR = 1,43), de baixa escolaridade (OR = 1,67), com desnutrição (OR = 5,54), residentes em municípios com baixo IDH-M, de porte populacional médio (OR = 1,26), na Região Norte (OR = 2,42) apresentaram maior chance de notificação pós-óbito. Fatores protetores foram coinfecção HIV-TB (OR = 0,75), neoplasias malignas (OR = 0,62) e residência em municípios com alta cobertura de atenção básica (OR = 0,79). A priorização das populações vulneráveis é necessária para enfrentar as dificuldades de acesso ao diagnóstico e tratamento da TB no Brasil.

Palavras-chave:
Tuberculose; Notificação; Sistemas de Informação

Resumen:

La Organización Mundial de la Salud (OMS) estima que en 2021 se produjeron 1,6 millones de muertes por tuberculosis (TB) y 10,6 millones de casos de esta afección por todo el mundo. Si los pacientes siguen el tratamiento recomendado para la TB, un 85% logran la cura. Las muertes por TB sin notificación previa de caso indican fallas en el acceso a este tratamiento oportuno y efectivo. Por lo tanto, este estudio tuvo como objetivo caracterizar los casos de TB que tuvieron notificación posterior a la muerte en Brasil. Este es un estudio de caso-control anidado dentro de la cohorte de nuevos casos de TB informados al Sistema de Información de Enfermedades de Notificación Obligatoria (SINAN). Las siguientes variables fueron analizadas: características seleccionadas del individuo (sexo, edad, etnia/color, nivel de instrucción) y del municipio (Índice de Desarrollo Humano Municipal -IDH-M, tasa de pobreza, tamaño del municipio, región y municipio), servicios de salud y condiciones y causa de la muerte o su asociación. La regresión logística se estimó desde un modelo de análisis jerárquico. Las personas con TB de 60 años o más (OR = 1,43), con bajo nivel de instrucción (OR = 1,67), con desnutrición (OR = 5,54), residentes en municipios con bajo IDH-M, de tamaño poblacional medio (OR = 1,26) y en la Región Norte (OR = 2,42) tuvieron mayor probabilidad de notificación posterior a la muerte. Los factores protectores fueron la coinfección VIH-TB (OR = 0,75), neoplasias malignas (OR = 0,62) y vivir en ciudades con alta cobertura de atención primaria (OR = 0,79). Es necesario priorizar las poblaciones vulnerables para enfrentar las dificultades de acceso al diagnóstico y tratamiento de la TB en Brasil.

Palabras-clave:
Tuberculosis; Notificación; Sistemas de Información

Introdução

A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa grave, mas a morte pode ser considerada um desfecho evitável na maioria das vezes 11. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.. Para a TB pulmonar sensível - grande maioria dos casos -, o diagnóstico, o manejo clínico e o tratamento efetivo estão disponíveis, no Brasil, em todos os níveis de atenção do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo realizados preferencialmente na atenção básica 11. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.. Ainda assim, 10 milhões de pessoas adoeceram e 145 mil morreram devido à TB, no mundo, em 2018 22. Pan American Health Organization. Tuberculosis in the Americas 2018. Washington DC: Pan American Health Organization; 2018.. A região das Américas contribuiu com 3% desses casos e o Brasil representou 32% dos casos novos da região 22. Pan American Health Organization. Tuberculosis in the Americas 2018. Washington DC: Pan American Health Organization; 2018.. Isso corresponde a mais de 75 mil casos novos diagnosticados e cerca de 4.400 mortes a cada ano no país 33. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico 2018; 49(11)..

Diante desse cenário, em 2014, foi aprovada a estratégia End TB, alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização Mundial da Saúde (OMS) 44. World Health Organization. Global tuberculosis report 2019. Geneva: World Health Organization; 2019.. A estratégia tem três pilares fundamentais: atenção e prevenção integradas, centradas no paciente; políticas arrojadas e sistemas de apoio, com ênfase na proteção de populações vulneráveis; e intensificação da pesquisa e inovação 44. World Health Organization. Global tuberculosis report 2019. Geneva: World Health Organization; 2019.. Para construir estratégias efetivas e amplas que contemplem esses três pilares, a subnotificação de casos e óbitos por TB e o amplo acesso ao diagnóstico e tratamento oportuno e efetivo são desafios a serem superados para o alcance das metas nacionais e internacionais pactuadas 55. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Protocolo de vigilância do óbito com menção de tuberculose nas causas de morte. Brasília: Ministério da Saúde; 2017..

Um estudo descritivo anterior 66. Aridja UM, Gallo LG, Oliveira AFM, Silva AWM, Duarte EC. Casos de tuberculose com notificação após o óbito no Brasil, 2014: um estudo descritivo com base nos dados de vigilância. Epidemiol Sev Saúde 2020; 29:e2020060. utilizou relacionamento probabilístico de grandes bases de dados da vigilância em saúde e identificou que 2.506 (93%) casos de TB no Brasil, em 2014, não tiveram a devida notificação no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), sendo detectados apenas na ocasião da morte. Esses casos com notificação pós-óbito apresentam grande vulnerabilidade e a hipótese é de que parcela importante deles não teve acesso à rede de atenção à saúde, particularmente relacionada à TB.

Esse tipo de notificação pós-óbito de casos de TB é um fenômeno complexo e os fatores associados a ele merecem ser melhor compreendidos. Embora exista estudo que discuta a subnotificação de óbitos por TB no Brasil, não foram encontrados artigos que caracterizassem os fatores associados à notificação pós-óbito da TB em âmbito nacional, sendo esse o objetivo deste estudo.

Método

Trata-se de um estudo caso-controle, não pareado, aninhado na coorte de casos novos de TB notificados nos sistemas de vigilância do Brasil.

A população do estudo foi composta por pessoas diagnosticadas com TB (todas as formas clínicas), com 15 anos de idade ou mais, com a variável sexo preenchida, e que foram a óbito no Brasil em 2014 - ano de referência da notificação dos casos.

Os dados foram obtidos a partir do relacionamento probabilístico entre a base de dados do SINAN-TB para o ano de 2014 e a do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) para os anos de 2014 e 2015. Esse procedimento foi realizado pelos técnicos do Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), do Ministério da Saúde, e fornecido aos pesquisadores sem identificação dos sujeitos.

As notificações do SIM que parearam com uma notificação no SINAN-TB foram consideradas notificações regulares (notificação do caso antecedendo o óbito) (controles). As notificações do SIM que não parearam com nenhuma notificação no SINAN-TB foram consideradas notificações pós-óbito (casos). A única exceção foram as notificações presentes no SIM e no SINAN-TB com tipo de entrada no SINAN-TB como “pós-óbito”. Elas foram também somadas às notificações pós-óbito (casos).

No SIM, foram utilizados registros em que a TB era a causa básica ou causa associada, identificada na parte um ou dois da Declaração de Óbito (DO) - códigos A15.0 ao A19.0 da 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) 77. Organização Mundial da Saúde. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde, 10ª revisão. v. 1. São Paulo: Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português; 1995..

Foram consideradas variáveis de interesse:

(a) Características individuais: sexo, idade em anos completos (15-20, 20-40, 40-60, mais de 60 anos), escolaridade (nenhuma, 1-11 anos, 12 anos ou mais de estudo, ignorada [ignorada ou não se aplica]), raça/cor (branca e amarela, preta e parda, indígena, ignorada). As categorias branca e amarela foram analisadas juntas para otimizar o poder estatístico da análise.

(b) Características municipais (município de residência): Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) (baixo: < 0,6, médio: 0,6-0,7, alto: > 0,7, ignorado); percentual de pobreza: proporção dos indivíduos com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 140,00 mensais 88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Principais resultados - sinopse. População residente por sexo, 2010. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9662-censo-demografico-2010.html (accessed on 08/Nov/2019).
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(em Reais de agosto de 2010) (baixo: < 10, médio: 10-20, alto: > 20-45, muita alto: > 45, ignorado); porte populacional (pequeno: < 20 mil habitantes, médio: 20 mil-100 mil habitantes, grande: > 100 mil habitantes e ignorado); região do município (as cinco regiões brasileiras); município de residência (foram considerados separadamente os oito municípios com os mais elevados números de notificação pós-óbito de TB, os demais municípios foram agregados).

As variáveis IDH-M, percentual de pobreza e porte populacional - e respectivas categorizações - tiveram como fontes o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Principais resultados - sinopse. População residente por sexo, 2010. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9662-censo-demografico-2010.html (accessed on 08/Nov/2019).
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) 99. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Desenvolvimento humano para além das médias. Brasília: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; 2013..

(c) Causas de morte e principais doenças mencionadas na DO como causa básica ou causas associadas: foram selecionadas as causas de morte mais frequentes e/ou aquelas que demandam atenção continuada dos serviços de saúde, tais como as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).

(d) Características dos serviços de saúde: natureza jurídica do serviço de saúde de ocorrência do óbito (público, privado, sem fins lucrativos, ignorado); cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) (baixa: < 50%, média: 50%-75%, alta: > 75%) e cobertura de atenção básica (baixa: < 50%, média: 50%-75%, alta: > 75%); assistência médica para a doença que causou o óbito, conforme notificado na DO (sim, não, ignorado).

As variáveis referentes às coberturas de ESF e atenção básica foram acessadas no Departamento de Informática do Sistema Único de saúde (DATASUS) 1010. e-Gestor Atenção Básica. Cobertura da atenção básica. https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml (accessed on 20/Mar/2020).
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, assim como o tipo de estabelecimento de saúde (CNES) 1010. e-Gestor Atenção Básica. Cobertura da atenção básica. https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml (accessed on 20/Mar/2020).
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.

A equipe técnica do Ministério da Saúde efetuou o relacionamento probabilístico pelo software livre Reclink III 1111. Camargo Jr. KR, Coeli CM. Reclink: aplicativo para o relacionamento de bases de dados, implementando o método probabilistic record linkage. Cad Saúde Pública 2000; 16:439-47., aplicando uma rotina de múltiplos passos, cada um deles empregando determinada chave de blocagem. O relacionamento probabilístico é composto por uma etapa de padronização, cujo objetivo é uniformizar os arquivos para posterior utilização. A etapa seguinte, chamada propriamente de “relacionamento”, é composta por dois processos, blocagem e pareamento dos registros. Eles auxiliam na otimização do processo de comparação, dividindo as bases de dados em blocos lógicos, e na construção de escores, a partir de uma estratégia de blocagem empregada. Os parâmetros de relacionamento foram estimados mediante aplicação de algoritmos Expectation-Maximization (EM). A última etapa, de relacionamento dos dados, permite a criação de um novo arquivo, baseado nos dois arquivos relacionados. Os pares considerados “verdadeiros” são identificados segundo o escore definido, mediante conferência dos nomes completos da pessoa, da mãe e da data de nascimento. A cada passo de blocagem, foi feita uma revisão manual. Os registros duvidosos foram classificados como “não pares”.

Para verificar a associação entre as variáveis de interesse e o desfecho, foi realizada análise bruta e multivariável por meio de regressão logística não condicional. Na análise bruta, as associações entre as variáveis independentes e o desfecho “notificação pós-óbito” (sim, não) foram avaliadas e as variáveis com valor de p ≤ 0,20 foram elegíveis para entrar na análise multivariável.

Na etapa seguinte, o estudo respeitou um modelo de análise hierárquica. As variáveis de características individuais foram incluídas no nível hierárquico distal e foram ajustadas apenas entre si; as características municipais e as causas de morte foram as variáveis incluídas no nível hierárquico intermediário (medial) e foram ajustadas entre si e por variáveis estatisticamente significativas (p < 0,05) do nível hierárquico distal; as variáveis referentes às características dos serviços de saúde foram incluídas no nível hierárquico proximal e foram ajustadas entre si e por variáveis significativas dos níveis hierárquicos intermediário e distal. Em cada nível de análise multivariável foram mantidas somente aquelas variáveis que contribuíram de maneira significativa para a explicação do desfecho (p < 0,05), usando a estratégia stepwise backwards guiada manualmente. O resultado foi a combinação desses diferentes modelos finais ajustados por níveis hierárquicos mais distais aos da análise. As análises foram realizadas com o auxílio dos softwares Microsoft Office Excel 2013 (https://products.office.com/) e Stata, versão 11.0 (https://www.stata.com).

O estudo respeitou os preceitos éticos para condução de pesquisa com seres humanos. Uma vez que foram utilizados, exclusivamente, dados secundários não nominais, de acesso público, não houve a necessidade da aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

Resultados

Um total de 7.268 (100%) óbitos foi notificado com menção de TB em 2014 e 2015 (Figura 1). Destes, foram excluídos 118 registros por ser de pessoas menores de 15 anos de idade e/ou sem informação sobre o sexo do paciente (Figura 1). Entre eles, 4.447 (62,2%) foram considerados controles (notificações regulares) por ter formado pares considerados verdadeiros entre as bases de dados do SINAN-TB e do SIM; e os demais, 2.703 (37,8%), não pareados, foram considerados casos (notificações pós-óbito).

Figura 1
Seleção da população de estudo. Brasil, 2014.

As notificações pós-óbito incluem 2.506 (93%) casos registrados exclusivamente no SIM e 197 (7%) oriundos do SINAN-TB com tipo de entrada “pós-óbito”. Entre os casos (notificação pós-óbito), 40,2% tiveram TB como causa básica.

A população do estudo, de casos e controles, foi caracterizada pelo predomínio de homens (62,8%), com 40 anos de idade ou mais (44,2%), pretos ou pardos (61,3%), residentes em municípios de grande porte (64,9%), com alto IDH-M (64,8%), com baixa proporção de pobreza (64,8%), das regiões Sudeste (60,8%) e Nordeste (59,8%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características individuais e do município de residência dos casos de tuberculose (TB) que evoluíram para óbito segundo situação da notificação. Brasil, 2014.

Os seguintes grupos apresentaram maiores taxas de notificação pós-óbito, superiores à proporção geral da população de estudo (37,8%): mulheres (39,5%), idosos com 60 anos ou mais (43,1%), sem escolaridade (45,2%), indígenas (43,1%), residentes em municípios com IDH-M baixo (47,7%) ou médio (43,5%), com taxas de pobreza altas (45,01%) ou muito altas (47,8%), principalmente localizados nas regiões Norte (44,3%), Nordeste (40,1%) e Sudeste (39,2%), com porte populacional médio (43,8%) ou pequeno (41,2%), com destaque para as capitais Belém (Pará) (47,6%), Salvador (Bahia) (45,1%), Rio de Janeiro (39,30%) e demais municípios que não são capitais (39,7%) (Tabela 1).

Os óbitos com causa básica TB tiveram padrão semelhante aos óbitos com menção de TB (causa básica ou causa associada), porém as proporções de notificação pós-óbito se destacaram também em jovens com menos de 20 anos de idade (39,6%), além dos idosos (43,2%), residentes nas regiões Norte (52,3%) e Sudeste (42,6%) e da capital de São Paulo, com 43,9% de notificações (Tabela 1).

Depois da TB (61,1%), a aids foi a segunda doença mais frequentemente mencionada como causa básica do óbito da população de estudo (25,4%), seguida das neoplasias e doenças dos aparelhos circulatório e respiratório, que contribuíram com menos de 3% no total dos óbitos (dados não apresentados).

Foi possível observar uma menor proporção de notificações pós-óbito entre pessoas que receberam assistência médica para a doença que causou a morte (3%) comparadas àquelas que não tiveram esse tipo de assistência (18%). Os casos em que a DO ficou sem informação sobre o tipo de estabelecimento que atendeu a pessoa e se ela recebeu ou não assistência médica para a doença que desencadeou a morte apresentaram proporções elevadas de notificação da TB pós-óbito, 90,8% e 63,3%, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2
Características dos serviços de saúde por tipo, cobertura da atenção básica e assistência médica prestada aos casos de tuberculose (TB) que evoluíram para óbito, segundo situação da notificação. Brasil, 2014.

Na Tabela 3 são apresentadas as análises brutas e intermediárias dos diferentes modelos ajustados segundo níveis hierárquicos. A Tabela 4 apresenta resultados da análise multivariável no modelo final. Observa-se um gradiente de aumento de chance de notificação pós-óbito de TB com o aumento da idade, especialmente para pessoas com mais de 60 anos (OR = 1,43; IC95%: 1,26-1,63; p < 0,001). Pessoas com menos de 12 anos de estudo, sobretudo aquelas com nenhuma escolaridade (OR = 1,67; IC95%: 1,18-2,37; p = 0,003), apresentaram maior chance desse tipo de notificação do que as mais escolarizadas. Pessoas residentes em municípios com baixo IDH-M (OR = 1,37; IC95%: 1,05-1,79; p = 0,018), de porte médio (OR = 1,26; IC95%: 1,08-1,47; p = 0,003) e de outras regiões do Brasil, que não a Sul, também apresentaram maior chance de ter notificação pós-óbito quando comparadas às residentes em municípios de grande porte com alto IDH-M. Pessoas que moram em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), Recife (Pernambuco) e Manaus (Amazonas) apresentaram menores chances de notificação pós-óbito, enquanto as que residem em todos os demais municípios analisados individualmente (Fortaleza [Ceará], São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belém) ou em blocos (demais capitais e demais municípios) apresentaram chances significativamente maiores (p < 0,001) de ter uma notificação pós-óbito em comparação aos moradores de Porto Alegre (Tabela 4).

Tabela 3
Análises bruta e multivariada (parciais por níveis hierárquicos) da associação entre variáveis selecionadas e chance de um caso de tuberculose (TB) ter notificação pós-óbito. Brasil, 2014.
Tabela 4
Análise multivariável da associação entre variáveis selecionadas e chance de um caso de tuberculose (TB) ter notificação pós-óbito. Brasil, 2014.

Pessoas com HIV (OR = 0,75) ou neoplasias (OR = 0,62), quando aparecem como causa básica da morte, são significativamente associadas a menores chances de notificação de TB pós-óbito quando comparadas às pessoas que tiveram TB como causa básica do óbito. Por outro lado, pessoas que tiveram outras doenças respiratórias (OR = 1,54; IC95%: 1,08-2,18; p = 0,015), transtornos mentais e comportamentais (OR = 2,36; IC95%: 1,26-4,42; p = 0,007) e desnutrição (OR = 5,54; IC95%: 1,57-19,54; p = 0,008) tiveram maior chance de ter uma notificação de TB pós-óbito do que as pessoas com TB como causa básica (Tabela 3). Nesta análise, a hipertensão como causa básica também apontou aumento de chance de notificação pós-óbito (OR = 1,77) quando comparada à TB como causa básica, mas não significativa estatisticamente (p = 0,090).

Residentes de municípios com altas coberturas de atenção básica também tiveram menor chance de notificação de TB pós-óbito (OR = 0,79; IC95%: 0,65-0,96; p = 0,022) quando comparados com os moradores de municípios com baixa e média coberturas. Além disso, pessoas que não tiveram assistência médica para a doença que ocasionou o óbito demonstraram maior chance de notificações pós-óbito da TB (OR = 6,86; IC95%: 4,38-10,74; p < 0,001) do que as que tiveram. Vale notar que a ausência dessa informação sobre assistência médica apresentou uma elevada chance de ter notificação pós-óbito da TB após ajuste (OR = 58,55; IC95%: 46,55-73,65; p < 0,001) (Tabela 4).

Discussão

Este estudo evidenciou que em 38% das mortes por TB ocorridos no Brasil em 2014 houve a notificação da TB apenas nas circunstâncias do óbito (notificação pós-óbito). Tiveram maior chance de ter uma notificação pós-óbito de TB as pessoas com maior idade, com menor escolaridade, residentes em municípios com piores indicadores de desenvolvimento humano (IDH-M baixo), com baixa cobertura de atenção básica e sem menção sobre ter recebido assistência médica para a doença.

A notificação pós-óbito de TB pode ser consequência de diferentes cenários: (i) subdetecção do caso até o desfecho morte; (ii) detecção do caso, porém sem o devido tratamento e notificação; ou (iii) detecção e tratamento, mas sem a devida notificação ao SINAN-TB (exclusivamente subnotificação). Em todos esses três cenários, o desenvolvimento das oportunas ações de vigilância da TB fica comprometido 1212. Esmail H, Barry 3rd CE, Young DB, Wilkinson RJ. The ongoing challenge of latent tuberculosis. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci 2014; 369:20130437..

Não foi observada diferença entre mulheres e homens na chance de notificação pós-óbito (OR = 1,10; IC95%: 0,99-1,23). Em um estudo de avaliação da subnotificação dos casos de TB realizado em João Pessoa (Paraíba) entre 2001 e 2010, mulheres apresentaram maior chance de subnotificação de TB quando comparadas aos homens 1313. Santos ML, Coeli CM, Batista Jd'AL, Braga MC, Albuquerque MFPM. Fatores associados à subnotificação de tuberculose com base no Sinan Aids e Sinan Tuberculose. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180019.. Uma hipótese para esse achado seria a maior sensibilidade de detecção do bacilo de Koch nas amostras de escarro provenientes do sexo masculino 1313. Santos ML, Coeli CM, Batista Jd'AL, Braga MC, Albuquerque MFPM. Fatores associados à subnotificação de tuberculose com base no Sinan Aids e Sinan Tuberculose. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180019., além da maior facilidade de extração do escarro conferida pela musculatura peitoral masculina. Por outro lado, homens tendem a procurar menos os serviços de saúde quando comparados às mulheres 1414. Teixeira DBS, Cruz SPL. Atenção à saúde do homem: análise da sua resistência na procura dos serviços de saúde. Rev Cuba Enferm 2016; 32(4). https://revenfermeria.sld.cu/index.php/enf/article/view/985.
https://revenfermeria.sld.cu/index.php/e...
,1515. Costa-Júnior FM, Couto MT, Maia ACB. Gênero e cuidados em saúde: concepções de profissionais que atuam no contexto ambulatorial e hospitalar. Sex Salud Soc 2016; (23):97-117.. Dessa forma, fatores concorrentes em direção oposta, como a menor busca pelo serviço, poderiam anular o efeito protetor do sexo masculino e justificar os achados de nosso estudo de não associação entre sexo e chance de notificação pós-óbito da TB.

Pessoas com 60 anos ou mais tiveram maior chance de serem notificadas somente na circunstância de óbito, o que corrobora estudo realizado em um município do Estado do Rio de Janeiro 1616. Pinheiro RS, Andrade VL, Oliveira GP. Subnotificação da tuberculose no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN): abandono primário de bacilíferos e captação de casos em outras fontes de informação usando linkage probabilístico. Cad Saúde Pública 2012; 28:1559-68.. Além disso, pessoas idosas tendem a ter maiores proporções de causas básicas mal definidas ou com códigos “não especificados” 1717. Paula FL, Cunha GM, Leite IC, Pinheiro RS, Valente JG. Readmissão e óbito de idosos com alta após internação por fratura proximal de fêmur, ocorrida nos hospitais do sistema único de saúde entre os anos de 2008 e 2010, Rio de Janeiro. Rev Bras Epidemiol 2015; 18:439-53., o que pode se explicar pela coexistência de múltiplas doenças crônicas com o aumento da idade, resultando em certa dificuldade de elucidação diagnóstica e mascaramento da TB.

Foi observada maior chance de notificação pós-óbito entre residentes de municípios com baixo IDH-M. Estudo realizado pela OMS, que avaliou a tendência da TB e seus determinantes em 134 países 1818. Dye C, Lönnroth K, Jaramillo E, Williams BG, Raviglione M. Trends in tuberculosis incidence and their determinants in 134 countries. Bull World Health Organ 2009; 87:683-91., encontrou um declínio mais acentuado na incidência da TB em países com maior IDH-M. Figurando entre os fatores socioeconômicos conhecidos que aumentam a vulnerabilidade dos sujeitos à TB 1919. Pedro AS, Oliveira RM. Tuberculose e indicadores socioeconômicos: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Pública 2013; 33:294-301., a baixa escolaridade representou um fator de maior chance para notificação pós-óbito. Isso pode ser justificado pela desigualdade de acesso à informação e aos recursos de saúde - incluindo diagnóstico e tratamento da TB - entre pessoas com baixa escolaridade, além de ser o grupo que apresenta elevadas proporções de subnotificação de TB 2020. Romero ROG, Ribeiro CMC, Sá LD, Villa TCS, Nogueira JDA. Subnotificação de casos de tuberculose a partir da vigilância do óbito. Rev Eletrônica Enferm 2016; 18:e1161..

A perpetuação da TB em regiões e municípios mais empobrecidos denuncia, para além da vulnerabilidade populacional, fragilidades na rede de prevenção, controle e vigilância da doença, incluindo maior probabilidade de subdetecção e subnotificação de casos e contatos. Pelissari et al. 2121. Pelissari DM, Rocha MS, Bartholomay P, Sanchez MN, Duarte EC, Arakaki-Sanchez D, et al. Identifying socioeconomic, epidemiological and operational scenarios for tuberculosis control in Brazil: an ecological study. BMJ Open 2018; 8:e018545., em estudo ecológico, identificaram cenários de acordo com variáveis socioeconômicas, epidemiológicas e operacionais. Os autores descrevem associação inversa entre indicadores operacionais selecionados - relativos ao bom desempenho da vigilância da doença - e taxa de incidência da TB, especialmente no agregado de baixo nível socioeconômico dos municípios.

Este estudo também identificou que pessoas que não receberam assistência para a doença que causou a morte apresentaram maiores chances de notificação pós-óbito que as demais. Esse fato reforça ainda mais o argumento de que esse grupo de indivíduos é composto por sujeitos excluídos do sistema de atenção à saúde e que, muito provavelmente, não tiveram chance de acessar diagnóstico ou tratamento oportunos e adequados da TB ou da doença causa básica da morte. Acrescido a isso, deve-se considerar o que Mendes 2222. Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2012. alerta sobre os contextos organizacionais e operacionais do sistema de saúde do Brasil. Historicamente, a oferta de atenção é realizada de maneira fragmentada, reativa e episódica em muitos cenários. Esse resultado nos leva a reflexões sobre os desafios referentes ao manejo do tratamento da TB, que, como condição crônica, requer uma estruturação dos serviços e organização em rede de atenção continuada e integral.

Neste estudo, a desnutrição como causa básica de morte foi associada à maior chance de notificação de TB pós-óbito. Ela é um marcador de grande debilidade física e, possivelmente, de baixo nível socioeconômico e ausência de acesso a serviços de saúde de qualidade, justificando novamente o pressuposto de que essa é uma população de grande vulnerabilidade social 2323. Longhi RMP. Fatores de risco associados ao desenvolvimento de tuberculose na população urbana do município de Dourados-MS [Master's Thesis]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2013.. Por outro lado, vale destacar que outras doenças respiratórias, transtornos mentais e comportamentais, e mesmo a desnutrição, são agravos que podem determinar múltiplos contatos com profissionais e serviços de saúde 2424. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Noncommunicable diseases and the use of health services: analysis of the National Health Survey in Brazil. Rev Saúde Pública 2017; 51 Suppl 1:4s.,2525. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes para o cuidado das pessoas com doenças crônicas nas redes de atenção à saúde e nas linhas de cuidado prioritárias. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.. Para as pessoas que entraram em contato com os serviços de saúde apresentando outras queixas, a maior chance de notificação de TB pós-óbito pode refletir perda de oportunidade de diagnóstico de TB nas visitas realizadas aos serviços de saúde, culminando na morte sem a adequada detecção prévia da TB. Reflexões sobre a integralidade do cuidado nesse contexto hipotético são necessárias.

Por outro lado, pessoas com aids ou neoplasias como causa básica de morte apresentaram menor chance de notificação da TB após o óbito em comparação ao grupo que tinha a TB como causa básica de morte. Estudo realizado por Santos et al. 1313. Santos ML, Coeli CM, Batista Jd'AL, Braga MC, Albuquerque MFPM. Fatores associados à subnotificação de tuberculose com base no Sinan Aids e Sinan Tuberculose. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180019. mostrou menor proporção (29%) de subnotificação de TB no SINAN-aids quando comparada com o SIM (39%). Espera-se que exista alta sensibilidade do sistema de saúde para a detecção de TB entre pessoas com aids, o que pode explicar, em parte, esse fato, não sendo essa afirmativa igualmente verdadeira para outros agravos, conforme mencionado anteriormente. Aliado a isso, pessoas com aids demandam múltiplos contatos com profissionais e serviços de saúde especializados devido às especificidades dos tratamentos e aos exames de acompanhamento, o que, nesse caso em particular, pode explicar parcialmente esses achados - e talvez seja também verdadeiro para pessoas com neoplasia.

A menor chance de ter uma notificação de TB pós-óbito foi observada entre residentes de municípios com altas coberturas de atenção básica quando comparados com pessoas que residem em municípios com média e baixa cobertura. Estudos têm descrito que altas coberturas da atenção básica, especialmente no formato da ESF, têm impacto relevante em vários desfechos em saúde, tais como na redução da mortalidade infantil e no risco de adoecimento e morte por doenças cardiovasculares 2626. Rasella D, Harhay MO, Pamponet ML, Aquino R, Barreto ML. Impact of primary health care on mortality from heart and cerebrovascular diseases in Brazil: a nationwide analysis of longitudinal data. BMJ 2014; 349:g4014.,2727. Aquino R, Oliveira NF, Barreto ML. Impact of the Family Health Program on infant mortality in Brazilian municipalities. Am J Public Health 2009; 99:87-93.. A atenção básica é o eixo estruturante do SUS, porta de entrada preferencial e ordenadora dos serviços de saúde, com as funções de resolubilidade, coordenação e responsabilização 2222. Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2012.. Devido às suas características de oferecer uma atenção integral, espera-se que as ações facilitem a prevenção, a detecção e o acompanhamento das pessoas com TB, que podem, em tese, ser favorecidas nesse cenário. Entretanto, desafios persistem na descentralização das ações de controle da TB para a atenção básica, a exemplo do descrito por Wysocki et al. 2828. Wysocki AD, Ponce MAZ, Brunello MEF, Beraldo AA, Vendramini SHF, Scatena LM, et al. Atenção primária à saúde e tuberculose: avaliação dos serviços. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:161-75., que apontaram fragilidades de diferentes naturezas: no envolvimento dos profissionais junto às ações de controle, verticalização centralizada das ações de controle no âmbito da atenção básica, rotatividade de profissionais, debilidades no processo de capacitação profissional, necessidade de avançar na articulação entre os pontos de atenção à saúde, entre outras.

Acrescido às características já mencionadas da atenção básica, Pelissari et al. 2121. Pelissari DM, Rocha MS, Bartholomay P, Sanchez MN, Duarte EC, Arakaki-Sanchez D, et al. Identifying socioeconomic, epidemiological and operational scenarios for tuberculosis control in Brazil: an ecological study. BMJ Open 2018; 8:e018545. estudaram a associação entre a oferta da atenção básica e a incidência de TB no Brasil. O estudo estimou em modelos ajustados que um incremento de 10% na cobertura da atenção básica nos municípios se associa a uma redução de 2,24% na taxa de incidência da TB; e que a detecção da TB estava associada a diferentes características de serviços e ações ofertados no âmbito da atenção básica, como a busca ativa de casos de TB. Os achados de Pelissari et al. 2121. Pelissari DM, Rocha MS, Bartholomay P, Sanchez MN, Duarte EC, Arakaki-Sanchez D, et al. Identifying socioeconomic, epidemiological and operational scenarios for tuberculosis control in Brazil: an ecological study. BMJ Open 2018; 8:e018545. corroboram os resultados deste estudo, sugerindo que a oferta de serviços pela atenção básica exerce um papel importante na vigilância da doença, incluindo prevenção, diagnóstico e tratamento tardios da TB no nível local.

Corroborando dados do Ministério da Saúde de 2015 sobre os coeficientes de mortalidade, as regiões Nordeste e Norte apresentaram maior chance de notificação de TB pós-óbito 99. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Desenvolvimento humano para além das médias. Brasília: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; 2013.,2929. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Panorama da tuberculose no Brasil: a mortalidade em números. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.. A mesma constatação foi feita no estudo realizado entre 2012 e 2014, que analisou 14 indicadores de qualidade dos dados, oportunidade e aceitabilidade da vigilância da TB no Brasil 3030. Silva GDM, Bartholomay P, Cruz OG, Garcia LP. Avaliação da qualidade dos dados, oportunidade e aceitabilidade da vigilância da tuberculose nas microrregiões do Brasil. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:3307-19., em que os autores identificaram grandes desigualdades geográficas desses indicadores, mas apontaram que as microrregiões prioritárias para o aperfeiçoamento da vigilância estão predominantemente localizadas nas regiões centro-norte do Brasil, concordando com parte de nossos achados. Essa observação pode se explicar pelo fato de as duas regiões terem parcelas importantes da população sujeitas à grande vulnerabilidade social 99. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Desenvolvimento humano para além das médias. Brasília: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; 2013.,2929. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Panorama da tuberculose no Brasil: a mortalidade em números. Brasília: Ministério da Saúde; 2016..

O estudo apresenta entre suas limitações falhas no preenchimento de dados secundários, como pode ser visto em algumas variáveis. Outra limitação reside nas possíveis falhas do relacionamento probabilístico realizado. Neste estudo, consideramos óbitos com menção da TB encontrados exclusivamente no SIM como notificação pós-óbito, assumindo que essas pessoas não tiveram uma notificação anterior. O relacionamento probabilístico de bases de dados pode ter permitido erros de classificação em seu processo. Além disso, vale lembrar que o campo para a categoria “pós-óbito” só foi incluído no SINAN-TB no fim de 2014. Assim, anteriormente, óbitos com essa característica não eram devidamente identificados no SINAN. Finalmente, e mais importante, é impossível discriminar entre as notificações pós-óbito identificadas neste estudo os casos que foram apenas subnotificados daqueles que foram subdetectados - como anteriormente discutido. De qualquer modo, os resultados apontam que a parcela de casos apenas subnotificados não é muito relevante, uma vez que o perfil encontrado é consistente com o perfil da população desfavorecida do Brasil e com importante dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

Este estudo é o primeiro a identificar fatores associados à notificação de TB pós-óbito no Brasil por meio de um banco de dados oriundo do relacionamento probabilístico do SINAN-TB e do SIM. No Brasil, a morte por TB - principalmente a TB pulmonar - é um evento sentinela que alerta para falhas na atenção e vigilância da doença, já que o diagnóstico, o manejo clínico e o tratamento efetivo estão disponíveis na atenção básica 11. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.. A morte com menção de TB, cuja condição foi apenas detectada depois do óbito, denuncia fragilidades nessa rede de atenção, compromete a prevenção e o controle de novos casos e a interrupção da cadeia de transmissão da doença na comunidade, que, portanto, merece ser priorizada entre as ações de controle da doença. Os resultados discutidos permitem abrir um campo de estudo para abordar novas questões de pesquisa, assim como fornecem elementos para advogar em favor de uma parcela de casos de TB invisível ao sistema de vigilância e de atenção à doença.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2021
  • Revisado
    21 Fev 2023
  • Aceito
    27 Fev 2023
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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