RESUMO
Este artigo analisa a implementação da Rede de Urgência e Emergências, seus arranjos interfederativos regionais de pactuação e gestão de políticas, na Região Metropolitana de São Paulo, no período de 2011-2016. Considera-se implementação como um processo dinâmico da política, com interação, negociação e aprendizagem permanentes. Este é um estudo de caso, baseado na pesquisa qualitativa em saúde e nos estudos de avaliação de implementação de políticas, com 4 níveis de análise imbricados: desenho de implementação; caracterização de atores de implementação; caracterização de arranjos interfederativos regionais e contenciosos e desafios interfederativos não superados. Os dados foram obtidos em documentos públicos das instâncias de pactuação e coordenação da política e das organizações e dos atores participantes. Baseado nas reflexões de poder em políticas de saúde de Testa e no método Paideia de gestão de coletivos, analisa-se como os resultados revelam a insuficiência dos instrumentos políticos e dos arranjos de coordenação desenvolvidos pela implementação da Rede de Urgência e Emergência. Assim, discutem-se a fragilidade da governança regional, a necessidade de fortalecer as regiões de saúde como unidade territorial, sua relação com as Redes de Atenção à Saúde e as propostas de arranjos regionais e interfederativos para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
PALAVRAS-CHAVE
Sistemas de saúde; Regionalização; Governança; Serviços médicos de emergência; Federalismo
Introducão
A urgência e emergência é prioridade da gestão em saúde e interfere na avaliação que usuários, trabalhadores e sociedade fazem da garantia do direito à saúde, do cuidado ofertado e sua legitimidade. Estudos apontam a relação da insatisfação da população com o atendimento na urgência e emergência11 O'Dwyer G, Mattos RA. O SAMU, a regulação no Estado do Rio de Janeiro e a integralidade segundo gestores dos 3 níveis de governo. Physis 2012; 22(1):141-160. Entretanto, no Sistema Único de Saúde (SUS), as políticas para essa área estiveram aquém da sua importância para a saúde pública.
O histórico das Políticas para a Atenção em Urgências e Emergências no SUS mostra a fragmentação da sua elaboração e da sua implementação. Em 1998, foi criado o Programa de Apoio à Implantação dos Sistemas Estaduais de Referência Hospitalar22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS no 2923, de 9 de junho de 1998. Institui o Programa de Apoio à Implantação dos Sistemas Estaduais de Referência Hospitalar para Atendimento de Urgência e Emergência. Diário Oficial da União. 10 Jun 1998. para atendimento em urgência e emergência, com foco na atuação hospitalar, na tipificação de serviços e na coordenação estadual. Em 2003, com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), organizaram-se a atenção pré-hospitalar e a regulação da atenção à urgência e emergência, em uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados. Em 2006, surgiu o QualiSUS33 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS no 3125, de 7 de dezembro de 2006. Institui o Programa de Qualificação da Atenção Hospitalar de Urgência no SUS. Diário Oficial da União. 8 Dez 2006., programa de qualificação da atenção de urgência, focado em grandes hospitais e na Política Nacional de Humanização (PNH). Em 2011, é pactuada a Política Nacional de Atenção às Urgências e Emergências, que institui a Rede de Atenção às Urgências e Emergências (PNAU/RUE), pela Portaria nº 1.600/201144 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS no 1600, de 8 de julho de 2011. Reformula a Política Nacional de Atenção as Urgências e Emergências e institui a Rede de Atenção a Urgência e Emergência no SUS. Diário Oficial da União. 9 Jul 2011., estruturando diretrizes de rede de atenção.
O desafio de constituição de uma rede complexa, com multiplicidade de pontos de atenção e tecnologias, é amplificado pelas características do processo de concertação entre os entes da federação, estabelecido em etapas nas normas produzidas: Fase de adesão e diagnóstico; Fase de desenho regional da rede; Fase da contratualização dos pontos de atenção; Fase da qualificação dos componentes da Rede de Atenção às Urgências; e Fase da certificação.
Este artigo analisa em que medida a implementação da PNAU/RUE provocou mudanças nos arranjos interfederativos existentes e nos processos e estruturas regionais de pactuação e gestão, a partir do caso da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), no período de 2011 a 2016.
A relevância deste estudo decorre do fato de que as pactuações e cooperações regionais e interfederativas constituem um dos grandes desafios do SUS, já discutido por vários autores. Mendes e Louvison55 Mendes A, Louvison M. O debate da regionalização em tempos de turbulência no SUS. Saúde Soc. 2015; 24(2):339-402 consideram que o processo de regionalização e descentralização ganhou forte componente técnico-administrativo, perdendo caráter político-social. Esse processo teve início por meio da Norma Operacional de Organização da Assistência em Saúde (Noas), que apresentava rigidez de parâmetros e não consolidou uma governança regional e intermunicipal66 Fleury S, Ouverney AM. Gestão de redes: a estratégia de regionalização da política de saúde. Rio de Janeiro: FGV; 2007.. Em 2006, o Pacto Pela Saúde representou um esforço de ampliar a integração do SUS, mas ainda resultou em pouca mudança na regionalização, com ausência de ganhos qualitativos na articulação do planejamento regional e uma dependência do protagonismo estadual para o funcionamento dos Colegiados Gestores Regionais (CGR)77 Silva SF, Souto Junior JV, Bretas Junior N. O Pacto pela Saúde: oportunidade para aperfeiçoamento das redes no SUS. In: Silva SF, organizador. Redes de Atenção a Saúde no SUS. Campinas: Conasems; 2008.. Posteriormente, o Decreto nº 7.508/201188 Brasil. Presidência da República. Decreto no 7508/2011, de 28 de julho de 2011. Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 29 Jul 2011. trouxe avanços por meio de capítulos específicos sobre articulação interfederativa, conceituação de regiões de saúde, papel das Comissões Intergestores Regionais (CIR) e Contrato Organizativo de Ação Pública, mas sem provocar uma mudança substancial nesse cenário por um conjunto de motivos. Parte deles será apontada neste trabalho.
Analisamos essas mudanças a partir da compreensão da implementação como parte contínua e integral do processo da política, em uma perspectiva de negociação envolvendo interações entre estruturas de poder, atores e agências, como estabelecido por Barret99 Barrett S. Implementation studies: time for a revival? Personal reflections on 20 years of implementation studies. Public Adm. 2004; 82(2): 249-262.. Uma formulação em processo, como registra Vianna1010 Viana AL. Abordagens Metodológicas em políticas públicas. Rev. Adm Pública. 1996; 30(2):5-43, com etapas diversificadas de decisão e arenas múltiplas de negociação. Procuramos caminhos suscitados por Hjern e Porter1111 Hjern B, Porter DO. Implementation structures: a New Unit of Administrative Analysis. Or-gan Stud. 1981; 2(3):211-227, ao identificarem os formuladores, implementadores, grupos, beneficiários e suas redes envolvidas, compreendendo-os como parte de uma rede de aprendizado envolvendo atores sociais e instituições. Procuramos identificar quais coalizões político-sociais sustentaram o tema da RUE na agenda do SUS e em quais arenas sociais ele se constituiu como prioridade. Dialogamos com a abordagem de escolha de instrumentos políticos organizativos, financeiros e regulatórios de implementação desenvolvidos ao longo do processo, apontada por Bennett e Howlett1212 Bennett CJ, Howlett M. The lessons of learning: Reconciling theories of policy learning and policy change. Policy Sci. 1992; 25:275-294. Finalmente, analisamos as normas da política, instâncias de pactuação e/ou cogestão, instituições, entidades ou serviços de abrangência regional e/ou gestão interfederativa, dialogando com estudos sobre arranjos de implementação de políticas de base territorial1313 Lotta G, Favareto A. Desafios da integração nos novos arranjos institucionais de políticas públicas no Brasil. Rev. Sociol Polit. 2016; 24(57):49-65.
A Região Metropolitana de São Paulo retrata a complexidade da integração no SUS. É composta por seis Redes Regionais de Atenção à Saúde (RRAS), 39 municípios e 19,6 milhões de habitantes, sendo a cidade de São Paulo uma RRAS específica. Nela, convivem redes de serviços estaduais e municipais, com culturas institucionais distintas e baixa cooperação, sendo o acesso e a qualidade na urgência e emergência contenciosos entre os municípios e o estado.
Este debate dialoga com problematizações trazidas por Campos1414 Campos GWS. Regionalização é o futuro do SUS [internet]. Brasília, DF: Região e Redes; 2014[acesso em 2017 dez 18]. Disponível em: http://www.resbr.net.br/regionalizacao-e-o-futuro-do-sus/.
http://www.resbr.net.br/regionalizacao-e... , no que diz respeito às regiões de saúde e aos desafios do SUS, como integrar o que foi historicamente fracionado por programas de saúde, redes de serviços constituídos e pela baixa cooperação entre os entes federados.
Material e métodos
Este é um estudo de caso com níveis de análise imbricados, como definido por Yin1515 Yin RK. Estudo de casos: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman; 2001., onde analisamos mudanças nos processos de pactuação e gestão interfederativa e regional no SUS, a partir da implementação da RUE na RMSP, no período de 2011 a 2016. Trata-se de um estudo de implementação que, segundo Champagne et al.1616 Champagne F, Brousselle A, Hartz Z, et al. A análise da implantação. In: Brousselle A, Champagne F, Contadriopoulos AP, et al, organizadores. Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011. p. 217-238., valoriza a dinâmica interna, os fatores contextuais e as características das organizações que contribuem (interação sinérgica) ou bloqueiam (interação antagônica).
Foram definidos os seguintes níveis de análise e suas variáveis:
desenho da implementação: participação dos atores federativos na definição da agenda, valorização da região de saúde como unidade territorial prioritária, respeito a singularidades regionais e identificação dos instrumentos políticos financeiros, regulatórios e organizativos de implementação;
caracterização dos atores da implementação: posicionamento, motivações, contenciosos e desafios apontados e coalizões de defesa constituídas;
caracterização dos arranjos interfederativos e regionais: pré-existência, ou não, instâncias de pactuação ou cogestão da política, verticalidade ou horizontalidade na relação entre os entes da federação, institucionalidade e processo de indicação de membros e obtenção de ganho de escala;
contenciosos e desafios nas relações federativas apontados, caracterizando-os quanto às dimensões de gestão da Política de Saúde, da Rede de Atenção ou dos Serviços.
Buscamos evidências em distintas fontes de dados: a) análise de leis, decretos, portarias, manuais normativos e documentos oficiais públicos; b) atas, registros, notas públicas de instâncias e arranjos relacionados com a implementação; c) posicionamentos públicos de representantes e/ou das entidades; d) análise de relatórios técnicos ou de pesquisas; e e) notas, registros, apresentações, observações diretas dos autores durante participação nos casos estudados.
A análise está embasada na pesquisa qualitativa em saúde, estabelecida por Minayo1717 Minayo MCS, Gomes R, Deslandes SF, organizadores. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis: Vozes; 2010.. Nesta, a investigação social contempla aspectos qualitativos, de objeto complexo, contraditório e em transformação, registrando a relação dos autores com o caso estudado, tendo assumido olhares e posições distintas durante o processo de implementação.
A interpretação e a discussão dos dados estão lastreadas em dois referenciais teóricos do campo da saúde coletiva, que consideramos acrescentar capacidade analítica aos estudos de implementação de políticas na saúde.
Primeiro, pela compreensão da saúde como processo social, por Testa1818 Testa M. Pensar em Saúde. Porto Alegre: Artes Médicas; 1992., onde a categoria poder ganha centralidade, sobretudo nas políticas e nas práticas institucionais. Para esse autor, implementar uma ação de saúde leva a alcançar um certo deslocamento de poder, tendo estabelecido a caracterização do poder político, técnico e administrativo para a realidade dos serviços de saúde. Essa tipificação do poder tem um valor analítico, ao identificar recursos de exercício do poder por parte de cada um dos atores sociais em disputa e ao identificar cenários/espaços onde ele é exercido1919 Giovanella L. Planejamento estratégico em saúde: uma discussão da abordagem de Mário Testa. Cad. Saúde Pública. 1990; 6(2):129-153.
Segundo uma perspectiva adicional trazida por Campos2020 Campos GWS. Um método para análise e co-gestão de coletivos. 3. ed. São Paulo: Hucitec; 2007., a gestão em saúde, além dos aspectos administrativos e financeiros de uma organização, deve considerar aspectos políticos, pedagógicos e subjetivos que perpassam o trabalho das equipes, a produção de saúde, a distribuição de poder, a circulação de saberes e objetos de investimento dos profissionais, seus valores e a cultura. Neste sentido, implementar uma nova política de saúde também significa constituir novos sujeitos, a partir ou demandantes de novos arranjos de gestão.
Resultados
O quadro 1, abaixo, foi produzido a partir das Portarias Ministeriais que normatizam a RUE e seus componentes assistenciais, dos registros públicos das instâncias de pactuação e gestão (Comissões Regional e Bipartite e Grupos Condutores da RUE) , dos Planos de Ação Regionais (PAR) da RUE das Regiões estudadas e Relatórios de Avaliação de Implementação2121 Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Rede de Atenção às Urgências e Emergências: Avaliação da Implantação e do Desempenho das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Brasília, DF: Conass, 2015..
Os achados foram organizados segundo as variáveis descritas e pelo âmbito de pactuação e abrangência dos mesmos: nacional, regional (âmbito da Região Metropolitana de São Paulo) e local (referentes à cidade de São Paulo).
O quadro 1 mostra a participação dos atores federativos na entrada da RUE à agenda do SUS. Seja através de anúncios e convocatórias públicas pela Presidência da República e pelo Ministério da Saúde; anúncios de implementação de serviços de urgência/emergência, como Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e Samu, por parte de governantes de estados e municípios; a defesa, pelos Grupos de Trabalho (GT) Bipartites de Regulação Assistencial e pelas Coordenações de Samu Regionais, por maior regulação e integração dos serviços; e a demanda dos dirigentes de hospitais de referência, junto aos gestores, para busca de recursos mediante a adesão à RUE.
Esse envolvimento contribuiu para a incorporação de pleitos regionais ao desenho, como a possibilidade de extensão da RUE para todas as regiões do estado de São Paulo, embora inicialmente restrita às Regiões Metropolitanas. Também levou à singularização de critérios de adesão da RUE, ampliando as possibilidades, contemplando a diversidade regional e a previsão de excepcionalidades aprovadas pela CIR/Comissão Intergestores Bipartite (CIB) locais, valorizando a região de saúde como unidade territorial.
A abordagem de Bennett e Howlett1212 Bennett CJ, Howlett M. The lessons of learning: Reconciling theories of policy learning and policy change. Policy Sci. 1992; 25:275-294, já referida, sobre a escolha dos instrumentos políticos os classifica como financeiros, organizativos, regulatórios e informacionais.
O quadro 1 revela que o instrumento político financeiro assume, desde o início, a região de saúde, e não os municípios ou estados isoladamente, como sua unidade territorial de implementação. Assim, vincula a adesão e o incentivo financeiro aos PAR pactuados no colegiado regional. Mostra, ainda, o surgimento de instrumentos políticos inicialmente não previstos, reforçando a caracterização da implementação como um processo permanente de interação e aprendizado. O fato de atos institucionais dos entes federativos, inicialmente não previstos, serem desenvolvidos ao longo do processo e se tornarem instrumentos políticos da implementação reforça o protagonismo desses atores em todo o processo. Estão nessa categoria os instrumentos políticos regulatórios: como a incorporação da RUE nos planos nacional e municipais de saúde; o Decreto Federal nº 7.508/2011, já referido, que institucionaliza a Região de Saúde; a nova grade de referência hospitalar local, redefinindo a relação entre os complexos reguladores estadual e municipal e entre esses e os pontos de atenção; nova modelagem dos contratos de gestão local com hospitais gerenciados por Organizações Sociais (OS), incorporando indicadores, dispositivos de gestão da clínica e gestão participativa apontados nos normativos da RUE. Como instrumentos políticos organizativos, no nível nacional, aparecem as novas estruturas de gestão federal, como salas de situação e colegiados de gestão da RUE, com a participação da secretaria ministerial responsável pela interlocução federativa e pelo desenvolvimento de apoio institucional regionalizado. No nível regional, a criação de uma matriz interfederativa de monitoramento da implementação da RUE e da rede de apoiadores específicos na secretaria estadual e no Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems). No nível local, a criação dos Fóruns Regionais de Rede, com todos os serviços estaduais, municipais e contratados de cada região intramunicipal da cidade de São Paulo, e a criação, na nova carreira pública e no concurso municipal, de uma categoria médica exclusiva para os pontos da RUE.
O quadro 2 foi elaborado a partir dos registros de posicionamentos dos atores sociais envolvidos no processo, das instâncias nacionais e regionais de controle social do SUS e nos relatórios de avaliação de implementação, revelando aspectos do posicionamento desses atores, caracterizando quatro principais movimentos.
Primeiro, a convocação política pelos entes federativos. Ela se inicia com o Ministério da Saúde, ao transformar uma proposta eleitoral de expansão das UPAs em uma proposta de Rede de Atenção Temática, ao estabelecê-la como pauta prioritária da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), ao destinar recursos orçamentários, ao vincular a adesão à RUE como critério para reajuste de tetos financeiros para a atenção especializada de média e alta complexidade e ao liderar a normatização do processo de adesão. O lançamento público do programa S.O.S. Emergências, em cadeia nacional pela Presidência da República, e as visitas regionais públicas pelo Ministério da Saúde constituíram-se em instrumentos de difusão e mobilização da proposta.
Segundo, a prioridade da RUE na agenda dos gestores estaduais e municipais. No caso específico estudado, houve uma inflexão na postura dos governantes do estado e da cidade de São Paulo, que passaram a considerar as parcerias com o governo federal e fazem, a partir da RUE, seus primeiros pleitos de recursos federais para as UPAs.
Terceiro, representado por um encontro de agendas, nem sempre constante no federalismo brasileiro. Ele combina algumas características: tema de preocupação dos chefes de governo e prioridade dos gestores de saúde; o entendimento de que a implementação da RUE era a principal oferta federal de reequilíbrio dos tetos financeiros da atenção especializada de média e alta complexidade de estados e municípios e, por fim, o apoio federal para potencializar e qualificar os serviços de saúde já existentes.
E o quarto movimento é expresso pelos posicionamentos, debates e aprovações nos espaços estudados do controle social do SUS. Formam uma coalizão de defesa da RUE representantes de gestores e usuários. Nesse contexto, é importante salientar que, no posicionamento de representantes dos trabalhadores, a qualificação dos serviços de urgência e emergência passaria, principalmente, pela expansão da oferta, pela qualificação estrutural das condições e relações de trabalho, com uma crítica frequente aos modelos com OS. Observamos, pelas fontes de registros de instâncias de controle social e relatórios, que o envolvimento dos representantes dos trabalhadores na implementação da RUE varia localmente, sendo maior quanto menor o grau de expansão de OS ou outros modelos privados para a rede de saúde e quanto mais as intervenções de qualificação dos serviços abrem protagonismo aos trabalhadores e às suas questões.
O quadro 3 carateriza os arranjos interfederativos, a partir das variáveis descritas e de sua dimensão de intervenção: gestão de serviços, da rede de atenção ou da política de saúde. Foi sistematizado a partir das portarias e resoluções públicas regionais e locais, dos registros das instân-cias de pactuação e gestão da RUE, dos PAR e dos relatórios de avaliação de implementação2121 Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Rede de Atenção às Urgências e Emergências: Avaliação da Implantação e do Desempenho das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Brasília, DF: Conass, 2015..
Sua análise mostra que a implementação da RUE fortaleceu arranjos federativos regionais prévios e criou novos. Tais arranjos não se restringem à função de pactuação e assumem caracterís-ticas de cogestão interfederativa da política de saúde, da rede ou dos serviços. Destaca-se o Grupo Condutor Tripartite, criado a partir da adesão e que permanece em todas as fases de implementação, sendo o único com composição tripartite.
A RUE, na experiência estudada, garantiu aos CGR/CIR protagonismo e conteúdo concreto com a elaboração dos PAR. Além disso, agregou-se visibilidade ao objeto dos arranjos pré-existentes, estabelecendo, com os novos arranjos, complementariedade para seus próprios objetos. Evidências empíricas disso foram as coordenações regionais do Samu e os Grupos de Regulação das CIR, pré-existentes, que têm seus objetos evidenciados com a RUE e passam a interagir com os Complexos Regionais de Regulação criados. Ou as Fundações e Consórcios, que já viabilizavam a contratação de profissionais para serviços, passam assumir mais serviços, contribuem com a contratação para estruturas de integração ou regulação entre os pontos de atenção e ocupam uma dimensão regional mais ampla, sendo isso mais evidente na região de saúde do ABC, na experiência estudada; ou novos arranjos, como os Fóruns de Redes na cidade de São Paulo, não previstos nas normas da RUE, que envolvem todos os pontos de atenção de uma determinada região intramunicipal de saúde e produzem interação de arranjos pré-existentes com as coordenações do Samu, GT de Regulação e o Grupo Condutor da RUE.
Os dados mostram que a composição dos arranjos é quase exclusivamente bipartite ou intermunicipal, com predomínio de relações horizontais entre os entes, variando, entre as regiões, se o protagonismo maior é do estado ou dos municípios. Não foi possível aprofundar, neste estudo, os motivos dessa variação.
À exceção da CIR, do GT Condutor da RUE e dos Conselhos Gestores de serviços de referência regional, os demais levam a algum ganho de escala administrativa, integrando serviços, contratação e gerenciamento de equipes e estruturas administrativas ou logísticas. Outro aspecto, exceto a CIR, Fundações e Consórcios que são obrigatoriamente criados em Lei e seus membros são diretamente indicados pelos chefes de governo eleitos, e os demais são indicados por níveis não eleitos e frutos de instrumentos infralegais, sendo uma dimensão da robustez institucional dos arranjos.
Além dos arranjos do quadro 3, as normativas da RUE reconheceram os Comitês Gestores de Atenção às Urgências e Emergências, previstos em diretrizes nacionais anteriores já citadas, recomendando a sua criação ou manutenção no território que as aderisse. São instâncias intersetoriais de articulação, com representantes de gestores das políticas de saúde, segurança pública e trânsito, abertas à sociedade civil. Embora esses Comitês tenham sido criados no estado e no município de São Paulo, não há registro de funcionamento após adesão à RUE.
O quadro 4 sistematiza os contenciosos e desafios interfederativos não superados com a implementação da RUE na experiência estudada . Ele foi sistematizado com dados obtidos a partir de posicionamento público dos atores, relatórios de avaliação de implementação e de instâncias de pactuação e gestão da RUE. Os dados estão organizados a partir das esferas federal, estadual e municipal e das três dimensões: gestão de serviços, da rede de atenção e da política de saúde.
Entre os resultados, há características particulares da experiência estudada. Pontuamos a ausência de cofinanciamento estadual, o conflito entre a divisão administrativa estadual e as regiões de saúde, a contenda entre Grupo de Resgate e Atenção a Urgência do estado, Samu e Hospitais de Referência, levando, inclusive, a ação do Ministério Público (MP) e a baixa regulação dos Hospitais Universitários.
Em uma visão geral, os resultados revelam que, na experiência estudada, embora a implementação dos instrumentos políticos financeiros, regulatórios, organizacionais da RUE e o fortalecimento ou a criação dos arranjos regionais tenham tido sucesso, tais recursos e mecanismos de governança foram insuficientes para superar contenciosos e desafios interfederativos. Nos registros obtidos, isso impacta negativamente a implementação da RUE. Possivelmente, impactou os resultados assistenciais, que não foram objeto deste estudo.
Discussão
A RUE se constituiu em uma das ofertas indutoras para as Redes de Atenção à Saúde no SUS. Estas inovaram em diretrizes nacionais de regulação do acesso, de gestão da clínica, de arranjos de governança local, na região de saúde como unidade territorial e no financiamento federal conjunto a múltiplos pontos de atenção de uma determinada região de saúde, integrados em uma rede temática. As Redes Temáticas de Atenção à Saúde caracterizam-se como uma das principais ofertas federais no período estudado2222 Magalhães Junior HM. Redes de atenção à Saúde: rumo à integralidade. Divulg. Saúde Debate. 2014 out; 52:15-37.. Seu período de implementação interagiu com os novos marcos legais das Regiões em Saúde, como o Decreto nº 7.508/201, já citado, e a Lei nº 12.466/2011, que institucionalizou as CIR.
Este estudo revela o protagonismo dos atores federativos na incorporação da RUE na agenda do SUS e que o seu desenho de implementação tem instrumentos políticos organizacionais, financeiros e regulatórios que, ao serem implementados, criam mecanismos de sua integração, incorporam a Região de Saúde como sua unidade territorial, valorizam e criam novos arranjos regionais interfederativos. Entretanto, tais recursos são insuficientes para superar os contenciosos e desafios apontados, compreendendo-os como parte dos conteúdos e processos da governança regional, impactando na consolidação da RUE e da Região de Saúde.
Neste sentido, os dois referenciais teóricos de Testa1818 Testa M. Pensar em Saúde. Porto Alegre: Artes Médicas; 1992. e Campos1414 Campos GWS. Regionalização é o futuro do SUS [internet]. Brasília, DF: Região e Redes; 2014[acesso em 2017 dez 18]. Disponível em: http://www.resbr.net.br/regionalizacao-e-o-futuro-do-sus/.
http://www.resbr.net.br/regionalizacao-e... , já referidos, contribuem para a interpretação dos resultados, sobretudo dos contenciosos e desafios não superados. Essa interpretação reforça a compreensão de que a constituição de uma rede integrada de atenção regional não ocorre apenas a partir da implementação de recursos pelas autoridades do sistema de saúde ou de fluxos de integração gerencial dos seus pontos de atenção. Ela ajuda a problematizar a necessidade da geração de deslocamentos de poder e repactuação dos atores, os quais ocupam papéis e espaços de poder diversos nos pontos de atenção, nas instituições ou estruturas de gestão, que se abrem mais ou menos para a interlocução em rede, para a construção de novos sujeitos e para a redistribuição ou construção de novas relações de poder.
Nessa experiência, trazendo a tipificação do poder em saúde para Testa1818 Testa M. Pensar em Saúde. Porto Alegre: Artes Médicas; 1992., já referida, observamos o Poder Técnico presente nas relações entre profissionais, entre unidades de um mesmo serviço, entre serviços, entre estruturas de gestão e de atenção à saúde, como a baixa regulação dos Hospitais Universitários, entre esferas de governo e entre todos esses e os usuários. O Poder Administrativo, aqui pautado no volume e no modelo de financiamento, na gestão das organizações que compõem a rede, nas normativas e na gestão do trabalho e em contenciosos e desafios apontados: o subfinanciamento federal, o não cofinanciamento estadual, o conflito entre a divisão administrativa estadual e as Redes Regionais de Atenção à Saúde, os instrumentos cooperativos de gestão com sustentabilidade indefinida e a gestão do trabalho com fragilidade nas carreiras e sem mobilidade regional. O poder político, de um lado, pelas relações de poder entre os vários atores, suas instituições políticas e partidárias e estruturas da RUE, gerando a desintegração e a concorrência entre os entes federativos e suas redes de serviços e a instabilidade dos gerentes de ponto de atenção. De outro, pelas diferentes visões de direito a saúde, dos direitos do usuário e interação interprofissional, todas críticas para a urgência. Essa leitura nos leva a considerar que a governança regional e seus arranjos regionais interfederativos serão mais efetivos e sustentáveis se dotados ou se forem, eles próprios, instrumentos políticos que possam gerar tais deslocamentos de poder, o que não correu nesta experiência.
Em artigo já referido, Campos2020 Campos GWS. Um método para análise e co-gestão de coletivos. 3. ed. São Paulo: Hucitec; 2007. fala da construção de um cogoverno na gestão de políticas, organizações, coletivos e equipes no âmbito da saúde que venham a cumprir três funções básicas: a) produção de valores de uso, em especial, para os usuários das políticas; b) alterar as relações de poder; c) um caráter pedagógico e terapêutico ao produzir sujeitos, entendendo-os como os indivíduos e grupos sociais que interagem, negociam, aprendem e se constituem. Para o referido autor, ativar o fortalecimento de sujeitos, ampliando suas capacidades de análise e de intervenção, seria decisivo para alterar tais relações de poder. Essa leitura nos traz a centralidade para que os arranjos constituídos sejam capazes de envolver e articular, nessa ação comunicativa, todos aqueles com exercício variado de poder nos pontos de atenção e espaços de gestão, produzindo novos sujeitos com a implementação da política. Para tal, os arranjos precisariam de mecanismos de permeabilidade à rede de saúde, aos serviços, aos usuários, aos trabalhadores e aos atores externos, característica pouco observada nos registros dos arranjos estudados.
Por isso, os arranjos não devem limitar-se à representação político-hierárquica ou às funções de integração gerencial dos serviços. Devem ter capacidade de estabelecer compromissos temporários ou permanentes com os atores que tenham efeito real sobre o processo de trabalho das equipes nos pontos de atenção e da gestão. O aprendizado aqui observado do Fórum de Redes nas regiões intramunicipais da cidade de São Paulo2323 Feuerwerker LCM, Calife Batista KB, Santos HE. A experiência da Coordenadoria Regional de Saúde Sudeste no município de São Paulo: uma aposta em dispositivos de construção de rede. In: Padilha A, Florencio ASR, Bassicheto KC, et al., organizadores. Inovação e direito à saúde na cidade de São Paulo (2013-2016). Brasília, DF: OPAS; 2017. p. 129-140., com maior ou menor maturidade entre as regiões, traz a constituição de arranjos mais amplos, inclusive, de acordo com os temas tratados, com atores externos aos pontos de atenção. Essa experiência, na prática, trouxe a participação dos pontos de atenção estaduais, que não ocorria pelos fluxos hierárquicos usuais ou pelos arranjos previstos pela RUE. Quanto mais permeável, melhor para os diversos agenciamentos por parte de gerentes, trabalhadores, usuários, instituições de ensino interessadas em participar, forças-tarefas de caráter temporário e comitês específicos para questões temáticas, como foi observado.
Por ser tema de alta repercussão pública junto à sociedade, por exigir repactuação de poder entre atores e instituições e produção de novos sujeitos, a RUE não se consolida sem debate público, sem novas interações entre o agir do governo e os espaços da sociedade onde se constroem as percepções sobre a Saúde e novos sujeitos. Essa é questão importante para a ação dos governos hoje, em uma sociedade que constrói seus valores, consensos, maiorias e hegemonia em uma intensa disputa de posições, diversos modos de interação, em arenas públicas tradicionais e virtuais.
Aqui consideramos que, pelos achados apresentados, apesar de a RUE ter se iniciado com sinais de forte convocação política e pública por gestores das três esferas de governo e sobre um tema de alta repercussão no dia a dia das percepções pela sociedade do que seja o SUS, o seu processo de implementação não manteve essa mesma intensidade de agir comunicativo. Seja com usuários e trabalhadores, seja com setores que constroem opinião sobre o SUS, seja com o conjunto da sociedade. Aos poucos, a implementação da RUE vai se reduzindo àquilo que alerta Labra2424 Labra ME. Análise de Políticas, Modos de Policy-Making e Intermediação de interesses: Uma Revisão. Physis. 1999; 9(2):131-166, que o SUS e seus processos de construção política se transformaram em um conjunto de redes próprias, em uma comunidade política cada vez mais restritiva e especializada.
Há o risco de reproduzir o processo histórico de regionalização do SUS, a existência de um arsenal normativo com pouca densidade de ação política real55 Mendes A, Louvison M. O debate da regionalização em tempos de turbulência no SUS. Saúde Soc. 2015; 24(2):339-402. A manutenção ou expansão do SUS, como ocorre hoje, é contra-hegemônica com relação à agenda que dirige iniciativas dos governos e parlamentos no Brasil e no mundo. A construção das Redes de Atenção e de um cuidado não fragmentado é contra-hegemônica com relação ao SUS existente. Portanto, não será possível constituírem-se compromissos e atitudes capazes de promover mudanças rumo à consolidação de Redes Regionais de Atenção, caso os seus arranjos de implementação não provoquem um debate público de alta intensidade, com atores políticos e sociais, superando a conformação de comunidade política restrita. Novos pactos e arranjos regionais não podem incorrer no equívoco de se tornarem locus exclusivo de certa burocracia, formalmente indicada pelo gestor, mas que pouco interage com os reais processos decisórios da política de saúde. Também não deveriam ficar distantes de outros setores governamentais ou da sociedade, que impactam a realidade da saúde, e nem distantes das arenas públicas, onde se consolidam as percepções da sociedade sobre a saúde.
Exemplo disso, no caso estudado, é a ausência de funcionamento regular do Comitê de Urgência e Emergência, instância intersetorial com a sociedade civil, e a não interação dos arranjos constituídos pela RUE em debates públicos ocorridos que dialogam com o perfil do atendimento na urgência e emergência. Citamos aqui três exemplos relativos ao período estudado: (a) o Decreto do Governo do Estado, que passa ao Samu a responsabilidade de atendimento e remoção de vítimas de homicídios em ocorrências policiais; (b) a discussão na sociedade e os desencontros entre instâncias estaduais e municipais de governo sobre os limites de controle da velocidade nas vias e seus impactos na urgência e emergência; (c) a ausência nas articulações intersetoriais sobre o enfrentamento da violência contra mulher.
Os contenciosos e desafios observados neste estudo reforçam como ainda é frágil a região de saúde como o locus territorial do SUS. O caminho passa por território e região de saúde se consolidarem como o locus da integralidade, com comando único regional, com cogestão entre os municípios, estados e União, não por uma divisão geográfica ou administrativa2525 Santos L, Campos GWS. SUS Brasil: a região de saúde como caminho. Saúde Soc. 2015; 24(2):438-446. Especificamente na RMSP, nas fontes pesquisadas, foram observados: insuficiência da capacidade de coordenação do governo do estado; convivência conflituosa entre as redes municipais e estaduais; disputa de protagonismo entre os governos municipal e estadual; relações heterogêneas das cidades da RMSP, com maior ou menor adesão às ofertas federais e um processo de conurbação, produzindo um fluxo permanente próprio dos usuários na RMSP. A RMSP sequer possui um colegiado regular que reúna as seis RRAS. Trata-se de um exercício complexo, pelas características do federalismo brasileiro. Não é simples fortalecer e integrar aquilo que nunca existiu, aquilo que foi fracionado pelas ofertas federais e pelo esvaziamento e pela omissão estadual, conforme citam Santos e Campos2525 Santos L, Campos GWS. SUS Brasil: a região de saúde como caminho. Saúde Soc. 2015; 24(2):438-446, em artigo já referido, ou por disputa de protagonismo entre municípios.
Para tanto, chamamos a atenção para a estrutura de financiamento das políticas de saúde pelos entes federal e estadual ou para os mecanismos de partilha pelos entes municipais. É necessária a constituição de fundos regionais de saúde e não apenas para cada ente isolado. Pela situação atual da composição tripartite do financiamento do SUS, esse fundo tem que ter, substancialmente, recursos federais com complementação estadual. No caso estudado, principalmente, a insuficiência de novos recursos federais, aportados como incentivos regionais para as Redes, e a ausência de novos recursos estaduais foram limitadores da consolidação da RUE na RMSP e da contratualização com os pontos de atenção incorporados aos respectivos PAR, sobretudo nos componentes de atenção hospitalar e atenção pré-hospitalar fixa ou móvel.
Os registros dos contenciosos e desafios não superados também mostram como é necessário inserir na região de saúde a gestão dos pontos de atenção de referência regional. Os hospitais e serviços de referência regionais precisam ser do conjunto da região, tê-la como objeto de permanente reflexão, independentemente da natureza administrativa ou do ente federativo ao qual é subordinado. Do contrário, correm o risco de ser autorreferenciados, com olhar restrito ao trajeto do usuário dentro de si mesmo, e não na rede regionalizada. Sugerimos que adotem processos regionais de escolha dos seus dirigentes, Conselhos de Gestão com representantes da CIR, dos municípios, das instituições de ensino e pesquisa, de entidades da sociedade de representação regional, não apenas local. Que estejam presentes nas instâncias regionais federativas de pactuação ou gestão de políticas, como observado em algumas CIR que convocam consórcios e serviços de referência regional ou como o Fórum de Redes da Cidade de São Paulo. É necessário reinventar seus arranjos internos na produção do cuidado em saúde, como equipes ou unidades de produção vinculadas a arranjos assistenciais regionais com os demais pontos da rede, ter vínculo com os territórios que encaminham os casos, seus interlocutores, muitas vezes, com redes de voluntários. Deveriam, também, constitutir fóruns regionais de diretrizes terapêuticas e condução de casos, reunindo cuidadores, especialistas e instituições de pesquisa e ensino da região.
Conclusões
O processo de implementação das Redes Temáticas de Atenção à Saúde no contexto do SUS despertou um conjunto de questões a serem estudadas, sendo de grande importância a oportunidade atual de fazê-lo, a partir da nossa realidade. Igualmente, ainda são restritas as experiências sobre como induzir e quais modelos administrativos poderão concretizar a região de saúde como locus prioritário do SUS. O processo recente das iniciativas de construção do Contrato Organizativo de Ação Pública (Coap), a partir do Decreto nº 7.508/2011, e a implementação das Redes de Atenção aprofundaram a necessidade de uma organização política administrativa das regiões de saúde.
Neste debate, é fundamental considerarmos os marcos legais da nossa federação trina e a diversidade de contextos regionais em uma federação assimétrica de um País desigual. Recentemente, Santos e Campos2525 Santos L, Campos GWS. SUS Brasil: a região de saúde como caminho. Saúde Soc. 2015; 24(2):438-446, em artigo já referido, defenderam a constituição de uma nova institucionalidade para gestão regional e, em uma perspectiva administrativo-jurídica, uma autarquia interfederativa de apoio ao Coap, fruto de um desenho regional comum. Outros autores, como Mendes e Louvison55 Mendes A, Louvison M. O debate da regionalização em tempos de turbulência no SUS. Saúde Soc. 2015; 24(2):339-402, em artigo já referido, apontam para os riscos de uma nova institucionalidade regional administrativa vir a ser instrumento de recentralização ou de interesses individuais específicos.
A experiência estudada nos remete a duas necessidades fundamentais, que poderiam compor o caminho para novos arranjos de governança para as regiões de saúde: de um lado, a necessidade de estruturas públicas regionais potentes e estáveis, que tenham a região de saúde como objeto territorial, que promovam deslocamentos de poder, ganhos econômicos em escala, planejamento de longo prazo e profissionais com vínculo regional; do outro, uma governança menos presa a estruturas rígidas e mais em combinações entre instituições públicas diversas e atores não governamentais, associando-se para resolver problemas comuns e produzir sujeitos.
- Suporte financeiro: não houve
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2018
Histórico
- Recebido
28 Fev 2018 - Aceito
16 Ago 2018