Características sociodemográficas associadas ao baixo peso e ao excesso de peso em adultos com 50 anos ou mais (ELSI-Brasil): diferenças entre sexos

Sociodemographic characteristics associated with underweight and overweight in adults aged 50 years and over (ELSI-Brasil): differences between sexes

Características sociodemográficas asociadas al bajo peso y al sobrepeso en adultos de 50 años o más (ELSI-Brasil): diferencias entre sexos

Rantiele Bruna Machado Martins Juliana Lustosa Torres Bruno de Souza Moreira Maria Fernanda Lima-Costa Nair Tavares Milhem Ygnatios Sobre os autores

Resumos

Os objetivos foram descrever a prevalência de baixo peso e excesso de peso, avaliados pelo índice de massa corporal (IMC), estratificada por sexo e faixa etária, e analisar as características sociodemográficas associadas ao IMC em mulheres e homens mais velhos. Trata-se de uma análise transversal de 8.974 participantes com ≥ 50 anos da linha de base do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil, 2015-16). O IMC foi classificado em baixo peso, eutrofia e excesso de peso de acordo com a idade do participante. Foi utilizado modelo de regressão logística multinominal, considerando-se as características sociodemográficas de mulheres e homens. Os resultados evidenciaram maior prevalência de excesso de peso nas mulheres em comparação aos homens (64,1% vs. 57,3%). Em ambos os sexos, a prevalência de baixo peso foi maior nos mais longevos, enquanto que o excesso de peso foi menor. Nas mulheres, a chance de baixo peso foi maior do que a chance de eutrofia naquelas solteiras/viúvas/divorciadas (OR = 1,95; IC95%: 1,42-2,66) e nas residentes na área rural (OR = 1,58; IC95%: 1,01-2,49), ao passo que a chance de excesso de peso foi menor do que a chance de eutrofia nas residentes na área rural (OR = 0,78; IC95%: 0,62-0,97) e em todas as macrorregiões geográficas relativas à Região Sul. Para os homens, a chance de excesso de peso foi menor do que a chance de eutrofia entre solteiros/viúvos/divorciados (OR = 0,58; IC95%: 0,48-0,69). Os mais ricos apresentaram menor chance de baixo peso (OR = 0,59; IC95%: 0,38-0,90), bem como maior chance de excesso de peso (OR = 1,52; IC95%: 1,20-1,92). Em conclusão, as características sociodemográficas associadas ao IMC diferiram entre os sexos.

Palavras-chave:
Antropometria; Fatores Sociodemográficos; Idoso; Índice de Massa Corporal; Sobrepeso


The objective were to describe the prevalence of underweight and overweight, assessed by body mass index (BMI), stratified by sex and age group, and to analyze the sociodemographic characteristics associated with BMI in older women and men. This is a cross-sectional analysis of 8,974 participants aged ≥ 50 years from the baseline of the Brazilian Longitudinal Study of Aging (ELSI-Brasil, 2015-2016). BMI was classified as underweight, eutrophy, and overweight according to the participant’s age. A multinomial logistic regression model was used, considering the sociodemographic characteristics of women and men. The results showed a higher prevalence of overweight in women compared to men (64.1% vs. 57.3%). In both sexes, the prevalence of underweight was higher in the longest-lived individuals, while overweight was lower. In women, the chance of underweight was higher than the chance of eutrophy in those who were single/widowed/divorced (OR = 1.95; 95%CI: 1.42-2.66) and in those living in rural areas (OR = 1.58; 95%CI: 1.01-2.49), while the chance of being overweight was lower than the chance of being eutrophy in those living in rural areas (OR = 0.78; 95%CI: 0.62-0.97) and in all geographic macro-regions related to the South Region. For men, the chance of being overweight was lower than the chance of being eutrophy among single/widowed/divorced individuals (OR = 0.58; 95%CI: 0.48-0.69). The richest had a lower chance of being underweight (OR = 0.59; 95%CI: 0.38-0.90), as well as a higher chance of being overweight (OR = 1.52; 95%CI: 1.20-1.92). In conclusion, the sociodemographic characteristics associated with BMI differed between the sexes.

Keywords:
Anthropometry; Sociodemographic Factors; Aged; Body Mass Index; Overweight


Los objetivos fueron describir la prevalencia de bajo peso y sobrepeso, evaluados a través del índice de masa corporal (IMC), estratificada por sexo y grupo de edad, y analizar las características sociodemográficas asociadas al IMC en mujeres y hombres mayores. Se trata de un análisis transversal de 8.974 participantes con ≥ 50 años de la línea de base del Estudio Longitudinal Brasileño sobre el Envejecimiento (ELSI-Brasil, 2015-2016). Se clasificó el IMC en bajo peso, eutrofia y sobrepeso conforme la edad del participante. Se utilizó el modelo de regresión logística multinomial, teniendo en cuenta las características sociodemográficas de mujeres y hombres. Los resultados evidenciaron una prevalencia más alta de sobrepeso en las mujeres en comparación con los hombres (64,1% vs. 57,3%). En ambos sexos, la prevalencia de bajo peso fue más alta en los grupos de mayor edad, mientras que la prevalencia del sobrepeso fue menor. La chance de bajo peso fue más alta que la chance de eutrofia en las mujeres solteras/viudas/divorciadas (OR = 1,95; IC95%: 1,42-2,66) y en las que viven en el área rural (OR = 1,58; IC95%: 1,01-2,49), mientras que la chance de sobrepeso fue menor que la chance de eutrofia en las que viven en el área rural (OR = 0,78; IC95%: 0,62-0,97) y en todas las macrorregiones geográficas relacionadas a la región Sur. La chance de sobrepeso fue menor que la chance de eutrofia entre los hombres solteros/viudos/divorciados (OR = 0,58; IC95%: 0,48-0,69). Los más ricos presentaron una chance menor de bajo peso (OR = 0,59; IC95%: 0,38-0,90), así como una chance más alta de sobrepeso (OR = 1,52; IC95%: 1,20-1,92). En conclusión, las características sociodemográficas asociadas al IMC difirieron entre los sexos.

Palabras-clave:
Antropometría; Factores Sociodemográficos; Anciano; Índice de Masa Corporal; Sobrepeso


Introdução

A má nutrição, em todas as suas formas (por exemplo, baixo peso, sobrepeso e obesidade), constitui um dos principais problemas de saúde pública da atualidade, afetando todos os países do mundo 11. Swinburn BU, Kraak VI, Allender S, Atkins VJ, Padeiro PI, Borgard JR, et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: the Lancet Commission report. Lancet 2019; 393:791-846.. É resultado dos processos das transições epidemiológica, demográfica e nutricional, as quais contribuíram para mudanças significativas nos ambientes alimentares e na qualidade da dieta mundial, e foram exacerbadas pela globalização, em especial nos países de baixa e média renda 22. World Health Organization. The double burden of malnutrition. Policy brief. https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/255413/WHO-NMH-NHD-17.3-eng.pdf (acessado em 28/Dez/2023).
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,33. Seferidi P, Hone T, Duran AC, Millett C. Global inequalities in the double burden of malnutrition and associations with globalisation: a multilevel analysis of Demographic and Health Surveys from 55 low-income and middle-income countries, 1992-2018. Lancet Glob Health 2022; 10:e482-90.,44. Popkin BM, Corvalan C, Grummer-Strawn LM. Dynamics of the double burden of malnutrition and the changing nutrition reality. Lancet 2020; 395:65-74..

Nas últimas décadas, essas transições estão relacionadas à mudança de uma predominância do baixo peso para elevadas prevalências de excesso de peso, comumente classificados nos estudos epidemiológicos por meio do índice de massa corporal (IMC) 55. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. https://www.who.int/nutrition/publications/obesity/WHO_TRS_894/en/ (acessado em 20/Ago/2023).
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. No Brasil, de 2006 a 2020, houve um aumento de 14,9% do excesso de peso na população com 18 anos ou mais, segundo dados da pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 66. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde; 2020.,77. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2020: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2020. Brasília: Ministério da Saúde; 2021.. Atualmente, cerca de 54% dos homens e metade das mulheres nessa faixa etária apresentam excesso de peso. Essa prevalência tende a aumentar com o avançar da idade em ambos os sexos 77. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2020: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2020. Brasília: Ministério da Saúde; 2021.. Por exemplo, mulheres e homens mais velhos (50-59 anos) apresentaram prevalência de excesso de peso em torno de 62% e 65%, respectivamente, frente a aproximadamente 38% e 43% das mulheres e homens mais jovens (20-29 anos), sendo maior entre os homens mais escolarizados, mas menor nas mulheres mais escolarizadas 88. Meller FO, Schäfer AA, Santos LP, Quadra MR, Miranda VIA. Double burden of malnutrition and inequalities in the nutritional status of adults: a population-based study in Brazil, 2019. Int J Public Health 2021; 66:609179..

Por outro lado, a prevalência de baixo peso é relativamente baixa, em torno de 2%, na população adulta de 20 a 59 anos 88. Meller FO, Schäfer AA, Santos LP, Quadra MR, Miranda VIA. Double burden of malnutrition and inequalities in the nutritional status of adults: a population-based study in Brazil, 2019. Int J Public Health 2021; 66:609179.. Ainda de acordo com dados da Vigitel, em 2019, 12% dos idosos (60 anos ou mais) e 15% das idosas brasileiras apresentaram baixo peso, cerca de seis vezes maior em comparação com a população adulta 88. Meller FO, Schäfer AA, Santos LP, Quadra MR, Miranda VIA. Double burden of malnutrition and inequalities in the nutritional status of adults: a population-based study in Brazil, 2019. Int J Public Health 2021; 66:609179., o que pode ser devido à perda de massa muscular inerente ao envelhecimento 99. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Genebra: World Health Organization; 1995. (WHO Technical Report Series, 854). Essa prevalência era maior em 2009, sendo de 20% nos idosos e 18% nas idosas, e demonstrou relação inversa com idade, escolaridade e renda mensal per capita1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814.. Além disso, o baixo peso era mais prevalente em idosos que se autodeclararam pretos e amarelos, moravam sozinhos, residiam na área rural e nas regiões Nordeste e Centro-oeste. Já o excesso de peso foi mais elevado na área urbana e nas regiões Sul e Sudeste 1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814..

Embora os determinantes do peso sejam muito complexos, envolvendo uma interação entre fatores biológicos, comportamentais, ambientais e sociais, os resultados supracitados refletem as influências das disparidades sociodemográficas, condicionantes das desigualdades sociais e econômicas do país, no IMC de sua população 1111. Barbosa AR, Marchesan M, Guimarães AV, França VF, Marucci MFN, Coqueiro RSet al. Anthropometric indicators and their adequacy in older adults from two towns in distinct Brazilian regions. Medical Express 2015; 2:M150605..

A maioria dos estudos com representatividade nacional tem dado mais atenção à avaliação do excesso de peso na população em geral 1212. Silva LES, Oliveira MM, Stopa SR, Gouvea ECDP, Ferreira KRD, Santos RO, et al. Tendência temporal da prevalência do excesso de peso e obesidade na população adulta brasileira, segundo características sociodemográficas, 2006-2019. Epidemiol Serv Saúde 2021; 30:e2020294.,1313. Ferreira APS, Szwarcwald CL, Damacena GN. Prevalência e fatores associados da obesidade na população brasileira: estudo com dados aferidos da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2019; 22:e190024.. No entanto, faltam estudos representativos para adultos mais velhos brasileiros. Os impactos econômico, social e de saúde do baixo peso, assim como do excesso de peso, são graves e duradouros, tanto para os indivíduos, quanto para a sociedade. Portanto, a temática configura-se como um desafio em saúde pública e requer mais investigações, principalmente no Brasil, cuja transição nutricional ocorre atrelada a um contexto de desigualdades sociais, econômicas e de saúde 1414. Castro IRR. Má nutrição, iniquidade e a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:2376..

Nesse contexto, este estudo teve como objetivos: (i) descrever a prevalência de desvios nutricionais do IMC (baixo peso e excesso de peso), estratificada por sexo e faixa etária, em adultos mais velhos brasileiros; e (ii) analisar as características sociodemográficas associadas ao IMC em mulheres e homens mais velhos. Os resultados poderão contribuir para melhor compreensão das diferenças demográficas e sociais do país nesse indicador antropométrico, para subsidiar programas e políticas públicas direcionadas ao enfrentamento da má nutrição.

Métodos

Fonte de dados e desenho do estudo

Para esta análise, foram utilizados dados da linha de base do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), cuja amostra foi delineada para representar a população brasileira com 50 anos ou mais, residentes em 70 municípios das cinco macrorregiões geográficas do país. A linha de base foi conduzida entre 2015 e 2016, utilizando um delineamento com seleção amostral por estágios, que combinou a estratificação dos municípios como unidade primária, seguidos dos setores censitários e dos domicílios. Todos os residentes de 50 anos ou mais dos domicílios selecionados foram elegíveis para a entrevista individual, totalizando 9.412 participantes. A descrição metodológica detalhada pode ser consultada em outras publicações 1515. Lima-Costa MF, De Andrade FB, Souza PRB, Neri AL, Duarte YAO, Castro-Costa E, et al. The Brazilian Longitudinal Study of Aging (ELSI-Brazil): objectives and design. Am J Epidemiol 2018; 187:1345-53.,1616. Lima-Costa MF, de Melo Mambrini JV, Bof de Andrade F, Souza PRB, Vasconcellos MTL, Neri AL, et al. Cohort profile: The Brazilian Longitudinal Study of Ageing (ELSI-Brazil). Int J Epidemiol 2022; 52:e57-65..

O ELSI-Brasil é coordenado pelo Instituto René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Minas), e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Quanto aos aspectos éticos, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fiocruz Minas (CAAE: 34649814.3.0000.5091). Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido específico para entrevista individual e mensuração das medidas físicas.

IMC

Os desfechos do estudo foram os desvios nutricionais do IMC. O IMC foi calculado dividindo-se o peso do indivíduo (em quilogramas) por sua altura (em metros) ao quadrado (kg/m2). As medidas de peso e altura foram aferidas durante a visita domiciliar por meio de protocolos padronizados, que podem ser consultados no Manual de Entrevista1717. Ministério da Saúde; Fundação Oswaldo Cruz. Manual de entrevista: Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos no Brasil (ELSI-Brasil). Belo Horizonte: Fundação Oswaldo Cruz; 2015. e na página de Internet do ELSI-Brasil (https://elsi.cpqrr.fiocruz.br).

Resumidamente, os participantes foram orientados a retirar os sapatos, roupas pesadas e todos os acessórios e objetos dos bolsos. Para aferição do peso, foi utilizada uma balança digital portátil do tipo plataforma, devidamente calibrada (modelo 813, marca Seca; https://www.seca.com). Os participantes subiram na balança, permaneceram com o peso distribuído igualmente em ambos os pés apoiados na plataforma, braços estendidos ao longo do corpo e olhando para uma linha horizontal. Para a aferição da altura, foi utilizado um estadiômetro vertical portátil, marca Nutri-Vida. Os participantes foram orientados a remover penteados, enfeites e prendedores de cabelo. Depois, foram posicionados descalços em pé, de costas para a escala numérica do equipamento, com as pernas e os pés paralelos, peso distribuído em ambos os pés, braços estendidos ao longo do corpo com as palmas das mãos voltadas para o corpo e cabeça alinhada ao plano de Frankfurt para registrar a medida. Ambas as medidas antropométricas foram aferidas duas vezes, sendo utilizadas as médias.

O IMC foi classificado em baixo peso, eutrofia ou excesso de peso, de acordo com o ponto de corte para a idade do participante. Para os adultos (50-59 anos), foram adotados os pontos de corte preconizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 55. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. https://www.who.int/nutrition/publications/obesity/WHO_TRS_894/en/ (acessado em 20/Ago/2023).
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: “baixo peso” (< 18,5kg/m2), “eutrofia” (18,5-24,9kg/m2) ou “excesso de peso” (> 24,9kg/m2). Participantes idosos (60 anos ou mais) foram classificados nas seguintes categorias: “baixo do peso” (< 22,0kg/m2), “eutrofia” (22,0-27,0kg/m2) ou “excesso de peso” (> 27,0kg/m2), de acordo com os critérios de Lipschitz 1818. Lipschitz DA. Screening for nutritional status in the elderly. Prim Care 1994; 21:55-67., adotados pelo Ministério da Saúde do Brasil 1919. Ministério da Saúde. Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: norma técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/orientacoes_coleta_analise_dados_antropometricos.pdf (acessado em 29/Dez/2023).
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
.

Características sociodemográficas

As características sociodemográficas analisadas foram baseadas em publicações anteriores 88. Meller FO, Schäfer AA, Santos LP, Quadra MR, Miranda VIA. Double burden of malnutrition and inequalities in the nutritional status of adults: a population-based study in Brazil, 2019. Int J Public Health 2021; 66:609179.,1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814.: faixa etária em anos (50-59, 60-69, 70-79 ou ≥ 80); cor da pele autorreferida (branca, preta ou outras); estado civil (casado ou solteiro/viúvo/divorciado); escolaridade, considerando os anos completos de estudo (até 8, 9-11 ou ≥ 12); renda domiciliar per capita (em tercil); área de residência do domicílio (urbana ou rural); e macrorregião geográfica (Sul, Sudeste, Centro-oeste, Norte ou Nordeste).

Análises estatísticas

Inicialmente, foi estimada a prevalência de baixo peso, eutrofia e excesso de peso, estratificada por sexo e faixa etária. Posteriormente, foi realizada análise descritiva das características sociodemográficas de acordo com a classificação do IMC para cada sexo, sendo que diferenças nas distribuições foram verificadas por meio do teste de qui-quadrado de Pearson com correção de Rao-Scott, ao nível de significância de 5%. A força da associação entre as características sociodemográficas e os desvios nutricionais do IMC foi estimada por meio de odds ratio (OR) brutos e ajustados a seus intervalos de 95% de confiança (IC95%), obtidos por meio de regressão logística multinomial, tendo como referência a categoria “eutrofia”. Foram realizados os ajustes nos modelos de forma sequencial: (1) características sociodemográficas individuais, incluindo faixa etária, cor da pele autorreferida, estado civil, escolaridade e renda domiciliar per capita (Modelo 1); (2) características sociodemográficas de localização do domicílio, incluindo área de residência do domicílio e macrorregião geográfica (Modelo 2); e, (3) Modelos 1 e 2 juntos (Modelo totalmente ajustado). O teste de multicolinearidade foi utilizado para testar a correlação entre as variáveis incluídas nos modelos multivariados, por meio do fator de inflação de variância (VIF, do inglês variance inflation factor). Como a multicolinearidade não foi evidenciada (VIF = 1,16 para o sexo feminino e VIF = 1,13 para o sexo masculino), todas as variáveis independentes foram mantidas nos modelos totalmente ajustados.

Todas as análises foram realizadas no software Stata/SE, versão 17.0 (https://www.stata.com), utilizando-se o comando svy para considerar a complexidade do desenho amostral e o peso individual dos participantes do ELSI-Brasil.

Resultados

Entre os 9.412 participantes da linha de base do ELSI-Brasil, 8.974 apresentaram informações completas para cálculo do IMC e foram incluídos nesta análise. A maioria dos participantes declarou cor da pele não branca (preta e outras) (57,3%), era casado (63,5%), tinha até 8 anos de escolaridade (73,1%) e residia na área urbana (84,7%). Além disso, 35,1% estavam no 3º tercil da renda domiciliar per capita e 47,2% residiam na macrorregião Sudeste (Tabela 1). No geral, as prevalências de baixo peso não diferiram significativamente entre os sexos, sendo observado em 6,9% das mulheres (IC95%: 5,9-8,1) e 8,3% dos homens (IC95%: 7,0-9,9), por sua vez, o excesso de peso foi significativamente maior nas mulheres do que nos homens (64,1%; IC95%: 62,0-66,2 vs. 57,3%; IC95%: 54,2-60,3, respectivamente).

Tabela 1
Descrição das características sociodemográficas de mulheres e homens mais velhos brasileiros de acordo com a classificação do índice de massa corporal (IMC). Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil, 2015-2016).

Estratificando as prevalências pelas faixas etárias (Figura 1), observa-se que o baixo peso apresentou relação positiva com a faixa etária em ambos os sexos. As prevalências aos 50-59 anos, 60-69 anos, 70-79 anos e ≥ 80 anos foram de 1,3% (IC95%: 0,8-2,1), 10,3% (IC95%: 8,4-12,6), 12,3% (IC95%: 9,9-15,1) e 16,9% (IC95%: 13,0-21,7) para mulheres e de 1,8% (IC95%: 1,2-2,6), 14,2% (IC95%: 12,0-16,6), 15,4% (IC95%: 12,6-18,6) e 18,8% (IC95%: 13,3-25,8) para homens, respectivamente. Em contrapartida, com o avançar da idade, a prevalência de excesso de peso diminuiu em ambos os sexos - com prevalência de 73,6% (IC95%: 70,8-76,2) e 44,9% (IC95%: 38,8-51,3) nas mulheres de 50-59 anos e ≥ 80 anos, respectivamente; e de 71,4% (IC95%: 68,7-73,9) e 37,8% (IC95%: 30,7-45,5) nos homens de 50-59 anos e ≥ 80 anos, respectivamente.

Figura 1
Prevalência de baixo peso e excesso de peso em mulheres e homens mais velhos brasileiros conforme faixa etária. Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil, 2015-2016).

Em relação às características sociodemográficas, verificou-se diferença estatisticamente significativa (valor de p < 0,05) nas variáveis estado civil, área de residência do domicílio e macrorregião geográfica entre as mulheres e estado civil, escolaridade, renda domiciliar per capita e área de residência do domicílio entre os homens (Tabela 1).

As Tabelas 2 e 3 apresentam os resultados da análise bruta e do modelo totalmente ajustado por todas as características sociodemográficas para o sexo feminino e masculino, respectivamente. Considerando-se as mulheres, o baixo peso foi mais presente que a eutrofia em todas as faixas etárias mais avançadas em relação à faixa etária de 50-59 anos, entre as solteiras/viúvas/divorciadas (OR = 1,95; IC95%: 1,42-2,66), assim como entre residentes da área rural (OR = 1,58; IC95%: 1,01-2,49). Ao contrário, a chance de excesso de peso foi inferior à chance de eutrofia em todas as faixas etárias mais avançadas, entre as moradoras da área rural (OR = 0,78; IC95%: 0,62-0,97) e as residentes em todas as macrorregiões geográficas em comparação à Sul. Para os homens, uma maior chance de baixo peso em relação à eutrofia foi observada com o avançar da idade, com gradiente dose-resposta. Já a chance de excesso de peso foi menor em todas as faixas etárias em comparação aos participantes com 50-59 anos e entre solteiros/viúvos/divorciados (OR = 0,58; IC95%: 0,48-0,69). A associação observada entre renda domiciliar per capita e IMC evidenciou que os mais ricos apresentaram menor chance de baixo peso (OR = 0,59; IC95%: 0,38-0,90), e maior chance de excesso de peso (OR = 1,52; IC95%: 1,20-1,92).

Tabela 2
Associação entre características sociodemográficas e índice de massa corporal (IMC) em mulheres mais velhas brasileiras. Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil, 2015-2016).
Tabela 3
Associação entre características sociodemográficas e índice de massa corporal (IMC) em homens mais velhos brasileiros. Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil, 2015-2016).

Discussão

De nosso conhecimento, esse é o primeiro estudo nacionalmente representativo que investigou as características sociodemográficas associadas ao IMC, por sexo, entre adultos mais velhos brasileiros. Os resultados evidenciaram maior prevalência de excesso de peso nas mulheres do que nos homens. Mulheres e homens mais longevos (≥ 80 anos) apresentaram maiores prevalências de baixo peso. Em contrapartida, com o avançar da idade, a prevalência de excesso de peso diminuiu em ambos os sexos. Nas mulheres, o baixo peso foi positivamente associado às faixas etárias mais avançadas, ao estado civil de solteira/viúva/divorciada e à área de residência rural. O excesso de peso foi inversamente associado às faixas etárias mais avançadas, à área rural e a todas as macrorregiões geográficas em comparação à Sul. Para os homens, associações positivas e estatisticamente significativas foram observadas entre o baixo peso e faixa etária. Associações negativas foram observadas entre o excesso de peso e faixa etária, assim como para o estado civil. A renda domiciliar per capita associou-se inversamente ao baixo peso e positivamente ao excesso de peso.

É importante considerar a magnitude do baixo peso nos adultos mais velhos brasileiros (6,9% nas mulheres e 8,3% nos homens), ainda que sua prevalência seja bem menor que o excesso de peso e venha apresentando declínio ao longo das últimas décadas 2020. Silva VS, Souza I, Silva DAS, Barbosa AR, Fonseca MJM. Evolução e associação do IMC entre variáveis sociodemográficas e de condições de vida em idosos do Brasil: 2002/03-2008/09. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:891-901.. O baixo peso ainda é bastante frequente nesse segmento populacional, principalmente nos países de baixa e média renda 88. Meller FO, Schäfer AA, Santos LP, Quadra MR, Miranda VIA. Double burden of malnutrition and inequalities in the nutritional status of adults: a population-based study in Brazil, 2019. Int J Public Health 2021; 66:609179.,1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814.,2121. Rahman KMT, Khalequzzaman M, Khan FA, Rayna SE, Samin S, Hasan M, et al. Factors associated with the nutritional status of the older population in a selected area of Dhaka, Bangladesh. BMC Geriatr 2021; 21:161.,2222. Müller O, Krawinkel M. Malnutrition and health in developing countries. CMAJ 2005; 173:279-86., contribuindo para o aumento da mortalidade 2323. Bhaskaran K, dos-Santos-Silva I, Leon DA, Douglas IJ, Smeeth L. Association of BMI with overall and cause-specific mortality: a population-based cohort study of 3·6 million adults in the UK. Lancet Diabetes Endocrinol 2018; 6:944-53.. Independentemente da fisiopatologia, o baixo peso expressa as disparidades socioeconômicas no acesso e consumo dos alimentos.

Nos últimos anos, inquéritos nacionais têm evidenciado que a prevalência de excesso de peso está em níveis elevados na população brasileira 66. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde; 2020.,77. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2020: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2020. Brasília: Ministério da Saúde; 2021., e vários países do mundo enfrentam problema semelhante 2424. World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases 2014 'Attaining the nine global noncommunicable diseases targets; a shared responsibility'. https://www.who.int/publications/i/item/9789241564854 (acessado em 29/Dez/2023).
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. A prevalência de excesso de peso é resultado das mudanças globais nos sistemas alimentares, que tornaram os produtos alimentícios ultraprocessados de menor valor nutricional, mais baratos e acessíveis, aliadas à redução da atividade física no trabalho, no transporte, em casa e no lazer, devido ao desenvolvimento tecnológico 44. Popkin BM, Corvalan C, Grummer-Strawn LM. Dynamics of the double burden of malnutrition and the changing nutrition reality. Lancet 2020; 395:65-74.. A associação do excesso de peso com maior mortalidade por todas as causas foi amplamente consistente em quatro continentes de acordo com uma metanálise 2525. The Global BMI Mortality Collaboration. Body-mass index and all-cause mortality: individual-participant-data meta-analysis of 239 prospective studies in four continents. Lancet 2016; 388:776-86.. Nossos resultados demonstram a necessidade de estratégias voltadas para prevenir e tratar o excesso de peso, mas também o baixo peso, o que está em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, que incluem a erradicação da fome e de todas as formas de desnutrição, o alcance da segurança alimentar e melhora da nutrição 2626. United Nations. Sustainable Development Goals: 17 goals to transform our world. https://www.un.org/en/exhibits/page/sdgs-17-goals-transform-world (acessado em 29/Dez/2023).
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A prevalência de excesso de peso foi maior entre as mulheres (64,1%) quando comparada aos homens (57,3%), corroborando os achados de outros estudos conduzidos com idosos (60 anos ou mais) de algumas cidades brasileiras 2727. Barbosa AR, Souza JMP, Lebrão ML, Laurenti R, Marucci MFN. Anthropometry of elderly residents in the city of São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1929-38.,2828. Bassler TC, Lei DLM. Diagnóstico e monitoramento da situação nutricional da população idosa em município da região metropolitana de Curitiba (PR). Rev Nutr 2008; 21:311-21.,2929. Menezes TN, Brito MT, Araújo TBP, Silva CCM, Nolasco RRN, Fischer MATS. Perfil antropométrico dos idosos residentes em Campina Grande-PB. Rev Bras Geriatr Gerontol 2013; 16:19-27.. Essa diferença pode ser explicada pelas mudanças ponderais relacionadas à idade entre os sexos. Por exemplo, nos homens, o processo de envelhecimento é acompanhado por ganho de peso corporal progressivo até cerca de 65 anos e geralmente tende a declinar após essa idade. Por outro lado, nas mulheres, ocorre um efeito platô de ganho de peso corporal por volta dos 75 anos. Isso quer dizer que as mulheres ganham peso e, por conseguinte, aumentam o IMC por um período maior do que os homens 99. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Genebra: World Health Organization; 1995. (WHO Technical Report Series, 854).

Os resultados deste estudo evidenciaram que a idade está fortemente associada aos desvios nutricionais do IMC. Especificamente, foi observado aumento da prevalência de baixo peso e diminuição da prevalência do excesso de peso com o avançar da idade entre adultos mais velhos de ambos os sexos. Esses achados são consistentes com a literatura atual 1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814. e diferem do observado para os adultos desde os 18 anos, em relação ao excesso de peso, para o qual são evidenciadas prevalências crescentes com o aumento da faixa etária, para ambos os sexos, que tendem a diminuir a partir dos 60 anos, em geral 1313. Ferreira APS, Szwarcwald CL, Damacena GN. Prevalência e fatores associados da obesidade na população brasileira: estudo com dados aferidos da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2019; 22:e190024.. Esses resultados podem estar associados, em parte, ao viés de sobrevivência, devido ao aumento da mortalidade de idosos obesos antes dos 80 anos 3030. Cabrera MAS, Jacob Filho W. Obesidade em idosos: prevalência, distribuição e associação com hábitos e co-morbidades. Arq Bras Endocrinol Metab 2001; 45:494-501.. Outra explicação envolve as modificações da composição corporal com o envelhecimento, que implicam redistribuição da gordura corporal e perda de massa muscular e água corporal 99. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Genebra: World Health Organization; 1995. (WHO Technical Report Series, 854). Cabe destacar, ainda, as alterações fisiopatológicas e psicológicas que afetam diretamente o estado nutricional e fazem parte da complexa rede de desnutrição nos idosos, tais como a anorexia, abuso de álcool, polifarmácia, multimorbidade, sintomas depressivos, ansiedade, solidão e limitações físicas 3131. Schilp J, Wijnhoven HAH, Deeg DJH, Visser M. Early determinants for the development of undernutrition in an older general population: Longitudinal Aging Study Amsterdam. Br J Nutr 2011; 106:708-17..

Acredita-se que a redução da desigualdade de renda pode promover melhor qualidade de vida no envelhecimento. A renda é um preditor de um estilo de vida saudável, por favorecer o acesso a serviços e bens materiais 3232. Insaf TZ, Shaw BA, Yucel RM, Chasan-Taber L, Strogatz DS. Lifecourse socioeconomic position and racial disparities in BMI trajectories among black and white women: exploring cohort effects in the Americans' Changing Lives Study. J Racial Ethn Health Disparities 2014; 1:309-18., e da (in)segurança alimentar e qualidade da dieta 3333. Leung CW, Wolfson JA. Food insecurity among older adults: 10-year national trends and associations with diet quality. J Am Geriatr Soc 2021; 69:964-71.. Vale ressaltar que ainda não existe consenso na literatura sobre a relação entre custos e qualidade da alimentação. Alguns estudos indicam que padrões alimentares saudáveis apresentam maior custo 3434. Darmon N, Drewnowski A. Contribution of food prices and diet cost to socioeconomic disparities in diet quality and health: a systematic review and analysis. Nutr Rev 2015; 73:643-60.,3535. Morris MA, Hulme C, Clarke GP, Edwards KL, Cade JE. What is the cost of a healthy diet? Using diet data from the UK Women's Cohort Study. J Epidemiol Community Health 2014; 68:1043-9., enquanto outros autores não identificaram essa associação, incluindo evidência nacional 3636. Anekwe TD, Rahkovsky I. Economic costs and benefits of healthy eating. Curr Obes Rep 2013; 2:225-34.,3737. Torreglosa CR, Sarti FM, Bersch-Ferreira AC, Weber B, Santos RHN, Chiavegatto Filho ADP. Qualidade da dieta e despesa diária com alimentação em adultos com doença cardiovascular no Brasil. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00225019.. No entanto, não há controvérsia sobre o aumento da renda influenciar maior consumo de produtos alimentícios ultraprocessados 3838. Pereira MG, de Assumpção D, de Azevedo Barros MB, Zangirolani LTO. Consumption of ultra-processed foods and associated factors in adults: evidence from the 2008-2009 Campinas Health Survey. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:3815-24. e gastos com a alimentação fora do domicílio 3939. Bezerra IN, Souza AM, Pereira RA, Sichieri R. Consumption of foods away from home in Brazil. Rev Saúde Pública 2013; 47 Suppl 1:200-11., que estão associados a refeições de baixa qualidade nutricional e alto consumo calórico 4040. Binkley JK, Liu Y. Food at home and away from home: commodity composition, nutrition differences, and differences in consumers. Agric Resour Econ Rev 2019; 48:221-52., contribuindo para o ganho de peso corporal. Neste estudo, os homens mais ricos apresentaram menor chance de baixo peso, bem como maior chance de excesso de peso, corroborando os achados de outro estudo realizado com a população idosa brasileira 1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814.. Esses resultados demonstram que o poder aquisitivo protege contra o baixo peso, pelo poder de compra dos alimentos. Contudo, apenas a renda não é garantia de melhoria efetiva na alimentação. Apesar dos mais ricos terem renda para uma alimentação equilibrada e saudável, é necessária a realização de atividades de educação alimentar e nutricional para orientá-los quanto às escolhas alimentares e garantir uma alimentação adequada. Além disso, as políticas públicas devem ser reformuladas para regulamentar a venda e a publicidade dos produtos alimentícios ultraprocessados.

Estudos anteriores demonstram que a escolaridade também está relacionada ao baixo peso e ao excesso de peso em populações adultas 4141. Canella DS, Duran AC, Claro RM. Malnutrition in all its forms and social inequalities in Brazil. Public Health Nutr 2020; 23 Suppl 1:S29-38.,4242. Reyes Matos U, Mesenburg MA, Victora CG. Socioeconomic inequalities in the prevalence of underweight, overweight, and obesity among women aged 20-49 in low- and middle-income countries. Int J Obes 2020; 44:609-16.. No entanto, esta análise não suporta essas evidências para adultos mais velhos brasileiros. Um estudo com dados da Vigitel, de 2019, mostrou que a escolaridade influencia diferentemente o IMC dos indivíduos 88. Meller FO, Schäfer AA, Santos LP, Quadra MR, Miranda VIA. Double burden of malnutrition and inequalities in the nutritional status of adults: a population-based study in Brazil, 2019. Int J Public Health 2021; 66:609179.. As mulheres com menor escolaridade foram mais acometidas pelo baixo peso e pelo excesso de peso. Nos homens, o baixo peso foi mais prevalente entre os menos escolarizados e o excesso de peso foi mais frequente entre os mais escolarizados 88. Meller FO, Schäfer AA, Santos LP, Quadra MR, Miranda VIA. Double burden of malnutrition and inequalities in the nutritional status of adults: a population-based study in Brazil, 2019. Int J Public Health 2021; 66:609179.. Similarmente, em uma amostra de idosos brasileiros, foram encontradas maiores prevalências de baixo peso quanto menor o nível de escolaridade dos participantes. Contudo, as prevalências de sobrepeso mostraram-se semelhantes entre os níveis educacionais, o que pode ter influenciado a não associação da escolaridade com o IMC 1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814., tal como observado.

Neste estudo, a cor da pele autorreferida não apresentou associação significativa com IMC em ambos os sexos. Outro estudo com idosos (60 anos ou mais) brasileiros identificou menor prevalência de sobrepeso entre aqueles que autodeclararam cor da pele amarela 1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814.. Por outro lado, os adultos (≥ 18 anos) negros e de outras etnias minoritárias apresentaram um aumento relativo maior na prevalência de excesso de peso no período de 2006 a 2019 4343. Estivaleti JM, Guzman-Habinger J, Lobos J, Azeredo CM, Claro R, Ferreri G, et al. Time trends and projected obesity epidemic in Brazilian adults between 2006 and 2030. Sci Rep 2022; 12:12699.. De acordo com a literatura, o status socioeconômico ao longo da vida pode explicar algumas das diferenças raciais no IMC 3232. Insaf TZ, Shaw BA, Yucel RM, Chasan-Taber L, Strogatz DS. Lifecourse socioeconomic position and racial disparities in BMI trajectories among black and white women: exploring cohort effects in the Americans' Changing Lives Study. J Racial Ethn Health Disparities 2014; 1:309-18..

Evidenciou-se, também, que as mulheres da área rural apresentaram maior chance de baixo peso e menor chance de excesso de peso, resultados similares aos de outra publicação 1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814.. Esses achados podem ser explicados pelas diferenças no estilo de vida, visto que as populações rurais são mais ativas no trabalho e despendem menos tempo vendo televisão 4444. Wendt A, Machado AK, Costa CS, Blumenberg C, Ricardo LI, Martins RC, et al. Rural-urban differences in physical activity and TV - viewing in Brazil. Rural Remote Health 2022; 22:6937.. Além disso, a distribuição geográfica dos desvios nutricionais do IMC revelou menor chance de excesso de peso em mulheres das macrorregiões Sudeste, Centro-oeste, Norte e Nordeste, em comparação às residentes da Sul. Pereira et al. 1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814. encontraram uma tendência similar. Essa espacialização das cinco macrorregiões brasileiras acompanha a heterogeneidade do país. As características ambientais, culturais e socioeconômicas regionais podem repercutir no estilo de vida, hábitos e disponibilidade domiciliar dos alimentos 4545. Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24:267-76., o que parece explicar as diferenças para o sexo feminino. De acordo com um relatório conjunto da Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), com outras organizações, as mulheres da América Latina são mais afetadas pela insegurança alimentar por pertencerem a um recorte mais vulnerável da população 4646. Food and Agriculture Organization of the United Nations; International Fund for Agricultural Development; Pan American Health Organization; United Nations Children's Fund; World Food Programme. Latin America and the Caribbean. Regional overview of food security and nutrition: statistics and trends. Santiago: Food and Agriculture Organization of the United Nations; 2021.. Por exemplo, as mulheres ganham cerca de 23% menos que os homens e gastam mais horas em trabalho não remunerado 2626. United Nations. Sustainable Development Goals: 17 goals to transform our world. https://www.un.org/en/exhibits/page/sdgs-17-goals-transform-world (acessado em 29/Dez/2023).
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. Garantir a igualdade entre homens e mulheres não é apenas um direito fundamental, mas uma base necessária para promoção dos cuidados em saúde e educação dos filhos, e elementar para o sucesso político e econômico de suas comunidades 2626. United Nations. Sustainable Development Goals: 17 goals to transform our world. https://www.un.org/en/exhibits/page/sdgs-17-goals-transform-world (acessado em 29/Dez/2023).
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,4747. Tanumihardjo SA, Anderson C, Kaufer-Horwitz M, Bode L, Emenaker NJ, Haqq AM, et al. Poverty, obesity, and malnutrition: an international perspective recognizing the paradox. J Am Diet Assoc 2007; 107:1966-72..

Neste estudo, as mulheres solteiras/viúvas/divorciadas apresentaram maior chance de baixo peso do que as casadas, enquanto os homens solteiros/viúvos/divorciados apresentaram menor chance de excesso de peso. Dados do estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE), conduzido no Município de São Paulo, demonstraram que pessoas casadas de ambos os sexos, com 70 anos ou mais, tinham IMC mais elevado do que as solteiras 4848. Araujo TA, Corona LP, Andrade FCD, Roediger MA, Duarte YAO. Factors associated with body mass index changes among older adults: a ten-year follow-up. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00081320.. Um estudo realizado com adultos (≥ 30 anos) também comprovou maior chance de sobrepeso e obesidade entre os participantes que viviam com companheiro 4949. Moraes AS, Humberto JSM, Freitas ICM. Estado nutricional e fatores sociodemográficos em adultos residentes em Ribeirão Preto, SP, 2006: Projeto OBEDIARP. Rev Bras Epidemiol 2011; 14:662-76.. É provável que os adultos mais velhos que vivem sem companheiro estejam mais vulneráveis aos desvios nutricionais do IMC, seja baixo peso ou excesso de peso. O matrimônio ocasiona mudanças no estilo de vida e na assistência de atividades diárias, como a aquisição e preparo dos alimentos, e até nos próprios hábitos alimentares, afetando o peso corporal 1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814.,4848. Araujo TA, Corona LP, Andrade FCD, Roediger MA, Duarte YAO. Factors associated with body mass index changes among older adults: a ten-year follow-up. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00081320.,4949. Moraes AS, Humberto JSM, Freitas ICM. Estado nutricional e fatores sociodemográficos em adultos residentes em Ribeirão Preto, SP, 2006: Projeto OBEDIARP. Rev Bras Epidemiol 2011; 14:662-76. de maneira diferente entre os sexos.

Os pontos fortes deste estudo incluem a representatividade nacional da amostra de adultos mais velhos brasileiros, a utilização de medidas antropométricas diretamente aferidas e o emprego dos pontos de cortes adotados pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) 1919. Ministério da Saúde. Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: norma técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/orientacoes_coleta_analise_dados_antropometricos.pdf (acessado em 29/Dez/2023).
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para classificação do IMC dos participantes idosos. Nossos achados ampliam o conhecimento sobre os desvios nutricionais no país segundo as características sociodemográficas e podem orientar as políticas públicas sociais e de nutrição, como a inclusão dos segmentos populacionais mais vulneráveis em programas de prevenção do baixo peso e do excesso de peso e de promoção de hábitos saudáveis. No entanto, este estudo apresenta algumas limitações que precisam ser reconhecidas. A primeira está relacionada à natureza transversal do estudo, que impede inferir relações causais entre as características sociodemográficas e os desvios nutricionais. Outra limitação a ser considerada é o uso do IMC na avaliação dos desvios nutricionais. O IMC não distingue massa magra da massa gorda, portanto, não é capaz de informar sobre a composição corporal dos indivíduos. Infelizmente, medidas de composição corporal não estão disponíveis no ELSI-Brasil. Ainda assim, a avaliação e monitoramento do IMC são essenciais na avaliação nutricional dos adultos mais velhos, por ser um método não invasivo, de baixo custo e de fácil obtenção, apresentando associação com a mortalidade geral e com causas específicas 2323. Bhaskaran K, dos-Santos-Silva I, Leon DA, Douglas IJ, Smeeth L. Association of BMI with overall and cause-specific mortality: a population-based cohort study of 3·6 million adults in the UK. Lancet Diabetes Endocrinol 2018; 6:944-53.. Estudos futuros que investiguem outros determinantes dos desvios nutricionais (como fatores comportamentais e condições de saúde) são necessários, principalmente estratificados por sexo e faixa etária, além de estudos longitudinais que avaliem as alterações antropométricas que ocorrem com o envelhecimento.

Apesar das associações entre características sociodemográficas e IMC já terem sido descritas na literatura, os achados deste estudo contemplam uma lacuna ao explorar as diferenças entre os sexos e reiteram a importância de ações de monitoramento do estado nutricional da população adulta mais velha brasileira, considerando as condições contextuais. A influência da escolaridade e da cor da pele autorreferida no IMC necessita ser melhor explorada, visto que não confirmamos as associações descritas anteriormente 88. Meller FO, Schäfer AA, Santos LP, Quadra MR, Miranda VIA. Double burden of malnutrition and inequalities in the nutritional status of adults: a population-based study in Brazil, 2019. Int J Public Health 2021; 66:609179.,1010. Pereira IFS, Spyrides MHC, Andrade LMB. Estado nutricional de idosos no Brasil: uma abordagem multinível. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00178814.,4141. Canella DS, Duran AC, Claro RM. Malnutrition in all its forms and social inequalities in Brazil. Public Health Nutr 2020; 23 Suppl 1:S29-38.,4242. Reyes Matos U, Mesenburg MA, Victora CG. Socioeconomic inequalities in the prevalence of underweight, overweight, and obesity among women aged 20-49 in low- and middle-income countries. Int J Obes 2020; 44:609-16.. Somente a partir dessa compreensão serão identificados os principais determinantes dos desvios nutricionais. As características sociodemográficas devem ser avaliadas pela equipe multiprofissional, por sua utilidade na triagem de indivíduos em risco de desvios nutricionais do IMC e, portanto, sua ajuda no direcionamento de abordagens preventivas. Sugere-se, ainda, a necessidade de políticas públicas e ações intersetoriais que possam enfrentar as desigualdades sociodemográficas no país e, por conseguinte, auxiliar no enfrentamento dos desvios nutricionais do IMC nesse segmento populacional. Além disso, os programas de alimentação e nutrição, assim como as estratégias de educação alimentar e nutricional, devem levar em consideração as disparidades sociais da população brasileira, e não somente as características individuais, e serem direcionados ao combate tanto do baixo peso, quanto do excesso de peso, pois ambos são característicos da má nutrição e interferem negativamente na qualidade de vida.

Conclusão

Os resultados deste estudo reforçam as características da transição nutricional, evidenciando a maior prevalência do excesso de peso nas mulheres em relação aos homens e prevalência similar de baixo peso entre os sexos em adultos mais velhos brasileiros. O baixo peso foi mais evidente entre mulheres e homens mais longevos, e a prevalência de excesso de peso tendeu a diminuir com o avançar da idade em ambos os sexos. Além disso, as características sociodemográficas associadas ao IMC diferiram entre os sexos. Faixa etária, estado civil, área de residência do domicílio e macrorregião geográfica foram associados ao IMC entre as mulheres, enquanto faixa etária, estado civil e renda domiciliar per capita foram associados ao IMC entre os homens.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos participantes e aos profissionais que colaboraram para a realização do ELSI-Brasil. Ao Ministério da Saúde (Departamento de Ciência e Tecnologia/Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos; Coordenação de Saúde da Pessoa Idosa na Atenção Primária/Departamento dos Ciclos da Vida/Secretaria de Atenção Primária à Saúde).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2023
  • Revisado
    01 Set 2023
  • Aceito
    18 Set 2023
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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