As condições de trabalho e o adoecimento de professores na agenda de uma entidade sindical

Leda Aparecida Vanelli Nabuco de Gouvêa Sobre o autor

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação problematizou a relação entre as condições de trabalho e o adoecimento dos professores, bem como identificar que papel assumiu diante da questão. Por meio de pesquisa documental e entrevistas com sindicalistas da instituição, afirma-se que foi no final de 1990 que a questão saúde e trabalho passou a ser problematizada, e seu enfrentamento deu-se a partir da proposta principal de coletivizar o fenômeno e se organizar institucionalmente para atender às demandas geradas pela introdução do tema saúde dos trabalhadores da educação na sua agenda sindical.

PALAVRAS-CHAVE
Docentes; Saúde do trabalhador; Condições de trabalho; Sindicatos

Introdução

O processo de universalização da educação básica, iniciado nos anos de 1990 no Brasil, produziu um aumento na incorporação da força de trabalho de professores às escolas sem precedentes na história do País. Esse contingente de professores está distribuído em 26 sistemas estaduais e em 5.570 sistemas municipais de ensino, atuando, deste modo, em realidades econômicas, sociais, culturais e educacionais diversificadas.

Neste contexto, a questão do adoecimento dos professores, como resultante das suas condições de trabalho, vem sendo objeto de estudos tanto no meio acadêmico quanto no sindical ou de instituições de pesquisa em âmbito nacional. Diversos estudos (APEOESP, 2012SINDICATO DOS PROFESSORES DO ENSINO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO (APEOESP). A saúde dos professores. São Paulo: Ceps; APEOESP, 2012.; CALDAS, 2012CALDAS, A. R. Trabalho docente e saúde: inquietações trazidas pela pesquisa nacional com professores (as) da educação básica. In: OLIVEIRA, D. A.; VIEIRA, L. F. (Org.). Trabalho na educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. p. 429-445.; GASPARINI , 2005GASPARINI S. M. et al. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 189-199, maio/ago., 2005.), baseados em documentos gerados por órgãos oficiais de perícia médica, identificaram o predomínio, entre os professores, dos transtornos mentais e comportamentais como os principais motivos de afastamento do trabalho, seguidos pelos transtornos da voz e pelas doenças osteomusculares. No mesmo sentido, em pesquisa coordenada por Leite e Souza (2011)LEITE, M. P.; SOUZA, A. N. Condições de trabalho e suas repercussões na saúde dos professores da educação básica no Brasil. Educação e Sociedade, Campinas, v. 32, n. 117, p. 1105-1121, dez. 2011. e baseada em teses, dissertações e coletâneas de livros, abrangendo o período de 1997 a 2006, os temas relacionados à saúde mental dos professores, nos quais se inserem os subtemas estresse, síndrome de burnout e mal-estar docente, foram predominantes.

Diante desse cenário, considera-se que os sindicatos, como representantes dos interesses dos trabalhadores da educação, possuem um papel fundamental. Historicamente, foram os sindicatos que produziram os tensionamentos na dinâmica das condições de trabalho e saúde, seja denunciando ou reivindicando melhorias para a classe trabalhadora.

Este artigo tem o objetivo de analisar quando e como uma entidade sindical da categoria dos professores, que é a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), vem problematizando a relação entre as condições de trabalho e o adoecimento dos professores, bem como identificar que papel ela foi assumindo no sentido de tratar a problemática como uma questão da categoria. Sua representatividade junto aos trabalhadores da educação justifica sua escolha para o desenvolvimento deste estudo, que pretende contribuir para a discussão sobre o papel do sindicalismo nas questões pertinentes à saúde dos trabalhadores.

Metodologia

A CNTE tem sua história atrelada à organização dos professores no Brasil, desde 1960. Em 1990, após conquistas de direitos registradas na Constituição Federal de 1988, a CNTE foi inaugurada como uma entidade sindical que, além dos professores da rede pública dos ensinos fundamental e médio, também passou a representar outros trabalhadores em educação (funcionários, especialistas da educação e diretores) de escolas públicas (VIEIRA, 2010VIEIRA, J. D. Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). In: OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, A. M. C.; VIEIRA, L. M. F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG, 2010. 1 CD-ROM.). Em 2015, um total de cinquenta sindicatos estava filiado à CNTE.

Para atingir os objetivos propostos, foi realizada pesquisa documental, complementada por informações provenientes de entrevistas semiestruturadas com professores sindicalistas. Os critérios para a escolha dos(as) voluntários(as) foram os de ser professor, sindicalista e ter pertencido à secretaria de saúde dos trabalhadores, secretaria de formação sindical ou secretaria geral da direção executiva da CNTE, em alguma das quatro últimas gestões, a saber: 2005 a 2008; 2008 a 2011; 2011 a 2014 e de 2014 a 2017. A amostra intencional pretendida era de até dez participantes, contudo, apenas três sujeitos que atenderam aos critérios de inclusão aceitaram participar. Pelo histórico de envolvimento dos sujeitos na entidade sindical, nas últimas duas décadas, considerou-se que foram essenciais ao levantamento de informações para a pesquisa. As entrevistas foram transcritas, e as falas foram organizadas em unidades temáticas, que, posteriormente foram analisadas e interpretadas. O projeto de pesquisa foi aprovado por Comitê de Ética e Pesquisa sob Parecer número 902.548, datado de 03/12/2014.

Resultados e discussão

A problematização da saúde/adoecimento dos professores pela CNTE

No final da década de 1990, diante de um complexo conjunto de questões educacionais não resolvidas - entre as quais, o financiamento, a formação e a carreira de professores, a gestão educacional e a organização curricular -, o movimento sindical docente começou a ter a necessidade de conhecer melhor as condições de trabalho enfrentadas pelos professores no País e quais relações elas teriam com os processos de adoecimento desses profissionais.

No âmbito da CNTE, foi um período em que a entidade sindical iniciou parcerias com vistas à realização de pesquisas nesse sentido. Entre uma série de pesquisas analisadas para identificar como a CNTE problematizou e conduziu a introdução da questão da saúde/adoecimento dos professores na sua agenda, pode-se inferir que dois estudos foram fundamentais. A saber: 'Pesquisa nacional de trabalho, organização e saúde dos trabalhadores em educação no Brasil' (CODO, 2002CODO, W. (Org.). Educação: carinho e trabalho. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.), realizado no final dos anos de 1990, e 'Retratos da Escola 3', realizado em 2003 (CNTE, 2003______. Retrato da Escola 3. Brasília, DF: CNTE, 2003.).

O primeiro estudo citado embasou o livro 'Educação: Carinho e Trabalho - burnout, a síndrome da desistência do educador, que pode levar à falência da educação', organizado por Wanderley Codo e publicado em 1999 (CODO, 2002CODO, W. (Org.). Educação: carinho e trabalho. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.). Tal pesquisa marcou o convênio entre a CNTE e o Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília (LPT/UnB) e teve como tema o trabalho dos educadores (professores, funcionários e especialistas em educação) de redes estaduais. Nos resultados e análises da referida pesquisa, a síndrome de burnout foi um dos problemas de saúde relacionados ao trabalho na educação. O entendimento dos elementos que formam o conceito da 'síndrome de burnout' - os quais constituem um agrupamento de certos sinais e sintomas, como a despersonalização, a exaustão emocional e a perda de envolvimento pessoal, bem como as implicações destes no trabalho e na saúde dos professores - contribuiu significativamente para a introdução do tema saúde dos trabalhadores da educação no debate nacional.

Pode-se afirmar que o estudo realizado em parceria com o LPT/UNB contribuiu para a problematização da questão das condições de trabalho e do adoecimento dos professores nos seguintes termos: 1) possibilitou a identificação de que o perfil de adoecimento dos professores brasileiros, entre outros trabalhadores da educação, é caracterizado por problemas de saúde mental; 2) evidenciou uma relação entre a especificidade do trabalho do professor, as suas condições de trabalho e a sua saúde; 3) subsidiou reivindicações por melhores condições de trabalho e, além disso, também marcou um período de aproximação da CNTE com as universidades brasileiras e outras instituições, visando à realização de pesquisas com a finalidade de subsidiar as reivindicações da entidade sindical.

O outro estudo que problematizou e conduziu a introdução da questão da saúde/adoecimento dos professores na agenda política da CNTE foi publicado em 2003, sob o título 'Retrato da Escola 3: a realidade sem retoques da educação no Brasil - Relatório de pesquisa sobre a situação dos trabalhadores(as) da educação básica' (CNTE, 2003______. Retrato da Escola 3. Brasília, DF: CNTE, 2003.), realizado em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

De acordo com Vieira (2003)______. Identidade expropriada: retrato do educador brasileiro. Brasília, DF: CNTE, 2003., a pesquisa 'Retrato da Escola 3' procurou conhecer três aspectos relativos a questões da saúde entre os educadores, que foram: a incidência de doenças, as licenças médicas e a ocorrência de cirurgias. Um dos resultados foi a constatação de que 30,4% dos educadores referiram ter tido problemas de saúde, o que é considerado, por Vieira (2003, P. 24)______. Identidade expropriada: retrato do educador brasileiro. Brasília, DF: CNTE, 2003., muito preocupante, visto que "um terço dos educadores não é ou não está saudável" e, ainda, que há uma significativa presença de licenças médicas, correspondendo a 22,6% da amostra de 4.565 educadores.

Dos dois estudos apresentados precedentemente, é possível afirmar que foi por meio da problematização da saúde mental dos trabalhadores da educação, e, entre eles, os professores, que, em 1999, a entidade sindical inaugurou os debates sobre o tema e, em 2003, procurou avançar seus estudos no sentido de abranger outras facetas da situação de saúde dos trabalhadores da educação.

Os aspectos que foram identificados como nocivos à saúde desses trabalhadores foram a sobrecarga de trabalho e/ou a sua intensificação. Segundo a CNTE (2003)______. Caderno de Resoluções: educação pública só é prioridade com mais financiamento. Já passou da hora. In: Congresso Nacional da CNTE, 29., 2005. Brasília, DF: CNTE, 2005., no estudo 'Retrato da Escola 3', a carga horária semanal foi diferente conforme as redes estaduais e municipais de ensino, e, em todas, a questão problemática foi o tempo de trabalho dispensado além da jornada de trabalho semanal referida, que era realizado fora do local de trabalho. Para a CNTE (2003)______. Retrato da Escola 3. Brasília, DF: CNTE, 2003., as condições de sobrecarga de trabalho para os professores são associadas a dois elementos principais: a) os trabalhos escolares semanais realizados no domicílio pelo professor devido à insuficiência da carga horária contratada; b) a dedicação do professor a trabalhos extras, como forma de aumentar a renda.

Para Vieira (2003, P. 51)______. Identidade expropriada: retrato do educador brasileiro. Brasília, DF: CNTE, 2003., no primeiro caso,

[...] é quase mais uma jornada realizada fora do principal local de trabalho. Isso tem muitas consequências sobre as condições de saúde, sobre a relação com a família, sobre a qualidade do trabalho.

Cumulativamente, o prolongamento da jornada de trabalho gera efeitos na saúde dos professores e no resultado do trabalho esperado, uma vez que a sobrecarga de trabalho repercute na diminuição da qualidade do ensino e no grau de proficiência ou aprendizado dos alunos, como atesta a CNTE (2003)______. Retrato da Escola 3. Brasília, DF: CNTE, 2003..

No que se refere à sobrecarga de trabalho e à saúde dos professores, dois elementos determinantes para a deflagração de processos de adoecimento podem ser citados. Um deles é a diminuição ou a falta de tempo livre fora do trabalho para outras atividades da vida e para o lazer. O outro é a realização do trabalho em condições de estresse, que pode levar a implicações previsíveis para a saúde, porquanto expõe os trabalhadores a situações extremas,

especialmente os trabalhadores sob contínuo estresse (turmas superlotadas, excesso de aulas) e cujo trabalho exige condicionamento físico (carga horária puxada com uso intenso da voz, das mãos e excesso de horas em pé). (CNTE, 2003______. Retrato da Escola 3. Brasília, DF: CNTE, 2003., P. 12).

Quanto à questão da sobrecarga de trabalho, é importante destacar que uma das bandeiras na luta do sindicalismo docente no País e, por conseguinte, da CNTE foi a reivindicação de um limite para a jornada de trabalho semanal dos professores e da destinação de um tempo dessa jornada à preparação das atividades pedagógicas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996, instituiu a jornada de trabalho semanal dos professores como sendo de 40 horas semanais e que 20% dessas deveriam ser de hora-atividade.

Limitar a jornada de trabalho e dispor de tempo para a realização das atividades pedagógicas são alguns dos aspectos determinantes para a melhoria da qualidade do ensino. No que se refere à saúde dos professores, tornam-se componentes que atuam para o seu bem estar e sua qualidade de vida. Para um dos sujeitos entrevistados, é necessário trabalhar em outra lógica, de tal modo que "ser professor não é somente ser um dador de aula" (professor B), mas que também faz parte do seu trabalho se qualificar para preparar uma boa aula, elaborar provas e corrigi-las.

Essa sobrecarga de trabalho dos professores também é analisada como um processo de intensificação do trabalho docente, que, segundo Oliveira (2003)OLIVEIRA, D. A. As reformas educacionais e suas repercussões sobre o trabalho docente. In: OLIVEIRA, D. A. (Org.). Reformas educacionais na América Latina e os trabalhadores docentes. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 13-35., decorre do crescimento da produção sem mudanças do efetivo ou, então, da diminuição do efetivo sem mudanças na produção. Como explica a autora, a intensificação do trabalho pode se dar tanto pela extensão da jornada de trabalho na própria escola sem remuneração extra quanto pelo aumento das exigências do trabalho no interior da jornada remunerada. A autora chama a atenção para o fato de que é na segunda forma apresentada que ocorrem "as estratégias mais sutis e menos visíveis de exploração", ou seja,

os docentes vão incorporando novas funções e responsabilidades, premidos pela necessidade de responder às exigências dos órgãos do sistema, bem como da comunidade. (OLIVEIRA, 2012OLIVEIRA, D. A. Entrevista: a saúde do profissional e as condições de trabalho. Revista Retratos da Escola, Brasília, DF, v. 6, n. 11, p. 301-313, jul./dez. 2012., P. 308-309).

A outra forma de intensificação do trabalho dos professores identificada neste estudo condiz com o que Oliveira (2003)OLIVEIRA, D. A. As reformas educacionais e suas repercussões sobre o trabalho docente. In: OLIVEIRA, D. A. (Org.). Reformas educacionais na América Latina e os trabalhadores docentes. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 13-35. explica sobre os vários papéis que o professor precisa desempenhar e que estão para além de sua formação, isto é, ele desempenha funções de agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre outras.

Tais aspectos constituem parte dos tensionamentos que perpassam o trabalho do professor e por isso implicam respostas de cada um ao seu cotidiano. Conforme expressou um dos entrevistados,

a questão da nossa saúde também tem a ver com o papel que nós achamos que temos que desempenhar em uma sociedade em mudança, com sujeitos em mudanças. (professor C).

Além do mais, para o mesmo entrevistado,

a saúde também tem a ver com a angústia que nós temos em relação a tarefas que nós achamos que temos que cumprir na sociedade. (professor C).

Em suma, é possível identificar que a intensificação do trabalho também pode se dar por fatores subjetivos despertados pelas condições objetivas de mudanças no ambiente escolar e no seu entorno.

Além das duas situações citadas, também se pode acrescentar que o processo de intensificação do trabalho tem grande relação com a gestão educacional. Na última década, tem-se reproduzido a noção de que a gestão de recursos humanos pela administração pública precisa se pautar em proposições tais como a de bonificação de professores ou alguma outra forma de gratificação, que é medida pelo desempenho do professor. Essa política de gestão educacional, notadamente a política de bonificação, está sendo muito difundida no País, e sua essência está no estabelecimento de metas a serem alcançadas a fim de que se obtenham maiores recursos financeiros. Nessa direção, os professores que estão vinculados a esse regime de bonificação passam a ser pressionados pelas circunstâncias a não faltar ao trabalho, mesmo por motivo de doença.

Paro (2012)PARO, V. H. Trabalho docente na escola fundamental: questões candentes. Cad. Pesqui., São Paulo, v. 42, n. 146, p. 586-611, 2012. elabora uma crítica sobre a remuneração por mérito aos professores dizendo que é uma medida descabida que revela o desconhecimento das condições da atividade pedagógica, e, nela, revelam-se dois supostos: "suposição da incúria do professor no desenvolvimento de suas atribuições", precisando ser estimulado para tal como acontece na produção capitalista; e, o segundo, "o reconhecimento (não explícito) de que o salário do professor não é suficiente para propiciar-lhe condições mínimas de trabalho" (PARO, 2012PARO, V. H. Trabalho docente na escola fundamental: questões candentes. Cad. Pesqui., São Paulo, v. 42, n. 146, p. 586-611, 2012., P. 601).

A política de recompensa pode afetar a saúde dos professores, tanto pela pressão a que estão submetidos para não perder pontos na avaliação como por trabalharem sem condições para fazê-lo, pois podem perder a gratificação no tempo em que estiverem afastados do trabalho. A esse respeito, Vieira (2003)______. Identidade expropriada: retrato do educador brasileiro. Brasília, DF: CNTE, 2003. refere que diante do aumento dos casos de afastamento do trabalho para tratamento de saúde, a administração pública, ao invés de buscar a resolução para o problema, aplica medidas que pioram ainda mais a situação, como é o caso da premiação dada aos indivíduos por sua assiduidade, o que incentiva os professores, mesmo doentes, a ir ao trabalho para não sofrer prejuízos financeiros.

É contra esses encaminhamentos que o sindicalismo precisa ter a atenção necessária quando se trata da questão da saúde dos trabalhadores da educação. A esse respeito, Leão (2012, P. 303)LEÃO, R. F. Entrevista: a saúde do profissional e as condições de trabalho. Retratos da Escola, Brasília, DF, v. 6, n. 11, p. 301-313, jul./dez. 2012. sublinha a necessidade de reconhecimento pelo poder público das doenças afetas à profissão, no sentido de tratar os profissionais adoecidos com urgência e dignidade, o que quer dizer, "detectadas as doenças profissionais, é preciso descobrir suas origens, eliminar os agentes causadores e tratar continuamente os acometidos". O que tem se reproduzido, segundo Leão (2012, P. 303)LEÃO, R. F. Entrevista: a saúde do profissional e as condições de trabalho. Retratos da Escola, Brasília, DF, v. 6, n. 11, p. 301-313, jul./dez. 2012., são atitudes negativas de acusar trabalhadores adoecidos de serem pouco assíduos ao trabalho e, assim, de serem os "responsáveis diretos pelos eventuais 'fracassos' do estudante na avaliação estandardizada". Com relação aos sindicados, conforme aduz o mesmo autor, pela sua atitude de denúncia, o mesmo poder público os trata, pejorativamente, como corporativos.

Sobre esse aspecto, Ribeiro (2013)RIBEIRO, H. P. Gritos e silêncios: degradação do trabalho e estados de saúde da voz. São Paulo: Edição do Autor, 2013. declara que, de hábito, as empresas e o Estado, como empregadores, eximem-se da responsabilidade pelo adoecimento de seus funcionários. Assim, a questão, na perspectiva dos empregadores, não é a saúde ou o adoecimento do trabalhador, sendo que, como refere Ribeiro (2013, P. 62)RIBEIRO, H. P. Gritos e silêncios: degradação do trabalho e estados de saúde da voz. São Paulo: Edição do Autor, 2013.,

  1. A relevância vai para a ausência do trabalhador, e a preocupação da gerência volta-se para a demora do retorno ao trabalho, para as readaptações, para as despesas com as horas não trabalhadas e para a queda da produtividade.

Para evitar essas perdas, elaboram-se normas de controle mais rígidas no sentido de se evitar que os trabalhadores faltem ao trabalho.

Outros problemas que permeiam o trabalho do professor e que foram identificados tanto em documentos da CNTE como nas falas dos entrevistados estão relacionados à infraestrutura e à violência nas escolas. No primeiro caso - a infraestrutura -, os aspectos nocivos envolvem desde a carência de condições prediais, mobiliário apropriado, ventilação e iluminação adequadas, até ruídos excessivos e falta de saneamento básico. Todos componentes indispensáveis para um ambiente de trabalho salubre. Já no segundo caso - violência nas escolas -, há repercussões sobre as condições de trabalho dos professores e, diretamente, sobre a sua saúde e segurança.

A relação entre as condições de trabalho e os seus efeitos para os professores, no que se refere aos agravos à saúde, tem implicações, não só para os professores, mas para toda a estrutura escolar e de ensino. Assim, há uma relação estreita entre a saúde do professor e a qualidade de seu trabalho, e como se observou na fala de um dos entrevistados, o afastamento dos professores da escola causa um transtorno muito grande, uma vez que promove "uma descontinuidade no processo educacional" (professor B). Os alunos precisam se adaptar ao professor substituto, ao passo que esse professor precisa de tempo para conhecer a realidade dos alunos e da comunidade.

É preciso salientar que há dois aspectos da problematização com relação à questão da saúde/adoecimento dos professores. Um é o derivado do afastamento do professor das suas atividades no trabalho, como já mencionado, e o outro, talvez o mais grave para a qualidade do trabalho escolar (e para o próprio professor), é o trabalho exercido mediante situações de adoecimento, o que remete à consideração de que há uma dimensão invisível do problema.

Se, de um lado, há os professores que sentem a necessidade de se expressar sobre a sua condição de saúde, como referiu um dos entrevistados, de outro, há aqueles que se silenciam e continuam o seu trabalho até que estejam incapacitados para tal. Essa situação pode ser explicada como sendo uma condição gerada pelas circunstâncias atuais do trabalho no capitalismo, em que, conforme Ribeiro (2013, P. 49)RIBEIRO, H. P. Gritos e silêncios: degradação do trabalho e estados de saúde da voz. São Paulo: Edição do Autor, 2013.,

  1. as relações sociais do trabalho com a perda da saúde deixaram de ser tão explícitas porque o trabalho contemporâneo tende a 'queimar de dentro para fora' o corpo em trabalho sem que haja combustão visível.

Esse é um processo invisível, no qual os trabalhadores apresentam, primeiramente, um comprometimento da sua função psíquica, da afetividade e da subjetividade, chegando, posteriormente, a comprometimentos visualizáveis, ou seja, quando geram comprometimentos nos órgãos e funções corporais (RIBEIRO, 2013RIBEIRO, H. P. Gritos e silêncios: degradação do trabalho e estados de saúde da voz. São Paulo: Edição do Autor, 2013.).

Vieira (2003, P. 8)______. Identidade expropriada: retrato do educador brasileiro. Brasília, DF: CNTE, 2003. refere que

  1. os dados reforçam a tese de que, mais do que uma difícil situação conjuntural, os trabalhadores em educação vivem um processo de expropriação de identidade como componente e reflexo da redução do próprio papel da educação neste período histórico.

A CNTE, conforme discutido neste artigo, vem buscando inserir o debate sobre a valorização dos trabalhadores da educação no que toca às condições de trabalho e à sua relação com a saúde. Nas falas dos sindicalistas, a situação do aumento no número de casos de adoecimento dos professores decorre não só da falta de políticas em saúde e segurança do trabalhador no que tange à prevenção ou até ao atendimento médico-assistencial, mas, antes de tudo, é um problema relacionado à falta de política de valorização dos profissionais da educação, o que toca, necessariamente, na questão salarial e de infraestrutura nos ambientes de trabalho, incluindo-se a grande problemática da gestão educacional. Pelo exposto, observa-se que há um processo de precarização do trabalho docente com consequências deletérias tanto para a saúde dos professores quanto para a qualidade do ensino.

No que se refere às questões relativas à prevenção e ao atendimento médico-assistencial, é importante destacar que há uma tendência no sindicalismo em geral a pleitear planos de saúde em suas reivindicações e convenções coletivas. A esse respeito, há um distanciamento do sindicalismo quanto à reivindicação da saúde como direito.

Lacaz e Santos (2010)LACAZ, F. A. C.; SANTOS, A. P. L. Saúde do Trabalhador, hoje: re-visitando atores sociais. Revista de Medicina Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 20, supl. 2, p. 5-11, 2010. e Dias e Hoefel (2005)DIAS, E. C.; HOEFEL, M. G. O desafio de implementar as ações de saúde do trabalhador no SUS: a estratégia da Renast. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 10, p. 817-828, 2005. observam que a ameaça presente do desemprego tem afastado os trabalhadores das lutas relacionadas à segurança e à saúde no trabalho, o que vem proporcionando um esvaziamento nas propostas dos trabalhadores com relação a essa questão. De acordo com os autores citados, o desemprego estrutural, a precarização do trabalho e o crescimento do setor informal, com perda de direitos trabalhistas e previdenciários, têm repercutido na organização dos sindicatos, acarretando um deslocamento do foco tradicional de lutas para a preservação de postos de trabalho, secundarizando as discussões e reivindicações referentes às condições em que esse trabalho é executado.

As reivindicações por saúde, nesse contexto, podem não representar uma melhoria nas condições de trabalho. Ou seja, quando se focaliza as lutas pela saúde no contexto restrito da reivindicação de planos de saúde, desarticulada a melhoria das condições de trabalho e das políticas de saúde e segurança, os trabalhadores perdem de vista a saúde como direito social a ser garantido mediante políticas públicas e, assim, tornam-se vulneráveis ao movimento do mercado de trabalho, que os faz oscilarem na sua condição de empregados e desempregados. Para o funcionalismo público, a tendência desse tipo de reivindicação é acarretar a diferenciação da assistência à saúde de acordo com as regras de cada convênio de saúde, restringindo o acesso a exames diagnósticos e tratamentos necessários.

O papel da CNTE diante da questão saúde/adoecimento dos professores

Com base no levantamento de informações presentes em fontes documentais da CNTE, tais como estudos, publicações periódicas, livros e resoluções congressuais referentes ao período de 1999 a 2014, foi possível fazer uma relação das principais ações pertinentes à questão da saúde dos professores no âmbito da entidade sindical em foco, como segue:

  1. 1999: publicado o livro 'Educação: carinho e trabalho', organizado por Wanderley Codo, resultado de uma pesquisa realizada em parceria com o LPT/UNB;

  2. 2003: divulgado o estudo intitulado 'Retrato da Escola 3: a realidade sem retoques da educação no Brasil - Relatório de pesquisa sobre a situação dos trabalhadores(as) da educação básica' e publicado o livro 'Identidade expropriada: retrato do educador brasileiro', de autoria de Juçara Dutra Vieira;

  3. 2005: criado o Coletivo de Condições de Trabalho e Saúde na CNTE.

  4. 2008: criada a Secretaria de Saúde dos(as) Trabalhadores(as) em Educação da entidade sindical;

  5. 2009: realizado o I Seminário Nacional sobre Saúde dos Trabalhadores em Educação;

  6. 2010: publicado um dossiê com o tema Saúde dos(as) Trabalhadores(as) em Educação na revista 'Cadernos de Educação', número 22;

  7. 2012: publicado outro dossiê na revista 'Retratos da Escola', volume 6, número 11, sobre as Condições de Trabalho e Saúde dos Profissionais da Educação;

  8. 2013: criado o Coletivo Nacional de Saúde e realizado o Seminário Nacional Condições de Trabalho e Saúde dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação.

Dessa lista de ações realizadas no período e das informações constantes nas falas dos entrevistados, apreende-se que o papel que a CNTE foi identificando que deveria ter diante da questão saúde/adoecimento dos trabalhadores da educação pode ser relacionado com os temas analisados a seguir: a coletivização do problema; a criação de coletivos de saúde para a interlocução com os sindicatos; a institucionalização da Secretaria de Saúde dos trabalhadores (criação de uma instância própria na CNTE para se dedicar à questão da saúde); a formação sindical; as publicações (dossiês); e a inclusão do tema saúde/adoecimento e condições de trabalho nas políticas educacionais de valorização dos profissionais da educação.

No que tange à coletivização do problema do adoecimento dos professores, essa pode ser entendida a partir de duas perspectivas. Uma se refere à percepção de que certas doenças são mais recorrentes em determinados grupos ou classes sociais, estando relacionadas ao processo saúde-doença dos coletivos. A outra corresponde à problematização do processo saúde-doença dos professores como uma questão do coletivo da categoria e não como problema individual.

Na primeira perspectiva, as contribuições das áreas das ciências da saúde e ciências sociais ajudam a pensar a necessária diferenciação entre as abordagens sobre o adoecimento docente em sua relação com o trabalho por meio das práticas da clínica individual e da saúde coletiva. Conforme Ribeiro (2013)RIBEIRO, H. P. Gritos e silêncios: degradação do trabalho e estados de saúde da voz. São Paulo: Edição do Autor, 2013., no âmbito da clínica, o problema de saúde pode aparecer para o indivíduo e para quem o cuida como um problema individual. Para o mesmo autor, quando se coletivizam esses problemas de saúde, em um grupo ou categoria profissional, há a necessidade de um modelo epistemológico próprio, para além da clínica e da epidemiologia aplicada à clínica. A título de exemplo, a associação dos transtornos da voz com o trabalho dos professores é uma inferência mais epidemiológica do que clínica. Nesse caso, a investigação da causalidade da coletivização desse problema de saúde levou ao entendimento de que se trata de um fenômeno biossocial e, portanto, requer uma política pública de prevenção (RIBEIRO, 2013RIBEIRO, H. P. Gritos e silêncios: degradação do trabalho e estados de saúde da voz. São Paulo: Edição do Autor, 2013.).

Na segunda perspectiva, a coletivização do problema do adoecimento é uma questão política, ou seja, o problema sai da discussão do âmbito individual e se torna uma questão do coletivo da categoria. É com relação a esse processo que se pôde identificar o papel da CNTE desde 1999, e, conforme entendimento da entidade sindical, durante a publicação da pesquisa que resultou no livro organizado por Codo (2002)CODO, W. (Org.). Educação: carinho e trabalho. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.,

não é um 'problema pessoal' de cada um nem uma fatalidade do nosso país, reforçando a defesa de melhores condições de trabalho para a categoria. (CNTE, 1999______. Caderno de Resoluções: terra, trabalho, salário e educação: desafios para o século XXI. In: Congresso Nacional da CNTE, 27., 1999. Brasília, DF: CNTE, 1999., P. 46).

As conquistas com relação ao tratamento das questões do adoecimento dos professores em uma perspectiva coletiva avançam tanto nas possibilidades de alcance de direitos para a categoria como no sentido de evitar a culpabilização das vítimas pelo seu adoecimento. Neste sentido, coletivizar o fenômeno do adoecimento também significa dar-lhe visibilidade social, torná-lo uma questão socialmente problematizada e de interesse de toda a sociedade. No caso dos professores da rede pública de ensino, conforme exemplo citado por Ribeiro (2013)RIBEIRO, H. P. Gritos e silêncios: degradação do trabalho e estados de saúde da voz. São Paulo: Edição do Autor, 2013., apesar de suas recorrentes ausências ao trabalho e do comprometimento avançado dos órgãos envolvidos na produção e manutenção da voz, a invisibilidade social do problema só foi se tornando visível para a categoria quando passou a ser tratado como um problema coletivo.

Superar uma perspectiva individualista decorre da inserção da questão saúde/adoecimento dos professores na agenda sindical, ou seja, com espaços específicos para o debate, a discussão e a formulação de propostas de intervenção. Esse desafio de produzir alternativas de intervenção a fim de buscar caminhos para a resolução ou explicitação social da questão conduziu à identificação do outro papel que a CNTE foi assumindo como de sua alçada e que tem relação com a criação de espaços institucionais para tratar desse problema da categoria.

Um desses espaços, conforme informou um dos sindicalistas entrevistados, é formado pelo Conselho Nacional de Entidades, que se reúne em Brasília e propicia um momento em que as demandas das bases estaduais são discutidas. Nesse processo, são identificadas as demandas coletivas que entrarão na agenda da CNTE.

No processo de criação e consolidação de um espaço coletivo para a discussão e a elaboração de ações relacionadas à saúde, foi realizado, no mês de novembro de 2009, o I Seminário Nacional sobre Saúde dos Trabalhadores em Educação, promovido em articulação com várias secretarias da CNTE, entre elas, a Secretaria de Saúde e a Escola de Formação (Esforce), com o apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT). No documento resultante desse evento temático, registrou-se o consenso entre os participantes sobre a necessidade de estimular a criação e a organização de coletivos de saúde e uma secretaria de saúde em cada sindicato filiado (CNTE, 2010______. Saúde dos Trabalhadores em Educação: encaminhamentos e propostas. Cadernos de Educação, Brasília, DF, n. 22, p. 131-135, jan./jun. 2010.). Para tanto, as principais orientações para as ações a serem realizadas foram no sentido de se promover uma formação sindical e política que articulasse a discussão sobre a saúde dos trabalhadores em educação às discussões gerais sobre saúde e sobre a necessidade de se produzir material informativo e de comunicação. Um dos objetivos dessas ações seria a produção de uma plataforma coesa de reivindicações

para que o tema ganhe a relevância e seja devidamente incorporado nas pautas de reivindicações, ganhando centralidade na luta por melhores condições de trabalho e qualidade de vida. (CNTE, 2010______. Saúde dos Trabalhadores em Educação: encaminhamentos e propostas. Cadernos de Educação, Brasília, DF, n. 22, p. 131-135, jan./jun. 2010., P. 132).

Dois importantes encaminhamentos do referido evento referiram-se à atuação da CNTE para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e a inclusão da temática saúde e condições de trabalho na educação na Conferência Nacional de Educação, além de documentos-base para a elaboração do Plano Nacional da Educação.

Diante das proposições descritas, o que se pode assimilar é que envolver as entidades sindicais e suas bases em um processo de apreensão das políticas de saúde do trabalhador elaboradas e implementadas no País pode ajudar na compreensão da questão da saúde como direito garantido constitucionalmente, bem como incluir na agenda sindical a discussão sobre a implementação de tais políticas para os servidores públicos.

No segundo aspecto, relacionado à inclusão do tema saúde dos trabalhadores da educação na discussão e formulação de políticas educacionais, apreende-se a preocupação dos presentes no evento em incluir a discussão da temática, não só nas questões de ordem trabalhista, mas também nas políticas educacionais que tratam da valorização dos trabalhadores da educação. A preocupação explicitada permite considerar que esse é mais um papel assimilado pela CNTE no sentido de encaminhamentos vislumbrando a condução da questão.

Enfim, com relação ao referido seminário, as discussões registradas no documento consultado ajudam a compreender que entre os debatedores e participantes, naquele momento, havia um posicionamento de se avançar na discussão e assumir uma postura propositiva com relação ao tema da saúde dos trabalhadores da educação, tanto no sentido de se pensar o tema "não como um argumento e sim como política de negociação para a promoção de saúde e prevenção de doenças" (CNTE, 2010______. Saúde dos Trabalhadores em Educação: encaminhamentos e propostas. Cadernos de Educação, Brasília, DF, n. 22, p. 131-135, jan./jun. 2010., P. 131), como de incluir nesse processo o aprofundamento de um

debate sobre as razões da elevação contínua dos casos de adoecimento, afastamento, readaptação e aposentadoria por invalidez, através de pesquisas e campanhas específicas. (CNTE, 2010______. Saúde dos Trabalhadores em Educação: encaminhamentos e propostas. Cadernos de Educação, Brasília, DF, n. 22, p. 131-135, jan./jun. 2010., P. 131).

Considera-se, pela exposição precedente, que a CNTE entende que o papel do sindicato diante da questão da saúde e do adoecimento dos professores é o de protagonizar as negociações coletivas, fundamentando-se em conhecimentos sobre a saúde dos trabalhadores e as necessidades da categoria. Neste sentido, a necessidade do tratamento adequado do tema seria a superação de sua inclusão nas lutas sindicais de forma secundária, dado que,

não raro, a luta por legislações e políticas que tratem do adoecimento em decorrência do trabalho fica relegada a um segundo plano, aparecendo até como um apêndice no extenso rol de reivindicações e demandas. (SARATT, 2010SARATT, A. S. Caderno de Educação: um instrumento para a luta. Cadernos de Educação, Brasília, DF, n. 22, p. 9-13, jan./jun. 2010., P. 10).

Em 2013, durante outro evento convocado pela CNTE (Seminário Nacional de Condições de Trabalho e Saúde dos Trabalhadores em Educação), foi criado o Coletivo Nacional de Saúde (CNTE, 2013______. CNTE cria Coletivo Nacional de Saúde. Notícias30 de agosto de 2013. Disponível em: <http://www.cnte.org.br/index.php/comunicacao/noticias/12492-cnte-cria-coletivo-nacional-de-saude.html>. Acesso em: 10 set. 2013.
http://www.cnte.org.br/index.php/comunic...
), por deliberação e votação dos participantes, tendo como objetivo acompanhar a questão no cotidiano dos trabalhadores da educação e, junto com a Secretaria de Saúde da CNTE, atuar no "sentido de cobrar do Ministério da Educação a definição de políticas nacionais que tratem da prevenção da saúde da categoria" (CNTE, 2013______. CNTE cria Coletivo Nacional de Saúde. Notícias30 de agosto de 2013. Disponível em: <http://www.cnte.org.br/index.php/comunicacao/noticias/12492-cnte-cria-coletivo-nacional-de-saude.html>. Acesso em: 10 set. 2013.
http://www.cnte.org.br/index.php/comunic...
, N.P.).

A questão que perpassa as discussões realizadas na CNTE é que melhores condições de trabalho e a saúde dos trabalhadores da educação estão associadas às demais lutas da categoria. Sendo assim, as demandas relacionadas à saúde dos trabalhadores da educação e dos professores passaram a integrar o rol de problemas trazidos pelos sindicatos nesses espaços coletivos, e, com a formação do chamado Coletivo de Saúde, procurou-se constituir um espaço para debater e tratar sobre as especificidades dessas demandas. Para um dos entrevistados, foi nesse movimento de discussão do Coletivo de Saúde que se aventou a necessidade de se constituir uma secretaria específica para a saúde na CNTE.

No processo de criação da Secretaria de Saúde na CNTE, registrou-se que, em 2005, no XXIX Congresso Nacional dos Trabalhadores em Educação, foi criado o Coletivo de Condições de Trabalho e Saúde (CNTE, 2005______. Caderno de Resoluções: educação pública só é prioridade com mais financiamento. Já passou da hora. In: Congresso Nacional da CNTE, 29., 2005. Brasília, DF: CNTE, 2005.), e, em 2008, no congresso seguinte, foi criada a Secretaria de Saúde dos(as) Trabalhadores(as) em Educação. Neste último fórum, houve mudança no Estatuto da CNTE, no seu artigo 41, seção IV, referente à diretoria executiva nacional, em que se explicita a competência da nova secretaria, a saber:

  1. formular propostas de políticas públicas que visem a atender às questões específicas da saúde dos(as) trabalhadores(as) em educação; b) promover estudos que diagnostiquem as causas dos problemas que afetam a saúde dos(as) trabalhadores(as) em educação. (CNTE, 2008CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO (CNTE). Caderno de Resoluções. In: Congresso Nacional da CNTE, 30., 2008. Brasília, DF: CNTE, 2008., P. 40).

Como parte do que se apreendeu neste trabalho sobre o papel da CNTE frente à questão da saúde/adoecimento dos professores, tem-se a sua atuação na formação sindical e, nesse contexto, a elaboração de dossiês sobre o tema.

O objetivo da formação política e sindical a respeito do tema em questão é o de subsidiar e fortalecer a ação sindical com relação à saúde dos trabalhadores em educação (CNTE, 2010______. Saúde dos Trabalhadores em Educação: encaminhamentos e propostas. Cadernos de Educação, Brasília, DF, n. 22, p. 131-135, jan./jun. 2010.). Uma das estratégias utilizadas pela CNTE para a formação sindical, além da publicação dos resultados das pesquisas, conforme apresentado anteriormente, foi a de elaboração de dossiês em suas publicações periódicas, como pôde ser observado nos anos de 2010 e 2012.

A primeira publicação corresponde aos 'Cadernos de Educação', cuja edição de número 22 tratou da 'Saúde dos(as) trabalhadores(as) em educação' e foi resultado dos debates que aconteceram no já citado I Seminário Nacional sobre Saúde do(a) Trabalhador(a) em Educação. Saratt (2010, p. 10)SARATT, A. S. Caderno de Educação: um instrumento para a luta. Cadernos de Educação, Brasília, DF, n. 22, p. 9-13, jan./jun. 2010. informa que a referida publicação, ao expressar a preocupação da CNTE com o tema, subsidiando e fomentando a discussão sobre o trabalho e a saúde, apresenta um papel político e pedagógico no sentido de

  1. dar centralidade à saúde como ponto de pauta nas negociações coletivas e campanhas salariais dos sindicatos de trabalhadores(as) em educação, permitindo uma intervenção mais contundente no resguardo dos direitos da classe trabalhadora.

A segunda publicação é a revista 'Retratos da Escola', volume 6, número 11, com o tema 'Condições de trabalho e saúde dos profissionais da educação'. Conforme o editorial dessa publicação, o dossiê aprofunda o tema

a partir de abordagens que o situam no cenário brasileiro e internacional [...] problematizando as macro questões sobre a valorização, mas, sobretudo, verticalizando a análise de estudos e pesquisas sobre condições de trabalho e saúde dos profissionais da educação. (DOURADO, 2012DOURADO, L. F. Editorial. Retratos da Escola, Brasília, DF, n. 11, v. 6, p. 297-299, jul./dez. 2012., P. 297).

Por fim, outro papel da CNTE identificado foi o de incluir a saúde dos trabalhadores da educação como tema nas políticas educacionais, como observado em dois momentos: na 1ª Conferência Nacional de Educação - Conae 2010, e na II Conferência Nacional de Educação - Conae 2014. O documento final deste último fórum, o Eixo VI, foi dedicado à valorização dos profissionais da educação, o que incluiu formação, remuneração, carreira e condições de trabalho. As proposições e estratégias referentes à saúde dos trabalhadores da educação foram tidas como necessárias para um projeto de atenção integral, desde a prevenção até a assistência, tendo o 'atendimento à saúde e integridade física, mental e emocional dos profissionais da educação como condição para a melhoria da qualidade educacional' (FNE, 2014FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO (FNE). O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: participação popular, cooperação federativa e regime de colaboração. In: Conferência Nacional de Educação, 2., 2014. Brasília, DF: MEC; FNE, 2014.).

Conclusão

A CNTE passou a problematizar a questão do adoecimento dos professores justamente em um momento em que inaugurava uma nova estratégia, no âmbito das suas ações sindicais, que se traduziram em realização de pesquisas empíricas, em âmbito nacional, como subsídio para a luta por direitos trabalhistas e por políticas educacionais que contemplassem, também, a valorização dos profissionais da educação. Assim sendo, identificou-se que a saúde dos professores foi incluída como uma questão problematizada coletivamente pelos professores, no âmbito da CNTE, dentro de um contexto de publicização e discussão dos resultados, em 1999, da primeira pesquisa sobre o tema saúde mental e trabalho.

Embora a relação entre o trabalho do professor e determinadas doenças fosse tradicional (problemas de voz e osteomusculares, por exemplo) e estivesse presente como demanda nas bases sindicais, pode-se afirmar que, na CNTE, só adquiriu ênfase após 1999, e, como foi possível averiguar, a partir daí, iniciou-se o processo de inserção dessa demanda na agenda institucional. Pelos documentos, pôde-se evidenciar, também, que foi em 2005, durante o XXIX Congresso Nacional da CNTE, que a instituição assimilou a questão da saúde do trabalhador em sua pauta sindical, assumindo-a, daquele momento em diante, como política permanente.

Diante da constatação da intensificação do problema de saúde pertinente à categoria profissional, foi se conformando, no âmbito da CNTE, um processo de elaboração de seu papel, a fim de direcionar a luta pela saúde articulada à reivindicação por melhores condições de trabalho.

Embora tenham se identificado avanços no âmbito da CNTE, no sentido de incluir a saúde dos trabalhadores na sua agenda, ainda há muito que se construir no âmbito da referida instituição, a fim de qualificar o debate e as reivindicações em uma perspectiva orientada pela saúde do trabalhador, como política pública, e, também, fazer com que a discussão seja realizada nas escolas em âmbito nacional.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    Maio 2016
  • Aceito
    Out 2016
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