Análise do processo de implementação de políticas de saúde: um estudo de caso baseado no enfoque da política institucional

Eduardo Tonole Dalfior Rita de Cássia Duarte Lima Priscilla Caran Contarato Maria Angélica Carvalho Andrade Sobre os autores

RESUMO

O estudo analisa o processo de implementação da política pública voltada para os pacientes hipertensos e diabéticos no município de Venda Nova do Imigrante (ES), tendo como foco de análise os determinantes da política institucional (estratégia, estrutura, decisão e identidade) abordados por Strategor (2000). Buscou-se identificar nesse processo de implementação as questões que possibilitaram o seu resultado satisfatório, assim como o potencial de influenciar outras experiências semelhantes. A participação coletiva, a autonomia profissional, a corresponsabilidade e a decisão democrática pela interação entre gestores e profissionais de saúde contribuíram para implementação dessa política.

PALAVRAS-CHAVE
Políticas públicas; Políticas públicas de saúde; Análise qualitativa

Introdução

A gestão de serviços de saúde é uma prática complexa em função da amplitude desse campo e da necessidade de conciliar interesses individuais, corporativos e coletivos que nem sempre são convergentes (TANAKA; TAMAKI, 2012TANAKA, O. Y.; TAMAKI, E. M. O papel da avaliação para a tomada de decisão na gestão de serviços de saúde. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 821-828, abr. 2012.).

Com a descentralização da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), essa complexidade torna-se mais evidente, uma vez que os municípios brasileiros, especialmente, os municípios de pequeno porte, apresentam singularidades, assim como modelos de gestão diferenciados. A formulação das políticas de saúde é fortemente induzida pelo governo federal, mediante mecanismos de transferências de recursos aos estados e municípios em função da adesão e implementação de políticas públicas (ARRETCHE, 2003ARRETCHE, M. Financiamento federal e gestão local de políticas sociais: o difícil equilíbrio entre regulação, responsabilidade e autonomia. Ciênc. Saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 331-345, 2003.; MARQUES; MENDES, 2003MARQUES, R. M.; MENDES, A. Atenção Básica e Programa de Saúde da Família (PSF): novos rumos para a política de saúde e seu financiamento? Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 403-415, 2003.). Nesse contexto, pode-se identificar experiências exitosas em alguns municípios que se sobressaem no cenário nacional: o município de Venda Nova do Imigrante (ES) é um deles. Em 2011, recebeu reconhecimento do Ministério da Saúde (MS) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a partir de uma experiência exitosa na implementação da política voltada para hipertensos e diabéticos. É importante ressaltar que a implementação de políticas públicas se dá por meio de sua tradução em programas, projetos e planos que irão orientar a sua condução (SILVA; MELO, 2000SILVA, P. L. B.; MELO, M. A. B. O processo de implementação de políticas públicas no Brasil: características e determinantes da avaliação de programas e projetos. Núcleo de Estudos de Políticas Públicas: Unicamp, 2000. (Caderno, 48). Disponível em: <http://governancaegestao.files.wordpress.com/2008/05/teresa-aula_22.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2013.
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).

Nesse contexto, este artigo analisou o processo de implementação de política de saúde, sob o enfoque dos determinantes da política institucional abordados por Strategor (2000)STRATEGOR. Política Global da Empresa: estratégia, estrutura, decisão, identidade. 3. ed. atual. Lisboa: Dom Quixote, 2000., no município de Venda Nova do Imigrante (ES), tomando como foco de investigação a implementação do Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos (Hiperdia), entre 2002 e 2010. Discutir a experiência vivenciada pelo município, identificando os determinantes da política institucional que estiveram presentes nesse processo de implementação, poderá servir de base para o fortalecimento de outras políticas de saúde.

Este estudo de abordagem qualitativa buscou aprofundar a discussão sobre a importância de compreender os processos de implementação de políticas públicas, assim como trazer um novo enfoque de análise desse processo, por meio da utilização dos determinantes da política institucional em nível municipal/local.

Destaca-se que, embora análise e avaliação de políticas públicas explorem o mesmo objeto central (a política pública), esses não são sinônimos e devem ser tratados de forma distinta (SILVA; MELO, 2000SILVA, P. L. B.; MELO, M. A. B. O processo de implementação de políticas públicas no Brasil: características e determinantes da avaliação de programas e projetos. Núcleo de Estudos de Políticas Públicas: Unicamp, 2000. (Caderno, 48). Disponível em: <http://governancaegestao.files.wordpress.com/2008/05/teresa-aula_22.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2013.
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). A análise de políticas públicas coloca em questão a ação pública do Estado, seus determinantes, suas finalidades, seus processos e suas consequências. Ao revelar os princípios políticos e ideológicos que norteiam a ação estatal, o tipo de relações estabelecidas entre os grupos demandantes, o papel exercido pelas instituições públicas, as práticas de governo instituídas e outras tantas variáveis que compõem essa complexa trama que é a construção de uma política, a análise de políticas pública possibilita maior transparência acerca do padrão político e decisório adotado pelo Estado (VIANA; BAPTISTA, 2008VIANA, L. A.; BAPTISTA, T. W. F. Análise de políticas de Saúde. In: GIOVANELLA, L. (Org.). Políticas e Sistema de Saúde no BrasilRio de Janeiro: Fiocruz , 2008. p. 65-105.).

Material e métodos

A metodologia utilizada pautou-se na obra 'Strategor: política global da empresa', do Grupo de Estudos Strategor, formado por professores do Departamento de Estratégia e Política Empresarial do grupo Hautes Études Commerciatres de Jouy-em-Josas, da França. Esse método de análise visa lançar um olhar sobre o processo de implementação de políticas públicas, de forma a compreender os determinantes intrínsecos desse processo.

O referencial de Strategor aborda a política institucional em quatro grandes áreas, sendo elas: decisão, estrutura, identidade e estratégia. Esta divisão não significa que essas ocorram em momentos distintos e segmentados, mas trata-se de uma divisão didático-metodológica para melhor compreensão do conteúdo (DALFIOR; LIMA; ANDRADE, 2015ADALFIOR, E. T.; LIMA, R. C. D.; ANDRADE, M. A. C. Implementação de políticas públicas: metodologia de análise sob o enfoque da política institucional. Saúde debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. esp., p. 283-297, dez. 2015a.).

Decisão: é o principal motor da política institucional. Embora seja a menos visível, é por meio dela que as ideias, sentimentos e ambições se transformam em ações estratégicas. Nesse sentido, as mudanças que ocorrem dentro de uma instituição são resultado de processos decisórios (STRATEGOR, 2000STRATEGOR. Política Global da Empresa: estratégia, estrutura, decisão, identidade. 3. ed. atual. Lisboa: Dom Quixote, 2000.).

Estrutura: para Strategor (2000)STRATEGOR. Política Global da Empresa: estratégia, estrutura, decisão, identidade. 3. ed. atual. Lisboa: Dom Quixote, 2000. consiste em um conjunto de funções que determinam formalmente as missões que cada unidade da instituição deve realizar e os modos de colaboração entre elas. De forma simplificada, a estrutura pode ser representada pelo organograma. Os serviços de saúde possuem características estruturais que a diferem de outros tipos de instituições. Por se tratar de uma estrutura caracterizada profissionalmente, esses centros operacionais possuem uma forte autonomia para decidir sobre quais atitudes tomar. Cada centro operacional se diferencia por possuir normas, procedimentos e usuários próprios (RIVERA; ARTMANN, 2006RIVERA, F. J. U.; ARTMANN, E. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. In: ______. Análise estratégica em saúde e gestão da escuta. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.).

Identidade: é um dos determinantes mais complexos da política institucional, pois ela trata das condicionalidades humanas presentes em todas as instituições. É justamente nesse ponto que estão presentes os jogos de poder no interior da instituição. É a identidade que permite que haja ou não uma colaboração dos atores envolvidos, especialmente aqueles presentes nos centros operacionais, para que uma determinada estratégia seja posta em prática (STRATEGOR, 2000STRATEGOR. Política Global da Empresa: estratégia, estrutura, decisão, identidade. 3. ed. atual. Lisboa: Dom Quixote, 2000.).

Estratégia: consiste na integração de cada um dos três determinantes discutidos acima. A estratégia, nesse contexto, pode ser entendida como a escolha do campo de atividade sobre a qual a instituição irá aplicar seus recursos para se fortalecer e desenvolver. Nesse sentido, definir a estratégia está relacionado com um autorreconhecimento de suas potencialidades e suas fraquezas, identificando em quais campos ou áreas de atuação possui maior força. Para isso, é necessário, além de reconhecer suas potencialidades e fraquezas, conhecer de forma especial o ambiente externo, identificando as ameaças e oportunidades. Após esse reconhecimento, permite orientar a instituição sobre como melhor aplicar os seus recursos para manter-se competitiva. De forma geral, a estratégia vai direcionar a instituição para identificar a sua missão, a sua razão de existência (STRATEGOR, 2000STRATEGOR. Política Global da Empresa: estratégia, estrutura, decisão, identidade. 3. ed. atual. Lisboa: Dom Quixote, 2000.).

O município de Venda Nova do Imigrante (ES) está localizado na região serrana do estado do Espírito Santo a 100 km da capital Vitória, com uma população de 20.447 habitantes (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Dados do Censo, [Internet]. Brasília, DF: IBGE, 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Acesso em: 28 jul. 2012.
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).

Até o ano de 2010, o município contava com cinco unidades de saúde, três com equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF) e duas com modelo tradicional além de contar com cobertura de 100% do programa de Agente Comunitário de Saúde (ACS).

O estudo compreendeu as seguintes estratégias metodológicas: análise documental, utilizando fontes de dados secundários disponíveis nos Sistemas de Informações do SUS (Datasus) e documentos da Secretaria Municipal de Saúde (planos de saúde, relatórios de gestão, pacto de indicadores, entre outros) e a realização de entrevistas semiestruturadas com os principais atores envolvidos na implementação da política municipal do Hiperdia: secretário municipal de saúde (1), coordenadora de vigilância em saúde (1), coordenadora de controle, avaliação e auditoria (1) e profissionais de saúde (3).

As entrevistas ocorreram de setembro a dezembro de 2013 e buscaram identificar nas falas os núcleos de sentido dentro de cada um dos quatro determinantes da política institucional que possam trazer significação ao objetivo do estudo. Utilizou-se a análise temática que contempla as fases de pré-análise, exploração do conteúdo e o processamento dos resultados (MINAYO, 2001MINAYO, M. C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2001.).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética via Plataforma Brasil pelo parecer nº 324.895.

Resultados e discussão

É importante ressaltar que um dos métodos de análise de políticas públicas é o do ciclo da política, que considera o processo político organizado em etapas, sendo eles a construção da agenda política; a formulação de políticas; o processo decisório; a implementação da política; e a avaliação da política (BAPTISTA; REZENDE, 2011BAPTISTA, T. W. F.; REZENDE, M. A ideia de ciclo na análise de políticas públicas. In: MATTOS, R. A.; BAPTISTA, T. W. F. (Org.). Caminhos para análise das políticas de saúdePorto Alegre: Rede Unida, 2011. p. 138-172.; NAJBERG; BARBOSA, 2006NAJBERG, E.; BARBOSA, N. B. Abordagens sobre o processo de implementação de políticas públicas. Revista do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 31-45, jul./dez. 2006.; VIANA; BAPTISTA, 2009VIANA, L. A.; BAPTISTA, T. W. F. Análise de políticas de Saúde. In: GIOVANELLA, L. (Org.). Políticas e Sistema de Saúde no BrasilRio de Janeiro: Fiocruz , 2008. p. 65-105.; RIBEIRO, 2009RIBEIRO, J. L. L. S. A avaliação como uma política pública: aspectos da implementação do SINAES. In: LORDÊLO, J. A. C.; DAZZANI, M. V. (Org.). Avaliação educacional: desatando e reatando nós. Salvador: Edufba, 2009. p. 57-84.). Neste estudo, enfatizou-se a etapa da implementação, sendo esse o momento crucial do ciclo da política, em que as propostas se materializam em ação institucionalizada. É nessa etapa que se coloca em prática as ações e projetos de governo, sobre a qual realizou-se uma análise ampliada no contexto local (DALFIOR; LIMA; ANDRADE, 2015B______. Reflexões sobre análise de implementação de políticas de saúde. Saúde debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 104, p. 210-225, mar. 2015b.).

Assim, os resultados são apresentados e discutidos considerando a análise do processo de implementação da política do Hiperdia sobre: 1) o processo decisório; 2) a estrutura institucional; 3) a identidade da secretaria municipal de saúde e 4) a formação da estratégia institucional no município.

O processo decisório

No âmbito da Secretaria Municipal de Saúde do município de Venda Nova do Imigrante (Semus/VNI), os achados desta pesquisa mostraram que o início do processo de implementação do serviço de Hipertensão Arterial (HA) e de Diabetes Mellitus (DM), o Hiperdia, foi uma inciativa da gestão municipal, induzida pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Espirito Santo (Sesa) por meio da discussão sobre as Doenças e Agravos Não Transmissíveis (Dant) e pelo governo federal.

A gente começou a mexer com a maneira de trabalhar essas doenças [as Dant]. E partiu-se da ideia que a gente tinha que fazer alguma coisa, no nível de práticas, na secretaria de saúde. De trabalhar melhor o hipertenso, na base do Programa Saúde da Família. (Gestor 3).

Os dados de morbimortalidade registrados no município foram fundamentais no processo decisório, pois foram percebidos tanto pelos gestores quanto pelos profissionais de saúde. "Tínhamos indicadores muito elevados de mortalidade. Morria-se muito por causa das doenças cardiovasculares e se internava muito" (Gestor 1).

Observa-se nas falas que existe uma diferenciação entre o mundo assistencial e o mundo administrativo, conforme apontam Rivera e Artmann (2006)RIVERA, F. J. U.; ARTMANN, E. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. In: ______. Análise estratégica em saúde e gestão da escuta. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.. Os gestores, ligados ao mundo administrativo, destacaram como principais fatores do processo decisório os indicadores de saúde e o custo com medicamentos, atentando-se para critérios mais econômicos e quantitativos. Já os profissionais, ligados ao mundo assistencial, apontaram para critérios mais qualitativos e voltados para questões que interferem diretamente sobre a atenção prestada ao paciente.

A partir do reconhecimento do problema, foi necessário começar a pensar na definição de uma estratégia. No entanto, o processo decisório não é uma atitude simplória, tampouco individualista. Existem os problemas provocados pela decisão coletiva que merecem ser considerados, especialmente nas instituições organizadas sob o enfoque profissional, em que existe uma forte autonomia dos centros operacionais, tal como são os serviços de saúde. Qualquer decisão tomada dentro de uma instituição repercute sobre todas as áreas. Por isso a complexidade do processo decisório.

O primeiro passo dado pela Semus/VNI, no que diz respeito ao seu planejamento institucional, foi identificado no plano de saúde que apontou as diretrizes voltadas para a HA e o DM. O planejamento institucional foi formalizado em uma representação pretendida do estado futuro, no entanto, nos planos, não foram definidas as modalidades de concretização dessa vontade.

Os instrumentos que formalizaram essas decisões globais foram os Planos Municipais de Saúde (PMS) 2002-2005 e 2006-2009, que traziam objetivos e ações que contemplavam intervenções sobre a HA e DM, especialmente no sentido de reduzir suas complicações, tomando por base os indicadores de saúde (VENDA NOVA DO IMIGRANTE, 2001VENDA NOVA IMIGRANTE. Plano Municipal de Saúde 2002-2005. Venda Nova Imigrante: Secretaria Municipal de Saúde, 2001.).

A política nacional voltada para pacientes com HA e DM, situação normativa, traçada a partir do nível nacional, aponta para uma imposição de políticas de saúde de 'cima para baixo' (top down). Aqueles que tomam as decisões sobre quais políticas são prioritárias, nem sempre dominam as características locais, o que pode resultar na não implementação da política, ou mesmo no não alcance dos objetivos traçados no momento da definição da política pública (VIANA; BAPTISTA, 2009VIANA, L. A.; BAPTISTA, T. W. F. Análise de políticas de Saúde. In: GIOVANELLA, L. (Org.). Políticas e Sistema de Saúde no BrasilRio de Janeiro: Fiocruz , 2008. p. 65-105.).

Apesar disso, os resultados evidenciaram que os profissionais da Semus/VNI assumiram um posicionamento que colaborou para que a implementação não fosse tratada de forma impositiva. De acordo com os atores entrevistados, o que propiciou esse processo decisório foi a 'gestão estratégica' assumida pela direção que possibilitou maior aproximação entre o núcleo estratégico (gestores) e os centros operacionais (profissionais da assistência). Assim, o processo decisório se constituiu em uma modelagem de gestão do tipo colegiada e participativa. Essa lógica de aproximação foi ancorada no poder de decisão difundido pela instituição, e não centrado no gestor/diretor. Nessa lógica, a gestão orientou e apontou o projeto institucional, mas a definição da estratégia para implementá-lo dependeu de todos os atores envolvidos, em todos os níveis do sistema.

As equipes de estratégia saúde da família tinham uma ligação muito boa com o nível da gestão. Então nós tínhamos um papo muito aberto, um acesso muito bom na época. A gestão trouxe dados da importância da padronização do trabalho. (Profissional 1).

É importante destacar, nas falas dos entrevistados, uma correlação bastante próxima entre o processo de decisão e a estrutura. Ao analisar a relação entre estrutura e decisão, são apontadas questões que revelam especificidades do processo de implementação da política do Hiperdia no município. De modo geral, a estrutura está relacionada com as responsabilidades e com o poder capilarizado dentro da instituição. Assim, a estrutura colabora para as escolhas a serem seguidas, que são tomadas com base na maneira como os atores tratam os problemas, pois as decisões vão além de abordagens racionais ou normas internas (STRATEGOR, 2000). No processo de participação profissional nas instâncias de gestão, colaborar para o desenvolvimento da autonomia dos profissionais nos serviços de saúde seria um dos objetivos ou finalidades de uma política de saúde. Essa autonomia consistiria em um processo que permitisse maior capacidade dos sujeitos de compreenderem e agirem sobre si mesmos e sobre o contexto, conforme objetivos democraticamente estabelecidos (CAMPOS; CAMPOS, 2009CAMPOS, R. T. O.; CAMPOS, G. W. Co-construção de autonomia: o sujeito em questão. In: CAMPOS, G. W. et al (Org.). Tratado de Saúde Coletiva 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2009. p. 669-688.).

Os próprios profissionais arregaçaram as mangas e começaram a trabalhar por conta deles. Mesmo sabendo das dificuldades, nenhum profissional desanimou. (Profissional 3).

A autonomia dos profissionais de saúde para definir a estratégia e as ações de implementação da política do Hiperdia mostrou-se essencial para a efetividade do trabalho. Os profissionais de saúde assumiram a condução técnica das discussões, provavelmente pelo fato de possuírem o conhecimento necessário para organizar a rede de cuidado.

Desses momentos de encontro entre os gestores e profissionais de saúde, deu-se início a elaboração de um protocolo municipal voltado para atenção aos hipertensos e diabéticos, que foi chamado de Protocolo Municipal de Hipertensão e Diabetes. Este protocolo foi o meio encontrado para sanar alguns problemas identificados, especialmente para organizar a rede de cuidado municipal para atenção aos pacientes com HA e DM. A adoção de um protocolo foi decidida coletivamente por todos os envolvidos, em que puderam colaborar com suas sugestões na definição das ações que seriam assumidas. Nesse ponto, é dado destaque para o que Campos (1998)CAMPOS, G. W. S. O anti-Taylor: sobre a invenção de um método para co-governar instituições de saúde produzindo liberdade e compromisso. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 863-870, out. 1998. denomina de cogestão, na qual todos decidem, deliberando sobre interesses conflitantes, baseado na negociação permanente, na discussão e em recomposição de outros desejos, interesses e com outras instâncias de poder.

O sucesso da implementação de uma política depende de links entre diferentes organizações e departamentos no nível local (SOLLA, 2010SOLLA, J. Dilemas e desafios da gestão municipal do SUS. São Paulo: Hucitec, 2010.). Nesse sentido, a implementação requer um elevado grau de cooperação que, se não ocorrer, pode resultar na acumulação de uma série de pequenos déficits criando grande falha no processo de implementação.

Não foi uma decisão unilateral não. Foi um trabalho em conjunto. Porque quando se faz um protocolo a gente padroniza as ações. O papel de cada um no processo fica muito bem detalhado. (Gestor 1).

Nas instituições de saúde, o poder está descentralizado nas mãos dos vários atores que o compõem (MINTZBERG, 2009MINTZBERG, H. Criando organizações eficazes: estrutura em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.). Esse poder é entendido, de acordo com Testa (1995)TESTA, M. Pensamento estratégico e lógica de programação: o caso da saúde. São Paulo; Rio de Janeiro: Hucitec; Abrasco, 1995., como fluido e parte constitutiva das disputas de projetos nas instituições. O poder advém da capacidade de acumulação de recursos em disputas, a partir de recortes interessados, dependente da posição e negociações dos diversos atores, em variadas e complexas dimensões de poder técnico, administrativo e/ou político. Possibilitar aos atores envolvidos participar do processo de decisão é uma maneira de fortalecer parcerias e sinergias.

Dessa forma, o reconhecimento conjunto dos problemas associados à HA e ao DM pautou-se na análise do ambiente interno e externo, atuando criticamente sobre ele, especialmente para o desenvolvimento de sinergias e parcerias. O envolvimento entre os profissionais das equipes de ESF, da atenção especializada, principalmente o cardiologista e a endocrinologista, a vigilância em saúde, laboratório, assistência farmacêutica e gestores foi essencial para a organização da rede de cuidado.

De forma geral, no âmbito do processo decisório, as entrevistas mostraram que a criação desses momentos de encontros estimulou uma reflexão coletiva sobre os problemas identificados coletivamente, que contribuiu para o exercício da corresponsabilidade sobre os problemas e sobre as possíveis soluções compartilhadas entre os envolvidos. Nesse caso, o poder de decisão foi estabelecido com base na transversalidade e interdependência dos atores, devido ao aumento de comunicação entre os diferentes membros de cada grupo, e entre os diferentes grupos, em uma dinâmica multivetorializada, em rede, na qual se expressam os processos de produção de saúde e de subjetividade.

Além disso, a gestão estratégica permitiu que as estratégias individuais se combinassem dentro de uma estratégia de conjunto, propiciada pelos momentos de encontro e pela abertura da gestão no sentido de discutir conjuntamente com os profissionais a melhor forma de resolver os problemas. Ressalta-se que, dentro de uma ideia de visão compartilhada, proposta por Peter Senge, cabe ao gestor tentar projetar e desenvolver processos contínuos em que as pessoas, em todos os níveis funcionais e hierárquicos, possam dizer sinceramente o que realmente lhes importa, ou seja, o conteúdo de uma visão compartilhada só pode emergir por meio de um processo coerente de reflexão e conversação (RICHE; MONTE ALTO, 2001RICHE, G. A.; MONTE ALTO, R. M. As organizações que aprendem, segundo Peter Senge: A quinta disciplina. Cadernos Discentes Copped, Rio de Janeiro, n. 9, p. 36-55, 2001.).

A estrutura institucional

A relação direta entre a estrutura e a estratégia é fundamental, pois, em ambos, o entendimento da missão institucional é importante. Para que a instituição responda bem aos objetivos traçados, seria melhor lançar mão de uma estrutura menos normalizada, formalizada com base em resultados, aproveitando as potencialidades de cada ator dentro do processo, de forma participativa e coletiva.

A lógica tradicional dos modelos de gerenciamento, nos serviços de saúde, ainda carrega traços do taylorismo, em que o poder está centralizado em chefes, no controle direto sobre a realização de procedimentos técnicos (produtividade médica etc.) e no comportamento formal de funcionários (cumprimento de horário, relatórios etc.), na elaboração centralizada de programas e de normas reguladoras do atendimento e na quase ausência de comunicação tanto entre serviços em relação horizontal de poder quanto entre os distintos níveis hierárquicos (CAMPOS, 1998CAMPOS, G. W. S. O anti-Taylor: sobre a invenção de um método para co-governar instituições de saúde produzindo liberdade e compromisso. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 863-870, out. 1998.).

Para analisar o processo de implementação sob a perspectiva da estrutura institucional, é preciso entender como a Semus/VNI estava organizada. Com base nos documentos analisados, observou-se que a estrutura é bastante horizontalizada, sem muitas divisões em linhas hierárquicas, tendo no seu topo o secretário municipal de saúde e na mesma linha o conselho municipal de saúde, seguido das gerências de unidades e de serviços, sem muitas divisões de coordenações. Esse tipo de estrutura pode ter colaborado para a aproximação e discussão entre os profissionais dos setores, assim como para a coordenação menos normativa.

É importante ressaltar, na perspectiva do aprendizado institucional, segundo Senge (1994)SENGE, P. M. et al. A quinta disciplina - caderno de campo: estratégias para construir uma organização que aprende. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1994., que não se pode somente visualizar as estruturas individualizadas, fragmentadas e isoladas, e ignorar as estruturas subjacentes, pois isso causaria sensação de impotência em situações mais complexas. Nesse entendimento, as estratégias de negociação e comunicação adotadas pela gestão, contrárias à normatização mecanicista de processo, são postas, de acordo com Rivera e Artmann (2006)RIVERA, F. J. U.; ARTMANN, E. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. In: ______. Análise estratégica em saúde e gestão da escuta. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006., como meio para a cristalização de pactos normativos capazes de fazer a coesão nas instituições de saúde. O sistema de gestão deveria reforçar o ajustamento mútuo e a negociação dos interesses em instituições de saúde, caracterizadas pelo poder profissional, não concentrado, mas fortemente compartilhado, ou distribuído pelos vários centros operacionais e nos núcleos profissionais e operacionais.

A identidade da Secretaria Municipal de Saúde

As instituições são atravessadas por valores explícitos ou implícitos que norteiam as decisões e as regras. Esses valores estão intimamente ligados à identidade institucional. A definição de uma estratégia pauta-se sobre os valores presentes na instituição, determinados pelas crenças acerca da natureza humana e do mundo, resultantes da experiência, da educação e da reflexão pessoal. Esses valores são resultados de fenômenos complexos e dependem, por exemplo, das crenças e dos valores dos gestores e dos profissionais, da normativa legal existente, dos valores sociais de cada momento histórico, da tradição cultural, entre outros. Tais valores são definidos com base em um conjunto de ideias, conhecimentos, costumes, hábitos, aptidões, símbolos e ritos que estão presentes na cultura institucional. É a apropriação dos valores que impulsiona a proteção e promoção da dignidade das pessoas a partir da missão institucional dos serviços de saúde (ZOBOLI; FRACOLLI, 2006ZOBOLI, E.; FRACOLLI, L. A incorporação de valores na gestão das unidades de saúde: chave para o acolhimento. Mundo da Saúde, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 312-317, 2006.).

As falas, especialmente dos profissionais de saúde, apontaram para questões voltadas para o reconhecimento da missão institucional, por adotarem o papel de protagonistas na definição da estratégia, colocando-se como corresponsáveis pelas ações e também pelos resultados alcançados.

O empenho e envolvimento de toda secretaria para poder desenvolver esse trabalho, não só da parte dos profissionais da ESF, não só da coordenação, mas sim da parte central de um modo geral. (Profissional 1).

O povo se apoderou do negócio e fez acontecer. Quando existe um envolvimento das equipes no processo, a coisa funciona e é interessante que a gente na época tinha pessoas realmente envolvidas com o processo. (Gestor 1).

As falas dos profissionais e gestores reforçam que naquela realidade existiu um comprometimento e corresponsabilidade de todos os envolvidos, em todos os níveis, resultando em uma forte autonomia desses profissionais para decidir sobre as ações a serem realizadas.

Os resultados alcançados com a implementação do Hiperdia, conforme relatado pelos atores, demonstraram o envolvimento pessoal e afetivo. São justamente essas características, que vão além de questões quantitativas e econômicas, que produzem a identidade e garantem uma integração, para além de mecanismos formais de coordenação hierárquicos, para mecanismos pautados na interdependência coletiva, reconhecida e legitimada entre os atores. Para o processo de implementação, não houve iniciativa apenas da gestão com indicação do caminho a seguir de cima para baixo, mas esse caminho foi traçado com base na autonomia e no envolvimento dos atores.

A formação da estratégia institucional

Neste estudo, denomina-se estratégia ao modo, processo, condução das ações para implementar o Hiperdia, ou seja, às definições e escolhas de cada ação até o seu resultado. Todo o processo faz parte da formação da estratégia institucional.

É importante destacar que o foco deste estudo é a implementação do Hiperdia, e não uma análise global da instituição. Logo, aquilo que se chamou de missão aplicou-se apenas à política municipal do Hiperdia.

Os resultados demonstraram que a formação da estratégia na Semus/VNI pautou-se na discussão participativa entre todos os atores envolvidos. Por meio de momentos de encontros, propiciado pela gestão estratégica, facilitado pela estrutura existente e pela identidade dos profissionais envolvidos, assim, foram traçados os caminhos para sanar os problemas identificados no município por meio da implementação da política e especialmente na construção da rede de cuidado para enfrentamento da HA e do DM.

A partir da decisão de elaborar um protocolo, foi necessário adaptar a política à realidade municipal.

A política teve que ser adaptada a nossa realidade. Tinha a política nacional, mas a gente sabe que se a gente for olhar simplesmente a política, ela é feita, mas na hora de aplicar no município a gente tem que fazer muitas adaptações e como esse era um problema que a gente tinha que focar, a gente tentou adaptar a nossa realidade. (Gestor 1).

Da análise do ambiente, interno e externo, foram identificados os principais problemas, como a defasagem do protocolo nacional, as dificuldades de adaptação da política à realidade municipal, os elevados indicadores de morbimortalidade, a falta de padronização do processo de trabalho, entre outros. A equipe priorizou aqueles que julgaram mais importantes e que possuíam condições de enfrentamento e, assim, traçaram como proposta de solução a elaboração do protocolo.

A análise do contexto municipal contou com a participação ativa de todos os atores envolvidos, com a utilização de informações disponibilizadas pela gestão, com a situação dos indicadores municipais, assim como os problemas relatados pelos profissionais de saúde. A simples identificação dos problemas não foi suficiente para pensar em uma proposta de soluções, caso a equipe envolvida não assumisse tais problemas como prioritários.

A estrutura existente ajudou a impulsionar as discussões para alterar a realidade. Após definida a estratégia, a estrutura também passou a ser alterada de forma a permitir que funcionasse conforme decidido pelos atores.

Alguns exames que eram ofertados esporadicamente na rede, a gente teve que colocar no nosso serviço, fazendo uma adequação ao nosso orçamento, para que a gente pudesse atender. (Gestor 1).

O modo de organização do processo de trabalho para a implementação do Hiperdia pode então ser considerado um diferencial competitivo, que conferiu à Semus/VNI uma vantagem competitiva em relação aos demais municípios. Ou seja, o modo (a estratégia) como foi conduzido o processo de implementação, a partir da vinculação (parcerias e sinergias), foi o diferencial competitivo que possibilitou a construção da rede de cuidado do Hiperdia no município.

O fortalecimento da rede de cuidado do Hiperdia permitiu maior efetividade na realização de exames, dispensação de medicamentos, realização de exames diagnósticos, baseados na real necessidade do paciente. Tudo isso equivale ao reconhecimento e efetividade dos custos internos da instituição, mesmo que isso não tenha sido explicitado nas entrevistas. Por outro lado, a organização do processo de trabalho, facilitado pela implantação do protocolo municipal, pode ter contribuído para reduzir os custos e garantir maior eficiência na sua aplicabilidade. Para os pacientes, essa estratégia pode ter resultado na garantia da continuidade do tratamento e na redução de complicações por esses agravos.

A gente também tomou medidas não farmacológicas, como alimentação saudável, nutricionistas, atividade física. A gente tentou colocar isso em prática para os pacientes. (Profissional 2).

O modelo assistencial é uma das áreas em que se concentram os mais relevantes entraves de um sistema de saúde. Um ponto de destaque analisado trata da inversão da lógica assistencial (médico-centrada) para uma lógica voltada para a promoção da saúde e prevenção da doença focada na atenção básica. No processo de implementação do Hiperdia, ao fazer a regulação de apoio diagnóstico e clínico terapêutico, buscou-se a eficiência no uso dos recursos (exames, medicamentos, profissionais, insumos), assim como redução de encaminhamentos para especialistas e redução de internações e intercorrências mais complexas. O foco multiprofissional (nutricionistas, educador físico, bioquímico, farmacêutico, Agente Comunitário de Saúde, enfermagem, médicos etc.) permitiu maior controle e monitoramento do paciente, o que pode ter tornado as ações mais eficientes e com maior produtividade, o que foi possível a partir do reconhecimento, pelos integrantes do processo, dessa rede de cuidado.

A definição da missão dessa política municipal, mesmo que não tenha sido explícita, pode ser identificada nas falas dos entrevistados, pois, para todos os atores envolvidos, a redução das complicações por doenças cardiovasculares foi o grande objetivo que impulsionou as ações e foi assumido como meta. Essa missão resultou da participação coletiva, da autonomia profissional, da corresponsabilidade e da decisão democrática, por meio da interação entre os gestores e profissionais de saúde, em uma lógica de aprendizado coletivo.

O papel da gestão nesse processo aponta para a capacidade de liderança coletiva. A liderança assumida pela gestão nesse processo pode ter colaborado para garantir uma maior relevância às pessoas presentes nesse processo. Para que haja responsabilização profissional, e para que estes assumam a missão institucional, é preciso, segundo Rivera (2003)RIVERA, F. J. U. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. In: ______. Análise estratégica em saúde e gestão pela Escuta. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 17-35., que a liderança desperte para a democratização das decisões e entendimento intersubjetivo, ou seja, mais do que argumentar sobre a sua visão, é preciso que o líder possibilite a todos os envolvidos a chance de argumentação discursiva e a tomada de decisão com base no consenso.

Essa construção coletiva sugere que o planejamento das políticas e estratégias envolva um processo de aprendizagem institucional comunicativo (RIVERA, 2003RIVERA, F. J. U. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. In: ______. Análise estratégica em saúde e gestão pela Escuta. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 17-35.). Nessa perspectiva, a gestão do futuro, segundo Riche e Monte Alto (2001)RICHE, G. A.; MONTE ALTO, R. M. As organizações que aprendem, segundo Peter Senge: A quinta disciplina. Cadernos Discentes Copped, Rio de Janeiro, n. 9, p. 36-55, 2001., deve ser aquela em que as pessoas, em todos os níveis, comprometam-se com o projeto institucional e queiram aprender. Assim, o segredo não está em obter a estratégia certa, mas em promover o pensamento estratégico, e uma das funções do líder é justamente promover um ambiente de aprendizagem pela difusão desse pensamento (RIVERA, 2003RIVERA, F. J. U. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. In: ______. Análise estratégica em saúde e gestão pela Escuta. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 17-35.).

Para Peter Senge (1994)SENGE, P. M. et al. A quinta disciplina - caderno de campo: estratégias para construir uma organização que aprende. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1994., as instituições que aprendem são constituídas por indivíduos que continuamente expressam sua capacidade de criar os resultados que desejam. Nessas instituições, são estimulados padrões de comportamento novos e abrangentes, em que a aspiração coletiva ganha liberdade e as pessoas continuamente se exercitam em aprender juntas. Esse processo pode ser considerado uma vantagem competitiva sustentável.

Considerações finais

A implementação de políticas públicas mostrou-se como um campo amplo, representado por redes complexas e compostas por diferentes atores, em um processo de aprendizado no qual esses atores pactuam e articulam-se entre si, uma vez que, nesse processo, também se criam novas formas de fazer.

A proposta metodológica utilizada neste estudo, adaptada do referencial de Strategor, possibilitou analisar o processo de implementação da política do Hiperdia de forma ampla, atentando para questões que vão muito além de dados estatísticos, usualmente utilizados em avaliações institucionais. Com relação aos limites da utilização do referencial de Strategor, destaca-se sua estruturação de análise, que pode ser confundida com normatividade. Contudo,

longe de se apresentar como um 'manual para análise de políticas públicas', esta perspectiva possibilita enfatizar a visão estratégica dos problemas de implementação, 'criando' políticas e constantemente orientando a elaboração de novas políticas. (DALFIOR; LIMA; ANDRADE, 2015b______. Reflexões sobre análise de implementação de políticas de saúde. Saúde debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 104, p. 210-225, mar. 2015b., P. 295).

Além disso, a lógica desse referencial, baseada em reuniões colegiadas e com o objetivo de promover uma comunicação ampla a serviço de uma mudança cultural, exige um tempo histórico, que, por sua vez, depende de variáveis, tais como maior estabilidade política e administrativa. Por fim, uma vez que a mudança das práticas também se refere à história, e não à ação de variáveis descontextualizadas, o referencial utilizado não permite afirmar a persistência de tais mudanças.

A experiência do município de Venda Nova do Imigrante aponta para uma instituição que aprende, pois foi formada por atores capazes de criar os resultados que desejavam. A gestão estratégica estimulou todos os atores a estarem juntos e a buscar padrões de comportamento novos e mais abrangentes, baseados em uma aspiração coletiva e com liberdade para exercitarem o aprendizado coletivo. Conforme afirma Senge (1994)SENGE, P. M. et al. A quinta disciplina - caderno de campo: estratégias para construir uma organização que aprende. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1994., a capacidade de aprender, contínua e rapidamente, é a única vantagem competitiva sustentável.

Os resultados apresentados evidenciam a potência desse referencial para análise do processo de implementação de políticas públicas,

uma vez que os quatro determinantes da política institucional permitem apontar para questões pouco visíveis e difíceis de mensurar por meio da utilização de instrumentos de avaliação. (DALFIOR; LIMA; ANDRADE, 2015b______. Reflexões sobre análise de implementação de políticas de saúde. Saúde debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 104, p. 210-225, mar. 2015b., P. 294).

Essa ampliação do leque de análise do referencial de Strategor aponta para, segundo esses autores,

particularidades do processo de tomada de decisão, da complexidade humana presente dentro das instituições, na dinâmica da estrutura institucional e, como consequência disso, uma análise da estratégia assumida pela instituição para implementar determinada política. (DALFIOR; LIMA; ANDRADE, 2015b______. Reflexões sobre análise de implementação de políticas de saúde. Saúde debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 104, p. 210-225, mar. 2015b., P. 294).

Para enfrentar os problemas da implementação e dar conta de sua complexidade, é necessário ter uma visão estratégica dos problemas da implementação, bem como a incorporação de questões críticas que façam refletir a viabilidade da política e os problemas de gestão interinstitucional. Este desenho metodológico permitiu incluir a identificação de redes complexas de atores no espaço local, compostas por formuladores, implementadores, grupos de pessoas envolvidos na política e beneficiários, que deram sustentação política e legitimidade. Nesse sentido, esta análise permitiu captar elementos implícitos no processo de implementação mostrando-se potente para compreender o modo como o processo foi conduzido e os elementos que possibilitaram a ele alcançar uma vantagem competitiva. O referencial de Strategor contribuiu para identificar esse processo de implementação de políticas como um processo de aprendizado. O modo como esse processo de implementação foi conduzido permitiu desvendar elementos que se constituem no 'elo perdido' da ação governamental.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    Ago 2016
  • Aceito
    Out 2016
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