Pandemia e interdisciplinaridade: desafios para a saúde coletiva

Pandemic and interdisciplinarity: challenges for collective health

Nísia Trindade Lima Sobre o autor

RESUMO

Este artigo discute o papel da interdisciplinaridade na análise e no enfrentamento da crise sanitária e social global suscitada pela pandemia de Covid-19. Defende-se a necessidade de se repensarem as divisões entre mundo natural e sociedade, com destaque para a questão ambiental, e a nova conformação do campo da informação e comunicação e seus impactos na sociedade contemporânea. Entende-se a pandemia de Covid-19 como um fenômeno inteiramente novo que põe em evidência, por vezes em aceleração, uma série de tendências, mas que pode implicar inflexões e mudanças cujo rumo não está dado. Destaca-se a centralidade da área de saúde coletiva no esforço interdisciplinar para a definição de agendas científicas e, também, de propostas de políticas públicas. Conclui-se que o fortalecimento de pesquisas interdisciplinares especialmente atentas às interrelações de sistemas naturais e sociais são e serão essenciais para a superação da crise atual e das prováveis emergências sanitárias futuras.

PALAVRAS-CHAVE
Práticas interdisciplinares; Saúde coletiva; Pandemia por Covid-19; Ciências sociais.

ABSTRACT

This article discusses the role of interdisciplinarity in analyzing and dealing with the global health and social crisis caused by the COVID-19 pandemic. It defends the need to rethink the divisions between the natural world and society, with emphasis on the environmental issue, and the new conformation of the field of information and communication and its impacts on contemporary society. The COVID 19 pandemic is understood as an entirely new phenomenon that highlights, sometimes accelerating, a series of trends, but which may imply inflections and changes whose direction is not given. The centrality of the field of collective health in the interdisciplinary effort to define scientific agendas and also public policy proposals is highlighted. It is concluded that the strengthening of interdisciplinary research, especially attentive to the interrelationships of natural and social systems, is and will be essential for overcoming the current crisis and probable future health emergencies.

KEYWORDS
Interdisciplinary placement; Health; Community; COVID-19 pandemic; Social sciences.

Introdução

A interdisciplinaridade tem sido abordada como condição necessária ao enfrentamento de inúmeros desafios da sociedade contemporânea. Trata-se, sobretudo, de uma reação aos limites a conhecimentos inovadores a partir de uma cultura científica excessivamente disciplinar, uma crítica ao processo de hiperespecialização como legado da ciência moderna e, mais fortemente, do modo de fazer ciência que se estabeleceu a partir do século XIX, quando se consolidou a figura do cientista como especialista, conhecedor profundo de um tema e dominando uma linguagem específica e pouco acessível11 Sá DM. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e cientistas no Brasil (1895-1935). Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; 2006.. Para alguns autores, a demanda recente pela prática interdisciplinar viria dos objetos do conhecimento, uma espécie de resistência do mundo ao retalhamento disciplinar22 Pombo O. Interdisciplinaridade. Ambições e limites. Lisboa: Relógio d’Água; 2004..

Essa discussão está presente de forma acentuada no campo da saúde. Com a criação da área de saúde coletiva e seus antecedentes próximos no Brasil e na América Latina - formação do campo da medicina social, movimentos de crítica à medicina preventiva, entre outros marcos, conforme analisa vasta literatura -, a defesa da interdisciplinaridade teve como foco inicial a valorização das ciências sociais33 Lima NT. Um sertão chamado Brasil. 2. ed. revista e ampliada. São Paulo: Hucitec; 2013.,44 Nunes ED. Saúde coletiva: história de uma ideia e de um conceito. Saúde e Soc. S. Paulo. 1994; 3(2): 5-21.. Esse foi, sem dúvida, um movimento importante, contudo, é preciso dar um passo além e repensar divisões há muito tempo consolidadas. A sociedade contemporânea e os problemas postos pela pandemia de Covid-19 e pela efetiva possibilidade de novas epidemias e pandemias dão magnitude a problemas que nos chamam à interdisciplinaridade.

Neste artigo, pretendo argumentar que a pandemia de Covid-19 coloca em pauta outra ordem de questões demonstrando o quanto se faz necessário repensar as divisões entre mundo natural e sociedade, com destaque para o desafio ambiental e a nova conformação do campo da informação e comunicação, e sua interseção com novos tipos de contradições e conflitos sociais. Não se trata apenas de advogar a interdisciplinaridade, mas de entendê-la, ao mesmo tempo, como diálogo entre disciplinas e necessidade de novas abordagens que superem divisões estanques. Venho desenvolvendo tal argumento em diálogo com o grupo de pesquisa História, Saúde e Ecologia na Grande Aceleração55 Silva AFC, Sá DM. Ecologia, Doença e Desenvolvimento na Amazônia dos anos 1950: Harald Sioli e a esquistossomose na Fordlânidia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciênc. Hum. 2019; (14):627-647.

6 Sá DM, Sanglard G, Hochman G, et al. Introdução: Os historiadores e a pandemia. In: Sá DM, Sanglard G, Hochman G, et al. Diário da Pandemia: o olhar dos historiadores. São Paulo: Hucitec; 2020. p. 9-17.

7 Silva AFC, Lopes GA. pandemia de coronavírus e o antropoceno. In: Sá DM, Sanglard G, Hochman G, et al. Diário da Pandemia: o olhar dos historiadores. São Paulo: Hucitec; 2020. p. 66-72.
-88 Waizbort RF. A pandemia de Covid-19: história, política e biologia. In: Sá DM, Sanglard G, Hochman G, et al. Diário da Pandemia: o olhar dos historiadores. São Paulo: Hucitec; 2020. p. 131-139.
, na Casa de Oswaldo Cruz.

O difícil caminho da interdisciplinaridade

Termo usado com frequência para lidar com problemas complexos, a interdisciplinaridade tem sido mais postulada do que efetivamente praticada. Pode-se afirmar que consiste na articulação de várias disciplinas, tendo por foco o objeto, o problema ou o tema complexo para o qual não é suficiente a resposta de uma disciplina específica. “Ela não configura ‘uma teoria ou um método novo’: ela é uma ‘estratégia’ para compreensão, interpretação e explicação de temas complexos”99 Minayo M. Disciplinaridade, interdisciplinaridade e complexidade. Disciplinarity, interdisciplinarity and complexity. Emancipação. 2010; (10):435-442.(437). Portanto, ao aprofundarmos a discussão da interdisciplinaridade, temos de lidar com o tema da complexidade tal como proposta por Bertalanffy1010 Bertalanffy LV. Teoria geral dos sistemas. Petrópolis: Vozes; 1973. e, também, por um conjunto de autores que, seguindo diferentes caminhos, mais se dedicaram à sua construção, do que é exemplar a obra de Edgard Morin1111 Morin E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco; 2003.. De acordo com Maria Cecilia Minayo99 Minayo M. Disciplinaridade, interdisciplinaridade e complexidade. Disciplinarity, interdisciplinarity and complexity. Emancipação. 2010; (10):435-442.(437):

[...] a teoria complexa supera os conceitos de interdisciplinaridade e de transdisciplinaridade para se transformar numa forma, num método de olhar as coisas e a vida, na medida em que entendemos os sistemas vivos como autoproduzidos, auto-organizadores, autorreguladores, de forma que sua estrutura determine as interações com o meio.

Em linhas gerais, o tema é mais lembrado na crítica à fragmentação do conhecimento e da prática científica. Em um levantamento bibliográfico em diferentes periódicos, constata-se que artigos sobre interdisciplinaridade são mais frequentes no que se refere a atividades de ensino, às ciências ambientais e aos estudos na área de saúde coletiva1212 Thiesen JS. A interdisciplinaridade como um movimento de articulação no processo ensino-aprendizagem. Rev. Bras Educ. 2008 [acesso em 2021 jan 25]; 13(39):545-554. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782008000300010.
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13 Vilela EM, Mendes IJM. Interdisciplinaridade e saúde: estudo bibliográfico. Revista Latino-Americana de Enfermagem. 2003 [acesso em 2021 jan 25]; 11(4):525-531. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-11692003000400016.
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-1414 Almeida Filho N. Transdisciplinaridade e o Paradigma Pós-Disciplinar na Saúde. Saúde e Soc. S. Paulo. 2005; 14(3):30-50.
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O debate nada tem de novo no campo das ciências em geral e na saúde em particular. No pensamento filosófico, George Gusdorf1515 Gusdorf G. Prefácio. In: Japiassu H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: IMAGO; 1976. foi um dos autores que mais escreveu sobre interdisciplinaridade. Os enunciados presentes em sua obra, com a crítica à perda de substância e o conhecimento profundo de questões muito específicas, por vezes irrelevantes, aproximam-se da crítica anunciada por Max Weber1616 Weber M. A ciência como vocação. In: Gerth H, Mills W, organizadoras. Max Weber: ensaios de soc. Rio de Janeiro: Zahar; 1979.(13) em ‘A ciência como vocação’:

A intelectualização e a racionalização geral não significam, pois, um maior conhecimento geral das condições da vida, mas algo de muito diverso: o saber ou a crença em que, se alguém simplesmente quisesse, poderia, em qualquer momento, experimentar que, em princípio, não há poderes ocultos e imprevisíveis, que nela interfiram; que, pelo contrário, todas as coisas podem - em princípio - ser dominadas mediante o cálculo. Quer isto dizer: o desencantamento do mundo.

Na visão de Weber, em comparação com o pensamento selvagem, o pensamento racional moderno, alicerçado na ciência, não implicaria superioridade no que se refere ao conhecimento dos objetos do mundo cotidiano ou mesmo da experiência de vida, mas uma mudança no estatuto da crença sobre as possibilidades do conhecimento. Além desse texto clássico, nas ciências sociais e na filosofia, inúmeras discussões sobre o conhecimento e a prática científicas poderiam ser aqui enumerados. Contudo, para os propósitos deste artigo, importa acentuar o imperativo da interdisciplinaridade diante de objetos complexos como o que temos lidado na área de saúde coletiva, com destaque para as epidemias e pandemias.

Para muitos autores, o fenômeno interdisciplinar deveria ser compreendido mais como uma prática, uma estratégia, para usar a expressão de Cecilia Minayo99 Minayo M. Disciplinaridade, interdisciplinaridade e complexidade. Disciplinarity, interdisciplinarity and complexity. Emancipação. 2010; (10):435-442.. Nessa perspectiva, trata-se mais de um exercício dialógico voltado à proposição de problemas e à busca de respostas com o concurso de diferentes disciplinas científicas do que um processo orientado por epistemologias e metodologias perfeitamente definidas1717 Leis HR. Sobre o conceito de interdisciplinaridade. Cad. Pesq. Inter. Ciênc. Hum. 2005; 6(73):1-23.. Esse será o ponto de vista que adotarei aqui, mais interessada no diálogo interdisciplinar e suas implicações para a saúde coletiva.

Não obstante esses comentários, é forçoso reconhecer importantes contribuições para o debate sobre interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na saúde coletiva1414 Almeida Filho N. Transdisciplinaridade e o Paradigma Pós-Disciplinar na Saúde. Saúde e Soc. S. Paulo. 2005; 14(3):30-50.,1818 Schramm FR, Castiel LD. Processo saúde/doença e complexidade em epidemiologia. Cad. Saúde Pública. 1992; 8(4):379-390. Um dos esforços mais abrangentes é apresentado por Naomar Almeida Filho1414 Almeida Filho N. Transdisciplinaridade e o Paradigma Pós-Disciplinar na Saúde. Saúde e Soc. S. Paulo. 2005; 14(3):30-50.. O autor parte da epidemiologia e da crítica, simultaneamente, aos postulados cartesianos da ciência moderna e à teoria da complexidade para propor uma transdisciplinaridade que recoloque a questão da transdisciplinaridade em bases coletivas. Em sua perspectiva:

[...] devemos procurar não um enciclopedismo com base na genialidade de sujeitos individuais como na Renascença ou no Iluminismo, e sim uma forma renovada de enciclopedismo construída coletivamente. Cada vez mais o processo de produção do conhecimento científico será social, político-institucional, matricial, amplificado. Nesse cenário, a produção competente da ciência viabilizará abordagens totalizantes, apesar de parciais e provisórias, sínteses transdisciplinares dos objetos da complexidade1414 Almeida Filho N. Transdisciplinaridade e o Paradigma Pós-Disciplinar na Saúde. Saúde e Soc. S. Paulo. 2005; 14(3):30-50.(47).

Ainda que a crítica à fragmentação disciplinar permaneça como questão de fundo, não se trata de pensar na viabilidade do conhecimento da totalidade ou mesmo de postular a montagem de um quebra-cabeças, cujas peças originárias de disciplinas específicas dessem conta da construção de representação do todo. Em um dos artigos dedicados à interdisciplinaridade na abordagem da pandemia de Covid-19, o ponto é desenvolvido em profundidade. Os autores propõem como alternativa à metáfora do quebra-cabeças, uma análise orientada pela prática que demonstraria o fato de cada disciplina se engajar no desafio da abordagem de temas complexos de acordo com sua visão e perspectiva, o que acarreta, inevitavelmente, tensões. A boa interdisciplinaridade resultaria, assim, de diálogo e negociações, a partir de pontos de vista diversos originários de cada cultura científica particular a um determinado campo disciplinar1919 Philippi A, Sobral M, Fernandes V, et al. Desenvolvimento sustentável, interdisciplinaridade e Ciências Ambientais. RBPG. 2014 [acesso em 2021 jan 25]; 10(21). Disponível em: https://rbpg.capes.gov.br/index.php/rbpg/article/view/423.
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. A discussão ganha mais consistência na análise de fenômenos complexos particulares, e, entre eles, as epidemias e pandemias constituem um grande desafio intelectual e ético a demandar a abordagem interdisciplinar. Esse é um dos principais desafios para a saúde coletiva, e aqui meu propósito é de apenas indicar possíveis caminhos para incentivar o diálogo em torno de novos modos de fazer ciência, especialmente no campo da saúde coletiva.

Saúde coletiva e interdisciplinaridade

Para quem participa da área de saúde coletiva, o tema da interdisciplinaridade nada tem de novo. Suas premissas já haviam sido apontadas nos debates sobre a saúde pública na segunda metade do século XX, quando antropólogos e sociólogos passaram a integrar programas de saúde em todo o mundo. Esse fenômeno tornou-se mais intenso após a segunda guerra mundial, especialmente a partir de políticas vindas dos Estados Unidos da América, entendendo que programas de saúde e seu êxito dependeriam fortemente do concurso de cientistas sociais, estes vistos como uma espécie de mediadores entre os conhecimentos biomédicos e a percepção da população sobre as orientações de saúde pública. Aos cientistas sociais, caberia o papel de tradutores de um conhecimento a outro, papel que não mais se justificaria na visão predominante de antropólogos e sociólogos de hoje. Ademais, não se estaria diante da construção de um conhecimento interdisciplinar, mas de uma hierarquia científica que não valorizaria adequadamente as ciências sociais2020 Figueiredo RED. Histórias de uma antropologia da “boa vizinhança”: um estudo sobre o papel dos antropólogos nos programas de assistência técnica e saúde no Brasil e no México (1942-1960). [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2009.,2121 Lima NT, Maio MC. Ciências sociais e educação sanitária: a perspectiva do Serviço Especial de Saúde Pública na década de 1950. Hist. Ciênc. Saúde - Mang. 2010; 17(2):511-526.. De todo modo, desde aquele período, muitos estudos mostraram que a razão para o fracasso de muitos programas encontrava-se exatamente na ausência de estudos socioantropológicos bem fundamentados e, quando eles eram realizados, de sua não incorporação ao processo de definição de programas de saúde e de políticas públicas.

Desde sua origem, a área de saúde coletiva tem sido apresentada como um empreendimento interdisciplinar. Ao reunir abordagens da epidemiologia, da gestão em saúde e das ciências sociais e humanas em saúde, seus contornos são sempre sujeitos à negociação. A definição da área resultou de complexo processo de negociação e formação de consensos, e não de questões teórico-metodológicas vistas de forma descontextualizada. Sem negar as contribuições individualizadas das disciplinas que a compõem, com seus respectivos paradigmas, foi no processo político de constituição do campo da saúde coletiva a partir do movimento da reforma sanitária que esses contornos interdisciplinares se forjaram2222 Vieira-da-Silva L. Collective Health: Theory and Practice. Innovations From Latin America. Oxford Research Encyc. Glob. Public Healt. 2021; (36):432-446.. Isso porque, produto de negociações e disputas entre os participantes da área, o termo saúde coletiva que passou a dar nome à associação criada em 1979 indicou uma nova forma de abordar as relações entre conhecimentos, práticas e direitos referentes à qualidade de vida. Em lugar das tradicionais dicotomias - saúde pública/assistência médica; medicina curativa/medicina preventiva; e mesmo indivíduo/sociedade -, busca-se uma nova compreensão na qual a perspectiva interdisciplinar e o debate político em torno de temas como universalidade, equidade, democracia, cidadania e subjetividade aparecem como questões centrais44 Nunes ED. Saúde coletiva: história de uma ideia e de um conceito. Saúde e Soc. S. Paulo. 1994; 3(2): 5-21.,2323 Lima NT, Santana JP organizadores. Saúde coletiva como compromisso: a trajetória da Abrasco. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.,2424 Fleury S. Democracia e saúde: algumas considerações políticas, In: Fleury S, organizadora. Saúde: coletiva? Questionando a omnipotência do social. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1992..

A despeito da extensa literatura sobre a formação da área e o papel da interdisciplinaridade, em sua constituição e desenvolvimento, está longe de haver um consenso. Na perspectiva de muitos autores, a saúde coletiva é um fenômeno sócio-histórico decorrente de conflitos científicos, mas também sociais e políticos, na definição de uma agenda programática relacionada com o movimento da reforma sanitária. Tratar-se-ia, ao mesmo tempo, de um processo de disputas para a conformação de um campo científico, segundo a perspectiva de Pierre Bourdieu, análise mais aprofundada nos estudos de Ligia Vieira-da-Silva2222 Vieira-da-Silva L. Collective Health: Theory and Practice. Innovations From Latin America. Oxford Research Encyc. Glob. Public Healt. 2021; (36):432-446..

Para outros autores, a adoção do termo saúde coletiva implicaria, sobretudo, uma inovação conceitual e uma renovação epistemológica. Talvez esse posicionamento seja mais forte na área de saúde mental, especialmente pelo encontro de médicos, sanitaristas, psicanalistas, sociólogos e antropólogos em projetos institucionais interdisciplinares. Essa é a linha de defesa de editorial de número da revista ‘Physis’ dedicado à interdisciplinaridade no campo da saúde mental. É o que se apresenta em texto de Joel Birman2525 Birman J. Apresentação: a interdisciplinaridade na Saúde Coletiva. Physis: Rev Saúde Colet. 1996 [acesso em 2021 set 13]; 6(1-2):7-13. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-73311996000100001.
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A introdução recente do termo ‘saúde coletiva’ no nosso vocabulário teórico implicou certamente em muito mais coisas do que uma mera inovação vocabular. Em verdade, implicou uma invenção conceitual de primeira ordem. Aquelas palavras remetem para uma renovação epistemológica profunda do campo da saúde, no qual as linhas de força que o perpassavam foram remanejadas pela introdução naquele de outras dimensões até então ausentes. Com isto a noção de ‘saúde’ se transformou completamente, delimitando uma outra paisagem para o campo sanitário, que se apresenta agora num cenário imantado por outros eixos teóricos e novos investimentos sociopolíticos.

Sem aprofundar tal debate sobre os sentidos da definição da área, o que fugiria ao objetivo principal deste artigo, adoto aqui a perspectiva já anteriormente enunciada por Everardo Nunes de abordar a saúde coletiva como projeto, estruturado em três dimensões: corrente de pensamento; movimento social e prática teórica44 Nunes ED. Saúde coletiva: história de uma ideia e de um conceito. Saúde e Soc. S. Paulo. 1994; 3(2): 5-21.,2323 Lima NT, Santana JP organizadores. Saúde coletiva como compromisso: a trajetória da Abrasco. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.. Nessa perspectiva, caberia à saúde coletiva um lugar especial na construção de novos conhecimentos e uma agenda interdisciplinar para o enfrentamento da pandemia de Covid-19.

O esforço interdisciplinar na abordagem de epidemias recentes pode se constituir em importante e útil ponto de observação. Ressalte-se a relevante agenda de pesquisas disciplinares e interdisciplinares no Brasil, e em nível internacional, em torno da epidemia de Aids e todos os temas controversos relativos à origem, à transmissão da doença e aos supostos grupos de risco2626 Camargo Jr KR. Aids and aids according to the sciences. HCS - Manguinhos. 1994; 1(1):35-60.. Mais recentemente, as epidemias de ebola e a emergência sanitária de interesse global relacionada com a zika têm ensejado muitas reflexões importantes para a abordagem da pandemia de Covid-19 na área de saúde coletiva. Em geral, os esforços interdisciplinares tendem a hierarquizar conhecimentos e a avaliar contribuições advindas de estudos das ciências sociais a partir de parâmetros de outras áreas científicas, quer biomédicas, quer no campo da saúde coletiva, as que se originam dos estudos epidemiológicos. Nesse movimento, por vezes, fica secundarizada a importância das ciências sociais, ignorando-se que as pessoas em seus contextos sociais desempenham papel crítico no controle epidemiológico, pois espera-se, por exemplo, que elas mudem seu modo de comer, praticar sexo, suas relações sociais, suas rotinas habituais, processos que requerem estudos aprofundados por cientistas sociais2727 Passos MJ, Matta G, Lyra TM, et al. The promise and pitfalls of social science research in an emergency: lessons from studying the Zika epidemic in Brazil, 2015-2016. BMJ Global Health. 2020 [acesso em 2021 set 13]; (5):e002307. Disponível em: https://gh.bmj.com/content/5/4/e002307.
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Ao mesmo tempo, uma perspectiva interdisciplinar na análise das pandemias deveria também alargar a agenda das ciências sociais, superando, entre outras coisas, as divisões entre problemas ambientais/problemas sociais; desenvolvimento científico/tecnológico e políticas sociais; além da visão estanque das epidemias como fenômenos biológicos ou como construções sociais. Essa agenda hoje implica considerar, ao lado do direito universal à saúde, o desenvolvimento consistente de um sistema de ciência, tecnologia e inovações, questões ambientais, a nova conformação da tecnologia e informação em saúde e as profundas mudanças no mundo do trabalho com impacto nas políticas públicas, em particular nas políticas sociais.

Interdisciplinaridade e desafios na crise sanitária e social global provocada pela pandemia de Covid-19

A pandemia de Covid-19 tornou incontornável a constatação de uma profunda mudança nas relações entre espaço, tempo e doenças infecciosas, algo que já vem sendo apontado desde, pelo menos, a década de 1980. Percebeu-se que o mundo estava mais vulnerável à ocorrência e à disseminação global, tanto de doenças conhecidas como novas. A integração das economias em todo o planeta permitiu um grande aumento de circulação de pessoas e de mercadorias; promoveu o uso intensivo e não sustentável dos recursos naturais; e acentuou mudanças sociais favoráveis ao contágio das doenças infeciosas, isto é, adensamento populacional urbano, massiva mobilidade de populações nesses espaços, agregação de grandes contingentes de pessoas em habitações precárias com acesso limitado ao saneamento básico. Não se trata obviamente de fenômeno novo, mas da escala em que se verifica e das condições dessa urbanização. Essas condições permitiram o desenvolvimento da ‘globalização da doença’ como a Covid-19, tomando aqui de empréstimo a definição de Fidler2828 Fidler D. SARS, governance and the globalization of disease. New York: Palgrave Macmillan; 2004. relativa à pandemia de Sars, que ocorreu em 2002-2003. Muitas das discussões que se tornaram mais agudas se verificaram desde a década de 1980, sob o impacto da epidemia de Aids, com a crítica a uma visão simplificada do conceito de transição epidemiológica e a ideia, ainda tão corrente, da superação das doenças infecciosas, ou de sua ressignificação como doenças da pobreza2929 Lerderberg J. Infectious disease as an evolutionary paradigm. Emerg Infect Dis. Atlanta. 1997; 3(4):417-23.,3030 Lima NT, Buss PM, Paes-Sousa R. A pandemia de COVID-19: uma crise sanitária e humanitária. Cad. Saúde Pública. 2020; 36(7):1-4..

Qualquer abordagem da atual pandemia ou de pandemias do passado deve necessariamente levar em conta o processo de transmissão do vírus, as respostas biológicas dos indivíduos e seus impactos na vida coletiva. Essas dimensões, entretanto, estão intimamente relacionadas, sendo praticamente impossível dissociar as dimensões biológica e social. Isso não significa que conhecimentos disciplinares específicos não sejam relevantes, ao contrário, porém, o conhecimento da doença requer, além de análises genômicas especializadas sobre o vírus, estudos da infectologia e da imunologia, o estudo do ecossistema de transmissão, no qual variáveis sociais têm importância acentuada.

Um bom exemplo é o artigo sobre a variante Gama, originalmente P1, do Sars-CoV-2, e seu impacto no que foi considerado a segunda onda de Covid-19 no estado do Amazonas. A vigilância genômica permitiu identificar a rápida disseminação da variante em pauta. Concomitantemente, essa e outras variantes decorrem da maior circulação do vírus, um fenômeno fortemente ancorado no comportamento social nem sempre adotado por escolha, tendo em vista as precárias condições e a aglomeração provocada no transporte fluvial, e a incipiente vacinação no momento da publicação. Dessa forma, concluem os autores, a dificuldade de manter distanciamento físico, adotar medidas não farmacológicas, como uso adequado de máscaras, certamente contribuíram para a disseminação da variante3131 Naveca FG, Nascimento V, Souza VC, et al. COVID-19 in Amazonas, Brazil, was driven by the persistence of endemic lineages and P.1 emergence. Nat Med. 2021 [acesso em 2021 set 13]; (27):1230-1238. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41591-021-01378-7.
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Em todo o mundo, grupos de pesquisa estão estudando quais mutações levam a versões mais transmissíveis do novo coronavírus. Com mais de um milhão de novas infecções ocorrendo todos os dias e bilhões de pessoas ainda não vacinadas, hospedeiros suscetíveis raramente estão em falta. Assim, a seleção natural favorece mutações que podem explorar todas essas pessoas não vacinadas e tornar o Sars-CoV-2 mais transmissível. Nessas circunstâncias, a melhor maneira de restringir a evolução do novo coronavírus é reduzir o número de infecções, com medidas não farmacológicas que dificultem a possibilidade de contágio e com a ampliação da vacinação. Pela sua forma de replicação, o fenômeno das mutações é característico dos vírus, e a biologia evolutiva vem historicamente demonstrando a importância de uma abordagem ecológica, social e sistêmica sobre esses processos. Uma perspectiva histórica sobre as epidemias e pandemias contribui para melhor compreensão da atual crise sanitária e reforça a importância do enfoque interdisciplinar.

Em 1980, Richard Krause3232 Krause RM. Foreword. In: Morse SS, editor. Emerging viruses. Oxford; New York: Oxford University Press; 1993.(xvii) constatou a persistência das doenças infecciosas que, em sua visão, representavam uma ameaça permanente a todos os países, independentemente do grau de desenvolvimento econômico e condições sanitárias. Para ele, “as epidemias são tão certas como a morte e os impostos”. Pouco antes do impacto da epidemia de Aids, perspectivas como a do citado virologista americano já colocavam em xeque uma das teses dominantes na saúde pública da segunda metade do século XX, caracterizada pelo prognóstico da eliminação das doenças decorrentes da afluência e da urbanização. Dessa forma, muitas doenças poderiam ser prevenidas pelos avanços tecnológicos, universalização do saneamento básico e, particularmente, pelo desenvolvimento de antibióticos e vacinas3030 Lima NT, Buss PM, Paes-Sousa R. A pandemia de COVID-19: uma crise sanitária e humanitária. Cad. Saúde Pública. 2020; 36(7):1-4.. Nesse modelo teórico, ocorreria a perda de importância das doenças infeciosas nos países mais ricos, onde as doenças dos períodos de carência cederiam inexoravelmente lugar para as doenças da abundância e do excesso. Contudo, em muitos países, permaneceria uma distribuição desigual nos padrões epidemiológicos, indicando que a prevalência de doenças infeciosas, da desnutrição e mesmo da baixa expectativa de vida seria inversamente proporcional ao desenvolvimento de suas economias. No mundo, a desigualdade na distribuição dos padrões epidemiológicos ocorreria em função da distribuição desigual das condições socioeconômicas e dos meios de prevenção e tratamento de doenças. Contudo, conforme a experiência histórica recente e diferentes estudos demonstraram, as doenças infecciosas transmissíveis não se tornaram problemas do passado, tampouco deixaram de se apresentar como risco para todas as sociedades.

No estudo da história das doenças infecciosas e das epidemias, alcançou grande adesão a tese proposta independentemente por Alfred Crosby3333 Crosby AW. Virgin soil epidemics as a factor in the aboriginal depopulation in America. The William and Mary Quarterly. Virginia. 1986; 33(2):289-299. e William McNeill3434 McNeilL WH. Plagues and peoples. New York: Anchor; 1976.. Nomeada de epidemia em solo virgem (virgin soil epidemics), ela postulava que o extermínio dos povos originários da América de colonização espanhola pode ser, em larga medida, explicado pela exposição pela primeira vez a algumas doenças infecciosas, já conhecidas pelos europeus. Em artigo sobre a atual pandemia, Ricardo Waizbort88 Waizbort RF. A pandemia de Covid-19: história, política e biologia. In: Sá DM, Sanglard G, Hochman G, et al. Diário da Pandemia: o olhar dos historiadores. São Paulo: Hucitec; 2020. p. 131-139. analisa essa teoria, baseando-se especialmente na crítica formulada por David Jones3535 Jones DS. Virgin soils revisited. The William and Mary Quarterly. Virginia. 2003; 60(4):703-742.. Esse autor propõe uma revisão das relações entre as causas genético-imunológicas e as causas sociopolíticas, atribuindo grande força explicativa a estas últimas. Para Waizbort88 Waizbort RF. A pandemia de Covid-19: história, política e biologia. In: Sá DM, Sanglard G, Hochman G, et al. Diário da Pandemia: o olhar dos historiadores. São Paulo: Hucitec; 2020. p. 131-139., a questão não é de interesse apenas acadêmico, pois a narrativa sobre o passado interfere na forma como epidemias e pandemias são interpretadas na atualidade, o que se verifica na abordagem do impacto da pandemia de Covid-19 em populações consideradas socialmente vulneráveis. Nessa discussão, alguns conceitos originários das ciências sociais podem contribuir para uma compreensão mais ampla sobre o tema.

Ao reconhecer a importância da abordagem interdisciplinar sobre a pandemia em curso e outros fenômenos a serem estudados pela saúde coletiva, venho destacando dois conceitos sociológicos: o de ‘fato social total’, proposto por Marcel Mauss3636 Mauss M. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições 70; 1988., e o de ‘interdependência’, apontado por Norbert Elias3737 Elias N. The civilizing process: sociogenetic and psychogenetic investigations. Massachusetts: Blackwell; 2000..

Em ‘Ensaio sobre a dádiva’, publicado originalmente em 1925, Mauss propôs o conceito de ‘fato social total’ para indicar a capacidade de certos fenômenos colocarem em movimento o conjunto, ou melhor, a totalidade da sociedade e suas instituições. Por essa razão, o fato social total tornaria indistinguíveis as dimensões jurídica, econômica, religiosa e cultural da vida em sociedade. O conceito revela sua força na análise da pandemia em curso e abrange também a dimensão biológica, uma vez que questões, por exemplo, referentes à genética, à imunologia, à infectologia só se realizam no âmbito de uma dinâmica social específica, tal como o exemplo da grande transmissão da variante Gama. Isso não significa dizer que algumas variantes não possam ter maior potencial de transmissão, mas sim entender a transmissão, a um só tempo, como fenômeno biológico e social. O próprio fenômeno da vacina e da vacinação poderia ser mais bem analisado à luz do conceito de fato social total3838 Homma A, Carvalho ACC, Fialho BC, et al. Covid-19 pandemic, R&D, vaccines, and the urgent need of UBUNTU practice. Lancet Reg Health Am. 2021; (1):1-2..

Pensar a pandemia como fato social total tem resultado em abordagens inovadoras sobre a Covid-19; assim, dois artigos publicados revelam toda a força explicativa do conceito. Em um deles, de autoria de Frederic Vandenberghe e Véran3939 Vandenberghe F, Véran JF, organizadores. Além do habitus: teoria social pós-bourdieusiana. Rio de Janeiro: 7 Letras; 2016., o conceito utilizado é o de ‘fato social total global’, pretendendo dar conta do fenômeno pandêmico em um mundo altamente interdependente e globalizado. Para os autores, considerar a pandemia um fato social total global demanda que ela seja analisada em todas as suas dimensões: da biológica à política; da simbólica à econômica; da estética à existencial. Destaca-se também o uso do conceito para a análise do impacto da Covid-19 em populações indígenas, tal como pode ser analisado em artigo de Santos e colegas4040 Santos RV, Pontes AL, Coimbra CEA. Um “fato social total”: COVID-19 e povos indígenas no Brasil. Cad. Saúde Pública. 2020 [acesso em 2021 set 14]; 36(10):e00268220. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00268220.
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. A contribuição dos autores indica a necessária mudança de perspectiva, buscando-se superar os limites da abordagem da pandemia entre povos indígenas como expressão de uma vulnerabilidade vista de forma genérica. Em sua perspectiva:

A COVID-19, como ‘fato social total’, expõe as múltiplas dimensões e te|nsões provocadas pela atuação do Estado na implementação de políticas públicas dirigidas a minorias étnico-raciais no Brasil4040 Santos RV, Pontes AL, Coimbra CEA. Um “fato social total”: COVID-19 e povos indígenas no Brasil. Cad. Saúde Pública. 2020 [acesso em 2021 set 14]; 36(10):e00268220. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00268220.
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Um segundo conceito sociológico relevante é o de ‘interdependência’, proposto por Norbert Elias. O sociólogo alemão abriu caminho para a compreensão da formação dos indivíduos por meio do lugar social que eles ocupam, de suas relações com as normas e as regras que organizam os grupos sociais, considerando o processo de internalização e constrangimento das pulsões e emoções de cada um. Em texto recente, Tatiana Landin4141 Landini TS. Interdependência em tempos de Covid-19: reflexões nos primeiros dias de distanciamento social. Blogbvps. 2021 abr 20. [acesso em 2021 set 14]. Disponível em: https://blogbvps.wordpress.com/2020/04/20/interdependencia-em-tempos-de-covid-19-reflexoes-nos-primeiros-dias-de-distanciamento-social-por-tatiana-landini.
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retoma os desdobramentos desse conceito tanto na obra de Elias como na do sociólogo holandês Johan Goudsban, especialmente ‘Public Health and the Civilizing Process’. O conceito de interdependência é mobilizado como chave explicativa para a ação social e remete à discussão da interdependência provocada pelas doenças transmissíveis.

O conceito de ‘interdependência’, proposto originalmente por Elias, vem sendo aplicado a diferentes contextos sócio-históricos por seu potencial explicativo para a relação entre epidemias e definição de políticas públicas. A interdependência entre indivíduos e grupos sociais não é capaz de reduzir os efeitos das desigualdades sociais, mas contribuiu para a percepção dos riscos, ainda que desiguais, a que todos estariam submetidos. Isso não implica simetria nas relações sociais, pois, inversamente, as desigualdades sociais se manifestam historicamente na história das doenças, do que seria exemplar a história da pandemia de peste bubônica na Europa do século XIV. As classes altas teriam muito mais condições de proteção, refugiando-se em casas protegidas, restando aos pobres o isolamento compulsório, em quarentenas, realizado em instituições asilares. Da percepção da interdependência ante os efeitos da peste, teria, por outro lado, decorrido a criação de Conselhos de Saúde. Esse veio analítico também esteve presente em De Swan4242 De Swaan A. In care of the State. London: Polity Press; 1990. com sua análise sobre a interdependência entre Estados Nacionais e a definição de políticas públicas de saúde. Além disso, foi retomado por Gilberto Hochman4343 Hochman G. A Era do Saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil. São Paulo: Hucitec; Anpocs; 1998. em ‘A era do saneamento’, livro no qual realizou estudo da gênese de políticas públicas em saúde no Brasil, sobretudo o fortalecimento do papel do Estado Nacional como resultado do aumento da consciência da interdependência social motivada pelas doenças transmissíveis.

No campo dos estudos sociais das ciências, evidencia-se que o papel das ciências sociais não se restringe ao impacto social, econômico e político das epidemias, mas antes elas nos permitem pensar as condições de possibilidade para o surgimento das doenças e sua construção como fato científico. Caminhos como esse nos ajudam a entender, conjuntamente, a gênese da epidemia e a construção social dos conhecimentos a ela relacionados, uma chave de leitura importante a permitir que sigamos o percurso da Covid-19 do mercado de Wuhan aos laboratórios de virologia, onde se fez o sequenciamento genômico, à observação da disseminação dos vírus, por meio das viagens aéreas, em um primeiro momento, e à construção dos diferentes cenários epidemiológicos e regramentos nos Estados Nacionais e orientações da Organização Mundial da Saúde. Outrossim, por fim, as tentativas infrutíferas até o presente desse organismo e outras agências internacionais, por intermédio de mecanismos como o Covax, de garantir o acesso a vacinas que vêm reduzindo hospitalizações e mortes em todos os países em que avançam programas de vacinação.

Conforme observa Simone Kropf4444 Kropf SP. O laboratório e a urgência de mover o mundo. In: Sá DM, Sanglard G, Hochman G, et al, organizadores. Diário da Pandemia: o olhar dos historiadores. São Paulo: Hucitec; 2020., a crise referida à Covid-19, não obstante seu caráter singular de acontecimento, inscreve-se em tendências das sociedades contemporâneas, e como os atores sociais a ela respondem a partir de repertórios, tradições, instituições, crenças e práticas que, por sua vez, também possuem história e temporalidade próprias. Defendo que a imaginação sócio-histórica tem um peso crucial na compreensão sobre a pandemia e seus efeitos, tanto para a análise de tendências como de certas recorrências na relação entre conhecimento científico e políticas públicas, como o fenômeno de se desconsiderarem evidências que possam colocar em risco determinados interesses políticos. Ressalto, sobretudo, a força política das ideias com o peso das narrativas do passado na construção de argumentos sobre fenômenos contemporâneos, tal como vimos na discussão sobre ‘epidemia em solo virgem’.

A pandemia tem colocado em todo o mundo a centralidade do estudo das desigualdades sociais antes e como efeito dela4545 Sachs J, Kroll C, Lafortune G, et al. The Decade of Action for the Sustainable Development Goals: Sustainable Development Report 2021. Cambridge: Cambridge University Press; 2021.. Nesse cenário, ganham destaque os conceitos de ‘risco e vulnerabilidade’.

O conceito de risco, tal como proposto por Ulrich Beck4646 Beck U. Sociedade de risco: Rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011. no livro ‘Sociedade de Risco’, tem implicado o desenvolvimento de análises que aproximam acidentes nucleares, desastres ambientais, emergências sanitárias e ataques terroristas. Seus críticos observam o fato de, ainda que os riscos pareçam difusos, sua incidência nas sociedades variarem de acordo com fatores sociais e ambientais bastante precisos. Nessa perspectiva, a ecologia política vem propondo uma abordagem dos conflitos socioambientais considerando a estrutura desigual de poder e de acesso a bens e serviços. Por seu turno, o conceito de ‘vulnerabilidade’ refere-se à exposição a riscos e a diferentes condições para seu enfrentamento4747 Najar A, Castro L. Um nada ‘admirável mundo novo’: medo, risco e vulnerabilidade em tempos de Covid-19. Saúde debate. 2021 [acesso em 2022 set 30]; 45(esp2):142-155. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-11042021E210.
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.

Conforme observam Carmo e Guizardi4848 Carmo ME, Guizardi FL. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cad. Saúde Pública. 2018; 34(3):1-14.(7), ao discutirem os sentidos do conceito de vulnerabilidade em políticas públicas de saúde e assistência social no Brasil, a vulnerabilidade precisa ser associada à precariedade no acesso e à garantia de direitos e proteção social, “caracterizando a ocorrência de incertezas e inseguranças e o frágil ou nulo acesso a serviços e recursos para a manutenção da vida com qualidade”. É interessante como, no curso da pandemia, a abordagem de populações em situação de vulnerabilidade ganhou densidade com vistas a ações solidarias, mas, sobretudo, ao fortalecimento do protagonismo de grupos sociais que sofrem os efeitos da extrema desigualdade social, quer de classe, racial, étnica, entre outras.

O fato de ter assinalado a importância da perspectiva sócio-histórica de análise não significa a defesa da ideia de uma história que se repete, ainda que sejam instigantes comparações com pandemias pretéritas, a exemplo daquela que marcou o início do século XX: a gripe espanhola4949 Schwarcz LM, Starling HM. A bailarina da morte: A gripe espanhola no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; 2020.. Defendo, entretanto, ser a pandemia de Covid-19 um fenômeno inteiramente novo que põe em evidência, por vezes em aceleração, uma série de tendências da sociedade contemporânea, mas que pode envolver inflexões e mudanças, cujo rumo não está dado. Esse posicionamento reforça a importância de consistentes análises interdisciplinares para sua compreensão e, sobretudo, respostas políticas, no sentido de redução de desigualdades e fortalecimento de caminhos democráticos de superação da crise.

A Covid-19 não é um retorno a epidemias prévias na história”. A frase proferida pelo sociólogo Anthony Giddens5050 Giddens A. Anthony Giddens: What’s next? Covid-19 and the future world order. Webinário. [acesso em 2020 set 17]. Disponível em: https://www.sum.uio.no/english/research/networks/arne-naess-programme/arne-naess-symposia/events/anthony-giddens-covid-19-and-the-future-world.of-order.html.
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põe em relevo o caráter singular da experiência recente. Para o autor, esta e possíveis futuras epidemias estarão relacionadas fortemente com fatores ambientais, notadamente de mudanças climáticas, mas também à grande transformação nos meios de informação e comunicação, resultando no que denomina digidemics, ou digidemia. A informação e a comunicação passam a ser constitutivas da própria pandemia e não podem ser vistas como apenas um fator adicional, uma variável sem grande valor explicativo. Segundo a análise do autor, disso não decorreriam apenas externalidades negativas (fake news etc.), mas aumento da capacidade de resposta científica e disseminação científica, além de novas formas de resiliência. A globalização é vista, assim, não apenas como fenômeno econômico, mas, principalmente, como processo relacionado com a comunicação5151 Domingues JM. From global risk to global threat: State capabilities and modernity in times of coronavirus. Current Sociology. 2020; 70(1):6-23..

Uma pandemia da magnitude da que estamos vivendo coloca desafios ainda mais amplos, que alguns autores têm apontado como um ponto de inflexão, de mudança social, podendo indicar uma nova etapa da modernidade, acarretando uma mudança no modelo neoliberal em curso e um possível maior protagonismo do Estado em relação ao mercado5252 Agamben G. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo; 2004.,5353 Han BC. O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã, segundo o filósofo Byung-Chul Han. El país. 2020 mar 20. [acesso em 2021 set 25]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/ideas/2020-03-22/o-coronavirus-de-hoje-e-o-mundo-de-amanha-segundo-o-filosofo-byung-chul-han.html.
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. Para alguns autores, estar-se-ia diante de tendências de maior controle da vida social e da liberdade individual, observando que as medidas sanitárias de controle e vigilância implicariam o fortalecimento de políticas autoritárias4949 Schwarcz LM, Starling HM. A bailarina da morte: A gripe espanhola no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; 2020.,5050 Giddens A. Anthony Giddens: What’s next? Covid-19 and the future world order. Webinário. [acesso em 2020 set 17]. Disponível em: https://www.sum.uio.no/english/research/networks/arne-naess-programme/arne-naess-symposia/events/anthony-giddens-covid-19-and-the-future-world.of-order.html.
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. Na verdade, tal direção não está previamente definida, conforme observou com propriedade o historiador e filósofo Youvah Harari5454 Harari YN. Notas sobre a pandemia: e breves lições para o mundo pós-coronavírus. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras; 2020..

No plano global, a pandemia põe em relevo a relação entre os Estados Nacionais, o controle de fronteiras e, também, a vulnerabilidade até mesmo de países ricos no que se refere à concentração da produção industrial de itens fundamentais para a saúde. Ao longo da pandemia, constou-se a falta de respiradores, de equipamentos de proteção individual e de medicamentos e, sobretudo, de vacinas. No Brasil, esse debate tem motivado o fortalecimento de um conceito e um conjunto de práticas há muito tempo defendidos por instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e que logrou institucionalização no âmbito do Ministério da Saúde: o do Complexo Econômico e Industrial da Saúde, englobando um conjunto de ações que partem da premissa de a ciência, tecnologia e inovação em saúde serem parte constitutiva e crucial para o desenvolvimento socioeconômico sustentado do País e que devem combinar poder de compra do Estado, capacidade de transferência tecnológica e acesso aos produtos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS)5555 Gadelha C. O Complexo Econômico-Industrial da Saúde no Brasil hoje. Nexo. 2020 maio 11. [acesso em 2021 set 25]. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/O-Complexo-Econ%C3%B4mico-Industrialda-Sa%C3%BAde-no-Brasil-hoje.
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. Nesse cenário, verificou-se a rápida resposta da ciência, porém, ao mesmo tempo, a grande desigualdade na produção e no acesso a vacinas, responsável pela mitigação dos efeitos da pandemia com a redução expressiva dos casos graves e, portanto, hospitalizações e óbitos. Tal desigualdade demandará certamente diferentes temporalidades de superação da crise atual, resultando em mais desigualdades entre os países, com evidente efeito perverso para os de baixa e média renda, muitos que ainda não alcançaram nem mesmo 10% de vacinação com a primeira dose.

Políticas econômicas, sobretudo, o modelo de alocação de recursos em relação às áreas que se mostraram essenciais para o enfrentamento desta crise (saúde, ciência e tecnologia, educação, e proteção social), devem ser revistas para aumentar a proteção dos países a futuras emergências. A recuperação da empregabilidade necessitará ser feita enquanto se busca mitigar os efeitos da alteração dos padrões tecnológicos na produção, que já tendia a ter efeitos perversos sobre a empregabilidade3030 Lima NT, Buss PM, Paes-Sousa R. A pandemia de COVID-19: uma crise sanitária e humanitária. Cad. Saúde Pública. 2020; 36(7):1-4.. Note-se que, há três décadas, nos países industrializados, cerca de 30% da força de trabalho exercia suas atividades na indústria ou na agricultura; atualmente, menos de 10% estão empregados nesses setores. Ao buscar aproximar economia política e pensamento sanitarista, Carlos Gadelha tem defendido que a ativação e a priorização de um complexo médico industrial da saúde, adequadamente desenhado e implementado, pode ser parte da solução, trazendo dinamismo econômico e melhorando a capacidade de resposta a problemas sanitários existentes, que prejudicam a população, e a outras epidemias que possivelmente virão5656 Lima NT, Gadelha CG. The COVID-19 Pandemic: Global Asymmetries and Challenges for the Future of Health. China CDC Weekly. 2021 [acesso em 2021 set 25]; 3(7):140-141. Disponível em: http://weekly.chinacdc.cn/en/article/doi/10.46234/ccdcw2021.039?viewType=HTML.
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. Isto exige pensar o desenvolvimento econômico como parte do desenvolvimento sustentável; e, para tal, as premissas econômicas, sociais e políticas deverão ser alteradas5656 Lima NT, Gadelha CG. The COVID-19 Pandemic: Global Asymmetries and Challenges for the Future of Health. China CDC Weekly. 2021 [acesso em 2021 set 25]; 3(7):140-141. Disponível em: http://weekly.chinacdc.cn/en/article/doi/10.46234/ccdcw2021.039?viewType=HTML.
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. O estudo das desigualdades sociais e de novas relações sociedades/natureza se impõe como base para uma efetiva nova agenda política.

De fato, ainda que a denominação seja a mesma, o termo Covid-19 designa realidades profundamente diversas tanto entre os países como no interior dos Estados Nacionais, sendo conformada a pandemia pelas desigualdades, capacidade de respostas políticas e acesso a sistemas universais de saúde. Não se trata apenas de apontar o impacto das desigualdades, mas de constatar que a atual crise sanitária, econômica e social vem gerando novas desigualdades. À guisa de exemplo, pode-se mencionar o caso do Brasil: estudos demográficos já apontam a redução na expectativa de vida, com retrocesso de tendência histórica recente5757 Castro MC, Gurzenda S, Turra CM, et al. Reduction in life expectancy in Brazil after COVID-19. Nat Med. 2021; 27(1):1629-1635.. Acrescente-se a esse fato o impacto na educação, nas condições de emprego e na concentração de renda, em um país que se define mais pela desigualdade e injustiça do que pela pobreza.

A pandemia também indica a importância da tomada de decisão em momentos-chave, sugerindo que análises estruturais devam ser combinadas com análise de processos decisórios na conjuntura. Conforme observamos em estudo anterior:

Uma das lições já aprendidas com a pandemia em curso é a necessidade de valorizarmos a gestão pública e o tempo de resposta nos critérios de aferição da capacidade instalada para o enfrentamento de crises sanitárias e humanitárias emergenciais. A resposta rápida, consistente e sustentável de lideranças políticas, também se mostrou fundamental nos países que apresentaram melhores resultados no combate à Covid-193030 Lima NT, Buss PM, Paes-Sousa R. A pandemia de COVID-19: uma crise sanitária e humanitária. Cad. Saúde Pública. 2020; 36(7):1-4.(3).

De acordo com o mapa de pesquisa para a recuperação pós-pandemia, proposto pela Organização das Nações Unidas, a crise da Covid-19 expôs iniquidades, fragilidades e práticas não sustentáveis que existiam antes da pandemia. Por outro lado, ela também nos daria a chance de uma recuperação melhor, pensar os sistemas sob a lente dos direitos humanos e, também, recolocaria a possibilidade de apontar com mais ênfase as transformações necessárias para que se alcancem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030. A recuperação econômica e social teria como base cinco pilares: sistemas e serviços de saúde; proteção social e serviços básicos; resposta econômica e programas de recuperação; políticas macroeconômicas e colaboração multilateral; coesão social e resiliência comunitária. Não obstante essas diretrizes, o mundo vem apresentando acentuado retrocesso no alcance desses objetivos, tal como pode ser visto em publicação recente, coordenada pelo economista Jeffrey Sachs:

Em 2020, pela primeira vez desde que os ODS foram adotados em 2015, o mundo perdeu terreno nos ODS. A pandemia de COVID-19 criou não apenas uma emergência de saúde global, mas também uma crise de desenvolvimento sustentável. Para restaurar o progresso dos ODS, os países em desenvolvimento precisam de um aumento significativo em seu espaço fiscal, por meio de uma reforma tributária global e da expansão do financiamento pelos bancos multilaterais de desenvolvimento. Os gastos fiscais devem apoiar as seis principais transformações dos ODS: educação de qualidade para todos, cobertura universal de saúde, energia e indústria limpas, agricultura e uso da terra sustentáveis, infraestrutura urbana sustentável e acesso universal a tecnologias digitais45(vii).

Ao pensar na crise de desenvolvimento sustentável, há de se reconhecer a importância do enfoque interdisciplinar para que se possa, ao discutir o aumento das desigualdades sociais, propor um novo modelo de desenvolvimento. Discussões sobre mudanças sociais, políticas e culturais profundas relacionadas com epidemias e pandemias fazem, há muito tempo, parte do repertório das ciências sociais. Como a Covid-19 provém do vírus Sars-CoV-2, que originalmente não infectava humanos, pensar o desenvolvimento sustentável e o impacto das pandemias implica incluir na agenda a relação entre humanos e animais não humanos, bem como hábitos de consumo, incluindo a alimentação. Um instigante texto a esse respeito foi publicado por Claude Lévi Strauss5858 Lévi-Strauss CA. Lição de sabedoria das vacas loucas. Est. Avanç. 2009 [acesso em 2021 set 13]; 23(67)211-216. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-40142009000300025.
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. Nele, o antropólogo francês analisou o fenômeno da encefalopatia espongiforme, doença transmitida por carne bovina, de forte impacto em países europeus, no início da década de 19905959 Lima NT. Simpósio 14-Mundo Social e Pandemia. Série Pandemia, Cultura e Sociedade. Blogbvps. 2020 jul 2. [acesso em 2020 jul 2]. Disponível em: https://blogbvps.wordpress.com/2020/07/02/simposio-14-mundo-social-e-pandemia/.
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Entendeu o fenômeno que foi popularizado como ‘doença da vaca louca’ como uma indução ao canibalismo, uma vez que a fonte da contaminação estaria na farinha de origem bovina com a qual o gado era alimentado. Segue-se interessante texto com referências à premonição de Comte sobre animais como laboratórios nutritivos e os prováveis efeitos da epidemia, entre eles, a possível mudança no regime alimentar das sociedades humanas. Sobre o papel da ciência e da técnica, ele diria:

Os agrônomos se encarregarão de fazer aumentar o teor proteico das plantas alimentares, os químicos, de produzir em quantidade industrial proteínas sintéticas. Mas, ainda que a encefalopatia espongiforme (nome científico da doença da vaca louca e de outras aparentadas) se instale de forma duradoura, apostamos que o apetite pela carne nem por isso desaparecerá. Sua satisfação se tornará apenas uma ocasião rara, custosa e cheia de risco5858 Lévi-Strauss CA. Lição de sabedoria das vacas loucas. Est. Avanç. 2009 [acesso em 2021 set 13]; 23(67)211-216. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-40142009000300025.
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.

Desse modo, uma importante ordem de problemas, a desafiar o conhecimento científico e as políticas públicas, a ser considerada refere-se às relações entre humanos e animais não humanos e a natureza. Esse, por exemplo, é o principal argumento levantado pelo biólogo Jared Diamond ao discutir a chegada de novos vírus, a exemplo do Sars-CoV-2. O autor vem observando os riscos de novos patógenos originados de animais silvestres e com potencial transmissão para humanos, situando o problema entre os mais importantes referidos à questão ambiental na contemporaneidade.

A partir de outra abordagem, o antropólogo Bruno Latour6060 Latour B. Latour e a humanidade que já “não pode respirar”. Carta Maior (tradução). 2021 fev 18 [acesso em 2021 set 13]. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/latour-e-a-humanidade-que-ja-nao-pode-respirar/.
https://outraspalavras.net/outrasmidias/...
observa que a pandemia de Covid-19 maximiza os efeitos de uma crise antes em curso e que se manifesta, ao mesmo tempo, em nível planetário e local, trazendo à cena novos conflitos:

É claro que a atual pandemia, que tomo como um exemplo típico do que está por vir, é ao mesmo tempo uma experiência planetária e a revelação de uma infinidade de injustiças - na exposição à doença, no acesso aos cuidados, no acesso às vacinas. Assim, encontramos todas as questões clássicas de conflitos bem identificados pelas lutas intra-humanas, mas devemos somar todas as outras, todos os conflitos extra-humanos além de todos aqueles revelados pelo pensamento descolonial. O que chamo de conflitos geo-sociais de classe que se multiplicam em todas as questões de subsistência e acesso à terra.

Nessa perspectiva, a experiência que o autor associa à teoria de Gaia e muitos pensadores relacionam a uma nova era, o Antropoceno, tensiona o esforço interdisciplinar na direção do encontro entre conhecimentos do campo biológico e conhecimentos das ciências sociais6161 Chakrabarty D. The Climate of History: Four Theses. Critical Inquiry. 2009; 35(2):197-222.,6262 Silva AFC, Lopes G. A pandemia de coronavírus e o Antropoceno. Blog de História, Ciências, Saúde - Manguinhos. 2020. [acesso em 2020 abr 21]. Disponível em: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/a-pandemia-de-coronavirus-e-o-antropoceno/.
http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/a-...
. Para a saúde coletiva, assim como para todas as áreas do conhecimento, o que está em questão é a ampliação de seu repertório, sem ignorar os avanços disciplinares, mas definindo uma agenda de problemas teóricos e práticos, necessários ao enfrentamento das transformações em curso, sobretudo da natureza dos conflitos com os quais teremos de lidar.

Conclusões

Para compreendermos a pandemia, superarmos a crise atual e nos prepararmos para prováveis emergências sanitárias no futuro, torna-se essencial o fortalecimento de pesquisas interdisciplinares especialmente atentas às interrelações de sistemas naturais e sociais. A pandemia demonstra cabalmente quão ultrapassada se tornou essa divisão. À área de saúde coletiva, cabe um papel de destaque na definição de uma agenda científica e na proposta de políticas públicas embasadas nos conhecimentos originários desse necessário esforço interdisciplinar. Tal esforço deve valorizar a diversidade de conhecimentos teóricos e tradições disciplinares, mas, ao mesmo tempo, desafiá-los a um empreendimento mais amplo; uma agenda científica coerente com as grandes questões do presente e de um futuro com ainda um grau maior de incertezas.

O controle da Covid-19 hoje e, ao que tudo indica, nos próximos anos, ao lidarmos com seu impacto prolongado e com a perspectiva de novas emergências sanitárias, requer o aprofundamento da democracia e de relações virtuosas entre direitos individuais e coletivos, os últimos de reconhecimento tardio, mas de importância crucial para o futuro da humanidade. Desse modo, é na dimensão política das relações sociais que se pode antever algum aprendizado positivo com capacidade de construção de projetos orientados por mais equidade, justiça e cidadania. É apenas assim que se pode projetar um outro mundo (não um novo normal) após a trágica experiência hoje vivida em escala planetária. São esses valores que devem orientar o esforço interdisciplinar e as consequentes respostas a serem dadas ante a crise sanitária, econômica, social e humanitária que abalou o mundo neste início de século XXI.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2021
  • Aceito
    22 Jun 2022
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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