A internação de usuários de álcool e outras drogas em hospital geral

The hospitalization of users of alcohol and other drugs in the general hospital

Sirlei Favero Cetolin Clarete Trzcinski Ana Cristina Weber Marchi Sobre os autores

RESUMO

O artigo objetiva analisar a internação de usuários de álcool e outras drogas em Hospital Geral, por meio de prontuários de pacientes com idades entre 28 e 67 anos, que faziam uso de álcool ou outras drogas havia mais de quatorze anos e já tinham sido internados pelo menos duas vezes. Os resultados revelam lacunas nos serviços de saúde, onde a internação é vista como tratamento final para o uso de drogas. Contudo, após cumprir o prazo de isolamento, desintoxicação e abstinência, o paciente volta ao convívio familiar e social, sendo necessário intensificar ações de saúde atuando no fortalecimento dos pacientes para esse ‘retorno’.

PALAVRAS-CHAVE
Saúde Mental; Alcoolismo; Drogas

ABSTRACT

The article aims to analyse the hospitalization of users of alcohol and other drugs in the General Hospital, through medical records of patients aged 28 and 67 years that made use of alcohol or other drugs for more than fourteen years and had been hospitalized at least twice.

The results reveal gaps in health services where the hospital ends up being seen as a final treatment for drug use, however, after the deadline of isolation, withdrawal and detoxification, the patient returns to the family and social life is necessary to intensity actions working on strengthening health patients for this “return”.

KEYWORDS
Mental Health; Alcoholism; Drugs

1. Introdução

A dependência de álcool e outras drogas se tornou um importante problema de saúde pública no Brasil e, não diferentemente de outras regiões do país, os municípios localizados no extremo oeste do Estado de Santa Catarina também enfrentam desafios no sentido de atingir os objetivos propostos pela Reforma Psiquiátrica, que estabelecem importantes transformações conceituais e operacionais no campo da atenção à saúde mental.

A promulgação da Lei 10.216, de 06/04/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, foi um dos avanços mais significativos no processo histórico das políticas públicas de saúde mental no Brasil. Dentre o arcabouço jurídico que sustenta a referida Lei, destaca-se a Portaria GM nº 1101, de 12/06/2002, que propõe a redistribuição dos leitos psiquiátricos, estabelece os parâmetros de cobertura assistencial no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e as diretrizes da Política Nacional de Atenção à Saúde Mental. Contudo, muitos desafios ainda se impõem para a efetivação dos direitos previstos na legislação em relação às pessoas com dependência de drogas.

O Hospital de Tunápolis, no Estado de Santa Catarina, foi escolhido para este estudo pelo fato de atender as demandas de municípios regionais do extremo oeste catarinense por meio do SUS. A instituição hospitalar tem características de um Hospital Geral e presta serviços nas áreas das quatro clínicas: pediatria, clínica geral, ginecologia e obstetrícia, possuindo, no total, 38 leitos para o atendimento da população geral. Possui também uma ala psiquiátrica com nove leitos credenciados pelo SUS e três leitos para atendimento particular, planos e convênios. Em um levantamento inicial na instituição hospitalar, percebeu-se que, em 2010, dentre o total de pacientes que haviam sido internados na ala psiquiátrica, aproximadamente 60% possuíam o diagnóstico de uso abusivo de álcool ou outras drogas. O mesmo levantamento demonstrou que muitos dos pacientes haviam sido internados mais do que uma vez no local, provocando algumas indagações que fomentaram a realização desta análise, que tem como objeto de estudo a internação dos usuários de álcool e outras drogas em Hospital Geral.

Vale lembrar que, no Brasil, várias pesquisas já foram feitas abordando temáticas relacionadas às drogas. Todavia, na região do extremo oeste catarinense, pesquisas voltadas especificamente para o assunto são escassas, de modo que o objetivo do estudo foi analisar a internação de usuários de álcool e outras drogas em Hospital Geral, Pretende-se, com este artigo, fomentar reflexões a partir da realização de uma pesquisa documental que se utilizou de prontuários de pacientes para a coleta de dados.

1.1 ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO USO DE DROGAS

Segundo a definição da Organização Mundial da Saúde (2001), droga é qualquer substância não produzida pelo organismo e que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alterações em seu funcionamento. As drogas utilizadas para alterar o funcionamento cerebral, que causam modificações no estado mental, são chamadas de drogas psicotrópicas ou substâncias psicoativas. Na lista de substâncias da Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão (CID-10), em seu capítulo V (Transtornos Mentais e de Comportamento), encontram-se como drogas ou substâncias psicoativas as seguintes: álcool, opioides (morfina, heroína, codeína, diversas substâncias sintéticas), canabinoides (maconha), sedativos ou hipnóticos (barbitúricos, benzodiazepínicos), cocaína, outros estimulantes (como anfetaminas e substâncias relacionadas à cafeína), alucinógenos, tabaco e os solventes voláteis. As formas de classificar as drogas caracterizam-se como lícitas e ilícitas, sendo que as lícitas são aquelas comercializadas de forma legal e que podem ou não estar sub-metidas a algum tipo de restrição, como, por exemplo, o álcool, que possui venda proibida para pessoas menores de 18 anos, e alguns medicamentos que somente podem ser adquiridos mediante prescrição médica especial. As drogas ilícitas, por sua vez, são aquelas que possuem proibição por lei (SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGAS, 2010SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGAS (Brasil). Prevenção do uso indevido de drogas: capacitação para Conselheiros e Lideranças Comunitárias. 3. ed. Brasília: Presidência da República, 2010.).

É importante lembrar que o uso de drogas que alteram o estado mental das pessoas acontece há milhares de anos e, muito provavelmente, vai acompanhar toda a história da humanidade, possuindo como justificativas para o seu uso razões culturais, religiosas, genéticas; como forma de enfrentamento de problemas; para transgredir ou transcender; ou como meio de socialização e isolamento, entre outras. A relação do indivíduo com cada tipo de droga pode, dependendo do contexto, ser inofensiva ou apresentar poucos riscos, mas também pode assumir padrões de utilização altamente disfuncionais e dependentes, com prejuízos biológicos, psicológicos e sociais (EDWARDS; DARE, 1997EDWARDS, G.; DARE, C. Psicoterapia e tratamento das adições. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.).

A Organização Mundial de Saúde (2001) definiu dois tipos de dependência: a dependência psíquica e a dependência física. Dependência psíquica seria a condição na qual uma droga produz um sentimento de satisfação e um impulso psicológico que requerem o uso periódico ou contínuo da mesma, para produzir prazer ou evitar desconforto, E a dependência física, um estado de adaptação do corpo manifestado por distúrbios físicos, quando o uso da droga é interrompido. Na dependência física, a droga é necessária para que o indivíduo ‘funcione’ normalmente. Este estado manifesta-se nos distúrbios físicos que ocorrem quando a droga é retirada. Tais distúrbios físicos são denominados síndromes de retirada ou síndrome de abstinência, e consistem em grupos de sintomas.

1.2 INTERNAÇÃO E TRATAMENTO

Segundo Paiva (2002)PAIVA, M. Uma fatia de realidade: CREMEPA, Belém, n. 38, p. 2, jan./fev. 2002., revelar-se dependente e usuário de drogas implica em uma série de indesejáveis consequências profissionais e pessoais. Uma das primeiras decisões a ser tomada pelos profissionais da saúde é o tipo de tratamento ambulatorial ou internação que será realizado.

A internação pode ser aceita como a definição concreta da promoção de abstinência, por afastar o indivíduo de seu habitat (que inclui os ambientes de consumo e apropriação da droga). Ela geralmente é indicada em casos mais severos, por construir um refúgio mais seguro para pacientes menos capazes de resistir à droga. Deve-se enfatizar, porém, que a internação não é tratamento, mas exclusivamente uma estratégia vista como modalidade terapêutica para a promoção da abstinência, que é apenas a parte inicial do tratamento (SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGAS, 2010SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGAS (Brasil). Prevenção do uso indevido de drogas: capacitação para Conselheiros e Lideranças Comunitárias. 3. ed. Brasília: Presidência da República, 2010.).

Para Grynberg e Kalina (1999)GRYNBERG, H; KALINA, E. Viver sem drogas. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 1999., o tratamento dos dependentes tem dois momentos importantes:

Uma fase inicial de desintoxicação, cujo objetivo é isolar o sujeito de sua família e seu ambiente e que, portanto, deve ser realizada em local especializado. A hospitalização nem sempre é bem aceita pelo usuário de drogas, mas, de início, é necessária e deve-se apelar para ela, fazendo com que o paciente e seu grupo compreendam a sua importância.

A segunda fase, mais longa e definitiva, é aquela em que se desenvolve uma terapêutica que aborde em profundidade a personalidade do paciente. É uma fase que exige dedicação dos profissionais, familiares e, sobretudo, do paciente. E os avanços nem sempre seguem uma curva regular nem se fazem visíveis aos olhos de todos. Seja qual for o caso, o ponto-chave é não submeter o paciente ao seu ambiente anterior de forma prematura. Caso contrário, as recaídas serão mais prováveis e o paciente necessitará ser reinternado em curto ou médio prazo.

Contudo, vale lembrar que é o paciente quem deve chegar a desejar honestamente deixar de usar a droga. Ninguém pode ‘recuperar-se’ no lugar dele. ‘Curar’ significa aprender a dizer não e, para isso, é indispensável que os profissionais de saúde tenham conhecimento do ambiente em que vive o usuário e, muitas vezes, retirem-no desse ambiente, pelo período que for necessário, para que seja realizada a internação e o devido tratamento.

Na atualidade, o uso indevido de drogas e a dependência têm sido tratados como questão de ordem internacional, objeto de mobilização organizada das nações em todo o mundo. Seus efeitos negativos tornam instáveis as estruturas sociais, ameaçam valores políticos, econômicos, humanos e culturais dos estados e sociedades, e infligem considerável prejuízo aos países, contribuindo para o crescimento dos gastos com tratamento médico e com a internação hospitalar, além do aumento dos índices de acidentes de trabalho, de acidentes de trânsito, de violência urbana e de mortes prematuras e, ainda, para a queda da produtividade dos trabalhadores. Afeta homens e mulheres, de todos os grupos raciais e étnicos, pobres e ricos, jovens, adultos e idosos, pessoas com ou sem instrução, profissionais especializados ou sem qualificação (SOUSA; OLIVEIRA, 2010SOUSA, F. S. P.; OLIVEIRA, E. N. Caracterização das internações de dependentes químicos em Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital Geral. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, maio 2010. Disponível em: <<<<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232010000300009&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 29 out. 2011.
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).

No Brasil, na área da saúde pública, entre as propostas de tratamento destinado a pessoas que fazem uso de drogas, encontra-se a internação em Hospital Geral para a desintoxicação. É uma proposta assistencial, articulada a partir do movimento da Reforma Psiquiátrica, que se apresenta como uma alternativa aos hospitais psiquiátricos tradicionais, que buscavam internações prolongadas (DELGADO, 1997DELGADO, S. O campo da atenção psicossocial. Rio de Janeiro: IFB-T e Corá, 1997.).

Para Machado e Colvero (2003)MACHADO, A. L.; COLVERO, L. A. Unidades de internação psiquiátrica em hospital geral: espaços de cuidados e a atuação da equipe de enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 11, n. 5, out. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0104-11692003000500016&script=sci_arttext>. Acesso em: 12 set. 2011.
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, a internação hospitalar é uma ação requerida por profissionais especializados, quando se instala determinada condição do processo saúde-doença que requer tratamento especializado, intensivo e invasivo, entre outros. Para o autor, quando a pessoa apresenta um problema, e, estando sua doença em fase agudo-produtiva, na maioria das vezes, necessita de um lugar especial com assistência específica, nada impedindo que esse lugar seja uma unidade dentro de um Hospital Geral.

2. Metododologia

A pesquisa foi realizada no Hospital de Tunápolis (SC), que possui características de um Hospital Geral. A escolha ocorreu por ser este um hospital que atende as demandas de municípios regionais do extremo oeste de Santa Catarina por meio do SUS.

O estudo se caracterizou por trabalho de campo, com uma abordagem qualitativa do tipo descritiva e exploratória.

Foi realizada uma pesquisa documental. Segundo Luna (1997)LUNA, S. V. Planejamento de pesquisa: uma introdução. São Paulo: EDUC, 1997., podem ser consideradas fontes para a realização de pesquisas documentais os prontuários médicos, as legislações e os censos, entre outras. Assim, fez-se a coleta de dados em prontuários de usuários de álcool e outras drogas internados no Hospital Geral de Tunápolis (SC), que oportunizaram a observação de variáveis socioeconômicas e demográficas, tais como: idade, sexo, estado civil, procedência, escolaridade, profissão e/ou ocupação, renda e composição familiar. Variáveis acerca das drogas usadas: tipos de drogas, data da admissão para internação, tempo de uso da droga, droga usada com mais frequência, quem ofereceu a droga pela primeira vez e motivo pelo qual começou a usar, internações anteriores. Informações clínicas/biológicas, tais como: aspectos gerais das condições de saúde, exames realizados e medicação utilizada.

Estabeleceu-se, como critério para a análise dos prontuários, os daqueles pacientes que já haviam sido internados na ala psiquiátrica da instituição e/ou em outra ala psiquiátrica de Hospital Geral, fossem maiores de idade, tivessem origem em um dos municípios da região extremo oeste catarinense, fizessem uso abusivo de drogas e que estivessem com, no mínimo, 15 dias de abstinência na ocasião da pesquisa, que foi realizada no mês de setembro de 2011. Do universo de 12 pacientes internados na instituição hospitalar naquele mês, 6 contemplaram os critérios pré-estabelecidos e foram considerados sujeitos da pesquisa.

Para a análise dos dados, utilizou-se a descrição, análise e interpretação dos dados. Na descrição, foram levadas em consideração as características dos usuários internados no hospital; na análise, o foco principal foi a apresentação dos dados levantados nos prontuários; e na interpretação, procurou-se apresentar um sentido mais amplo dos dados, por meio de sua ligação com outros conhecimentos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), e aprovado pelo Parecer 076/2011.

3. Resultados e discussão

Observou-se que os registros nos prontuários dos pacientes eram realizados pelos profissionais que fazem parte da equipe multiprofissional da instituição. Cada profissional fazia as anotações de acordo com a sua respectiva competência técnica.

Nos resultados obtidos, identificou-se que os pacientes possuíam idades entre 28 e 67 anos e 100% eram do sexo masculino. Com relação ao estado civil, três eram solteiros, dois casados e um separado. Os municípios regionais de procedência dos pacientes eram os seguintes: Guaraciaba, Iporã do Oeste, Palma Sola e São Miguel do Oeste, todos localizados na região do extremo oeste catarinense. Somente um paciente concluiu o ensino médio, os demais cursaram o ensino fundamental. Em relação às características ocupacionais (profissão), um estava desempregado, dois trabalhavam na agricultura, um era aposentado como agricultor, um trabalhava com serviços gerais e um com jardinagem e pintura. A renda média de todos não ultrapassava a um salário mínimo vigente no País. Constatou-se que 100% conviviam com familiares, sendo que quatro possuíam na composição familiar pai, mãe e irmãos; um vivia com a esposa; e um, com esposa, filho, nora e netos. Todos os pacientes encontravam-se internados há mais de 15 dias e com estimativa de alta para a semana seguinte, quando completariam uma média de 20 dias de internação. Constatou-se que 100% faziam uso de algum tipo de substância psicoativa havia mais de 14 anos (entre 14 e 18 anos), reafirmando o que diz Ribeiro e Dias (2011)RIBEIRO, J. M.; DIAS, A. I. Políticas e inovação em atenção em Saúde mental: Limites ao descolamento do desempenho do SUS. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 12, dez. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232011001300011&script=sci_arttext>. Acesso em: 12 abr. 2012.
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em relação ao crescimento do uso de álcool e de outras drogas em todo o Brasil. Infelizmente, essa é uma constatação crescente na agenda da política da saúde nacional, e também evidenciada no âmbito da pesquisa.

Em relação aos tipos de drogas usadas encontravam-se registradas: tabaco, álcool, maconha, cocaína e crack. Dentre todas as drogas, o álcool é aquela utilizada por todos os pacientes em algum momento da vida. A maconha foi utilizada por quatro pacientes, que posteriormente passaram a fazer uso de outras substâncias. O tabaco, a cocaína e o crack eram drogas usadas com mais frequência pelos sujeitos 1, 2, 5 e 6. Os sujeitos 3, 4 e 6 eram agricultores e faziam uso de drogas lícitas, como o tabaco e o álcool. Cabe ressaltar que o fato de serem agricultores é importante, pois o álcool é uma droga lícita, culturalmente aceita pela sociedade. E, na área rural, o consumo abusivo do álcool é frequente, porém nem sempre compreendido como doença. Em pesquisa realizada por Cetolin e Trzcinski (2011)CETOLIN, S. F.; TRZCINSKI, C. Contexto da família alcoolista em estudos com mulheres agricultoras usuárias do NPSJ. In: ___. Relações de Gênero: afirmações e desafios nas áreas social e da saúde. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2011. com 20 mulheres agricultoras, residentes no interior dos municípios regionais, identificou-se que todas enfrentaram e enfrentavam, na família, problemáticas advindas do alcoolismo. Em outro estudo realizado por Poletto (2008)POLETTO, A. R. et al. Os aspectos psicológicos no trabalho agrícola: uma revisão das pesquisas. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 2008, Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.abepro.org.br/biblioteca/enegep2008_TN_STO_069_490_11029.pdf. Acesso em: 18 out. 2011.
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, foi verificado que as proporções mais elevadas do risco de alcoolismo ocorrem no meio rural. Para os autores, os atendimentos médicos por problemas de saúde mental e alcoolismo são mais frequentes no meio rural do que no urbano. O fato de que os sujeitos 3 e 4 eram pessoas com 46 e 67 anos de idade, respectivamente, pode ter contribuído para que tenham iniciado e permanecido utilizando somente drogas lícitas consideradas aceitas culturalmente na sociedade. É possível também que a localização da residência no meio rural tenha dificultado o acesso a outros tipos de drogas, como maconha, cocaína, crack e outras, que geralmente são mais facilmente encontradas no meio urbano. Observou-se que 100% dos sujeitos tiveram acesso às drogas com amigos e/ou familiares, lembrando que todos são usuários há mais de 14 anos, sendo possível afirmar que muitos se encontravam no período da adolescência quando usaram a droga pela primeira vez, Reforce-se o entendimento de que o ambiente de transgressão gerado em torno do uso das drogas, ainda que lícitas, pode se tornar um apelo muito forte para os adolescentes recusarem a oferta de amigos.

Em concordância com Marques e Cruz (2000)MARQUES, A. C. R.; CRUZ, M. S. O adolescente e o uso de drogas. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 22, n. 2, dez. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232010000300009&script=sci_abstract&tIng=pt. Acesso em: 31 out. 2011.
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, também na pesquisa, a curiosidade é citada como motivo da primeira experimentação das drogas. Foi constatado que dois pacientes tiveram acesso inicial às drogas em suas famílias. Sobre este aspecto, Pillon e Luis (2004)PILLON, S. C.; LUIS, M. A. V. Modelos explicativos para o uso de álcool e drogas e a prática da enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 12, n. 4, ago. 2004. se manifestam orientando que o modelo psicossocial do usuário de drogas se constitui pelo aprendizado social, pela interação da família e pelos traços da personalidade de cada indivíduo. É um modelo que se orienta pelo comportamento aprendido socialmente e se manifesta através da observação e da imitação, demonstrando que o exemplo da família – em especial, dos pais – é um importante fator no padrão inicial do consumo de substâncias psicoativas e no posterior desenvolvimento do uso abusivo das mesmas.

Todavia, historicamente, as implicações sociais, familiares, psicológicas, econômicas e políticas têm sido desconsideradas na compreensão da questão do uso abusivo e/ou na dependência de drogas; a abordagem desta questão tem sido predominantemente psiquiátrica ou médica, A oferta de ‘tratamentos’ inspirados em modelos de exclusão/separação dos usuários do convívio familiar e social tem predominado sem, entretanto, alcançar resultados satisfatórios. É preciso considerar que os fatores de risco e de proteção para o uso de drogas não são estáticos, mas atravessam o próprio indivíduo, seu meio social, ambiente escolar e familiar. Além disso, o consumo ocorre no âmbito em que o indivíduo está inserido, frequentemente no convívio com seus pares.

Quanto às informações clínicas/biológicas de aspectos gerais das condições de saúde, observaram-se várias situações que se revelaram no corpo dos pacientes que se encontravam internados, e que estão relacionadas diretamente ao uso abusivo das drogas, como lesões do fígado, dos rins, dos músculos e intestinos. E os principais sintomas evidenciados estão registrados como: fadiga, desgaste físico e emocional, desânimo, tristeza, depressão intensa, inquietação, ansiedade, irritabilidade, sonhos vívidos e desagradáveis, e a intensa e resistente vontade de usar drogas.

Observaram-se registros de problemas relacionados ao uso de álcool ou outras drogas com a presença de diagnóstico(s) psiquiátrico(s). Os quadros psiquiátricos mais destacados foram os transtornos de personalidade, quadros depressivos, quadros ansiosos, instabilidade do humor, ideias paranoides e quadros psicóticos com delírios e alucinações. Todos os pacientes se encontravam submetidos a tratamento medicamentoso, e as medicações mais utilizadas eram o Haldol (1 mg – 5 mg), Diazepan (10 mg – 5 mg) e Carbamazepina (200 mg – 400 mg). São medicamentos considerados antipsicótico, sedativo e hipnótico, e antiepiléptico, respectivamente, e levam à sedação dos pacientes. Segundo Salles e Barros (2007)SALLES, M. M.; BARROS, S. Reinternação em hospital psiquiátrico: a compreensão do processo saúde/doença na vivência do cotidiano. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 73-81, 2007. Disponível em: <<<http://www.ee.usp.br/reeusp/upload/pdf/305.pdf>. Acesso em: 20 out. 2011.
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, a medicação trata e previne a fase aguda da doença, e é difícil promover a inserção social enquanto o paciente está em crise. Para a autora, o uso da medicação é incontestável, como parte do processo de tratamento. Na instituição hospitalar pesquisada, além da administração medicamentosa, o tratamento oferecido contempla o trabalho de uma equipe multidisciplinar formada por médico psiquiatra, psicólogos, enfermeira, técnicos e auxiliares de enfermagem, farmacêutico e terapeuta ocupacional.

Laranjeira (2000)LARANJEIRA, R, et al. Consenso sobre a Síndrome de Abstinência do Álcool (SAA) e o seu tratamento. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 22, n. 2, jun. 2000. Disponível em: <<<http://www.scielo.br/pdf/rbp/v22n2/a06v22n2.pdf>. Acesso em: 29 out. 2011.
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lembra que no hospital o tratamento dos pacientes, geralmente por ser mais estruturado e intensivo, também é mais custoso. Está indicado para pacientes com síndrome de abstinência grave; em casos de comorbidades clínicas e/ou psiquiátricas graves com remissão prolongada; em dependentes graves que não se beneficiaram de outras intervenções; para aqueles que usam múltiplas substâncias psicotrópicas; e também para aqueles que apresentam comportamento auto ou heteroagressivo.

Corroborando pontos levantados nesta pesquisa, existe a necessidade de se compreender melhor por que ocorrem às internações dos usuários de álcool e outras drogas que buscam tratamento em alas psiquiátricas de Hospitais Gerais, Entre as possíveis justificativas pode estar o fato de os usuários não possuírem a garantia do acesso à saúde pública em serviços substitutivos regionais e/ou municipais que ofereçam o tratamento necessário para que eles permaneçam em recuperação. Alia-se também a esta condição a falta de espaços nos municípios regionais, que possibilitem o estabelecimento de relações que possam inserir socialmente e transformar as experiências de vida dos usuários. Talvez, possa-se, então, reafirmar que as pessoas recorram insistentemente ao uso das drogas porque a organização social em que estão inseridas não dá conta de atender as suas necessidades.

Conclusão

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2003BRASIL. Ministério da Saúde. A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2003.), consideram-se alguns fatores como importantes condicionantes para o uso abusivo de drogas. São eles: fatores individuais, familiares e interpessoais. Em relação aos fatores individuais, destacam-se a baixa autoestima, o autocontrole, pouca assertividade, comportamento antissocial precoce, comorbidades e a vulnerabilidade familiar e social. Dentre os principais fatores familiares são apontados: o uso de drogas pelos pais e/ou membros da família, isolamento social entre os membros da família e padrão familiar disfuncional. Dentre os fatores condicionantes voltados às relações interpessoais desta-cam-se: pares que usam, aprovam ou valorizam o uso de drogas, e rejeição sistemática de regras e de práticas ou atividades organizadas de qualquer ordem (familiar, escolar, religiosa ou profissional). Os fatores mencionados pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2003BRASIL. Ministério da Saúde. A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2003.) também foram revelados no presente estudo, pois foi possível constatar que os pacientes tiveram acesso ao álcool e a outras drogas com amigos e familiares, ainda na adolescência.

No meio rural, as drogas lícitas – como o tabaco e o álcool – são mais acessíveis do que as outras drogas, apesar de pesquisas também apontarem o uso de outras drogas no meio rural. Por fim, os resultados da pesquisa realizada no Hospital Geral de Tunápolis, em Santa Catarina, possibilitam constatar uma realidade, acredita-se, não muito diferente de outras regiões do Estado e do País, na qual a internação acaba sendo vista como um tratamento final para o uso do álcool e de outras drogas. Contudo, após cumprir o prazo de isolamento, desintoxicação e abstinência, ocorre a volta do paciente ao convívio familiar e social. Entende-se que a internação em Hospital Geral é uma proposta de tratamento válida, mas que, para que o paciente permaneça cm recuperação e não tenha que ser internado novamente, é necessário intensificar o trabalho muítiprofissional e intersetorial atuando no fortalecimento do paciente no sentido de prepará-lo para o ‘retorno’ familiar e social. As reflexões deste estudo não se esgotam em si mesmas, se apresentam frágeis e merecedoras de acréscimos. Sua pretensão não foi a de esvaziar o debate, mas de sinalizar a existência de uma preocupação que parece emergir com significativa resistência: a droga. E agora, que internar é preciso! ■

  • Suporte financeiro: Fonte de Financiamento CNPq Edital 41/2010

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2013
  • Aceito
    01 Jul 2013
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