Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde brasileira

Traditional and Complementary Medicine in Primary Health Care in Brazil

Charles Dalcanale Tesser Islandia Maria Carvalho de Sousa Marilene Cabral do Nascimento Sobre os autores

RESUMO

Apresenta-se a situação das Práticas Integrativas e Complementares (PIC) na Atenção Primária à Saúde (APS) brasileira, seus problemas e estratégias de enfrentamento. Foram analisados bancos de dados, legislação, normas e relatórios governamentais, confrontados com pesquisas, sobretudo o primeiro inquérito nacional independente sobre PIC. Em 2017 e 2018, 29 modalidades de PIC foram institucionalizadas no Sistema Único de Sáude (SUS). Segundo dados oficiais, elas se expandiram e foram ofertadas por 20% das equipes de APS em 2016, em 56% dos municípios, mas o inquérito encontrou oferta só em 8% deles. Tal discrepância deve-se provavelmente ao registro/divulgação dos dados: um profissional, ao registrar uma vez o exercício de uma PIC, converte seu município em ofertante nas estatísticas governamentais. Quase 80% das PIC ocorrem na APS, sendo mais comuns: práticas corporais, plantas medicinais, acupuntura e homeopatia. Há pouca regulamentação nacional da formação e prática em PIC. A maioria dos praticantes é profissional convencional da APS, por iniciativa própria, desempenhando papel de destaque na (pouca) expansão. A inserção do tema no ensino é incipiente, e há pesquisas na área, porém poucas publicações. Estratégias de institucionalização das PIC na APS envolvem estímulo federal aos municípios, via profissionais competentes, matriciamento, educação permanente e ação governamental para sua inserção na formação profissional.

PALAVRAS-CHAVE:
Terapias complementares; Atenção Primária à Saúde; Desenvolvimento de pessoal

ABSTRACT

We present the situation of Traditional and Complementary Medicine (T&CM) in Brazilian Primary Health Care (PHC), its problems and coping strategies. Databases, legislation, regulations and government reports were analyzed, in particular, the first national survey on T&CM. In 2017-2018, 29 T&CM modalities were institutionalized in the Unified Health System (SUS). According to official data, they expanded and were offered by 20% of the PHC teams in 2016, in 56% of the municipalities, but the survey found offer in only 8% of them. Such discrepancy is probably due to the registration / disclosure of data: a professional, once having recorded the exercise of a T&CM converts his / her municipality into a bidder in government statistics. Almost 80% of T&CM occur in PHC, being more common: body practices, medicinal plants, acupuncture, and homeopathy. There is little national training and practice regulation in T&CM. Most professionals are conventional PHC practitioners, on their own initiative, playing an important role in the (small) expansion. The insertion of the theme in education is incipient and there are researches in the area, but few publications. T&CM institutionalization strategies in PHC involve federal stimulus to municipalities, through competent professionals, matrixing, permanent education in service, and governmental action for their insertion in the professional training.

KEYWORDS:
Complementary therapies; Primary Health Care; Staff development

Introdução

Desde a década de 1970, a Organização Mundial da Saúde tem estimulado que práticas/saberes em saúde tradicionais ou diversos da biomedicina, chamadas Medicinas Tradicionais Complementares e Integrativas (MTCI), sejam consideradas como recursos de cuidado pelos sistemas nacionais de saúde. Em paralelo, com a Declaração de Alma Ata11 Declaração de Alma-Ata. Conferência internacional sobre cuidados primários de saúde. 1978. [acesso em 30 maio 2018]. Disponível em: http://cmdss2011.org/site/wp-content/uploads/2011/07/Declara%C3%A7%C3%A3o-Alma-Ata.pdf.
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, expandiu-se a Atenção Primária à Saúde (APS) como estratégia de organização de sistemas públicos universais de saúde, visando universalizar o cuidado clínico-sanitário às populações. Nos países com APS bem estruturada, esse cuidado é centrado em equipes de profissionais generalistas, cuja referência principal de cuidado clínico é a biomedicina. Evidências mostram que o cuidado baseado em APS (clínica generalista) é de melhor qualidade, gera populações mais saudáveis, tem maior equidade e custo-efetividade que sistemas em que os cuidados são prestados por outros especialistas22 Homa L, Rose J, Hovmand PS, et al. A Participatory Model of the Paradox of Primary Care. Ann Fam Med 2015; 13(5):456-465..

Nas últimas décadas, houve uma crescente revalorização das MTCI, com aumento da demanda, legitimação social e regulamentação institucional delas, inclusive em países de alta renda33 World Health Organization. WHO traditional medicine strategy: 2014-2023. Geneva: WHO; 2013., em que o uso da biomedicina está bem estabelecido e disseminado. Isso é paradoxal, pois o grande desenvolvimento científico e tecnológico e a universalização do acesso à biomedicina em locais com sistemas públicos universais de saúde não geraram um abandono progressivo das MTCI44 Le Fanu J. The rise and fall of modern medicine. London: Carroll & Graf; 2000.. Ao contrário, elas vêm sendo cada vez mais procuradas em contextos nos quais a medicalização permeia a cultura e a identidade das pessoas55 Rose N. Beyond medicalisation. Lancet 2007; 369 (9562):700-702., inclusive em uma época de biomedicalização acentuada66 Clarke AE, Mamo L, Fosket JR, et al. Biomedicalization: technoscience, health, and illness in the U.S. Durhan: Duke University Press; 2010.. No Sistema Único de Saúde (SUS), as MTCI são chamadas Práticas Integrativas e Complementares (PIC), termo usado doravante neste artigo.

A influência do crescimento e revalorização das PIC tem impactado os profissionais de saúde. Ao se considerar os médicos, incluindo os da APS, encontra-se na Suiça que 46% deles têm alguma formação em PIC33 World Health Organization. WHO traditional medicine strategy: 2014-2023. Geneva: WHO; 2013.; no Canadá, 57% das terapias com ervas, 31% dos tratamentos quiropráticos e 24% dos tratamentos de acupuntura são realizados por médicos77 Organização Mundial de Saúde. Medicina tradicional. informe de La secretaria [internet]. In: 56ª Asamblea mundial de la salud, punto 14.10 del orden del día provisional. 2003 Mar 31. [acesso em 30 maio 2018]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/handle/10665/80004.
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; na Inglaterra, 50% dos médicos generalistas do National Health Service (NHS) usam ou indicam alguma PIC88 BMJ. Half of general practices offer patients complementary medicine. BMJ [internet]. 2003; 327 (7426):1250-f. [acesso em 30 maio 2018]. Disponível em: http://bmj.bmjjournals.com/cgi/content/full/327/7426/1250-f?eaf.
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; 32% dos médicos da França e 20% dos da Alemanha usam PIC99 Levin JS, Jonas WB, editores. Tratado de medicina complementar e alternativa. São Paulo: Manole; 2001.; na Holanda, 50% dos médicos generalistas prescrevem plantas medicinais, fazem terapias manuais e/ou acupuntura77 Organização Mundial de Saúde. Medicina tradicional. informe de La secretaria [internet]. In: 56ª Asamblea mundial de la salud, punto 14.10 del orden del día provisional. 2003 Mar 31. [acesso em 30 maio 2018]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/handle/10665/80004.
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e 45% deles consideram os medicamentos homeopáticos eficazes99 Levin JS, Jonas WB, editores. Tratado de medicina complementar e alternativa. São Paulo: Manole; 2001..

Houve também um aumento crescente no volume de pesquisas científicas sobre várias PIC e sua institucionalização33 World Health Organization. WHO traditional medicine strategy: 2014-2023. Geneva: WHO; 2013.. Parte do uso dessas terapias ocorre de forma autônoma, antes, depois ou em paralelo ao cuidado biomédico, em contexto de pluralismo de cuidados à saúde1010 Helman CG. Cultura Saúde e Doença. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.. Esse boom científico e institucional foi induzido pela procura maciça dessas práticas pelas populações1111 Eisenberg DM, Davis RB, Ettner SL, et al. Trends in alternative medicine use in the United States, 1990-1997: results of a follow-up national survey. JAMA 1998; 280(18):1569-1575., compreensível por várias razões: fácil acesso e eficácia relativa (em locais de baixa renda); insatisfações com a biomedicina (abordagem impessoal, invasiva e iatrogênica); valorização de virtudes atribuídas às PIC (estímulo à participação no cuidado, melhor experiência e relacionamento terapeuta-usuário)1212 Tesser CD. Práticas complementares, racionalidades médicas e promoção da saúde: contribuições poucos exploradas. Cad Saúde Pública 2009; 25(8):1732-1742.,1313 Andrade JT. Medicinas alternativas e complementares: experiência, corporeidade e transformação. Salvador: EdUFBA; EdUECE; 2006. e movimentos culturais fomentadores da revalorização das PIC1414 Telesi Junior E. Práticas integrativas e complementares em saúde, uma nova eficácia para o SUS. Estud. av. 2016; 30(86):99-112.

15 Souza EFAA, Luz MT. Bases socioculturais das práticas terapêuticas alternativas. Hist. cienc. saude-Manguinhos. 2009; 16(2):393-405.
-1616 Nascimento MC, Barros NF, Nogueira MI, et al. A categoria racionalidade médica e uma nova epistemologia em saúde. Ciênc Saúde Colet. 2013; 18(12):3595-3604..

Embora o uso das PIC seja comum em doenças crônicas e em situações graves, como medicina paliativa e oncologia1717 Siegel P, Barros NF. O que é a Oncologia Integrativa? Cad. saúde colet. 2013; 21(3):348-354., há consenso sobre seu lócus mais importante nos sistemas de saúde ser a APS33 World Health Organization. WHO traditional medicine strategy: 2014-2023. Geneva: WHO; 2013.,1818 Mcwhinney IR. Manual de medicina de família e comunidade. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2010.,1919 Tesser CD, Sousa IMC. Atenção primária, atenção psicossocial, práticas integrativas e complementares e suas afinidades aletivas. Saúde Soc. 2012; 21(2):336-350.. Isso se deve: a) ao seu estímulo ao potencial de autocura99 Levin JS, Jonas WB, editores. Tratado de medicina complementar e alternativa. São Paulo: Manole; 2001., mais efetivo quando utilizadas em situações iniciais menos graves, típicas da APS; b) à sua ampla aceitação pelas populações; c) à maior participação dos doentes no cuidado1313 Andrade JT. Medicinas alternativas e complementares: experiência, corporeidade e transformação. Salvador: EdUFBA; EdUECE; 2006., com melhor compartilhamento simbólico devido à proximidade das cosmologias de várias PIC com a visão de mundo dos usuários2020 Astin JA. Why patients use alternative medicine: results of a national study. JAMA 1998; 279(19):1548-53.; d) à fuga da iatrogenia, frequente nos adoecimentos crônicos, cada vez mais prevalentes; e) à sua contribuição para a capacidade interpretativa e terapêutica de sintomas não explicáveis pela nosologia biomédica, estimados em 15-30% das novas consultas na APS2121 The Joint Commissioning Panel for Mental Health. Guidance for commissioners of services for people with medically unexplained symptoms [internet]. 2017. [acesso em 2018 maio 30]. Disponível em: https://www.jcpmh.info/wp-content/uploads/jcpmh-mus-guide.pdf.
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.

Partindo da premissa de que a APS brasileira deve incorporar as PIC na oferta de serviços de saúde à população, o objetivo deste artigo é apresentar uma breve análise da situação atual dessas práticas no SUS com foco na APS, os principais problemas envolvidos na sua inserção na APS e estratégias para a sua superação. Esses objetivos atravessam três temas relevantes para a inserção das PIC na APS: presença institucional na APS, pesquisa sobre PIC e formação/capacitação de profissionais em PIC.

Métodos

Trata-se de um estudo analítico de base bibliográfica e documental, a partir de bancos de dados oficiais, de pesquisa e literatura científica. Foram coletadas informações em bancos de dados de saúde do governo brasileiro, newsletters e relatórios do Ministério da Saúde (MS) sobre PIC. O Tabnet Datasus2222 Brasil. TabnetDasus [internet]. [acesso em 2018 abr 10]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0202.
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é um banco de dados federal em que foi analisada a informação registrada sobre PIC de 2008 a 2017. Outra fonte oficial foi o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), com grande abrangência no País2323 Brasil. Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade-2 Ciclo [internet]. [acesso em 2018 maio 8]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_pmaq.php?conteudo=2_ciclo.
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. Esses dados foram confrontados com resultados do primeiro inquérito telefônico nacional independente dirigido, em 2015, aos gestores municipais do SUS2424 Sousa IMC, Bezerra AFB, Guimarães MBL, et al. Relatório de Pesquisa do CNPq- Avaliação dos Serviços em Práticas Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviços de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesa/práticas corporais para doenças crônicas em estudos de caso no Nordeste. 2016. [acesso em 30 maio 2018]. Disponível em: http://cnpq.br/relatorios-de-pesquisa?p_p_id=relatoriopesquisabuscaportlet_WAR_relatoriopesquisabuscaportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-2&p_p_col_pos=1&p_p_col_count=2&modoBusca=textual.
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. Informações e dados de pesquisas relevantes sobre as PIC no SUS foram utilizados na medida em que permitiram uma visão panorâmica de sua inserção na APS brasileira, dos problemas e estratégias respectivas. A análise se deu a partir de três categorias analíticas: a) presença institucional e expansão das PIC na APS, b) formação em PIC e APS e c) pesquisa em PIC no Brasil e na APS. Os resultados e discussões estão distribuídos e apresentados seguindo essas categorias.

Presença institucional e expansão das PIC na APS

Embora, desde a década de 1980, haja registro de experiências no SUS com PIC, estas ganharam visibilidade e crescimento após a promulgação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)2525 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Brasília, DF: MS; 2006. (Série B. Textos Básicos de Saúde)., que oficializou no SUS cinco PIC: homeopatia, acupuntura/medicina tradicional chinesa, medicina antroposófica, plantas medicinais e águas termais/minerais. Em 2017, houve ampliação para 19 modalidades: arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa e yoga2626 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Ampliação da PNPIC [internet]. 2017 [acesso em 2017 dez 3]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/informe_pics_maio2017.pdf.
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. Em 2018, mais dez foram incluídas: apiterapia, aromaterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, ozonioterapia e terapia floral2727 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 702, de 21 de março de 2018. Altera a Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para incluir novas práticas na Política Nacional. Diário Oficial da União. 22 mar 2018.

Não houve, com a PNPIC, investimento financeiro adicional para as PIC pela União, sendo uma das poucas políticas nacionais da área da saúde aprovada sem orçamento próprio ou indutivo, para além do que havia antes de 2006. A ampliação da lista de PIC ocorreu em contexto político adverso, sem discussão pública sobre a pertinência e o potencial de efetividade das PIC incorporadas. Envolveu muitas formas de cuidado, algumas pouco conhecidas, gerando necessidade de estudos e suscitando reações contrárias e a favor em diferentes associações corporativas. Na saúde coletiva, desconhecemos análises sobre limites e possibilidades desse novo cenário que se conforma na APS brasileira.

A PNPIC priorizou a inserção das PIC na APS, pois os profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF) são os seus maiores promotores no SUS. Segundo o último informe do MS2626 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Ampliação da PNPIC [internet]. 2017 [acesso em 2017 dez 3]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/informe_pics_maio2017.pdf.
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, a oferta de PIC, em 2016, existia em 9.470 estabelecimentos de saúde distribuídos em 56% (3.097) dos municípios brasileiros; e na APS, em 54% deles. Estava concentrada nas capitais, principalmente nas regiões Sul e Nordeste. O maior número destes estabelecimentos era público e de administração municipal (APS). Um mesmo estabelecimento de saúde pode ofertar mais de uma modalidade de PIC, homeopatia e acupuntura, por exemplo, registradas pelo MS como serviços de PIC. Em 2017 (jan. a set.), foi observada a oferta de 8.575 serviços (tabela 1).

Aproximadamente 78% dessa oferta está na APS, sobretudo na ESF, principal modalidade de organização da APS brasileira, e nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), considerados pertencentes à APS. Das equipes de Nasf visitadas no segundo ciclo do PMAQ-AB, mais de 20% as praticavam2323 Brasil. Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade-2 Ciclo [internet]. [acesso em 2018 maio 8]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_pmaq.php?conteudo=2_ciclo.
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. Apenas 16,7% da oferta de PIC no SUS está na média complexidade (clínicas especializadas e policlínicas); e 3,4%, no cuidado hospitalar e de alta complexidade (tabela 1).

Tabela 1
Oferta de serviços de PIC por tipo de estabelecimento. Número, percentual e distribuição dos serviços por 100.000 habitantes. Brasil, jan. a set. 2017

Na ESF, durante o ano de 2016, foram contabilizadas 2.427.919 ações em PIC, o que corresponde, respectivamente, a 2.203.661 atividades individuais (1,069 por 100 mil habitantes) e a 224.258 atividades coletivas (fitoterapia e práticas corporais e mentais). Nos atendimentos individuais, após os 15 anos de idade, o atendimento ao sexo feminino é mais de duas vezes maior que ao masculino2626 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Ampliação da PNPIC [internet]. 2017 [acesso em 2017 dez 3]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/informe_pics_maio2017.pdf.
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. A tabela 1 e os relatórios ministeriais mostram que há insuficiência na oferta de PIC, no que se refere a atividades e ao número de serviços, que são irrisórios para a dimensão do SUS e do Brasil.

Os dados oficiais apontam um crescimento das PIC na APS na última década2222 Brasil. TabnetDasus [internet]. [acesso em 2018 abr 10]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0202.
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,2323 Brasil. Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade-2 Ciclo [internet]. [acesso em 2018 maio 8]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_pmaq.php?conteudo=2_ciclo.
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,2626 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Ampliação da PNPIC [internet]. 2017 [acesso em 2017 dez 3]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/informe_pics_maio2017.pdf.
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. Todavia, quando esses dados são comparados com os de um inquérito telefônico nacional dirigido aos gestores municipais de saúde2424 Sousa IMC, Bezerra AFB, Guimarães MBL, et al. Relatório de Pesquisa do CNPq- Avaliação dos Serviços em Práticas Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviços de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesa/práticas corporais para doenças crônicas em estudos de caso no Nordeste. 2016. [acesso em 30 maio 2018]. Disponível em: http://cnpq.br/relatorios-de-pesquisa?p_p_id=relatoriopesquisabuscaportlet_WAR_relatoriopesquisabuscaportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-2&p_p_col_pos=1&p_p_col_count=2&modoBusca=textual.
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, que contatou 95% dos municípios do País e obteve respostas de 1.617, aparecem discrepâncias. O inquérito identificou apenas 432 municípios com oferta de alguma PIC nos serviços públicos entre 2015 e 2016, perante os 3.097 dos dados oficiais. Se cotejarmos os dados do inquérito com os do PMAQ-AB, aparecem apenas 347 municípios com oferta na APS. Essa grande disparidade merece elucidação. Talvez ela se deva ao fato de grande parte da oferta de PIC no SUS ser realizada por profissionais da ESF individualmente nos seus serviços, sem apoio ou ciência dos gestores; e, consequentemente, sem institucionalização significativa da oferta. Quanto à maior concentração da oferta na APS, houve convergência entre os dados do MS e os do inquérito, segundo os quais 71% dos municípios que ofertam PIC o fazem na ESF.

Vale salientar que os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)2222 Brasil. TabnetDasus [internet]. [acesso em 2018 abr 10]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0202.
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e do MS apresentam variações quanto à distribuição e à oferta de PIC. Eles dependem do momento da coleta dos dados, o que demonstra frágil institucionalização. Como, provavelmente, grande parte da oferta é realizada por profissionais da ESF, se eles saem do estabelecimento, a oferta tende a ser extinta, e nem sempre o CNES é atualizado.

Segundo o inquérito nacional2424 Sousa IMC, Bezerra AFB, Guimarães MBL, et al. Relatório de Pesquisa do CNPq- Avaliação dos Serviços em Práticas Integrativas e Complementares no SUS em todo o Brasil e a efetividade dos serviços de plantas medicinais e Medicina Tradicional Chinesa/práticas corporais para doenças crônicas em estudos de caso no Nordeste. 2016. [acesso em 30 maio 2018]. Disponível em: http://cnpq.br/relatorios-de-pesquisa?p_p_id=relatoriopesquisabuscaportlet_WAR_relatoriopesquisabuscaportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-2&p_p_col_pos=1&p_p_col_count=2&modoBusca=textual.
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, as PIC ofertadas com maior frequência são plantas medicinais e fitoterapia (30% dos municípios que ofertam PIC), acupuntura (16%) e auriculoterapia (11%), distintamente nas regiões do País. Nos dados oficiais do MS2222 Brasil. TabnetDasus [internet]. [acesso em 2018 abr 10]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0202.
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, as PIC mais frequentes são as práticas corporais (53%) e a acupuntura (20%), enquanto a fitoterapia aparece em apenas 6%. Uma ausência importante na literatura, nos relatórios e normativas oficiais são as PIC relativas às terapias tradicionais indígenas e afro-brasileiras, até agora não contempladas na PNPIC, sobre as quais não dispomos de dados registrados para além de estudos antropológicos.

Pouco se sabe sobre o perfil dos profissionais que praticam as PIC. Os dados disponíveis são insuficientes, pois a maioria delas pode ser realizada por profissionais da ESF, sem registro específico ou vínculo formal em PIC. Os profissionais com registro específico em PIC no CNES são poucos (4.104), com predominância de acupunturistas (médicos, 8,4%, e fisioterapeutas, 19%) e homeopatas (médicos, 31,8%)2828 Brasil. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). [acesso em 2017 nov 27]. Disponível em: http://datasus.saude.gov.br/sistemas-e-aplicativos/cadastros-nacionais/cnes.
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. A comparação com um estudo de 20112929 Sousa IMC, Bodstein RCA, Tesser CD, et al. Práticas integrativas e complementares: oferta e produção de atendimentos no SUS e em municípios selecionados. Cad Saúde Pública. 2012; 28(11):2143-2154. mostra que há poucas alterações nesses números, o que reforça a hipótese de que são os profissionais da ESF, sem registro específico em PIC, os protagonistas da sua oferta e ampliação na APS.

Cada vez que um profissional pratica uma PIC e registra seu uso no sistema de informações, o respectivo município aparece nos dados oficiais como ofertando PIC naquele ano. Pode-se considerar uma falácia relativa considerar a prática de um profissional, talvez ocasional, como oferta rotineira do município. A tabela 2 mostra o perfil da oferta pelas equipes de APS no Brasil, nos anos de 2016 e 2017, avaliadas pelo PMAQ-AB. Note-se que uma mesma equipe pode oferecer mais de uma PIC; e, com isso, o número de equipes apresentado fica superestimado.

Tabela 2
Número de equipes da APS com oferta em PIC em 2016, segundo dados do PMAQ-AB

Uma sistematização recente3030 Sousa IMC, Tesser CD. Medicina tradicional e complementar no Brasil: inserção no Sistema Único de Saúde e integração com a atenção primária. Cad Saúde Pública 2017; 33(1):e00150215, 2017. de estudos em cinco grandes municípios identificou quatro tipos básicos de inserção das PIC no SUS e na APS, geralmente associados entre si e com variações. O primeiro é a prática de PIC pelos profissionais convencionais da APS, sobretudo nas equipes de saúde da família. Nesse caso, a integração das PIC com o cuidado biomédico é ampla. O perfil da demanda e o acesso às PIC tendem a ser os mesmos da APS. Tais profissionais têm formação prévia em PIC ou foram capacitados em serviço. O acesso às PIC nessa modalidade é restrito ao local onde tais profissionais atuam.

O segundo tipo de inserção ocorre quando profissionais lotados na APS se dedicam exclusivamente à prática de uma PIC. A integração com a APS é menor, o acesso é direto e/ou referenciado e o perfil da demanda tende a ser mediado pela referência de profissionais biomédicos. Esse tipo exige o acréscimo de profissionais especializados em PIC às equipes de APS, o que coloca limites à sua expansão, consideradas as restrições na composição e financiamento das equipes da ESF e seu subdimensionamento atual.

O terceiro tipo ocorre quando profissionais matriciadores na APS praticam PIC, atendendo usuários referenciados individualmente e ou realizando atividades coletivas (estas muitas vezes de acesso direto). Além de atender usuários referenciados, eles podem colaborar na educação em serviço de seus colegas generalistas em PIC.

Por último, o quarto tipo de inserção ocorre quando uma ou mais PIC estão em ambulatórios especializados (biomédicos ou só de PIC, estes existentes em poucas cidades3131 Lima KMSV, Silva KL, Tesser CD. Práticas integrativas e complementares e relação com promoção da saúde: experiência de um serviço municipal de saúde. Interface (Botucatu) 2014; 18(49):261-272.) e hospitalares, para os quais os usuários são referenciados. Os ambulatórios de especialidades com homeopatas e acupunturistas exemplificam esse tipo. Todavia, seu isolamento habitual da APS e a tendência de superlotação3131 Lima KMSV, Silva KL, Tesser CD. Práticas integrativas e complementares e relação com promoção da saúde: experiência de um serviço municipal de saúde. Interface (Botucatu) 2014; 18(49):261-272. contraindicam este modo de inserção como via de expansão das PIC no SUS. Embora o exercício especializado delas seja necessário, ele deve ocorrer associado com matriciamento, para socialização desses saberes/práticas e negociação das referências e contrarreferências.

Os resultados disponíveis de pesquisas sobre PIC na APS brasileira investigando a percepção de profissionais e usuários convergem para uma satisfação bilateral com o uso e a efetividade das PIC3232 Tesser CD. Pesquisa e institucionalização das práticas integrativas e complementares e racionalidades médicas na Saúde Coletiva e no SUS: uma reflexão. In: Luz, MT, Barros, NF, organizadores. Racionalidades médicas e práticas integrativas em saúde: estudos teóricos e empíricos. Rio de Janeiro: Uerj; 2012. p.251-283.

33 Faqueti A, Tesser CD. Utilização de Medicinas Alternativas e Complementares na atenção primária à saúde de Florianópolis/SC: percepção de usuários. Cien. Saude Colet. [internet]. 2016 ago. [acesso em 2018 fev 7]. Disponível em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/utilizacao-de-medicinas-alternativas-e-complementares-na-atencao-primaria-a-saude-de-florianopolissc-percepcao-de-usuarios/15829.
http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/...

34 Sousa IMC, Vieira ALS. Serviços Públicos de saúde e medicina alternativa. Ciênc Saúde Colet. 2005; 10 (supl. 1):255-266.

35 Nagai SC, Queiroz MS. Medicina Complementar e Alternativa na Rede Básica de Serviços de Saúde de Campinas: uma aproximação qualitativa. Ciênc Saúde Colet. 2011; 16(3):1793-1800.

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37 Santanna C, Hennington ÉA, Junges JR. Prática médica homeopática e a integralidade. Interface (Botucatu) 2008; 12(25):233-246.
-3838 Silva ER, Tesser CD. Experiência de pacientes com acupuntura no SUS e (des)medicalização social. Cad. Saúde Pública. 2013; 29(11):2186-2196.. Quando pesquisas investigam o conjunto dos profissionais da APS, os resultados mostram que a grande maioria não é praticante de PIC, as desconhecem relativamente e mostra interesse em aprender sobre elas3939 Thiago SCS, Tesser CD. Terapias complementares na percepção de médicos/enfermeiros da Saúde da Família de Florianópolis. Rev. Saúde Pública. 2011; 45(2):249-257.,4040 Rosa C, Camara SG, Beria JU. Representações e intenção de uso da fitoterapia na atenção básica à saúde. Rio de Janeiro. Ciênc Saúde Colet. 2001; 16(1);311-318..

Uma estratégia adequada à situação da APS brasileira para a expansão das PIC é a associação do primeiro com o terceiro tipo de inserção descritos acima3030 Sousa IMC, Tesser CD. Medicina tradicional e complementar no Brasil: inserção no Sistema Único de Saúde e integração com a atenção primária. Cad Saúde Pública 2017; 33(1):e00150215, 2017., que apenas não contempla os hospitais (estes têm uma dinâmica própria e vêm, aos poucos, valorizando as PIC, sobre o que pouco sabemos além do acima mencionado). Nessa associação, a inserção das PIC é via profissionais da ESF e dos Nasf ou outros serviços que pratiquem e matriciem em PIC, inserindo essas práticas no cotidiano do cuidado na APS.

Dada a situação de relativa desregulamentação ou pouca legitimação científico-profissional-institucional de várias delas, podemos considerar que elas vêm sendo testadas na APS, sob alguma longitudinalidade e sob o olhar dos profissionais da ESF, cuja proximidade dos usuários e competência biomédica funcionam como uma espécie de proteção contra possíveis efeitos adversos do uso das PIC (embora sejam considerados geralmente menores e menos frequentes que os dos tratamentos convencionais). A estratégia de inserção indicada implica investir na educação permanente em PIC e na sua incorporação à formação dos profissionais (graduação e pós-graduação), ambas hoje relativamente raras no Brasil.

Formação em PIC e APS

A formação em PIC no Brasil é insuficiente e difusa, com limitações na oferta e na qualidade. Ela está concentrada em instituições de ensino privadas, principalmente em cursos de pós-graduação lato sensu. De modo geral, tende a reproduzir modelos de formação - com impacto na produção de cuidado - adequados à realidade da prática privada, que não atendem às necessidades da APS ou do SUS. Essa situação é reconhecida como um dos maiores desafios para a ampliação das PIC no SUS1212 Tesser CD. Práticas complementares, racionalidades médicas e promoção da saúde: contribuições poucos exploradas. Cad Saúde Pública 2009; 25(8):1732-1742.,4141 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. Relatório de Gestão 2006-2010. Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Ministério da Saúde. Brasília, DF; 2011.

42 Barros NF, Siegel P, Otani MAP, organizadores. O ensino das práticas integrativas e complementares: experiências e percepções. São Paulo: Hucitec; 2011.

43 Azevedo E, Pelicioni MCF. Práticas integrativas e complementares de desafios para a educação. Trab. educ. saúde (online) 2012; 9(3):361-378.
-4444 Teixeira MZ. Panorama mundial da educação médica em terapêuticas não convencionais (homeopatia e acupuntura). Rev Homeopatia, São Paulo, 2017; 80(1/2):18-39..

Quanto à formação em serviço, o MS oferta cinco cursos a distância sobre PIC em ambiente virtual de aprendizagem do SUS, a maioria de caráter introdutório, o que tem representado um estímulo aos profissionais da rede pública de saúde interessados no tema2626 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Ampliação da PNPIC [internet]. 2017 [acesso em 2017 dez 3]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/informe_pics_maio2017.pdf.
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. Além desses, um curso semipresencial de auriculoterapia de 80 horas, financiado pelo MS, com polos regionais em 21 estados brasileiros, capacitou, em 2016 e 2017, mais de 4 mil profissionais4545 Botelho LJ. Formação em Auriculoterapia para profissionais de saúde da Atenção Básica. Relatório Final. Florianópolis: UFSC, 2017.. Houve também uma formação presencial para número semelhante de profissionais da ESF de todas as regiões do País em Terapia Comunitária e Integrativa. A terapia comunitária é uma técnica de condução de grupos criada no Brasil, voltada para a partilha de experiências, sofrimentos psíquicos e autoajuda comunitária4646 Barreto AP, Barreto MCR, Barreto DOICHC, et al. A inserção da Terapia Comunitária e Integrativa na Estratégia de Saúde da Família. Fortaleza, 2011. [acesso em 2018 out 14]. Disponível em: https://www.academia.edu/22384738/BARRETO_A._de_P._BARRETO_M._C._R._GOMES_D._O._BARRETO_I._C._de_H._C._ABDALA-COSTA_M._P._-_TERAPIA_COMUNIT%C3%81RIA_INTEGRATIVA_NA_ESF_SUS.
https://www.academia.edu/22384738/BARRET...
.

Algumas secretarias municipais de saúde ofertam ações de educação permanente a seus profissionais e/ou cursos de especialização em uma ou mais PIC, especificamente voltados para a APS. A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo oferta educação continuada em homeopatia para médicos da rede municipal e da ESF; criou uma residência multiprofissional em PIC, pioneira no País; oferece cursos de aprimoramento médico em prescrição de fitoterápicos, entre outros4747 Prefeitura de São Paulo. Secretarias. Saúde. Atenção Básica. Medicinas Tradicionais. [acesso em 2018 jan 26]. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/atencao_basica/medicinas_tradicionais/index.php?p=20392.
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/s...
. A prefeitura de Florianópolis vem, desde 2010, oferecendo cursos teórico-práticos introdutórios de algumas PIC aos profissionais da ESF4848 Santos MC, Tesser CD. Um método para a implantação e promoção de acesso às Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde. Ciênc Saúde Colet. 2012; 17(11):3011-3024., incluindo um curso de acupuntura para médicos da APS4949 Moré AOO, Tesser CD, Min LS. Integrating acupuncture into primary health care: the experience of an educational model implemented within the Brazilian Unified Health System in Florianópolis. Acupunct Med. 2016; 34(6):476-481..

Tais iniciativas não foram extensivamente mapeadas e investigadas, ocorrem majoritariamente em cidades de maior porte, mas podem ter um papel relevante diante da ignorância significativa e do interesse dos profissionais em atividade na APS com relação às PIC3939 Thiago SCS, Tesser CD. Terapias complementares na percepção de médicos/enfermeiros da Saúde da Família de Florianópolis. Rev. Saúde Pública. 2011; 45(2):249-257.,5050 Gontijo MBA, Nunes MF. Práticas integrativas e complementares: conhecimento e credibilidade de profissionais do serviço público de saúde. Rev. bras. educ. med. 2017; 15(1):301-320.. Tanto virtuais (cursos a distância) quanto presenciais e semipresenciais, ações de educação permanente e continuada em PIC têm um papel ainda desconhecido na sua expansão e institucionalização na APS. Essa é uma estratégia promissora timidamente iniciada que merece maior atenção e exploração, cabendo indução financeira federal para que mais municípios o façam.

Quanto à inserção das PIC na formação universitária em saúde, no Brasil, ela se mostra inicial e modesta, distante da experiência de outros países. Estudo de Azevedo e Pelicione, de 2011, permitiu estimar que menos de 10% dos cursos de medicina oferecidos no País incluíam em seus currículos conteúdos de PICS4343 Azevedo E, Pelicioni MCF. Práticas integrativas e complementares de desafios para a educação. Trab. educ. saúde (online) 2012; 9(3):361-378.. No cenário internacional, esses conteúdos estavam presentes em mais de 80% das escolas médicas canadenses em 1988, sendo acupuntura e homeopatia os mais ofertados; em cerca de 40% das escolas médicas da União Europeia em 1999; e em 64% das 117 escolas médicas norte-americanas pesquisadas em 19984444 Teixeira MZ. Panorama mundial da educação médica em terapêuticas não convencionais (homeopatia e acupuntura). Rev Homeopatia, São Paulo, 2017; 80(1/2):18-39.. Estudos sobre iniciativas brasileiras de ensino mostram interesse dos alunos no aprendizado5151 Oliveira IF, Peluso BHB, Freitas FAC, et al. Homeopatia na graduação médica: trajetória da Universidade Federal Fluminense. Rev. bras. educ. med. 2017; 41(2):240-250.

52 Christensen MC, Barros NF. Medicinas alternativas e complementares no ensino médico: revisão sistemática. Rev. bras. educ. med. 2010; 34(1):97-105.
-5353 Feitosa MHA, Soares LL, Borges GA, et al. Inserção do conteúdo fitoterapia em cursos da área de saúde. Rev. bras. educ. med. 2016; 40(2):197-203..

Nas universidades públicas brasileiras, o ensino de PIC está sendo introduzido gradativamente nos cursos de graduação da área da saúde e, em menor número, nos de especialização. Estudo no Rio de Janeiro5454 Nascimento MC, Romano VF, Chazan ACS, et al. Formação em práticas integrativas e complementares em saúde: desafios para as universidades públicas. Trab. educ. saúde. 2018; 16(2):751-772., em 2014, identificou 46 disciplinas abordando PIC em cursos de saúde de seis instituições públicas de ensino superior, a maioria na graduação, cinco projetos de extensão, três cursos de especialização (dois em homeopatia e um em acupuntura) e duas ligas acadêmicas. As disciplinas estavam distribuídas em quase todas as subáreas da saúde, estando mais concentradas em cursos de medicina, farmácia e enfermagem. As PIC mais frequentes foram homeopatia, meditação e práticas corporais. O perfil das disciplinas era predominantemente opcional e informativo, com conteúdo voltado mais para as diferenças paradigmáticas do que para a integração das PIC no cuidado. Apesar de ser relevante o reconhecimento e a compreensão dessas diferenças, a ênfase excessiva nelas pode dificultar uma integração entre distintos saberes e práticas, na perspectiva da integralidade do cuidado. Disciplinas optativas sobre PIC existem em várias universidades brasileiras4242 Barros NF, Siegel P, Otani MAP, organizadores. O ensino das práticas integrativas e complementares: experiências e percepções. São Paulo: Hucitec; 2011.

43 Azevedo E, Pelicioni MCF. Práticas integrativas e complementares de desafios para a educação. Trab. educ. saúde (online) 2012; 9(3):361-378.
-4444 Teixeira MZ. Panorama mundial da educação médica em terapêuticas não convencionais (homeopatia e acupuntura). Rev Homeopatia, São Paulo, 2017; 80(1/2):18-39.,5151 Oliveira IF, Peluso BHB, Freitas FAC, et al. Homeopatia na graduação médica: trajetória da Universidade Federal Fluminense. Rev. bras. educ. med. 2017; 41(2):240-250.

52 Christensen MC, Barros NF. Medicinas alternativas e complementares no ensino médico: revisão sistemática. Rev. bras. educ. med. 2010; 34(1):97-105.
-5353 Feitosa MHA, Soares LL, Borges GA, et al. Inserção do conteúdo fitoterapia em cursos da área de saúde. Rev. bras. educ. med. 2016; 40(2):197-203., mas parece haver resistência ou pouca evolução para sua incorporação pelos currículos formais, o que também dificulta a investigação acadêmica acerca do tema.

Para uma integração mais efetiva dessas práticas no cotidiano da APS, faz-se necessário que o ensino das PIC seja ofertado a um maior número de estudantes nos diversos cursos de saúde, ao longo de sua formação profissional, desde a graduação até a pós-graduação, com possibilidade de qualificação prática para aqueles que manifestem esse interesse. Essa é uma estratégia que demanda ações macropolíticas educacionais, dado o atraso do processo da incorporação desses conteúdos nas universidades e cursos na área da saúde no Brasil. Nesse sentido, cabe indução e ação dos Ministérios da Saúde e da Educação para a inserção oficial do tema das PIC, como conteúdo obrigatório nos cursos de graduação da área da saúde, sobretudo nos cursos cujos estudantes estarão envolvidos diretamente na assistência aos usuários, especialmente na APS; e estímulo à criação de cursos de pós-graduação nessa área, associados à pesquisa.

As ações de educação permanente nos serviços de saúde potencializam a formação específica em PIC, mas não a substituem. A integração de diferentes paradigmas e práticas de cuidado na formação profissional em saúde pode contribuir para melhorar o relacionamento com usuários, ampliar a integralidade do cuidado e tornar o trabalho em saúde mais resolutivo5151 Oliveira IF, Peluso BHB, Freitas FAC, et al. Homeopatia na graduação médica: trajetória da Universidade Federal Fluminense. Rev. bras. educ. med. 2017; 41(2):240-250.,5454 Nascimento MC, Romano VF, Chazan ACS, et al. Formação em práticas integrativas e complementares em saúde: desafios para as universidades públicas. Trab. educ. saúde. 2018; 16(2):751-772.

55 Broom A, Adams J. Uma sociologia da educação em saúde integrativa. In: Nascimento MC, Nogueira MI, organizadores. Intercâmbio solidário de saberes em saúde: Racionalidades Médicas e Práticas Integrativas e Complementares. São Paulo: Hucitec; 2013. p. 139-153.
-5656 Haramati A, Adler SR, Wiles M, et al. Innovation and collaboration: the first international congress for educators in complementary and integrative Medicine. Explore (NY). 2013; 9(2):118-120.. Nas instituições públicas de ensino superior, destaca-se a importância de que o ensino de PIC seja orientado para os diversos cenários do SUS, com ênfase especial para a APS, conforme preconiza a PNPIC2525 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Brasília, DF: MS; 2006. (Série B. Textos Básicos de Saúde)..

Pesquisa em PIC no Brasil e na APS

Nas últimas décadas, observa-se o crescimento de pesquisas em PIC no Brasil, apesar de elas serem ainda escassas. Isso pode ser evidenciado analisando três aspectos: fomento à pesquisa, grupos/linhas de pesquisas e publicações. No que se refere ao fomento, Sant'ana5757 Sant'ana V. Análise do fomento do SUS à produção científica em práticas integrativas e complementares em saúde (2002 a 2014): contribuições da Política Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação em Saúde [trabalho de conclusão de curso]. Brasília, DF: Universidade de Brasília; 2016. 71 p. [acesso em 30 maio 2018]. Disponível em: http://bdm.unb.br/handle/10483/16305.
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analisou, entre os anos de 2002 e 2014, 173 editais, sendo 172 oriundos do Sistema Pesquisa Saúde. Destes, 110 eram editais do tipo Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS) (estaduais) e 62 editais do tipo Fomento (nacionais). Encontrou que apesar de as PIC não terem uma subagenda de pesquisa, foram contempladas em 19 editais, perfazendo 1% de todo o investimento no período, principalmente em editais do campo biomédico. O Nordeste teve o maior volume de investimentos nesse tema, recebendo R$ 1.584.274,84 para execução de 32 projetos.

Em 2013, a pesquisa em PIC teve seu primeiro edital específico, o único durante os 10 anos de PNPIC. O edital de Chamada MCTI/CNPq/MS - SCTIE - Decit Nº 07/2013 - Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PIC) no Sistema Único de Saúde contemplou pesquisadores de 10 estados. Os projetos investigaram as seguintes PIC: acupuntura (26%), fitoterapia (21%), auriculoterapia (10%), medicina antroposófica (4%), homeopatia (2%), meditação (2%), investigação de mais de uma PIC (16%); e 19% não especificaram nenhuma PIC. Tais achados denotam que o Edital contemplou o que era naquele momento institucionalizado pela PNPIC, no entanto, como se viu acima, é vasta a diversidade atual de PIC existente no SUS, carente de mais investigações que elucidem seus limites e potencialidades na APS.

Há diversidade também nos grupos de pesquisa registrados no Diretório do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (http://lattes.cnpq.br/web/dgp). Em 2017, a presença das PIC nesse diretório se deu com diferentes designações, categorias e ou conceitos, tais como: medicina alternativa, complementar, integrativa, racionalidades médicas, saúde, vibração mecânica, auto-humanescente, vitalismo, entre outros; indicando a heterogeneidade e a polissemia que envolvem o tema. Os grupos de pesquisas estão inseridos em diferentes áreas, como a biofísica, sociologia, medicina veterinária, agronomia e outras áreas da saúde; sendo o maior número na saúde coletiva, com 27 grupos. Ao todo, são 59 grupos de pesquisas que estudam especificamente as PIC ou que possuem uma linha de pesquisa vinculada a elas. Nota-se que há necessidade de investigações que possam produzir um arcabouço teórico integrador, e que proporcionem a construção de análises mais aprofundadas em cada campo. No momento, observa-se que, entres as categorias e linhas de pesquisas apresentadas pelos grupos, há uma generalização do termo PIC que se tornou um 'guarda-chuva' para os mais diferentes objetos de investigação, inclusive fora do campo da saúde.

Apesar da diversidade de grupos de pesquisa, a produção científica nacional ainda é pequena. Na base de dados Bireme (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), de 7.243 publicações cientificas sobre PIC entre os anos de 2006 e 2016, apenas 285 (3%) têm afiliação institucional brasileira. Porém, nota-se que 69% destas têm também como descritor 'atenção primária em saúde', ressaltando a potente relação das PIC com a APS em pesquisa.

Uma revisão de literatura, entre 2002 e 2011, sobre PIC na APS na Biblioteca Virtual em Saúde e Pubmed/Medline resultou em apenas 22 artigos brasileiros, de um total de 180 publicações de acesso aberto contendo no título ou resumo, pelo menos, um dos descritores selecionados (homeopatia, acupuntura, fitoterapia, práticas corporais associados à APS, em espanhol, inglês ou português). Houve dispersão em 106 periódicos, indicando não haver veículos especializados em PIC na APS. Das publicações, 80% eram europeias, principalmente inglesas (50%), provavelmente pela força da sua APS; e 30%, norte-americanas. Pouco mais da metade tinha abordagem quantitativa (sobretudo ensaios clínicos); 30%, abordagens qualitativas; e 20% discutiam políticas públicas, promoção e gestão do uso das PIC5858 Contatore OA, Barros NF, Durval MR, et al. Uso, cuidado e política das práticas integrativas e complementares na Atenção Primária à Saúde. Ciênc Saúde Colet., Rio de Janeiro 2015; 20(10):3263-3273..

As PIC merecem amplo estudo tanto do ponto de vista de sua efetividade quanto de sua constituição enquanto saber e técnica. É necessário desviar da tendência atual de reduzir seu estudo às teorias e métodos biomédicos, que geralmente são comparadas com a biomedicina a partir da nosologia, teorias e práticas terapêuticas desta última5858 Contatore OA, Barros NF, Durval MR, et al. Uso, cuidado e política das práticas integrativas e complementares na Atenção Primária à Saúde. Ciênc Saúde Colet., Rio de Janeiro 2015; 20(10):3263-3273.,5959 Souza EFAA, Luz MT. Análise crítica das diretrizes de pesquisa em medicina chinesa. Hist. cienc. saude-Manguinhos. 2011; 18(1):155-174.. Várias PIC podem e devem ser investigadas na sua ação sem necessariamente se tomar a biomedicina como verdade a priori, o que complexifica as metodologias e as torna, ao mesmo tempo, mais pragmáticas, menos cegas para os seus próprios pressupostos e mais dialógicas com os saberes de outros sistemas de cuidado1616 Nascimento MC, Barros NF, Nogueira MI, et al. A categoria racionalidade médica e uma nova epistemologia em saúde. Ciênc Saúde Colet. 2013; 18(12):3595-3604.. As PIC concentram em si o importante e estratégico desafio de romper com o monopólio tecnológico da farmacoterapia no cuidado terapêutico da APS, excessivamente medicalizador e iatrogênico. Nesse sentido, elas podem ser consideradas uma rica fonte de recursos interpretativos e terapêuticos, capaz de diversificar as abordagens de muitos problemas trazidos pelos usuários aos profissionais da APS.

Considerações finais

De forma dispersa, profissionais da ESF têm sido os protagonistas das PIC no SUS. Isso indica que elas devem estar trazendo efetividade à sua prática, visto que eles têm investido tempo e recursos em formação e depois no exercício das PIC.

As PIC podem ser inseridas na APS para ampliação do leque terapêutico, bem como em equipes e serviços especializados que matriciem a APS, contribuindo para sua educação permanente (além de em espaços hospitalares, aqui não tematizados). Elas parecem estar mais presentes na APS, mas não sabemos ao certo como e quando. O seu crescimento nos dados oficiais parece estar associado mais à possibilidade recente de seu registro e à forma de divulgação do que a um movimento consistente de sua inserção institucional na APS.

Há grande diversidade de PIC em uso e pouca pesquisa sobre sua oferta no SUS e na APS. Sua aceitação crescente no mundo e no Brasil parece incontestável, mas seu potencial de contribuições ao cuidado na APS ainda é pouco explorado. A sua presença nas graduações da área da saúde no Brasil é incipiente, gerando relativa ignorância na maioria dos profissionais. Experiências pioneiras de municípios em educação permanente em PIC têm mostrado resultados de socialização de algumas delas, mas isso ainda é localizado e não tem se expandido significativamente, talvez devido à fragmentação da APS no País, que depende majoritariamente dos gestores municipais.

Os Ministérios da Saúde e da Educação devem investir em pesquisas e ensino na graduação e pós-graduação, voltados aos profissionais em formação e em atividade, para criar uma massa crítica de pesquisadores, professores e praticantes de PIC nas universidades e nos serviços de saúde. Outrossim, devem também estimular, inclusive financeiramente, os municípios que as ofertam e que capacitam os trabalhadores de forma institucionalizada. Na APS, as PIC são um grande potencial de recursos interpretativos, terapêuticos e de promoção da saúde quase todo por explorar.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2018

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2017
  • Aceito
    15 Ago 2018
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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