Estado e acumulação de capital na saúde brasileira sob a ótica da Teoria Marxista da Dependência

State and capital accumulation in Brazilian health from the perspective of the Marxist Dependency Theory

Estado y acumulación de capital en la salud brasileña desde la perspectiva de la Teoría Marxista de la Dependencia

Paulo Henrique de Almeida Rodrigues Arthur Lobo Costa Mattos Nercilene Santos da Silva Monteiro Roberta Dorneles Ferreira da Costa Silva Valentina Sofía Suárez Baldo Sobre os autores

Resumo:

O setor de saúde constitui um dos maiores campos de desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico do Brasil e tem sido arena de disputa entre os interesses capitalistas, que entendem a saúde como bem de mercado, e os defensores do acesso universal, que a entendem como bem essencial. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 determinou que a saúde é direito de todos e dever do Estado, e, desde então, o país avança com a política pública, mas sofre recuos e bloqueios pela condição de país de economia periférica, historicamente subordinado aos interesses dos países centrais, que o veem como um amplo mercado consumidor. Esses interesses externos, associados à burguesia interna, têm obtido vantagens do Estado brasileiro desde a década de 1960, quando a formação de grupos empresariais se expandiu, dominando diversos segmentos da saúde, sobretudo a partir de políticas neoliberais dos anos de 1990. Esses aspectos são muito explorados nas publicações do campo da Saúde Coletiva, mas este texto busca uma nova abordagem, utilizando a Teoria Marxista da Dependência como referência para analisar, ainda que de forma preliminar, a situação de dependência política, econômica e tecnológica que tem distanciado a política de saúde dos ideais de um sistema público e universal, defendido na Reforma Sanitária brasileira.

Palavras-chave:
Economia; Sistema Único de Saúde; Desenvolvimento Tecnológico

Abstract:

The health sector is one of the major fields of economic, social, scientific, and technological development in Brazil, and has been the arena of dispute between capitalist interests that regard health as a commodity and advocates of universal access who regard health as an essential good. The Brazilian Federal Constitution of 1988 determined that health is a fundamental right and the State’s responsibility, and since then the country has made progress with public policy, but has suffered setbacks and blockages due to its status as a peripheric country, historically subordinated to the interests of core countries, which see Brazil as a broad consumer market. These external interests associated with the internal bourgeoisie have been taking advantage of the Brazilian State since the 1960s, when the foundation of business groups expanded, dominating various health segments, especially since the neoliberal policies of the 1990s. These aspects are much explored in publications in Public Health, but this text seeks a new approach, using the Marxist Theory of Dependency as a reference to analyze, albeit in a preliminary way, the situation of political, economic, and technological dependence that has distanced health policy from the ideals of a public and universal system, defended in the Brazilian Health Reform.

Keywords:
Economics; Unified Health System; Technological Development

Resumen:

El sector de la salud es uno de los mayores campos de desarrollo económico, social, científico y tecnológico de Brasil y ha sido un escenario de disputa entre los intereses capitalistas, que entienden la salud como un bien de mercado, y los defensores del acceso universal, que entienden la salud como un bien esencial. En Brasil, la Constitución Federal de 1988 estableció que la salud es un derecho de todos y un deber del Estado, y desde entonces el país ha avanzado con políticas públicas, no exentas de retrocesos y bloqueos debido a la condición de país de periferia económica, históricamente subordinado a los intereses de los países centrales, que ven a Brasil como un amplio mercado consumidor. Estos intereses externos, asociados a la burguesía interna, han obtenido ventajas del Estado brasileño desde la década de 1960, cuando se expandió la formación de grupos empresariales, dominando varios segmentos de la salud, sobre todo a partir de políticas neoliberales de la década de 1990. Estos aspectos son ampliamente explorados en publicaciones del campo de la Salud Colectiva, pero este texto busca un nuevo enfoque, utilizando la Teoría Marxista de la Dependencia como referencia para analizar, aunque de forma preliminar, la situación de dependencia política, económica y tecnológica que ha alejado la política de salud de los ideales de un sistema público y universal, defendido en la Reforma Sanitaria brasileña.

Palabras-clave:
Economía; Sistema Único de Salud; Desarrollo Tecnológico

Introdução

O conjunto das atividades relacionadas à saúde humana constitui, atualmente, um dos maiores setores econômicos. De acordo com o Banco Mundial 11. The World Bank. Current health expenditure (% of GDP). https://data.worldbank.org/indicator/SH.XPD.CHEX.GD.ZS (acessado em 09/Mai/2023).
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, em 2020, os gastos em saúde alcançaram 10,89% do produto interno bruto (PIB) mundial, chegando a 10,31% no Brasil e a 18,82% nos Estados Unidos (Figura 1). Em termos da parcela do gasto privado no total do gasto em saúde, o Brasil, que tem um sistema público universal, paradoxalmente supera os Estados Unidos, país em que o sistema privado é dominante. Entre os anos 2000 e 2020, o gasto privado em saúde no Brasil foi, em média, 56,89% do gasto total, enquanto nos Estados Unidos foi de 51,44% (Figura 2). Destaca-se que, no Brasil, as principais despesas das famílias são com serviços privados de saúde e medicamentos 22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Conta-satélite de saúde 2010-2019. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101928_informativo.pdf (acessado em 17/Ago/2023).
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. O crescimento do gasto em saúde em nível mundial pode ser explicado, essencialmente, por dois fatores: a incorporação tecnológica 33. Newhouse JP. Medical care costs: how much welfare loss? J Econ Perspect 1992; 6:3-21.,44. Murthy VNR, Okunade AA. Determinants of U.S. health expenditure: evidence from autoregressive distributed lag (ARDL) approach to cointegration. Econ Model 2016; 59:67-73. e o envelhecimento da população 55. Nunes A. O envelhecimento populacional e as despesas do Sistema Único de Saúde. In: Camarano AA, organizador. Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2004. p. 427-50.,66. Silveira RE, Santos AS, Sousa MC, Monteiro TSA. Gastos relacionados a hospitalizações de idosos no Brasil: perspectivas de uma década. Einstein (São Paulo) 2013; 11:514-20.. Esses gastos são exacerbados pelo interesse de lucro do capital privado, que vê no setor de saúde uma das suas maiores oportunidades de ganho financeiro e se agudiza ainda mais em economias periféricas altamente dependentes das tecnologias produzidas pelo centro econômico.

Figura 1
Tendência de aumento das despesas correntes com saúde.

Figura 2
Gasto doméstico privado em saúde.

Essa crescente importância socioeconômica do setor de saúde torna mais dramáticos os conflitos entre os interesses públicos e os do capital privado, que contam, ainda, com o apoio de entidades e organizações e têm capacidade de influenciar as políticas públicas.

No Brasil, como será apresentado adiante, a presença do capital privado, tanto interno quanto estrangeiro, em todas as áreas do setor de saúde ocorre há décadas, com significativo crescimento, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 1960 e da década de 1990, quando passou a contar com incentivos ainda maiores por parte do Estado. Como veremos, o Estado assegura espaço para a burguesia interna, principalmente nos segmentos em que há baixa incorporação tecnológica e menores taxas de lucro, enquanto favorece a penetração e expansão do capital multinacional nos segmentos tecnologicamente mais sofisticados, que asseguram maior lucratividade.

Este ensaio procura historicizar a relação entre o capital interno, o capital estrangeiro e o Estado na saúde, com especial atenção às normativas, procurando observar aspectos de dependência política, econômica, tecnológica e cultural. Como aponta a Teoria Marxista da Dependência (TMD), em uma economia periférica, como a do Brasil, todas as atividades econômicas e o papel do Estado estão submetidos à condição de dependência, sendo necessário desvendar as formas concretas em que a estrutura dependente se configura na saúde.

Este artigo está organizado em duas partes: a primeira apresenta, de forma sumária, as contribuições da TMD para a compreensão das particularidades do capitalismo na América Latina, como um todo, e no Brasil, em específico. A segunda aborda o papel do Estado brasileiro no processo de acumulação de capital na saúde visando assegurar a permanência dos mecanismos da dependência no setor, observando três aspectos: a prestação de serviços, os seguros (mais conhecidos como planos de saúde) e a produção. Esta é, ainda, uma abordagem introdutória ao tema, indicando caminhos para que pesquisas empíricas futuras contribuam com evidências para materializar as questões aqui discutidas.

As contribuições da TMD para compreensão da dependência dos países periféricos

A TMD toma como ponto de partida a teoria marxista do valor-trabalho e a teoria leninista do imperialismo. Tem por base a reflexão crítica de Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra e Theotônio dos Santos com relação ao estruturalismo cepalino de Raul Prebisch e Celso Furtado e à vertente weberiana da Teoria da Dependência Associada de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto 77. Cardoso FH, Faletto E. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Editora LTC; 1970.. Seu primeiro impulso investigativo foi realizado entre meados da década de 1960 e fins da década de 1970.

A TMD considera que a condição de dependência se caracteriza pela transferência de valor do país dependente para as economias centrais do sistema capitalista, envolvendo diferentes processos baseados, sobretudo, na concentração da produção interna de mercadorias primárias e de produtos industrializados de baixa incorporação tecnológica. As economias dependentes estão reféns da importação de produtos industrializados e serviços mais complexos, os quais se valorizam no longo prazo em relação aos produtos primários exportados por economias periféricas 88. Economic Commission for Latin America. Economic survey of Latin America - 1949. Nova York: Economic Commission for Latin America; 1951.,99. Marini RM. Dialética da dependência. https://www.marxists.org/portugues/marini/1973/mes/dialetica.htm (acessado em 15/Mar/2023).
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. Mesmo em períodos de crescimento econômico impulsionado pela valorização de produtos primários - por exemplo, durante o “boom das commodities” do início dos anos 2000 -, a situação de dependência não se altera, uma vez que é formada por conjunturas instáveis e temporárias, sem mudanças estruturais nas relações econômicas. Esse intercâmbio desigual entre produtos de menor valor agregado em relação aos importados é afetado, também, pela variação cambial e a adoção do câmbio flexível 1010. Prates DM. O regime de câmbio flutuante no Brasil: 1999 - 2012: especificidades e dilemas. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2015.. O tema pode ser investigado pela análise das balanças comercial, tecnológica e de pagamentos entre países 1111. Santos FAV, Santana JR. Análise bibliométrica sobre balança de pagamento tecnológica como indicador de transferência de tecnologia. http://www.api.org.br/conferences/index.php/ISTI2017/ISTI2017/paper/viewFile/253/166 (acessado em 07/Mar/2023).
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Outra característica importante das economias dependentes é a grande presença do capital estrangeiro: as empresas multinacionais dominam os setores mais dinâmicos e mais lucrativos, relegando para a burguesia interna os setores de menor intensidade tecnológica e lucratividade. Essa grande e crescente presença do capital internacional nas economias dependentes aumenta a transferência de valor para o exterior em forma de lucros, royalties, patentes etc. Os movimentos de fusão e compra de empresas tecnológicas nacionais verificados ao longo das últimas quatro décadas são uma das expressões mais eloquentes desse processo.

A obrigação de transferir valor para as economias centrais condiciona as relações de produção nos países periféricos e suas estruturas sociais; a divisão internacional do trabalho, que se impõe sobre as economias dependentes, limita as possibilidades de apropriação do valor criado em seu interior. Nos marcos desse condicionamento, e buscando compensar essa limitação, a burguesia interna utiliza, de modo sistemático, a superexploração da força de trabalho, lançando grande parte da população numa situação caracterizada por baixos salários, longas jornadas, relações contratuais precárias, piores condições de trabalho em comparação àquelas que prevalecem nos países centrais e baixa incorporação tecnológica no processo produtivo 99. Marini RM. Dialética da dependência. https://www.marxists.org/portugues/marini/1973/mes/dialetica.htm (acessado em 15/Mar/2023).
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, reforçando e reconfigurando divisões territoriais, raciais e étnicas. Como fonte de acumulação de capital, essa modalidade de exploração vai além de limites “normais”, historicamente estabelecidos, avançando sobre o fundo de consumo do trabalhador ou o desgastando prematuramente. Exprime-se de múltiplas maneiras, algumas bastante distintas, desde a privatização de aposentadorias e serviços públicos, à redução da expectativa de vida de certas categorias submetidas a um processo de trabalho brutal, passando pela magnitude nacional e regional de acidentes de trabalho e afastamentos por problemas de saúde mental, para citar apenas alguns de seus efeitos.

A superexploração do trabalho reduz a capacidade de consumo de massa, o que prejudica o desenvolvimento do mercado interno, reforçando outro elemento do capitalismo dependente que é a cisão no ciclo do capital (produção, circulação, consumo) 1212. Luce MS. Teoria Marxista da Dependência. São Paulo: Expressão Popular; 2018.. Isso significa que, enquanto nos países centrais as esferas de produção e distribuição estão alinhadas ao padrão de consumo, ou seja, ao nível de renda e educação da população (industrialização orgânica), nas economias dependentes, ocorre uma cisão entre o que o país produz e o que a população tem capacidade de consumir. Essa é uma característica estrutural da América Latina, que teve início no século XIX e se estendeu até a década de 1920, período em que os investimentos estrangeiros direcionaram a maior parte da produção para matérias primas necessárias ao desenvolvimento produtivo em alta escala que acontecia nos países que se industrializaram primeiro. A satisfação da demanda interna se dava de forma limitada por importações, o que gerava uma cisão entre as esferas do mercado interno e do mercado externo nas periferias.

Após a Segunda Guerra Mundial, a América Latina teve seu sistema produtivo integrado à economia global sob hegemonia dos Estados Unidos. Nas formações econômico-sociais dependentes que já tinham iniciado o processo de industrialização, como o Brasil, Argentina e México, a cisão se reconfigurou. Os bens de produção, a tecnologia e o capital para utilizá-los são obtidos externamente, fazendo com que, por um lado, a produção interna de bens de consumo de massa não precise reinvestir seus ganhos em bens de capital e, por outro, seja viabilizada a produção de bens de luxo, que, dada a restrição do mercado interno em função dos baixos níveis de renda decorrente da superexploração do trabalho, não se universaliza e acaba destinada à exportação. No fim dos anos de 1970, o Brasil chegou a ter um nível industrial significativo que foi descontinuado com as aberturas comercial e de capital da década de 1990. Esse cenário configura uma industrialização não orgânica e desintegrada, que resulta na cisão entre a esfera alta e a esfera baixa do consumo, tornando a última pouco relevante para a acumulação de capital.

Mais recentemente, novos elementos se adicionam, com o advento da financeirização da economia. Considerando a integração dos mercados de crédito e de títulos em escala mundial, Luce 1212. Luce MS. Teoria Marxista da Dependência. São Paulo: Expressão Popular; 2018. sugere que o ciclo do capital das economias dependentes sofre uma nova cisão, entre a função capital-dinheiro e apropriação de valor sob a forma de lucros fictícios - hipótese mais complexa do que a sintética exposição permite aqui explicitar.

A cisão do ciclo do capital no setor da saúde pode ser analisada pelo fluxo dos mercados interno e externo, pela avaliação dos ramos e setores da produção, das distintas esferas de consumo e da difusão de bens e serviços.

O Estado brasileiro, a acumulação de capital e a dependência no setor de saúde

Segundo Maíra Machado Bichir 1313. Bichir MM. Aportes de Ruy Mauro Marini ao debate sobre o Estado nos países dependentes. Caderno CRH 2018; 31:535-53., não há, propriamente, uma concepção acabada sobre o Estado dependente nas obras de Marini, Bambirra e dos Santos, mas a autora aponta algumas características gerais. A primeira delas é que a ação do Estado é fundamental para a manutenção tanto dos mecanismos de transferência de valor para o exterior, quanto para a continuidade da superexploração da força de trabalho, que limitam sua soberania e a capacidade de gerar excedentes fiscais essenciais para a oferta de políticas sociais e serviços públicos. Além disso, pode-se acrescentar que o Estado dependente também adota mecanismos para gerir e atenuar a cisão do ciclo do capital. Atua não no sentido de melhorar amplamente a capacidade de consumo, por meio da valorização dos salários ou do investimento no sistema público, mas sim de garantir o consumo de “luxo” direcionado às classes médias por meio de subsídios e incentivos tributários.

Esse papel do Estado dependente o obriga, de forma recorrente, a lançar mão de medidas coercitivas mais extremas do que as que existem nos países centrais, o que explica os frequentes golpes de Estado e soluções autocráticas na América Latina e em outras regiões dependentes 1414. Fernandes F. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Curitiba: Kotter Editorial/São Paulo: Editora Contracorrente; 2020.. Tal fenômeno levou Marini, pensando nas ditaduras civis-militares latino-americanas das décadas de 1960 e 1970, a falar do aparecimento de um Estado de contrainsurgência 1313. Bichir MM. Aportes de Ruy Mauro Marini ao debate sobre o Estado nos países dependentes. Caderno CRH 2018; 31:535-53.. Jaime Osorio 1515. Osorio J. O Estado no centro da mundialização: a sociedade civil e o tema do poder. São Paulo: Expressão Popular; 2019., referindo -se à situação recente de alguns países como Honduras, Paraguai e Brasil, sustenta a emergência de um Estado de segurança com verniz eleitoral.

O papel do Estado dependente brasileiro foi variando ao longo do tempo, desde que as relações de dependência se estabeleceram e se desenvolveram. Angelita Matos Souza 1616. Souza AM. Dependência e governos do PT. Curitiba: Editora Appris; 2021. defende a existência de três fases distintas da dependência brasileira, que corresponderam a mudanças na forma de atuação do Estado. A primeira fase, denominada pela autora de dependência clássica, vai até 1930. Nela, o Estado brasileiro era dominado por oligarquias rurais e o país era essencialmente um exportador de matérias-primas para os países centrais. Na segunda fase - “nova dependência” -, que se inaugurou com a Revolução de 1930 e durou, grosso modo, até 1980, o Estado assumiu uma atuação intervencionista na economia e perseguiu um desenvolvimento econômico de cunho nacionalista, que foi inicialmente favorecido pelo enfraquecimento do centro do sistema imperialista entre 1914 e 1945. A terceira fase, iniciada em 1990, marca a “novíssima dependência” - termo cunhado por José Luís Fiori 1717. Fiori JL. A globalização e a "novíssima dependência". Rio de Janeiro: Instituto de Economia Industrial, Univesidade Federal do Rio de Janeiro; 1995. (Textos para Discussão, IEI/UFRJ, 343).. Nela, o Estado brasileiro renunciou à liderança do processo de desenvolvimento, adotando práticas, políticas e ideologia de corte neoliberal em voga no ambiente internacional, tomando por base o tripé macroeconômico neoliberal - câmbio flutuante, metas fiscais restritivas (contenção de gastos e investimentos públicos), para garantir superávit primário, e metas de inflação, perseguidas por política de juros altos sobre a dívida pública 1818. Souza AM. Breves notas sobre os governos Lula. Estudos Geográficos 2012; 10:83-96.,1919. Bresser-Pereira LC. O governo Dilma frente ao "tripé macroeconômico" e à direita liberal e dependente. Novos Estudos 2012; (95):5-14.,2020. Pinto EC, Pinto JPG, Baruco G, Saludjian A, Balanco P, Schonerwald C, et al. A economia política dos governos Dilma: acumulação, bloco no poder e crise. Rio de Janeiro: Instituto de Economia, Univesidade Federal do Rio de Janeiro; 2016. (Textos para Discussão, 004).. Como resultado, o país passou por um processo de desindustrialização, reprimarização e financeirização da economia.

A financeirização foi o reverso da desindustrialização. A dinâmica econômica passou a ser ditada pela acumulação financeira de capital e a transformação de tudo em ativos financeiros, inclusive os serviços sociais tradicionalmente estatais, como assistência social, educação, previdência social e saúde, integrando seus usuários ao sistema e ao crédito bancário 2121. Brettas T. Capitalismo dependente, neoliberalismo e financeirização das políticas sociais no Brasil. Temporalis 2017; 17:53-76.,2222. Lavinas L, Gentil DL. Brasil anos 2000: a política social sob regência da financeirização. Novos Estudos CEBRAP 2018; 37:191-211.. A financeirização da saúde tem motivado uma série de estudos recentes sobre as mudanças nos grupos econômicos que agem no setor, que incluem a formação e a presença crescente de fundos financeiros, fusões e aquisições que vêm ampliando os graus de concentração do capital e de internacionalização do setor 2323. Rocha MA. Reestruturação do setor privado de serviços de saúde: atualidade e perspectiva. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2021. (Saúde Amanhã, Textos para Discussão, 52).,2424. Mattos LV, Carvalho EMCL, Barbosa DVS, Bahia L. Financeirização, acumulação e mudanças patrimoniais em empresas e grupos econômicos do setor saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2022; 38 Suppl 2:e00175820..

O Estado e a prestação de serviços de saúde

Os recursos públicos - também chamados de fundo público -, constituíram a base para a formação e o crescimento do capital privado no setor. Desde a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP), em 1923, pela Lei Eloy Chaves (Decreto-Lei nº 4.682/19232525. Brasil. Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923. Crea, em cada uma das emprezas de estradas de ferro existentes no paiz, uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos ernpregados. Colecção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1923. v. 1 - Atos do Poder Legislativo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional; 1924.), e, principalmente, depois da formação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP), a partir de 1933, a oferta dos serviços públicos de saúde foi estruturada por meio da contratação de clínicas e hospitais privados.

Esse sistema de contratação e favorecimento do setor privado foi mantido durante o regime militar, quando houve a unificação desses institutos no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), por meio do Decreto-Lei nº 72/19662626. Brasil. Decreto-lei nº 72, de 21 de novembro de 1966. Unifica os Institutos de Aposentadoria e Pensões e cria o Instituto Nacional de Previdência Social. Diário Oficial da União 1966; 22 nov., e foi ampliado por meio do Decreto-Lei nº 200/19672727. Brasil. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Diário Oficial da União 1967; 27 fev., que, entre outras medidas, centralizou as decisões no Ministério (Art. 158) e, ao mesmo tempo, incentivou a transferência da execução das atividades da administração federal para a iniciativa privada (Art. 10, alínea C). Essa mudança no Brasil foi estudada por Hésio Cordeiro, pioneiro ao definir o Complexo Médico-Industrial como um processo de instrumentalização da prática médica para assegurar a circulação dos bens e serviços de saúde e o domínio crescente do capital no setor de saúde, capitaneado pelos empresários da saúde 2828. Cordeiro H. A medicina de grupo e o complexo médico-industrial. Rev Adm Pública 1983; 17:22-37..

A criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), pela Lei nº 6.168/19742929. Brasil. Lei nº 6.168, de 9 de dezembro de 1974. Cria o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social ? FAS ? e dá outras providências. Diário Oficial da União 1974; 10 dez., permitiu que o capital privado de prestação de serviços captasse empréstimos junto à Caixa Econômica Federal para construir, reformar, equipar e ampliar hospitais e clínicas. Segundo José Carlos Braga & Sérgio Góes de Paula 3030. Braga JCS, Paula SG. Saúde e previdência: estudos de política social. 2ª Ed. São Paulo: Hucitec Editora; 1986. (p. 128), “entre 1974 e 1977, 79,7% dos recursos do FAS aplicados em saúde [foram] voltados para o financiamento de projetos do setor privado”. Como efeito dos incentivos estatais, foi possível consolidar e expandir os negócios lucrativos no setor da saúde do país, que passaram de 14,4% do total em 1960, para 45,2% em 1975 3030. Braga JCS, Paula SG. Saúde e previdência: estudos de política social. 2ª Ed. São Paulo: Hucitec Editora; 1986..

O desenvolvimento do capital privado com financiamento público gerou uma forte capacidade dele para se defender e se perpetuar dentro do sistema público de saúde. A Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e outras entidades representativas, incluindo da profissão médica, desempenharam um importante papel na defesa dos interesses privados no interior do sistema universal de saúde criado pela Constituição Federal brasileira de 1988 3131. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União 1988; 5 out.. A Constituição não reverteu a forte presença do setor privado na saúde; ao contrário disso, reforçou o segmento privado ao definir que: “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada” (Art. 199).

No governo de Fernando Henrique Cardoso, houve outra iniciativa importante que ampliou a penetração do capital privado na prestação de serviços para o Sistema Único de Saúde (SUS): a Portaria GM/MS nº 531/19993232. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 531, de 30 de abril de 1999, que determina a normatização da programação, aplicação e alocação dos recursos previstos nos tetos estaduais referentes ao custeio da Assistência Ambulatorial, de média e alta complexidade, e hospitalar, e trata da composição dos recursos destinados à Atenção Básica. Brasília. Diário Oficial da União 1999; 7 mai., do então ministro José Serra, que criou o Fundo de Ações Estratégicas e de Compensação (FAEC). Tal medida definiu mecanismos de transferência de recursos federais para procedimentos de alta complexidade - quimioterapia, radioterapia, diálise, cirurgias cardíacas e ortopédicas, transplantes, entre outros. O FAEC criou condições mais atrativas para a incorporação tecnológica na saúde, contribuindo para a formação de um segmento de prestadores privados que oferecem serviços com forte intensidade tecnológica, alto custo e maior lucratividade, que permite a extração de mais-valia relativa. É possível que essa lei tenha sido a origem das pressões políticas posteriores que, no contexto da campanha pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, levaram à aprovação da Lei nº 13.097/20153333. Brasil. Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015. Reduz a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP, da COFINS, da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação incidentes sobre a receita de vendas e na importação de partes utilizadas em aerogeradores; prorroga os benefícios previstos nas Leis nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, 9.440, de 14 de março de 1997, 10.931, de 2 de agosto de 2004, 11.196, de 21 de novembro de 2005, 12.024, de 27 de agosto de 2009, e 12.375, de 30 de dezembro de 2010; altera o art. 46 da Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, que dispõe sobre a devolução ao exterior ou a destruição de mercadoria estrangeira cuja importação não seja autorizada; altera as Leis nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 12.546, de 14 de dezembro de 2011, 12.973, de 13 de maio de 2014, 9.826, de 23 de agosto de 1999, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 10.865, de 30 de abril de 2004, 11.051, de 29 de dezembro de 2004, 11.774, de 17 de setembro de 2008, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 12.249, de 11 de junho de 2010, 10.522, de 19 de julho de 2002, 12.865, de 9 de outubro de 2013, 10.820, de 17 de dezembro de 2003, 6.634, de 2 de maio de 1979, 7.433, de 18 de dezembro de 1985, 11.977, de 7 de julho de 2009, 10.931, de 2 de agosto de 2004, 11.076, de 30 de dezembro de 2004, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 9.427, de 26 de dezembro de 1996, 9.074, de 7 de julho de 1995, 12.783, de 11 de janeiro de 2013, 11.943, de 28 de maio de 2009, 10.848, de 15 de março de 2004, 7.565, de 19 de dezembro de 1986, 12.462, de 4 de agosto de 2011, 9.503, de 23 de setembro de 1997, 11.442, de 5 de janeiro de 2007, 8.666, de 21 de junho de 1993, 9.782, de 26 de janeiro de 1999, 6.360, de 23 de setembro de 1976, 5.991, de 17 de dezembro de 1973, 12.850, de 2 de agosto de 2013, 5.070, de 7 de julho de 1966, 9.472, de 16 de julho de 1997, 10.480, de 2 de julho de 2002, 8.112, de 11 de dezembro de 1990, 6.530, de 12 de maio de 1978, 5.764, de 16 de dezembro de 1971, 8.080, de 19 de setembro de 1990, 11.079, de 30 de dezembro de 2004, 13.043, de 13 de novembro de 2014, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, 10.925, de 23 de julho de 2004, 12.096, de 24 de novembro de 2009, 11.482, de 31 de maio de 2007, 7.713, de 22 de dezembro de 1988, a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, o Decreto-Lei nº 745, de 7 de agosto de 1969, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; revoga dispositivos das Leis nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.360, de 23 de setembro de 1976, 7.789, de 23 de novembro de 1989, 8.666, de 21 de junho de 1993, 9.782, de 26 de janeiro de 1999, 10.150, de 21 de dezembro de 2000, 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 12.973, de 13 de maio de 2014, 8.177, de 1º de março de 1991, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 10.865, de 30 de abril de 2004, 11.051, de 29 de dezembro de 2004 e 9.514, de 20 de novembro de 1997, e do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2015; 20 jan., cujo capítulo XVII permitiu a participação do capital estrangeiro no setor de saúde 3434. Scheffer M. O capital estrangeiro e a privatização do sistema de saúde brasileiro. Cad Saúde Pública 2015; 31:663-6.. Filippon 3535. Filippon J. A abertura da saúde nacional ao capital estrangeiro: efeitos do mercado global no Brasil. Saúde Debate 2015; 40:1127-37. alerta que empresas estrangeiras estudavam o mercado brasileiro há muito tempo e que a aprovação da lei o disponibilizou para a exploração desses grupos.

A penetração do capital estrangeiro na prestação de serviços estimula a ampliação da transferência de valor para o exterior, na forma de remessa de lucros, royalties e intercâmbio comercial desigual, favorecendo os interesses da burguesia internacional. Já os interesses da burguesia interna estão assegurados pelo controle dos hospitais privados, que oferecem mais de 60% dos leitos do SUS, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste, assim como controlam a atenção ambulatorial especializada, controlando 86,8% da oferta 3636. Viacava F, Oliveira RAD, Carvalho CC, Laguardia J, Bellido JG. SUS: oferta, acesso e utilização de serviços de saúde nos últimos 30 anos. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1751-62.. Enquanto isso, a grande expansão da rede pública, depois da criação do SUS, ocorreu principalmente nos serviços de atenção primária 3636. Viacava F, Oliveira RAD, Carvalho CC, Laguardia J, Bellido JG. SUS: oferta, acesso e utilização de serviços de saúde nos últimos 30 anos. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1751-62..

Grandes corporações estrangeiras adotaram a estratégia da integração vertical e, por meio de fusões e aquisições, dominaram o mercado da América Latina. As operações internacionais envolvendo empresas da área da saúde cresceram de 40 operações anuais, em 1990, para 400 em 2010 2323. Rocha MA. Reestruturação do setor privado de serviços de saúde: atualidade e perspectiva. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2021. (Saúde Amanhã, Textos para Discussão, 52).. Essas operações promoveram mudanças acionárias, transferindo o controle para fundos financeiros, com destaque para fundos de origem nos Estados Unidos, que concentram maior parte das operações e desencadearam a reestruturação dos negócios. Para Filippon 3535. Filippon J. A abertura da saúde nacional ao capital estrangeiro: efeitos do mercado global no Brasil. Saúde Debate 2015; 40:1127-37., tal integração expressa o primeiro estágio de dominação de mercado e alerta que, na fase seguinte, os grandes players adotam medidas para recuperar eventuais prejuízos das fases anteriores, passando a ter o poder de controlar a oferta, aumentar preços, segmentar a assistência à saúde e criar um cenário de total dependência do setor privado internacionalizado e controlado por grupos financeiros.

Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi aberta uma nova frente para o capital privado na prestação de serviços de saúde por meio da Lei nº 9.637/19983737. Brasil. Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1998; 25 mai., que abriu a exploração da gestão de serviços públicos de saúde às organizações sociais (OS), e da Lei nº 9.790/19993838. Brasil. Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1999; 24 mar., que fez o mesmo em relação às organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP). A criação dessas organizações sociais, cada vez mais presentes na gestão de unidades públicas de saúde, foi precedida da construção ideológica das chamadas “funções essenciais do Estado”, pelo então ministro da Administração e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser-Pereira, entre as quais não figuravam nem a educação nem a saúde. Em consequência desse tipo de visão, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar nº 101/20003939. Brasil. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial da União 2000; 5 mai., conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, que impôs limites para gastos com pessoal pelas administrações públicas dos estados e municípios e pela União. As OS e OSCIP passaram, dessa forma, a ser a saída para transferência de recursos para a administração privada de serviços públicos. Em 2016, embora apenas 6.841 das 820.186 organizações da sociedade civil existentes atuassem no campo da saúde pelo Brasil, elas respondiam pelo maior volume financeiro e pela maior quantidade de empregos formais, totalizando 112.048 postos de trabalho 4040. Monteiro N. O Estado em desmonte frente à epidemia da COVID-19. Physis (Rio J.) 2020; 30:e300304.. As OS estão presentes em 10% dos municípios brasileiros, sendo que 56,4% dos municípios com mais de 500 mil habitantes têm estabelecimentos municipais administrados por entidades privadas 4141. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Perfil dos municípios brasileiros: 2013. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2014.. O Poder Judiciário também tem colaborado com a expansão dos interesses privados no interior da política pública de saúde ao julgar, por exemplo, como constitucional a transferência de funções do Estado para as OS 4242. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1923 Distrito Federal. https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10006961 (acessado em 07/Mar/2023).
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pa...
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A limitação dos gastos do Estado imposta pela Emenda Constitucional nº 95/20164343. Brasil. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2016; 15 dez. reduz a capacidade de reação das organizações públicas na direção de proteger o projeto de saúde universal. Parece, assim, confirmar-se a indicação de Filippon 3535. Filippon J. A abertura da saúde nacional ao capital estrangeiro: efeitos do mercado global no Brasil. Saúde Debate 2015; 40:1127-37. (p. 1135) de que, “com pouca capacidade instalada, o serviço público depende dos prestadores privados para a manutenção do SUS nos setores secundários e terciários da oferta, ficando, nesse estágio, refém de preços não regulados, ditados, então, pela dominante oferta privada”.

O Estado e os seguros privados de saúde

A atividade de seguros privados de saúde, também conhecidos como planos e seguros de saúde, é um ramo do capital financeiro que tem interesses antagônicos com os dos capitalistas da indústria de bens de saúde e dos serviços de saúde. Os ganhos da indústria e dos prestadores dependem de forte demanda de seus produtos e serviços, enquanto as empresas de seguros privados de saúde precisam conter essa demanda para lucrarem 4444. Vianna CMM. Estruturas do sistema de saúde: do complexo médico-industrial ao médico-financeiro. Physis (Rio J.) 2002; 12:375-90.,4545. Andreazzi MFS, Kornis GEM. Padrões de acumulação setorial: finanças e serviços nas transformações contemporâneas da saúde. Ciênc Saúde Colet 2008; 13:1409-20..

No Brasil, os seguros privados de saúde começaram a se desenvolver nos anos 1950, na forma de planos de autogestão que não tinham finalidade lucrativa. Medidas favoráveis ao capital financeiro no setor tomaram grande impulso durante o regime militar (1964-1985), por meio da Lei nº 4.506/19644646. Brasil. Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sôbre o impôsto que recai sôbre as rendas e proventos de qualquer natureza. Diário Oficial da União 1964; 30 nov., que deu desconto no imposto de renda às mensalidades (prêmios) de seguros destinados às despesas com hospitalização, cuidados médicos e dentários, e do Decreto-Lei nº 73/19664747. Brasil. Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966. Dispõe sôbre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regula as operações de seguros e resseguros e dá outras providências. Diário Oficial da União 1966; 22 nov., que instituiu o seguro-saúde para dar cobertura aos riscos de assistência médica e hospitalar (Art. 129), regulamentando o Sistema Nacional de Seguros Privados 4848. Almeida C. O mercado privado de serviços de saúde no Brasil: panorama atual e tendências da assistência médica suplementar. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 1998. (Texto para Discussão, 599)..

A existência prévia de um forte segmento econômico de seguros privados de saúde viabilizou, por sua parte, o desenvolvimento da prestação de serviços privados de saúde voltados para a atenção aos clientes das seguradoras, tratado na legislação brasileira pós-Constituição de 1988 como “saúde suplementar”. As empresas privadas de seguros e de prestação de serviços de saúde competem com o SUS por recursos financeiros públicos, trabalhadores e por prestígio junto à população.

Logo no início do período da “novíssima dependência”, ao fim do primeiro ano do governo de Fernando Collor de Mello, esse setor recebeu um enorme subsídio fiscal que aumentou seu poder de mercado. A Lei nº 8.134/19904949. Brasil. Lei nº 8.134, de 27 de dezembro de 1990. Altera a legislação do Imposto de Renda e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 28 dez. elevou o desconto no imposto de renda anteriormente existente para 100% das despesas de pessoas físicas, o que permanece até hoje 5050. Alves CGSL. Estrutura tributária no Brasil: padrões para as empresas de plano e seguro de saúde [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2018.. Além disso, os incentivos tributários foram utilizados para modernizar a estrutura da rede hospitalar em detrimento da atenção primária, favorecendo o setor de planos de saúde cujo “número de usuários chegou a dobrar entre 2000 e 2012, passando de 25 milhões para 50 milhões5151. Cesário BB, Costa LS, Maldonado JMSV, Vargas MA. Vulnerabilidade do SUS em relação à variação cambial: análise da dinâmica de importações de medicamentos e equipamentos de saúde entre 1996 e 2014. Saúde Debate 2017; 41:441-56. (p. 448). Os subsídios que o Estado brasileiro vem garantindo para esse segmento, que atende em torno de 25% da população, a qual fica duplamente coberta, poderiam financiar o SUS, que assiste os 75% restantes e é o único responsável por um conjunto enorme de ações de saúde pública, financiando, inclusive, grande parte dos serviços de alta complexidade prestados pelo setor privado aos seus usuários. As empresas de seguro privado de saúde também conseguiram conquistar os sindicatos de trabalhadores, que têm preferido lutar para obter cobertura privada para suas categorias, o que diminui o apoio desse importante segmento social à política pública de saúde.

Como apontam Lavinas & Gentil 2222. Lavinas L, Gentil DL. Brasil anos 2000: a política social sob regência da financeirização. Novos Estudos CEBRAP 2018; 37:191-211., o Estado vem permitindo a deterioração da oferta pública em diversos setores sociais. A rede pública sofre cronicamente com o subfinanciamento, o que faz com que a população almeje acessar o setor privado, que funciona, majoritariamente, por meio de operadoras de seguro saúde.

Em 1998, houve a regulamentação do mercado de seguros privados de saúde pela Lei nº 9.656/19985252. Brasil. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União 1998; 4 jun., a qual permitiu a entrada de capital estrangeiro no ramo dos seguros de saúde (Art. 1º, § 3º). A tramitação no Parlamento contou com a participação direta do então ministro José Serra. A regulamentação se completou com a Lei nº 9.961/20005353. Brasil. Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS e dá outras providências. Diário Oficial da União 2000; 29 jan., que criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão de regulação do mercado, mais tarde capturado pelas próprias operadoras de planos e seguros privados de saúde 5454. Baird MF. Redes de influência, burocracia, política e negócios na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) [Tese de Doutorado]. São Paulo: Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Universidade de São Paulo; 2017..

É importante, ainda, considerar que a expansão do setor de seguros favoreceu o crescimento do setor privado de prestação de serviços de saúde, que, embora tenha um caráter non-tradable (não transferível) 5555. Ocké-Reis CO, Andreazzi MAS, Silveira FG. O mercado de planos de saúde no Brasil: uma criação do Estado? Revista de Economia Contemporânea 2006; 10:157-85., depende da utilização de uma gama crescente de equipamentos, insumos e medicamentos de alto custo, produzidos principalmente pela grande indústria dos países centrais e importados de forma crescente pelo Brasil, como se argumenta a seguir.

Evidencia-se, igualmente, um processo de concentração de capital no setor. Segundo Rocha 2323. Rocha MA. Reestruturação do setor privado de serviços de saúde: atualidade e perspectiva. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2021. (Saúde Amanhã, Textos para Discussão, 52)., o número de operadoras de seguro de saúde foi reduzido de 1.380, em 2000, para 711, em 2020, sendo que 10 delas concentram 40% do total de beneficiários. Além dessa concentração, as operadoras desenvolveram modelos de negócios integrados a redes hospitalares e redes de exames de diagnóstico, o que lhes permite reajustes de preços acima dos níveis de inflação no Brasil 2323. Rocha MA. Reestruturação do setor privado de serviços de saúde: atualidade e perspectiva. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2021. (Saúde Amanhã, Textos para Discussão, 52)..

O Estado e o capital produtivo na saúde

O Brasil constitui um importante mercado mundial, tanto de equipamentos médico-hospitalares e odontológicos - 10ª posição mundial estimada em 2003 5656. Maldonado J. Base mecânica, eletrônica e de materiais: nichos de mercado para o futuro. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2015. (Saúde Amanhã, Textos para Discussão, 7). -, como de medicamentos para uso humano - 5ª posição mundial em 2019 5757. Bermudez JAZ, Luiza VL, Silva RM. Assistência farmacêutica e acesso a medicamentos: superando a utopia. In: Bermudez JAZ, Costa JCS, Noronha JC, organizadores. Desafios do acesso a medicamentos no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Livres; 2020. p. 19-62. - e de medicamentos para uso veterinário - 3ª posição mundial estimada para 2010 5858. Capanema LXL, Velasco LOM, Souza JOB, Nogut MB. Panorama da indústria farmacêutica veterinária. BNDES Setorial 2007; 25:157-74.. Embora o país ocupe posições muito importantes no mercado mundial de produtos de saúde, há elevada dependência econômica e tecnológica no que diz respeito à produção de bens de saúde e de vulnerabilidade sanitária, uma vez que depende de importações de uma ampla gama de bens de saúde, como a pandemia de COVID-19 mostrou. Tal situação também configura uma elevada transferência de valor para o exterior, tanto pela via comercial quanto pela remessa de lucros e pagamento de royalties e patentes.

Desde 1990, a posição do Estado brasileiro avança no favorecimento da dependência na produção de bens de saúde. Nos governos liberais de Fernando Collor de Mello e de Fernando Henrique Cardoso, ocorreu o desmonte de instituições públicas criadas durante os governos militares que desenvolviam atividades na produção e distribuição de fármacos que visavam reduzir a dependência brasileira, como a Central de Medicamentos Essenciais (CEME), vinculada à Previdência, e a Companhia de Desenvolvimento Tecnológico (Codetec), parceria entre a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Ministério da Indústria e Comércio.

Destaca-se, ainda, o término da proteção comercial para a produção interna, extinta pelo governo de Fernando Collor de Mello, que era, até então, feita com base no Anexo C da Carteira de Comércio Exterior (CACEX) do Banco do Brasil 5959. Magalhães LCG, Safatle LP, Leal JC, Tomich FA, Silveira FG. Tendências da balança de comércio exterior da indústria farmacêutica brasileira: evolução das importações e exportações de farmoquímicos e medicamentos na década de 1990. Planej Polít Públicas 2003; 26:35-65.. Como consequência, o desequilíbrio na balança comercial do setor da saúde não parou de crescer, passando a ser USD 20 bilhões em 2021 6060. Gadelha CAG. Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública 2022; 38 Suppl 2:e00263321.. Uma segunda medida foi o reconhecimento de forma radical e precoce do acordo internacional de patentes (Trade Related Aspects of Intellectual Rights - TRIPS), aprovado em 1995 durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O Brasil passou a ter uma das mais servis legislações de patentes do mundo, a Lei nº 9.279/19966161. Brasil. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União 1996; 15 mai., que assegura a validação de patentes para produtos que já estavam em domínio público, porém tinham a patente concedida em outros países (pipeline). A lei também renunciou ao prazo acordado pelo tratado internacional que permitia que os países em desenvolvimento continuassem sem reconhecer patentes até o fim de 2005, impactando diretamente as indústrias locais 6262. Kornis GEM, Braga MH, Paula PAB. Os marcos legais das políticas de medicamentos no Brasil contemporâneo (1990-2006). Rev APS 2008; 11:85-99.,6363. Dória RM, Cunha G, Vieira D, Mothé T. Indicadores secundários do Complexo Industrial da Saúde. In: Hasenclever L, Oliveira MA, Paranhos J, Chaves G, organizadoras. Desafios de operação e desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde. Rio de Janeiro: Editora e-papers; 2016. p. 13-46..

A subserviente lei de patentes reverteu completamente a situação anterior, implantada pelo regime militar, por meio do Decreto-Lei nº 1.005/19696464. Brasil. Decreto-Lei nº 1.005, de 21 de outubro de 1969. Código da Propriedade Industrial. Diário Oficial da União 1969; 21 out., que havia abolido o patenteamento para a área farmacêutica, entre outras áreas, e pela Lei nº 5.772/19716565. Brasil. Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de 1971. Institui o Código da Propriedade Industrial, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1971; 31 dez. (Código da Propriedade Industrial), não concedendo patentes para medicamentos e alimentos de primeira necessidade produzidos no Brasil 6666. Giovanni G. A questão dos remédios no Brasil, produção e consumo. São Paulo: Livraria e Editora Polis; 1980..

Na contramão da decisão brasileira, China e Índia, cujas políticas industriais eram semelhantes à do Brasil até então, aproveitaram o prazo do acordo TRIPS até o último dia, desenvolvendo o que hoje são, respectivamente, as maiores produções de insumos farmacêuticos ativos (IFA) e genéricos no mundo. Enquanto isso, a indústria farmacêutica situada no Brasil praticamente deixou de produzir IFA - hoje menos de 5% das necessidades são atendidas pela indústria local. A produção interna, de responsabilidade de laboratórios de capital brasileiro, é composta principalmente de medicamentos de baixo conteúdo tecnológico e baixo valor agregado, enquanto os medicamentos mais sofisticados são elaborados pelos laboratórios multinacionais, o que configura uma clara divisão de trabalho entre a burguesia interna e a dos países centrais. A Lei de Genéricos 6767. Brasil. Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999. Altera a Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências. Diário Oficial da União 1999; 11 fev.,6868. Brasil. Decreto nº 3.181, de 23 de setembro de 1999. Regulamenta a Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999, que dispõe sobre a Vigilância Sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências. Diário Oficial da União 1999; 24 set. e o financiamento público, em especial pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica (Profarma), cristalizaram esse processo.

Em 2020, o consumo de equipamentos e materiais para uso médico e odontológico foi estimado em BRL 33,1 bilhões, enquanto o valor bruto da produção nacional atingiu BRL 13,2 bilhões em 2019 6969. Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos. Relatório setorial ABIMO: dados consolidados de 2020 e perspectivas 2021 e dados consolidados de 2022 e perspectivas 2023. São Paulo: Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos; 2022., o que mostra como a produção interna é insuficiente para abastecer o mercado brasileiro. Em 2012, havia 4.267 empresas fabricantes no país, sendo apenas quatro de grande porte (com mais de mil empregados). Embora 93% das empresas de produção de bens médico-hospitalares e odontológicos no Brasil sejam de capital privado nacional, o mercado é dominado por grandes empresas multinacionais 7070. Landim A, Gomes R, Pimentel V, Reis C, Pieroni JP. Equipamentos e tecnologias para saúde: oportunidades para uma inserção competitiva da indústria brasileira. BNDES Setorial 2013; 37:173-226.. Além disso, pequenas e médias empresas produtoras de equipamentos vêm sendo adquiridas pelas multinacionais, a exemplo da holandesa Philips 7171. Gadelha CAG, Vargas MA, Maldonado JMS, Barbosa PR. O Complexo Econômico-Industrial da Saúde no Brasil: dinâmica de inovação e implicações para o Sistema Nacional de Inovação em saúde. Revista Brasileira de Inovação 2013; 12:251-82.. O Brasil é essencialmente dependente da importação dos equipamentos mais sofisticados e de alto preço, o que amplia o déficit comercial em relação a esse tipo de produto. Desde o fim dos anos 1980, o déficit comercial saltou de um patamar de USD 200 milhões para USD 1,87 bilhão em 2022 6969. Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos. Relatório setorial ABIMO: dados consolidados de 2020 e perspectivas 2021 e dados consolidados de 2022 e perspectivas 2023. São Paulo: Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos; 2022..

O progresso tecnológico foi um dos meios adotados para criar novas necessidades e intervir nas práticas médicas e no padrão dos serviços de saúde. As empresas transnacionais instaladas na periferia tiveram acesso às tecnologias de suas matrizes, configurando um padrão de produção impossível de ser alcançado pelas indústrias nacionais.

Essa novíssima dependência se acentuará a partir do chamado “quarto paradigma da revolução tecnológica” que está ingressando no setor da saúde e atraindo grandes corporações ligadas ao ramo das tecnologias da informação. Além de dados pormenorizados dos usuários, que podem facilitar práticas de discriminação por alto preço ou outras barreiras de acesso, a automação dos serviços promete ganhos de produtividade ao mesmo tempo em que estima a eliminação de proporção elevada de postos de trabalho no setor hospitalar 2323. Rocha MA. Reestruturação do setor privado de serviços de saúde: atualidade e perspectiva. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2021. (Saúde Amanhã, Textos para Discussão, 52)..

O Quadro 1 sintetiza as normativas destacadas ao longo do artigo, situando-as nos momentos de dependência conforme Souza 1616. Souza AM. Dependência e governos do PT. Curitiba: Editora Appris; 2021..

Quadro 1
Contextos da dependência e ações estatais a favor da acumulação de capital na saúde (1960-2020).

Os anos 1960 - depois do golpe militar de 1964, principalmente no governo do general Castello Branco -, e os anos 1990 foram os períodos nos quais a forma estatal sofreu modificações em relação à forma anterior, no sentido do fortalecimento da dependência. Nos anos 1970 e 1980, houve forte intervenção estatal, a qual pode ter contribuído para uma redução da dependência, sobretudo no setor produtivo. O mesmo não ocorreu no período da “novíssima dependência”, possivelmente em razão do tripé macroeconômico neoliberal. Mesmo as medidas adotadas nos governos do Partido dos Trabalhadores, no sentido de fortalecer a produção interna, o alcance foi limitado pelo quadro institucional estabelecido nos anos 1990. O papel do Estado na garantia de interesses privados na prestação de serviços de saúde e nos seguros privados indica continuidade e intensificação de políticas anteriores; já em relação ao capital produtivo, há alteração drástica nas políticas estatais. O Quadro 1 mostra ações que atravessam governos de distintas matizes ideológicas, indicando que, por trás de qualquer opção política, há uma dinâmica consolidada de privatização e internacionalização no setor de saúde.

Considerações finais

A vulnerabilidade do país em um setor tão sensível, como é o da saúde, ficou explícita durante a pandemia de COVID-19, seguindo a tendência de diversos países do mundo que se viram desabastecidos de insumos básicos, desorganizados para assistir a saúde das pessoas e, por negligência ou incapacidade, sem a coordenação necessária. Até mesmo a aprovação do auxílio emergencial foi objeto de enorme concessão pelo Estado ao capital financeiro, na forma de aumento da dívida pública, sob o pretexto de viabilizar o chamado “orçamento de guerra” 7272. Boschetti I, Behring ER. Assistência social na pandemia da COVID-19: proteção para quem? Serv Soc Soc 2021; (140):66-83.. Este trabalho exploratório buscou na TMD um referencial teórico com categorias analíticas que permitisse pensar as fragilidades estruturais do Estado dependente, as quais criam obstáculos para um projeto político cujo princípio é o direito humano fundamental à saúde, como é o caso do SUS.

Esta breve análise mostra que o Estado brasileiro sempre promoveu e intensificou a acumulação de capital na saúde, assegurando o espaço para a burguesia interna e privilegiando o grande capital internacional. A passagem para a “novíssima dependência” acentuou processos anteriores de estímulo e apoio ao setor privado no âmbito da prestação de serviços e de seguros privados de saúde, o que inverteu a tendência protecionista, nacional-desenvolvimentista, no âmbito do setor produtivo da saúde. Para tal, o Estado lançou mão de diferentes modalidades: subsídios, financiamentos, desmonte da proteção e de instituições, leis subservientes, austeridade fiscal e regulação viciada ou ausente.

Como se procurou mostrar, esses processos configuram uma situação de dependência política, econômica e tecnológica no setor de saúde brasileiro, agravada após a introdução das políticas neoliberais nos anos 1990. O déficit comercial disparou e a nova legislação de patentes exige crescente pagamento de direitos de propriedade intelectual para o exterior. Na atual configuração do poder mundial, o acesso às tecnologias da fronteira do conhecimento está cada vez mais difícil e oneroso para os países da periferia. Na atual divisão internacional do trabalho, as transferências de tecnologia se configuram como instrumentos de controle sobre a produção nas periferias, seja do ponto de vista econômico, porque movimentam altos volumes financeiros, seja no aspecto cognitivo, uma vez que transferem tecnologias em fase de superação ou que são apenas reproduzíveis dentro dos padrões estabelecidos pelo centro, desincentivado processos endógenos de desenvolvimento tecnológico.

A expansão do capital estrangeiro nos seguros privados, na prestação de serviços e na produção de bens de saúde também exige uma remessa cada vez maior de lucros para os países localizados no centro do sistema interestatal capitalista, no qual estão sediadas as grandes multinacionais que atuam no setor. A despeito da capacidade industrial e científica, o país literalmente aceitou a submissão e a dependência na produção de insumos e equipamentos de saúde. Além disso, as empresas multinacionais dominam os setores mais dinâmicos e mais lucrativos, relegando para a burguesia interna os setores de menor intensidade tecnológica e lucratividade. A cisão no ciclo do capital é responsável por uma produção interna voltada, principalmente, para atender classes privilegiadas com maior poder de consumo, promovendo a desigualdade na prestação de serviços em saúde.

A mensuração da transferência efetiva de valor para o exterior e do grau de dominação do capital estrangeiro no setor de saúde e a análise, por exemplo, das desigualdades de acesso à saúde em torno da cisão do ciclo do capital ou das consequências sanitárias da superexploração da força de trabalho, acompanhando suas variações são tarefas ainda por serem feitas, que ultrapassam em muito as possibilidades deste texto de caráter introdutório. Esses estudos, entretanto, serão fundamentais para que se possa assumir medidas de reconstrução nacional que reduzam a vulnerabilidade atual do setor de saúde brasileiro. O Estado brasileiro vem negligenciando a gravidade dessa situação e precisa tomar medidas que aumentem a capacidade estatal, retomando um projeto de desenvolvimento estratégico, com políticas industriais e financeiras adequadas à demanda social, revertendo, assim, as políticas neoliberais.

Nessa direção, no campo da economia política da saúde, uma agenda de pesquisas que adote a perspectiva crítica da TMD e aprofunde a compreensão sobre o papel do Estado na expansão do capital interno e estrangeiro no setor de saúde, assim como pesquisas que produzam dados empíricos sobre essa temática, certamente estará no centro de estratégias efetivas para desprivatizar o projeto de saúde pública e universal no Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2023
  • Revisado
    05 Set 2023
  • Aceito
    12 Set 2023
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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