Os agrotóxicos no contexto da Saúde Única

Pesticides in the context of One Health

Edaciano Leandro Losch Caroline Bedin Zanatta Giuliano Pereira de Barros Marília Carla de Mello Gaia Patrizia Ana Bricarello Sobre os autores

RESUMO

A industrialização da agricultura e da pecuária, além de gerar um ambiente propício à disseminação de agentes infecciosos, é responsável pelo uso generalizado de diversas substâncias tóxicas que afetam a saúde humana, animal e ambiental. O objetivo deste estudo foi promover a reflexão sobre o uso de agrotóxicos e medicamentos veterinários como elementos de debate na construção da Saúde Única. Para isso, foi realizada uma revisão exploratória literária de artigos, livros e documentos oficiais disponíveis em plataformas de banco de dados. A discussão inclui as problemáticas do uso de substâncias tóxicas em plantas e animais. Aborda, também, como os resíduos oriundos de sua utilização impactam a qualidade de alimentos, ar, solo, água com consequências à saúde humana. Embora essa discussão seja escassa na temática de Saúde Única, é fundamental que, além da participação da sociedade civil organizada, gestores públicos assegurem, por meio de políticas públicas, maior segurança e controle na utilização de substâncias tóxicas na agricultura e na pecuária.

PALAVRAS-CHAVES
Substâncias tóxicas; Saúde; Agropecuária; Agroecossistemas

ABSTRACT

The industrialization of agriculture and livestock, in addition to generating an environment conducive to the spread of infectious agents, is responsible for the widespread use of various toxic substances that affect human, animal, and environmental health. This study aims to promote reflections on the use of pesticides and veterinary drugs as elements of debate in the construction of One Health. For that, an exploratory literature review of articles, books, and official documents available on database platforms was carried out. The discussion includes the problems of the use of toxic substances in plants and animals. It also addresses how the waste arising from its use impacts the quality of food, air, soil, and water, with consequences for human health. Although this discussion is scarce on the theme of One Health, it is essential that, in addition to the participation of organized civil society, public managers ensure, through public policies, greater security and control in the use of toxic substances in agriculture and livestock.

KEYWORDS
Toxic products; Health; Livestock; Agroecosystems

Introdução

A combinação de fatores como o desenvolvimento industrial no século XVIII, a migração da população rural para os centros urbanos11 Pasqualotto N, Kaufmann MP, Wizniewsky JG. Agricultura familiar e desenvolvimento territorial. Ref. agrária. 2019 [acesso em 2020 maio 25]; (28):1-21. Disponível em: http://www.usp.br/feaecon/media/fck/File/Agricultura_familiar.pdf.
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e a indústria química no período bélico (século XX) impulsionou o desenvolvimento dos fertilizantes sintéticos na agricultura. A Guerra do Vietnã, em especial, favoreceu o uso dos ingredientes ativos 2,4-D e o 2,4,5-T, conhecidos popularmente como ‘Agente Laranja’22 Serraglio HZ, Gomes D. A responsabilidade civil decorrente do uso e da produção de agrotóxicos no Brasil. Revista Direito Ambient e Soc. 2017 [acesso em 2020 maio 25]; 7(2):22. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/direitoambiental/article/view/4408.
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. O progresso vislumbrado permitiu que, com o passar dos anos, o uso de agrotóxicos fosse adotado em ampla escala.

No Brasil, a primeira regulamentação de agrotóxicos ocorreu pelo Decreto nº 24.114, de 1934, em que foram criadas políticas voltadas para incentivo à compra e utilização de agrotóxicos. Somente em 1982, a proibição do uso de organoclorados e a obrigatoriedade do receituário agronômico foram adotadas, cabendo aos estados brasileiros as primeiras legislações proibitivas33 Carvalho MMX, Nodari ES, Nodari RO. “Defensives” or “pesticides”? A history of the use and perception of pesticides in the state of Santa Catarina, Brazil, 1950-2002. Hist. Ciênc. Saúde - Manguinhos. 2017; 31(3):1-17..

Desde 1982, considerando o histórico da utilização de agrotóxicos realizado pelo Censo Agropecuário, o Brasil atingiu patamares crescentes principalmente em grandes áreas cultivadas por commodities44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: IBGE; 2019.. Segundo o Censo, de 2005 a 2015, a média de novos registros de agrotóxicos por ano ficou em 140,5. Porém, a partir de 2016, o número cresceu para 277; e, em 2019, atingiu 474 novos registros. A maior parte dos agrotóxicos liberados entre os anos de 2016 e 2019 são produtos equivalentes elaborados a partir de ingredientes ativos já autorizados. Apenas 11% do total de autorizações nesse período é oriundo de ingredientes ativos novos55 Valadares A, Alves F, Galiza M. O Crescimento do Uso de Agrotóxicos: Uma Análise Descritiva dos resultados do censo agropecuário 2017. Diret. Est. Polít. Soc. 2020; (65):1-42.. A ampliação das autorizações produz como resultados a diminuição dos custos, a possibilidade de escolher por uma variedade de produtos com os mesmos ingredientes ativos, estimulando o uso e o acesso a eles.

Em perspectiva ampliada, é possível apontar que essa lógica, pautada no uso de substâncias tóxicas, como agrotóxicos e medicamentos veterinários, favorece a destruição e a fragmentação de habitats, bem como a poluição ambiental, que, por conseguinte, maximizam as mudanças climáticas66 Daszak P, Cunningham AA, Hyatt AD. Anthropogenic Environmental Change and the Emergence of Infectious Diseases in Wildlife. Acta Trop. 2001 [acesso em 2020 maio 25]; (78):103-16. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11230820/.
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,77 Patz JA, Daszak P, Tabor GM, et al. Unhealthy landscapes: Policy recommendations on land use change and infectious disease emergence. Env. Health Persp. 2004; 112(10):1092-8.,88 Wu T, Perrings C, Kinzig A, et al. Economic growth, urbanization, globalization, and the risks of emerging infectious diseases in China: A review. Ambio. 2017; 46(1):18-29.. O ciclo de uso dessas substâncias impulsiona a ocorrência e a distribuição geográfica de agentes infecciosos99 Chouaïbou MS, Fodjo BK, Fokou G, et al. Influence of the agrochemicals used for rice and vegetable cultivation on insecticide resistance in malaria vectors in southern Côte d’Ivoire. Malar J. 2016; 15(1):1-12.,1010 Tantely ML, Tortosa P, Alout H, et al. Insecticide resistance in Culex pipiens quinquefasciatus and Aedes albopictus mosquitoes from La Réunion Island. Insect Biochem Mol Biol. 2010; 40(4):317-24.. Além disso, alterações ambientais globais favorecem a disseminação e a falta de controle de algumas epizootias, particularmente epidemias destrutivas ou zoonoses (gripe aviária, coronavírus, ebola, chikungunya, dengue e zika)1111 Vezzulli L, Grande C, Reid PC, et al. Climate influence on Vibrio and associated human diseases during the past half-century in the coastal North Atlantic. Proc Natl Acad Sci U S A. 2016; 113(34):E5062-E5071.. Contaminantes e toxinas também podem impactar nas interações patógeno-hospedeiro e suas relações com os surtos de doenças1212 Jones KE, Patel NG, Levy MA, et al. Global trends in emerging infectious diseases. Nature. 2008; 451(7181):990-3., na transmissão de patógenos1313 Grace D, Lindahl J, Wanyoike F, et al. Poor livestock keepers: Ecosystem – poverty – health interactions. Philos Trans R Soc B Biol Sci. 2017; 372(1725).,1414 Soleri D, Cleveland DA, Cuevas FA. Transgenic Crops and Crop Varietal Diversity : The Case of Maize in Mexico. 2006; 56(6):503-13.,1515 MacGregor H, Waldman L. Views from many worlds: Unsettling categories in interdisciplinary research on endemic zoonotic diseases. Philos Trans R Soc B Biol Sci. 2017; 372(1725). e na resistência a antibióticos1616 Holmes AH, Moore LSP, Sundsfjord A, et al. Understanding the mechanisms and drivers of antimicrobial resistance. Lancet. 2016; 387(10014):176-87..

O risco tóxico está implicado em distintos níveis, na fisiologia, nas respostas imunológicas e endócrinas dos organismos e na biodiversidade1717 Cunningham AA, Scoones I, Wood JLN. One health for a changing world: New perspectives from Africa. Philos Trans R Soc B Biol Sci. 2017; 372(1725).. Se, por um lado, a situação aponta para o declínio e a intoxicação do ambiente, por outro, a compreensão da dinâmica do ecossistema permite avaliar o grau em que as alterações antrópicas levam ao desenvolvimento de eventos infecciosos em larga escala1818 Day MJ. One health: The importance of companion animal vector-borne diseases. Parasites and Vectors. 2011; 4(1):2-7.. Estratégias e acordos multilaterais que minimizem os impactos antrópicos no ecossistema são conhecidos. A criação da Convenção da Diversidade Biológica (CDB)1919 Convention on Biological Diversity. Text of the Cartagena Protocol on Biosafety. Geneva: Conv Biol Divers; 2000. [acesso em 2020 maio 25]. Disponível em: https://bch.cbd.int/protocol/text/.
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e os próprios objetivos do milênio2020 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Desenvolvimento Humano (RDH) 2016 “Desenvolvimento humano para todos”. Nova York: PNUD; 2016. apontam para um caminho que pode produzir algumas melhorias no que tange a uma maior expectativa de sustentabilidade humana no ecossistema.

Além disso, o conceito One Health, em tradução, Saúde Única, ajuda a entender as interações entre os animais, os seres humanos e o meio ambiente. Na prática, fornece uma estrutura integrada para observar e melhorar os problemas de saúde envolvendo esses três núcleos. Pode ser aplicado, em particular, para problemas relacionados com os agravos à saúde humana, relativos aos agrotóxicos e aos produtos veterinários2121 Zinsstag J, Schelling E, Tanner M. From “one medicine” to “one health” and systemic approaches to health and well-being. 2011; (101):148-56.,2222 Destoumieux-Garzón D, Mavingui P, Boetsch G, et al. The one health concept: 10 years old and a long road ahead. Front Vet Sci. 2018; (5):1-13..

Nesse sentido, os princípios de Manhattan2323 Karesh WB, Cook R. One world – one health. Clin Med (Northfield Il). 2009; (9):259-60. e de Berlin2424 Gruetzmacher K, Karesh WB, Amuasi JH, et al. Science of the Total Environment The Berlin principles on one health – Bridging global health and conservation. Sci Total Environ. 2021 [acesso em 2020 maio 5]; (764):142919. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.142919.
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também fornecem elementos que permitem identificar decisões de um ponto de vista mais amplo e em longo prazo. São fundamentos que permitem compreender que a biodiversidade de fato é essencial para manter os ambientes saudáveis e os ecossistemas funcionais. A implementação de políticas públicas e o investimento na educação e na conscientização da população mundial colocam o ser humano no papel principal de agente de transformação dessa mudança2323 Karesh WB, Cook R. One world – one health. Clin Med (Northfield Il). 2009; (9):259-60.,2424 Gruetzmacher K, Karesh WB, Amuasi JH, et al. Science of the Total Environment The Berlin principles on one health – Bridging global health and conservation. Sci Total Environ. 2021 [acesso em 2020 maio 5]; (764):142919. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.142919.
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O cenário exposto nos permite refletir sobre três aspectos: 1) a integração com base em políticas públicas permitem reconhecer a relação entre a saúde dos componentes do ecossistema, incluindo o Homem; 2) a falta da implementação de tratados internacionais pode dificultar a implementação de políticas públicas; e 3) considerando que o conceito Saúde Única é suficiente como norteador de práticas que promovam a equidade entre as relações do ecossistema, quais seriam as atitudes práticas transformadoras para mitigar o impacto dos agrotóxicos ante a desfragmentação dos ecossistemas?

Dessa forma, este trabalho tem como objetivo promover a reflexão sobre o uso de agrotóxicos e medicamentos veterinários como elementos de debate na construção da Saúde Única.

Metodologia

Foi utilizada como metodologia uma pesquisa exploratória literária2525 Zikmund B, Griffin C. Business Research Methods. 8. ed. Nashville: South-Western College Pub; 2000., que adota como pergunta norteadora ‘quais os impactos dos agrotóxicos na saúde humana, animal e ambiental e a contextualização do conceito de Saúde Única?’. Para isso, foram utilizados artigos científicos, livros, documentos oficiais e informações publicadas de acesso geral, obtidos por meio dos bancos de dados da Web of Science e Scientific Electronic Library (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Google Acadêmico e trabalhos nacionais e internacionais publicados nos últimos 23 anos (figura 1).

Figura 1
Etapas de obtenção e coleta dos dados

A Saúde Única como estratégia nas decisões que envolvem o tema agrotóxicos

O termo One Health, traduzido no Brasil como Saúde Única, foi sugerido para demonstrar a indissociabilidade da saúde humana, animal e ambiental. Conceitualizado em 2004, no simpósio ‘Construindo pontes interdisciplinares para a saúde em um mundo globalizado’, em que foram elaborados os 12 princípios de Manhattan e a iniciativa ‘Um Mundo – Uma Saúde’, ou simplesmente ‘Uma Saúde’2323 Karesh WB, Cook R. One world – one health. Clin Med (Northfield Il). 2009; (9):259-60., foram criados os princípios de Berlim (uma atualização dos princípios de Manhattan) e desenvolvida a ação ‘Um Mundo, Uma Saúde, Um futuro’2424 Gruetzmacher K, Karesh WB, Amuasi JH, et al. Science of the Total Environment The Berlin principles on one health – Bridging global health and conservation. Sci Total Environ. 2021 [acesso em 2020 maio 5]; (764):142919. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.142919.
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O conceito de Saúde Única propõe uma abordagem teórico-metodológica passível de ser utilizada para projetar e implementar programas, políticas públicas, legislações e pesquisas em saúde, de forma a acomodar toda a complexidade natural da dinâmica saúde-doença e suas relações com o meio ambiente. Muitas doenças podem ser prevenidas e combatidas por meio da atuação integrada entre os diversos setores ligados à promoção da saúde coletiva2222 Destoumieux-Garzón D, Mavingui P, Boetsch G, et al. The one health concept: 10 years old and a long road ahead. Front Vet Sci. 2018; (5):1-13.. Enfatiza também os desafios relacionados com a promoção da saúde e da segurança alimentar, as quais exigem uma ação integralizada e holística desses três componentes2121 Zinsstag J, Schelling E, Tanner M. From “one medicine” to “one health” and systemic approaches to health and well-being. 2011; (101):148-56.,2626 Gibbs EPJ. The evolution of one health: A decade of progress and challenges for the future. Vet Rec. 2014; 174(4):85-91. (figura 2).

Figura 2
Modelo explicativo entre as interações que compõe a Saúde Única em sua totalidade

Algumas iniciativas internacionais têm surgido no âmbito da Saúde Única. Em 2015, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) apoiou a proposta ‘Meio ambiente saudável, pessoas saudáveis’ do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep)2727 United Nations. Environment Programme. Healthy Environment, Healthy People. Nairob: United Nations Environment Programme Nairobi; 2016. p. 56.. Nesse mesmo ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou os seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), vinculados às metas internacionais da Agenda 20302828 Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo : a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília, DF: ONU Brasil; 2016..

Dentre esses objetivos, destaca-se o ODS 2 – “acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”2828 Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo : a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília, DF: ONU Brasil; 2016.(17). “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades” são descritos no ODS 32828 Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo : a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília, DF: ONU Brasil; 2016.(18). Esses objetivos estão diretamente relacionados com o tema de uma saúde global. Atualmente, a CDB vem dedicando-se à temática da biodiversidade para a alimentação e nutrição, contemplando tópicos referentes à integração, à conservação e ao uso da biodiversidade de alimentos e na nutrição1919 Convention on Biological Diversity. Text of the Cartagena Protocol on Biosafety. Geneva: Conv Biol Divers; 2000. [acesso em 2020 maio 25]. Disponível em: https://bch.cbd.int/protocol/text/.
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,2727 United Nations. Environment Programme. Healthy Environment, Healthy People. Nairob: United Nations Environment Programme Nairobi; 2016. p. 56..

No Brasil, discussões sobre a temática podem ser observadas no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo)2929 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Brasília, DF: MDA; 2013.. A parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Ministério da Saúde vem promovendo a iniciativa Biodiversidade e Saúde3030 Fundação Oswaldo Cruz. Biodiversidade e Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018.. A chamada para o Programa de Pesquisa Aplicada à Saúde Única, desenvolvido no estado do Paraná (Brasil), também promove projetos de pesquisa que incentivem a formação e a melhoria da qualidade das políticas públicas ambientais no contexto dos ODS, com enfoque no meio ambiente e na saúde humana e animal3131 Governo do Paraná. Programa de Pesquisa Aplicada à Saúde Única. Paraná: Fundação Araucaria; 2019. [acesso em 2020 maio 25]. Disponível em: www.FundacaoAraucaria.org.br.
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Em Florianópolis (Santa Catarina, Brasil), foi aprovado o Projeto de Lei nº 17.538/2018 e sancionada a Lei nº 10.628, de 8 de outubro de 2019, que institui e define como zona livre de agrotóxicos a produção agrícola, pecuária, extrativista e as práticas de manejo dos recursos naturais no município. Com a zona livre de agrotóxicos, busca-se desenvolver a produção rural orgânica, sustentável e de base agroecológica, com ampliação de tecnologias que permitam a produção primária e a atividade extrativa em equilíbrio ambiental3232 Florianópolis. Projeto de Lei nº 10.628, 8 de outubro de 2019. 2019. [acesso em 2020 maio 25]. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sc/f/florianopolis/lei-ordinaria/2019/1063/10628/lei-ordinaria-n-10628-2019-institui-e-define-como-zona-livre-de-agrotoxicos-a-producao-agricola-pecuaria-extrativista-e-as-praticas-de-manejo-dos-recursos-naturais-no-municipio-de-florianopolis.
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Desse modo, algumas iniciativas embrionárias começam a surgir no cenário nacional. No entanto, a agricultura, em especial a produção vegetal, ainda não teve o destaque necessário nessa discussão. Muitos problemas de saúde humana e animal (e ambiental) são causados ou agravados pelos modelos agrícolas predatórios praticados atualmente. O uso de agrotóxicos e suas implicações negativas à saúde de todos os organismos são assunto escasso na ampla discussão de Saúde Única.

A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e o fornecimento de comida suficiente e livre de resíduos de agrotóxicos e contaminantes para todos estão estritamente relacionados com o segundo princípio de Manhattan, o qual cita que “é preciso reconhecer que as decisões relativas ao uso da terra e da água têm implicações reais para a saúde”2323 Karesh WB, Cook R. One world – one health. Clin Med (Northfield Il). 2009; (9):259-60.(259). E complementado por:

alterações na resiliência dos ecossistemas e mudanças nos padrões de surgimento e propagação de doenças se manifestam quando deixamos de reconhecer essa relação2323 Karesh WB, Cook R. One world – one health. Clin Med (Northfield Il). 2009; (9):259-60.(259).

A problemática dos agrotóxicos e o modelo hegemônico de agricultura devem receber uma atenção especial, principalmente após a formulação dos princípios de Berlin. No item 4, é assegurado

reconhecer que as decisões sobre o uso da terra, ar, mar e água doce impactam diretamente a saúde e o bem-estar dos humanos, animais e ecossistemas e que estas alterações em conjunto com a resiliência diminuída geram mudanças no surgimento, exacerbação e disseminação de doenças transmissíveis e não transmissíveis2424 Gruetzmacher K, Karesh WB, Amuasi JH, et al. Science of the Total Environment The Berlin principles on one health – Bridging global health and conservation. Sci Total Environ. 2021 [acesso em 2020 maio 5]; (764):142919. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.142919.
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(3).

Agrotóxicos e medicamentos veterinários: um panorama dos efeitos nos vegetais, animais, humanos e ambiente

O uso de agrotóxicos na agricultura é a principal estratégia no controle de pragas e doenças em plantas e animais. Porém, o espectro de atuação desses produtos não se limita apenas a lavouras. Partículas oriundas de agrotóxicos podem ser encontradas em diversos ambientes e formas de vida3333 Nicolopoulou-Stamati P, Maipas S, Kotampasi C. Chemical Pesticides and Human Health: The Urgent Need for a New Concept in Agriculture. Front. Public Heal. 2016; (4):1-8..

Nas formulações comerciais de agrotóxicos, além do princípio ativo, outros compostos e moléculas são adicionados para que os produtos possam ter sua eficiência aumentada: os adjuvantes e surfactantes3434 Borggaard OK, Gimsing AL. Fate of glyphosate in soil and the possibility of leaching to ground and surface waters : a review. 2008; (456):441-56.. Os adjuvantes são regulados de maneira diferente dos princípios ativos; assim, os efeitos tóxicos de longo prazo são geralmente ignorados e, portanto, ausentes dos procedimentos de avaliação de risco de agrotóxicos3535 Mesnage R, Antoniou MN. Ignoring Adjuvant Toxicity Falsifies the Safety Profile of Commercial Pesticides. Front Public Health. 2018; (5):361..

Novos agrotóxicos surgem regularmente no mercado com a finalidade de melhorar os tratamentos químicos e reduzir as quantidades de aplicações e os efeitos tóxicos ao ecossistema. Em levantamento realizado pelos autores do artigo nas bases de dados fornecidas pelo governo brasileiro, foi observado que, somente no ano de 2019, foram liberados 474 novos agrotóxicos no mercado nacional, um recorde se comparado aos anos anteriores55 Valadares A, Alves F, Galiza M. O Crescimento do Uso de Agrotóxicos: Uma Análise Descritiva dos resultados do censo agropecuário 2017. Diret. Est. Polít. Soc. 2020; (65):1-42.. Os dados mais recentes sobre os ingredientes ativos mais vendidos no Brasil datam de 2019, os quais podem ser visualizados no quadro 1 3636 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Relatórios de comercialização de agrotóxicos. 2020. [acesso em 2020 maio 25]. Disponível em: https://www.ibama.gov.br/agrotoxicos/relatorios-de-comercializacao-de-agrotoxicos.
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Quadro 1
Os dez principais ingredientes ativos comercializados no Brasil no ano de 2019 e sua classificação toxicologia e periculosidade ambiental

Em relação aos Herbicidas a Base de Glifosato (HBG), ingrediente ativo mais vendido no Brasil, sua utilização é crescente e constantemente motivada principalmente pelas variedades transgênicas resistentes ao princípio ativo. Somente o glifosato representa em torno de 40% do consumo de agrotóxicos no País3737 Carneiro F, Rigotto R, Giraldo L, et al. Dossiê - Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde. [acesso em 2020 maio 25]. Disponível em: https://www.un-ilibrary.org/united-nations/parte-1%7B%5C_%7D2672dc62-es.
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. Os HBG estão presentes em aproximadamente 750 produtos diferentes, para aplicações em diversos setores; e são produzidos e comercializados em maior quantidade do que os demais herbicidas3838 Guyton KZ, Loomis D, Grosse Y, et al. Carcinogenicity of tetrachlorvinphos, parathion, malathion, diazinon, and glyphosate. Lancet Oncol. 2015 [acesso em 2020 maio 25]; 16(5):490-1. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/S1470-2045(15)70134-8.
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As preocupações que incidem sobre os riscos da utilização dos agrotóxicos incluem os aspectos sociais e éticos, o acesso a recursos genéticos e a perda de tradições, principalmente associada à manutenção de sementes. Também estão abrangidos os riscos ambientais, como o impacto do fluxo gênico e os efeitos sobre organismos não-alvo, bem como a evolução da resistência de artrópodes e plantas daninhas e todas as problemáticas relacionadas com a saúde humana3939 Maghari BM, Ardekani AM. Genetically Modified Foods and Social Concerns. Avicenna J Med Biotechnol. 2011; 3(3):109-17..

Nos vegetais, a supressão química dos agentes etiológicos causadores de enfermidades tem como premissa permitir que a planta consiga manter seu desenvolvimento e máxima produtividade4040 Veiga MM. Agrotóxicos: eficiência econômica e injustiça socioambiental Pesticides. Ciênc. Saúde Colet. 2007; (1):145-52.. No entanto, a aplicação dos produtos químicos pode acarretar toxicidade às plantas, que pode resultar tanto na redução dos teores de clorofila e proteína quanto na menor eficiência fotossintética4141 Basu C, Halfhill MD, Mueller TC, et al. Weed genomics : new tools to understand weed biology. Trends Plant Sci. 2004; 9(8):391-8.,4242 Orcaray L, Zulet A, Zabalza A, et al. Impairment of carbon metabolism induced by the herbicide glyphosate. J Plant Physiol. 2012 [acesso em 2020 maio 25]; 169(1):27-33. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jplph.2011.08.009.
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,4343 Zobiole LHS, Kremer RJ, Oliveira RS, et al. Glyphosate affects chlorophyll, nodulation and nutrient accumulation of “second generation” glyphosate-resistant soybean (Glycine max L.). Pestic Biochem Physiol. 2011 [acesso em 2020 maio 25]; 99(1):53-60. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.pestbp.2010.10.005.
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,4444 Zobiole LHS, Kremer RJ, Oliveira Junior RS, et al. Glyphosate effects on photosynthesis, nutrient accumulation, and nodulation in glyphosate-resistant soybean. J Plant Nutr Soil Sci. 2012; 175(2):319-30.,4545 Faus I, Zabalza A, Santiago J, et al. Protein kinase GCN2 mediates responses to glyphosate in Arabidopsis. BMC Plant Biol. 2015; (15):14.,4646 Zanatta CB, Benevenuto RF, Nodari RO, et al. Stacked genetically modified soybean harboring herbicide resistance and insecticide rCry1Ac shows strong defense and redox homeostasis disturbance after glyphosate-based herbicide application. Environ Sci Eur. 2020 [acesso em 2020 maio 25]; 32(1). Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12302-020-00379-6.
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Como exemplo, em produtos à base de glifosato, devido à propriedade do ingrediente ativo ser um quelante de metal, podem existir vários efeitos secundários ou indiretos na fisiologia das plantas, como: privar as plantas de importantes nutrientes, alterar a fotossíntese, o estado oxidativo e hormonal. A alteração desses processos celulares poderia estar diretamente ligada aos efeitos deletérios do glifosato observados no crescimento dos vegetais4747 Gomes MP, Smedbol E, Chalifour A, et al. Alteration of plant physiology by glyphosate and its by-product aminomethylphosphonic acid: An overview. J Exp Bot. 2014; 65(17):4691-703.. Além disso, podem acarretar propriedades tóxicas ao produto final ou, ainda, afetar o metabolismo da planta4848 Bøhn T, Cuhra M, Traavik T, et al. Compositional differences in soybeans on the market: Glyphosate accumulates in Roundup Ready GM soybeans. Food Chem. 2014 [acesso em 2020 maio 25]; (153):207-15. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.foodchem.2013.12.054.
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Cenário semelhante pode ser observado no controle das espécies espontâneas nas lavouras. Estudos demonstram que a perda da diversidade biológica e a maior pressão de seleção dos agrotóxicos, em especial os herbicidas, promovem um quadro de evolução da resistência em espécies espontâneas, em que mecanismos moleculares de expressão envolvidos na resposta de toxicidade celular ainda são pouco conhecidos4141 Basu C, Halfhill MD, Mueller TC, et al. Weed genomics : new tools to understand weed biology. Trends Plant Sci. 2004; 9(8):391-8.. Assim, a resistência adquirida dessas plantas é uma habilidade herdada como resposta à necessidade, à sobrevivência e à reprodução, após a exposição a uma dose de herbicida normalmente letal para a população natural4949 Adegas FS, Vargas L, Gazziero PDL, et al. Impacto econômico da resistência de plantas daninhas a herbicidas no Brasil. 2014. [acesso em 2020 maio 25]. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/162704/1/CT132-OL.pdf.
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Devido à pressão de seleção e à adaptação dos patógenos e artrópodes aos agrotóxicos, em alguns casos, em apenas uma nova geração, esse tóxico perde a eficácia, ou seja, as gerações futuras desses patógenos são mais resistentes que seus antepassados. Nesse caso, é necessário procurar um substituto, que, em alguns casos, pode possuir maior toxicidade ao ambiente e à saúde humana5050 Hawkins NJ, Bass C, Dixon A, et al. The evolutionary origins of pesticide resistance. Biol Rev. 2019; 94(1):135-55.. Além disso, a aplicação de agrotóxicos para o controle de patógenos causa um desequilíbrio nutricional e metabólico à planta, deixando-a mais vulnerável a um novo ataque, como também perdas devido às condições do ambiente hostil, causado pelos agentes químicos5151 Chaboussou F. Plantas doentes pelo uso de agrotóxicos: novas bases de uma prevenção contra doenças e parasitas; a teoria da trofobiose. Rio de Janeiro: Expressão Popular; 2006.. A resistência adquirida dos patógenos não é recente, sendo e, de fato, uma das preocupações para a produção agrícola em escala industrial5050 Hawkins NJ, Bass C, Dixon A, et al. The evolutionary origins of pesticide resistance. Biol Rev. 2019; 94(1):135-55..

Os agrotóxicos podem ocasionar severos danos às populações de organismos não patogênicos do solo, como fungos, nematoides, bactérias, minhocas, besouros, entre diversas outras espécies5252 Kalia A, Gosal SK. Effect of pesticide application on soil microorganisms. Arq. Agron. Ciênc. Solo. 2011; 57(6):569-596.. Além disso, de maneira direta, esses produtos podem atingir outros organismos não-alvo, como: polinizadores, aves e animais silvestres; e, de maneira geral, ocorre uma redução geral das espécies na lavoura e entorno5353 Shrivastav M, De Haro LP, Nickoloff JA. Regulation of DNA double-strand break repair pathway choice. Cell Res. 2008; 18(1):134-47..

Entre os insetos mais prejudicados, encontram-se as abelhas. Produtos comerciais à base de Sulfoxaflor estão relacionados com a morte de milhões de abelhas5454 Siviter H, Brown MJF, Leadbeater E. Sulfoxaflor exposure reduces bumblebee reproductive success. Nature. 2018 [acesso em 2020 maio 25]; 561(7721):109-12. Dispo nível em: http://dx.doi.org/10.1038/s41586-018-0430-6.
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. Outros produtos também são classificados como potenciais agentes causadores da morte das abelhas e outros insetos; dentre os quais, destacam-se os pertencentes à classe dos neonicotinoides, como exemplo, o Imidacloprido e Dinotefuran5555 Gregorc A, Alburaki M, Rinderer N, et al. Effects of coumaphos and imidacloprid on honey bee (Hymenoptera: Apidae) lifespan and antioxidant gene regulations in laboratory experiments. Sci Rep. 2018; 8(1):1-13.,5656 Chen Z, Yao X, Dong F, et al. Ecological toxicity reduction of dinotefuran to honeybee: New perspective from an enantiomeric level. Environ Int. 2019 [acesso em 2020 maio 25]; (130):104854. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.envint.2019.05.048.
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. Alguns produtos como Triclorfon, Cihexatina, Abamectina, Acefato, Carbofuran, Forato, Fosmete, Lactofen, Parationa Metílica e Thiram, por apresentar diversos problemas à saúde humana e impactos ambientais, não possuem aprovação para serem comercializados na União Europeia e nos Estados Unidos ou estão em processo de reavaliação5757 Moraes RF. Agrotóxicos no Brasil : padrões de uso, política da regulação e prevenção da captura regulatória. Brasília, DF: Ipea; 2019..

A toxicidade dos produtos químicos também é evidenciada nos animais, sejam eles de criação zootécnica ou animais de companhia. Nesse sentido, os medicamentos veterinários para controle de doenças em animais apresentam substâncias potencialmente nocivas tanto para os animais que estão submetidos ao tratamento como para os humanos e o ambiente2222 Destoumieux-Garzón D, Mavingui P, Boetsch G, et al. The one health concept: 10 years old and a long road ahead. Front Vet Sci. 2018; (5):1-13..

A principal causa de intoxicação em animais de companhia é a medicamentosa5858 Siroka Z, Svobodova Z. The toxicity and adverse effects of selected drugs in animals - Overview. Pol J Vet Sci. 2013; 16(1):181-91.,5959 Kidwell JH, Buckley GJ, Allen AE, et al. Use of IV Lipid Emulsion for Treatment of Ivermectin Toxicosis in a Cat. J Am Anim Hosp Assoc. 2014; 50(1):59-61.. A intoxicação intencional ou acidental de cães e gatos por organoclorados, organofosforados, carbamatos e piretroides tem sido reportada no Brasil6060 Melo MM, Oliveira NJF, Lago LA. Intoxicações causadas por pesticidas em cães e gatos. Parte I: Organoclorados, organofosforados, carbamatos e piretróides. Rev Educ Contin em Med Veterinária e Zootec do CRMV-SP. 2002; 5(2):188-95.. A autoprescrição por parte dos tutores, sem orientação do médico veterinário; o acesso à compra de produtos sem o controle de prescrição (receituário); a propaganda de medicamentos para leigos; a falta de fiscalização dos estabelecimentos que vendem essas medicações; e o livre acesso a medicamentos veterinários vendidos em lojas agropecuárias e no comércio digital são evidenciados como causas para a intoxicação5858 Siroka Z, Svobodova Z. The toxicity and adverse effects of selected drugs in animals - Overview. Pol J Vet Sci. 2013; 16(1):181-91..

Em animais de produção, não existe um panorama claro para os casos de intoxicações relacionadas com o uso irracional de medicamentos veterinários6161 Castro MB, Moscardini ARC, Reis Jr, et al. Intoxicação aguda por diazinon em bovinos. Ciênc. Rural. 2007; 37(5):1498-501.,6262 Grecco FB, Schild AL, Soares MP, et al. Intoxicação por organofosforados em búfalos (Bubalus bubalis) no Rio Grande do Sul. Pesqui Vet Bras. 2009; 29(3):211-4.. Todavia, existe a possibilidade de que quantidades mínimas de moléculas químicas e seus metabólitos ou resíduos nos produtos de origem animal, como carne, leite, ovos e mel, acarretem riscos severos à segurança alimentar6363 Pacheco-Silva É, De Souza JR, Caldas ED. Resíduos de medicamentos veterinários em leite e ovos. Quim Nova. 2014; 37(1):111-22.. Além disso, é necessário regularmente controlar a sensibilidade a agentes antimicrobianos e fiscalizar os resíduos desses medicamentos comumente utilizados na prática veterinária6464 Ferreira RG, Spisso BF, Hora IM C, et al. Panorama da ocorrência de resíduos de medicamentos veterinários em leite no Brasil. Segurança Aliment e Nutr. 2015; 19(2):30.. O uso irracional de antimicrobianos favorece o desenvolvimento de resistência intrínseca ou adquirida pelos micro-organismos6565 Ribeiro CRN, Cortezi AM, Gomes DE. Utilização Racional De Antimicrobianos Na Clínica Veterinária. Rev Científica Unilago. 2018; 1(1):1-13..

Atualmente, existem aproximadamente 240 substâncias farmacologicamente ativas registradas como componentes de medicamentos veterinários no Brasil6666 Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Lista de processos de registro de produtos veterinários farmacêuticos aguardando análise em 31 de março de 2021. Brasília, DF: MAPA; 2021. [acesso em 2020 maio 25]. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-pecuarios/produtos-veterinarios/listas.
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. Todavia, a RDC nº 53/2012, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), prevê Limites Máximos de Resíduos (LMR) somente para 24 substâncias, das quais apenas 8 estão em conformidade com os limites recomendados pelo Codex Alimentarius6767 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução -RDC No 53, de 2 de Outubro de 2012. [acesso em 2020 maio 25]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2012/rdc0053_02_10_2012.htm.
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A problemática dos resíduos de produtos veterinários em alimentos destinados ao consumo humano fomentou a criação de dois programas nacionais: o Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC), o qual é coordenado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e inclui programas setoriais para análise de carne, leite, ovos, mel e pescado; e o Programa de Análise de Resíduos de Medicamentos Veterinários em Alimentos (PAMVet), da Anvisa, que analisa leite UHT, leite em pó e leite pasteurizado6868 Ferreira RG, Spisso BF, Hora IMC, et al. Panorama da ocorrência de resíduos de medicamentos veterinários em leite no Brasil. Segurança Alimentar e Nutricional. 2012; 19(2):30-49..

O PAMVet foi responsável pela realização de alguns estudos de abrangência nacional que objetivaram a mensuração do nível de contaminação dos alimentos em prateleira por Resíduos de Medicamentos Veterinários (RMV). A realização desses estudos possibilitou uma avaliação de risco real na qual foi relatada a presença de RMV acima do tolerável em produtos cárneos, peixes, mel e leite6868 Ferreira RG, Spisso BF, Hora IMC, et al. Panorama da ocorrência de resíduos de medicamentos veterinários em leite no Brasil. Segurança Alimentar e Nutricional. 2012; 19(2):30-49..

Diante de todo esse cenário, é possível chegar a um consenso de que, como consequência da exposição das plantas e animais aos produtos químicos, o ser humano, por ser parte da cadeia trófica, também está submetido a contaminações diretas e indiretas.

A ingestão de alimentos ou de produtos contaminados que contêm resíduos de agrotóxicos e a exposição crônica podem ser um fator de risco potencial para a saúde humana6969 Niemann L, Sieke C, Pfeil R, et al. A critical review of glyphosate findings in human urine samples and comparison with the exposure of operators and consumers. J. Verbr. Lebensm. 2015; (10):3-12.. A relação entre alguns problemas de saúde e os produtos utilizados no manejo sanitário de animais e vegetais representa um interesse emergente da pesquisa acadêmica7070 Silva TPP, Moreira JC, Peres F. Serão os carrapaticidas agrotóxicos? implicações na saúde e na percepção de riscos de trabalhadores da pecuária leiteira. Ciênc. Saúde Colet. 2012; 17(2):311-25.,7171 Rebelo RM, Caldas ED. Avaliação de risco ambiental de ambientes aquáticos afetados pelo uso de agrotóxicos. Quim Nova. 2014; 37(7):1199-208.. Ainda que os efeitos deletérios sejam mais percebidos nos casos de intoxicações agudas (que são aqueles casos geralmente relacionados com acidentes de trabalho), em que o indivíduo entra em contato com grande quantidade do produto em curto espaço de tempo7272 Faria NMX, Fassa AG, Meucci RD, et al. Occupational exposure to pesticides, nicotine and minor psychiatric disorders among tobacco farmers in southern Brazil. Neurotoxicology. 2014 [acesso em 2020 maio 25]; (45):347-54. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24875484/.
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, também ocorrem prejuízos à saúde humana por meio da exposição crônica a pequenas quantidades desses tóxicos3737 Carneiro F, Rigotto R, Giraldo L, et al. Dossiê - Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde. [acesso em 2020 maio 25]. Disponível em: https://www.un-ilibrary.org/united-nations/parte-1%7B%5C_%7D2672dc62-es.
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. Esse tipo de prejuízo é causado, principalmente, devido ao fator de bioacumulação que acontece nos organismos superiores7373 Beek B, Böhling S, Bruckmann U, et al. The assessment of bioaccumulation. Chemosphere. 1994; 29(7):1501-14..

Um exemplo desses efeitos se materializa nas alterações teratogênicas e de desenvolvimento embrionário ocorridas em animais experimentais que foram expostos ao contato com estas substâncias7474 Bolognesi C. Genotoxicity of pesticides: A review of human biomonitoring studies. Mutat Res - Rev Mutat Res. 2003; 543(3):251-72. . No Brasil, registros de 1999 e 2009 demonstram que as intoxicações pela exposição de agricultores aos agrotóxicos na região Nordeste somam aproximadamente 10 mil casos7575 Soares WL, Firpo M, Porto DS. Pesticide use and economic. Rev Saude Publica. 2012; 46(2):1-8.. O perfil dos indivíduos envolvidos em intoxicações demostra que a maior prevalência ocorre em adultos do sexo masculino7676 Cruz CC, Carvalho FN, Costa VÍB, et al. Perfil epidemiológico de intoxicados por Aldicarb registrados no Instituto Médico Legal no Estado do Rio de Janeiro durante o período de 1998 a 2005. Cad. saúde colet. 2013 [acesso em 2020 maio 25]; 21(1):63-70. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/GtqSbTk7zPdHgyZR93kstNv/?lang=pt.
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. Não existem trabalhos científicos demonstrando uma dose de ingestão dessas substâncias que seja segura para a saúde humana ou animal.

O contato humano direto com um agrotóxico pode causar diversos danos à saúde; dentre os quais, destacam-se: endócrinos; neurológicos; respiratórios; hepáticos; alergias; hipertensão; diabetes; diarreias; dores no corpo e vertigens7777 Nascimento MTL, Santos ADO, Alentejano PRR, et al. O uso de agrotóxicos na floricultura: o caso de Vargem Alta – Região Serrana do Rio d-e Janeiro. Rev Tamoios. 2018; 14(2):142-61.. Além dos riscos ocasionados pelo contato direto com os agrotóxicos, há uma vasta alteração genética no organismo humano, que não resulta em sintomas imediatos, mas em médio e longo prazo, conforme pode ser observado no quadro 2.

Quadro 2
Potenciais riscos à saúde humana associados à exposição aos principais ingredientes ativos presentes nos agrotóxicos comercializados no Brasil

Produtores de tabaco expostos aos agrotóxicos glifosato, flumetralina, carbofurano, clomazone, imidacloprid, sulfentrazone, ipridiona, deltametrina, paraquat, butralina, cloridrato de propamocarbe, mancozebe, 2,4 D e dimetilamina, na região sul do Brasil, tiveram distúrbios relacionados com os mecanismos de defesa celular e alterações nas atividades de telômeros9292 Kahl VFS, Silva J, Silva FR. Influence of exposure to pesticides on telomere length in tobacco farmers: A biology system approach. Mutat Res - Fundam Mol Mech Mutagen. 2016 [acesso em 2020 maio 25]; (791-792):19-26. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.mrfmmm.2016.08.003.
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, transtornos mentais7272 Faria NMX, Fassa AG, Meucci RD, et al. Occupational exposure to pesticides, nicotine and minor psychiatric disorders among tobacco farmers in southern Brazil. Neurotoxicology. 2014 [acesso em 2020 maio 25]; (45):347-54. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24875484/.
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, doença do tabaco9393 Fassa AG, Faria NMX, Meucci RD, et al. Green tobacco sickness among tobacco farmers in southern Brazil. Am J Ind Med. 2014; 57(6):726-35. e sibilância9494 Fiori NS, Fassa AG, Faria NMX, et al. Wheezing in tobacco farm workers in Southern Brazil. Am J Ind Med. 2015 [acesso em 2020 maio 25]; 58(11):1217-28. Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0031938416312148.
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. Em outro estudo, fumicultores relataram sintomas como dores de cabeça, náuseas e dor de estômago quando expostos aos agrotóxicos usados na cultura9595 Casaril dos Santos CM, Echer IC, Rosa Silva D. Fumicultura: uso de equipamento de proteção individual e intoxicação por agrotóxico Tobacco farming: use of personal protective equipment and pesticide poisoning. Rev Pesqui Cuid é Fundam Online. 2017; 9(2):466.. Também se constataram dores lombares9696 Meucci RD, Fassa AG, Faria NMX, et al. Chronic low back pain among tobacco farmers in southern Brazil. Int J Occup Environ Health. 2015; 21(1):66-73., disúria e diagnóstico médico de gastrite/epigastralgia, depressão, ansiedade e mialgia9797 Melo dos Santos AC, Soares IP, Moreira JC, et al. Perfil dos registros clínicos em prontuários de fumicultores em Alagoas. Rev Bras Med do Trab. 2017; 15(4):310-6., irritabilidade e cólicas abdominais9898 Santos Cerqueira TP, Borges-Paluch LR, De Jacobi CCB, et al. Tobacco cultivation in the Reconcavo Baiano: Sociodemographic profile and workers’ health conditions. Mundo da Saúde. 2016; 40(2):239-48..

A exposição aos ingredientes ativos Glifosato, Mancozeb, Procimidona, Iprodione e Abamectina foi associada a alterações celulares em trabalhadores rurais produtores de flores9999 Wilhelm CM, Calsing AK, da Silva LB. Assessment of DNA damage in floriculturists in southern Brazil. Environ Sci Pollut Res. 2015; 22(11):8182-9.. O uso de produtos dos grupos químicos piretroides, organofosforados, ditiocarbamatos e carbamatos pode estar relacionado com problemas do sistema nervoso central e periférico9595 Casaril dos Santos CM, Echer IC, Rosa Silva D. Fumicultura: uso de equipamento de proteção individual e intoxicação por agrotóxico Tobacco farming: use of personal protective equipment and pesticide poisoning. Rev Pesqui Cuid é Fundam Online. 2017; 9(2):466.. Além disso, trabalhadores rurais expostos aos agrotóxicos têm maior risco de morrer por suicídio100100 Krawczyk N, Meyer A, Fonseca M, et al. Suicide mortality among agricultural workers in a region with intensive tobacco farming and use of pesticides in Brazil. J Occup Environ Med. 2014; 56(9):993-1000..

Alterações no sistema reprodutivo masculino (antiandrogênicos) e feminino (efeito estrogênico) foram relacionados pela exposição a organoclorados101101 Freire C, Koifman RJ, Sarcinelli PN, et al. Association between serum levels of organochlorine pesticides and sex hormones in adults living in a heavily contaminated area in Brazil. Int J Hyg Environ Health. 2014 [acesso em 2020 maio 25]; 217(2-3):370-8. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijheh.2013.07.012.
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. Além de todos esses efeitos já observados, diversos agrotóxicos podem, também, estar relacionados com alterações no binômio mãe-feto, como malformações congênitas102102 Gonçalves Silva SR, Martins JL, Seixas S, et al. Defeitos congênitos e exposição a agrotóxicos no Vale do São Francisco. Rev Bras Ginecol e Obstet. 2011; 33(1):20-6.,103103 Cremonese C, Freire C, De Camargo AM, et al. Pesticide consumption, central nervous system and cardiovascular congenital malformations in the South and Southeast region of Brazil. Int J Occup Med Environ Health. 2014; 27(3):474-86.,104104 Oliveira NP, Moi GP, Atanaka-Santos M, et al. Malformações congênitas em municípios de grande utilização de agrotóxicos em mato grosso, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(10):4123-30.,105105 Dutra LS, Ferreira AP. Associação entre malformações congênitas e a utilização de agrotóxicos em monoculturas no Paraná, Brasil. Saúde debate. 2017; 41(esp2):241-53., nascimentos prematuros e índices de apgar insatisfatórios106106 Rezende Chrisman J, Mattos IE, Koifman RJ, et al. Prevalence of very low birthweight, malformation, and low Apgar score among newborns in Brazil according to maternal urban or rural residence at birth. J Obstet Gynaecol Res. 2016; 42(5):496-504..

Concomitantemente às problemáticas evidenciadas nas plantas, animais e humanos, os riscos de contaminações do ambiente (ar, solo e água) são crescentes. Substâncias químicas aplicadas em plantas (agrotóxicos) entram diretamente em contato com o solo e, por sua vez, com a água e em animais (medicamentos veterinários). Nesse sentido, as principais bases químicas utilizadas no controle parasitário dos animais de produção representam um grande perigo ecotoxicológico para a saúde ambiental107107 Lumaret J, Errouissi F. Review article Use of anthelmintics in herbivores and evaluation of risks for the non target fauna of pastures. Vet. Res. 2002; (33):547-62..

O uso irracional desses medicamentos nos agroecossistemas é responsável pela eliminação da vida de inúmeros invertebrados benéficos ao meio ambiente108108 Floate KD, Wardhaugh KG, Boxall ABA, et al. Fecal Residues of Veterinary Parasiticides: Nontarget Effects in the Pasture Environment. 2005; (2).. Devido a sua ação inespecífica sobre os mecanismos de sinalização celular colinérgicos, eles acabam sendo letais para uma ampla gama de artrópodes e invertebrados residentes dos agroecossistemas109109 Mesa LM, Lindt I, Negro L, et al. Ecotoxicology and Environmental Safety Aquatic toxicity of ivermectin in cattle dung assessed using microcosms. Ecotoxicol Environ Saf. 2017 [acesso em 2020 maio 25]; (144):422-9. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.ecoenv.2017.06.016.
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. Como exemplo, os metabólitos da ivermectina possuem uma meia-vida de 127 dias no ambiente após sua excreção via fezes de animais tratados, podendo persistir por até 188 dias quando em condições ambientais favoráveis110110 Prasse C, Löffler D, Ternes TA. Chemosphere Environmental fate of the anthelmintic ivermectin in an aerobic sediment / water system. Chemosphere. 2009 [acesso em 2020 maio 25]; 77(10):1321-5. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.chemosphere.2009.09.045.
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Efeitos para além do ambiente lavoura também são observados, como é o caso da contaminação química e biológica dos reservatórios aquíferos e leitos de captação de água. As moléculas presentes nos agrotóxicos, após entrarem em contato com o solo, podem se deslocar para camadas mais profundas, nas quais alcançam o lençol freático ou, ainda, são carreadas para rios, lagos e oceanos pela ação da chuva111111 Moreira JC, Peres F, Simões AC, et al. Contaminação de águas superficiais e de chuva por agrotóxicos em uma região do estado do Mato Grosso. Ciênc. Saúde Colet. 2012; 17(6):1557-68..

De acordo com o levantamento realizado por diferentes instituições com base no Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano – Sisagua, cerca de 25% das cidades brasileiras analisadas nos estudos apresentavam ao menos 27 agrotóxicos na água de abastecimento domiciliar, sendo que as análises da água amostrada em 99% dos casos indicaram a presença de um coquetel, ou seja, mais de um agrotóxico entre os anos de 2014 e 2017112112 Brasil. SISAGUA - Controle Mensal (Quantitativos de análises). 2017. [acesso em 2020 maio 25]. Disponível em: https://dados.gov.br/dataset/sisagua-controle-mensal-quantitativos-de-analises.
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. Estes dados são preocupantes, pois a legislação brasileira permite concentrações elevadas de agrotóxicos na água, podendo atingir a quantidade até 500 ug/L, como é o caso do Glifosato, o que representa 5 mil vezes a mais ao que é permitido em países da União Europeia, na qual a quantidade é de apenas 0,1 ug/L113113 Bombardi L. Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH - USP; 2017. 296 p..

Considerações finais

A Saúde Única é um tema estratégico que aproxima diversos segmentos que constituem a sociedade. O interesse nas discussões relacionadas com o uso de agrotóxicos e medicamentos veterinários é crescente, porém escasso na construção de uma saúde global. De forma concreta e prática, modelos de agricultura de base ecológica, como a orgânica ou agroecológica, possibilitam produzir alimentos saudáveis e menos tóxicos, além de preservar os ecossistemas. A agroecologia, por exemplo, pode auxiliar na permeabilidade da temática Saúde Única no campo da agricultura.

Assim, coloca-se como fundamental que, além da participação da sociedade civil organizada, gestores públicos assegurem, por meio de políticas públicas, maior segurança e controle na utilização de substâncias tóxicas na agricultura e na pecuária. Apesar do banimento total desses produtos parecer algo utópico, iniciativas apontadas nesta revisão mostram potenciais respaldos tanto no cenário nacional quanto internacional.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2020
  • Aceito
    14 Jun 2021
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