Inconsistências nas notificações de violência no estado do Rio de Janeiro de 2015 a 2021

Vania Reis Girianelli Georgia Thais Lima Cordeiro Sobre os autores

RESUMO

Objetivou-se identificar inconsistências no preenchimento da ficha de notificação de violência no estado do Rio de Janeiro e descrever sua tendência no período de 2015 a 2021. Trata-se de um estudo do tipo painéis repetidos, sendo utilizado o banco de dados do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan) disponibilizado pelo estado do Rio de Janeiro, mas restrito à faixa etária de 18 a 59 anos. Foram elegíveis para o estudo 147.210 notificações. Destas, em 33.117 (22,5%), o tipo de violência não foi registrado, mas o percentual tem decrescido no período (β = -5,67; p < 0,001). Dentre as inconsistências, destaca-se a incompatibilidade no registro de sexo biológico e identidade de gênero (19,8%), com estabilidade no período (p = 0,497). Também foram identificados registros de tipos de violência interpessoal e características do agressor nas notificações de violência autoprovocada, bem como registros de meios de agressão relacionados com violência física nas notificações de violência psicológica. O alto percentual de inconsistências identificadas sinaliza a necessidade de aprimoramento do sistema de informação e capacitação continuada dos profissionais de saúde, tendo em vista que a notificação é fundamental para elaborar diagnóstico local e subsidiar estratégias de intervenção para enfrentamento da violência.

PALAVRAS-CHAVES
Sistema de Informação em Saúde; Doenças e agravos de notificação compulsória; Violência; Direitos humanos

Introdução

No Brasil, os casos de violência passaram a ser de notificação compulsória em 201111 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 104, de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelecer fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Diário Oficial da União. 26 Jan 2011. [acesso em 2022 out 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html.
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apesar de já terem sido estabelecidos como obrigatórios por vários atos normativos e legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)22 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990. [acesso em 2022 out 27]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.
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, a notificação compulsória de violência contra a mulher33 Brasil. Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003. Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Diário Oficial da União. 25 Nov 2003. [acesso em 2022 out 29]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.778.htm.
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e o Estatuto do Idoso44 Brasil. Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras providências. Diário Oficial da União. 3 Out 2003. [acesso em 2022 out 28]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm.
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. Posteriormente, outros segmentos sociais vulneráveis foram incorporados, a exemplo da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, Queer, Intersexo, Assexuais e outras (LGBTQIA+)55 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS): revisão da Portaria nº 687, de 30 de março de 2006. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015 [acesso em 2022 out 28]. 36 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnps_revisao_portaria_687.pdf.
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, de forma a atender a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais66 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.836, de 1 de dezembro de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT). Diário Oficial da União. 2 Dez 2011. [acesso em 2021 out 15]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2836_01_12_2011.html.
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. Os instrumentos utilizados na vigilância em saúde foram aprimorados, buscando incorporar as políticas de saúde, de inclusão e justiça social, que foram estabelecidas a partir da atuação e da influência dos movimentos sociais77 Abers RN, Silva MK, Tatagiba L. Movimentos sociais e políticas públicas: repensando atores e oportunidades políticas. Lua Nova. 2018 [acesso em 2022 out 27]; 105:15-46. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ln/a/7Z3vLtvbrTykKtSfx39QSXs/abstract/?lang=pt.
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A notificação é um dos aspectos da linha de cuidado que possibilita, além de conhecer e, consequentemente, dar visibilidade ao problema, acolher e encaminhar o indivíduo para a assistência necessária em diversas áreas88 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010 [acesso em 2022 out 28]. 104 p. (Série F. Comunicação e Educação em Saúde). Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf.
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. Ela inicia-se com o preenchimento de uma ficha padronizada, que, posteriormente, é digitada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), possibilitando a consolidação dos dados no nível local ao nível nacional99 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. 7. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2009 [acesso em 2022 out 28]. 816 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_epidemiologica_7ed.pdf.
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. A incompletude de alguns campos de diversas fichas dos sistemas de informação tem sido relatada, em particular, os considerados não diretamente relacionados com doença, evento ou agravo, objetos da notificação, como raça ou cor da pele; mas tendem a melhorar com o tempo de implantação do sistema1010 Galleguillos TGB, Neves H, Lira MMT, et al. Aspectos da questão étnico-racial e saúde no Município de São Paulo. Boletim CEInfo Análise. 2015 [acesso em 2021 nov 15]; 10(12). 60 p. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/publicacoes/Boletim_CEInfo_Analise_12.pdf.
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A notificação de violência, entretanto, tem campos que contemplam conceitos incorporados recentemente na sociedade que ainda podem não ser de domínio da maioria dos profissionais e resultar em erros no preenchimento1111 Girianelli VR, Ferreira AP, Vianna MB, et al. Qualidade das notificações de violências interpessoal e autoprovocada no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 2009-2016. Cad. Saúde Colet. 2018 [acesso em 2022 out 28]; 26(3):318-326. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/kjcjz3Cy9mcxTF3zsh5CYfK/abstract/?lang=pt.
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. Ademais, os campos incorporados na ficha de notificação, como identidade de gênero e comportamento sexual, ainda não estão disponibilizados para consulta no sítio eletrônico sobre informações de saúde no nível nacional e na maioria dos estados e municípios. Outros descontinuaram a disponibilização desses campos no seu sítio eletrônico, como o estado do Rio de Janeiro, cujo dados podiam ser consultados, pelo menos, até 20171111 Girianelli VR, Ferreira AP, Vianna MB, et al. Qualidade das notificações de violências interpessoal e autoprovocada no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 2009-2016. Cad. Saúde Colet. 2018 [acesso em 2022 out 28]; 26(3):318-326. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/kjcjz3Cy9mcxTF3zsh5CYfK/abstract/?lang=pt.
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Estudos sobre a qualidade dos registros de notificações compulsórias no Brasil ainda são escassos1212 Correia LOS, Padilha BM, Vasconcelos SML. Métodos para avaliar a completitude dos dados dos sistemas de informação em saúde do Brasil: uma revisão sistemática. Ciênc. saúde coletiva. 2014; 19(11):4467-4478., em particular, das notificações de violência, cuja inclusão no Sinan é relativamente recente. Nesse sentido, a baixa qualidade da informação pode influenciar a definição de políticas públicas e interferir na elaboração de estratégias para a melhoria da saúde da população geral.

Diante disso, o objetivo do presente estudo é identificar inconsistências no preenchimento da ficha de notificação de violência no estado do Rio de Janeiro, bem como descrever sua tendência no período de 2015 a 2021.

Metodologia

Trata-se de estudo do tipo painéis repetidos, que combina estudos do tipo seccional e de coorte1313 Klein CH, Block KV. Estudos Secionais. In: Medronho RA, Block KV, Luiz RR, et al. Epidemiologia. 2. ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2009. p. 193-219.. Foi utilizado banco de dados de notificação de violência interpessoal e autoprovocada do Sinan, disponibilizado pelo estado do Rio de Janeiro, no período de 2015 a 2021. Foram analisadas as variáveis relacionadas com as características socioeconômicas e demográficas da vítima e do agressor, ano de ocorrência, características da agressão e unidade notificadora, disponíveis na ficha de notificação1414 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2016 [acesso em 2022 out 28]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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A identificação das inconsistências entre os campos preenchidos de cada ficha de notificação foi avaliada com base na recomendação do instrutivo de preenchimento de notificação de violência preconizado pelo Ministério da Saúde1414 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2016 [acesso em 2022 out 28]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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e classificada conforme proposto por Girianelli et al.1111 Girianelli VR, Ferreira AP, Vianna MB, et al. Qualidade das notificações de violências interpessoal e autoprovocada no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 2009-2016. Cad. Saúde Colet. 2018 [acesso em 2022 out 28]; 26(3):318-326. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/kjcjz3Cy9mcxTF3zsh5CYfK/abstract/?lang=pt.
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(319):

  1. a) Não conformidade – preenchimento inadequado, mas que não compromete totalmente a compreensão ou análise dos dados. Situação em que a classificação correta de um campo seria ‘Não se Aplica’, mas é classificado como ‘ignorado’, ‘não’, ou o campo não é preenchido.

  2. b) Incongruência: classificação de dois campos distintos de forma que não sejam simultaneamente verdadeiros, comprometendo a compreensão e consequentemente a análise de dados. Situação, por exemplo, em que uma vítima adulta tem a violência sofrida classificada como pornografia infantil, ou seja, um dos campos foi preenchido incorretamente.

Os indicadores e as classificações realizadas foram feitos conforme proposto por Girianelli e colaboradores1111 Girianelli VR, Ferreira AP, Vianna MB, et al. Qualidade das notificações de violências interpessoal e autoprovocada no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 2009-2016. Cad. Saúde Colet. 2018 [acesso em 2022 out 28]; 26(3):318-326. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/kjcjz3Cy9mcxTF3zsh5CYfK/abstract/?lang=pt.
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:

  1. a) Percentual de inconsistência: Nº de fichas de notificação com inconsistência das categorias dos campos relacionados / Total de fichas de notificação com os campos sob análise

  2. b) Mediana (Med) das inconsistências para cada grupo de campos relacionados.

  3. c) Avaliação de Inconsistência de não conformidade: baixa (< 10%), moderada (10% a 30%), e alta (> 30%).

  4. d) Avaliação de Inconsistência de incongruência: baixa (< 0,5%), moderada (0,5% a 10%) e alta (> 10%).

O percentual de inconsistência anual foi calculado considerando, no numerador, a quantidade de fichas com inconsistência para determinadas categorias dos campos relacionados e, no denominador, apenas o quantitativo de fichas de notificação que contivessem as categorias dos campos sob análise. Também foi calculada a mediana (Med) de inconsistência para o período, para cada grupo de campos relacionados. As inconsistências relativas a não conformidade foram classificadas como: baixa, quando menor de 10%; moderada, entre 10% e 30%; e alta, quando maior que 30%. Já as incongruências foram classificadas como: baixa, quando menor que 0,5%; moderada, entre 0,5% e 10%; e alta, quando maior que 10%1111 Girianelli VR, Ferreira AP, Vianna MB, et al. Qualidade das notificações de violências interpessoal e autoprovocada no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 2009-2016. Cad. Saúde Colet. 2018 [acesso em 2022 out 28]; 26(3):318-326. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/kjcjz3Cy9mcxTF3zsh5CYfK/abstract/?lang=pt.
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A tendência temporal foi descrita tendo como variável independente o ano da notificação, e como variável dependente, a proporção de cada característica. A avaliação foi realizada por regressão linear generalizada, utilizando o método de Prais-Winsten1515 Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol. Serv. Saúde. 2015 [acesso em 2022 out 27]; 24(3):565-576. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ress/a/zzG7bfRbP7xSmqgWX7FfGZL/abstract/?lang=pt.
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. O aumento ou o declínio das proporções foi avaliada com base no coeficiente de regressão (β) e respectiva significância estatística (p ≤ 0,05). Nos casos de tendência estatisticamente significativa, foi avaliada a existência de autocorrelação residual, utilizando a estatística de Durbin-Watson (d)1616 Gujarati DN, Porter DC. Econometria Básica. Tradução Denise Durante; Mônica Rosemberg; Maria Lúcia G. L. Rosa. 5. ed. São Paulo: Amgh Editora; 2011.. Tendo em vista a disponibilidade de sete anos de registros na base de dados, os resultados da estatística entre 1,356 e 2,644 indicam que não há autocorrelação; acima de 3,300, existência de autocorrelação negativa; e abaixo de 0,700, autocorrelação positiva. Os demais intervalos compõem zona de indecisão em que não é possível descartar a autocorrelação. Os dados foram analisados no programa estatístico R versão 3.4.3.

A pesquisa (CAAE: 54012221.2.0000.5240) foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, número 5.170.411, emitida em 16 de dezembro de 2021.

Resultados

No período de 2015 a 2021, foram notificadas 248.915 violências ao estado do Rio de Janeiro, sendo 248.415 (99,8%) de residentes no estado. Destas, 147.260 (59,2%) ocorreram na faixa etária de 18 a 59 anos. Foram excluídos 50 registros, sendo 26 residentes no estado do Rio de Janeiro que foram notificados em outros estados e 24 com sexo ignorado sem informação sobre identidade de gênero.

Foram elegíveis para o estudo 147.210 notificações. Destas, em 33.117 (22,5%), o tipo de violência não foi registrado, variando de 41,8% em 2015 a 7,9% em 2021. A não conformidade foi moderada (Med = 26,2%), mas o percentual tem decrescido no período (β = -5,67; p < 0,001), embora haja possibilidade de autocorrelação negativa (d = 2,714) (dados não mostrados).

A incompatibilidade no registro de sexo biológico e identidade de gênero correspondeu a 19,8% das notificações de violência dos(as) transgêneros(as) no período, apresentando alta incongruência (Med = 24,8%), sendo maior para as mulheres transgêneras (Med = 18,9%), mas também foi alta para os homens transgêneros (Med = 5,9%) (tabela 1). Este tipo de erro tem se mantido estável no período (p = 0,497) apesar de leve redução em 2021 (16%).

Tabela 1
Número e percentual do sexo biológico incompatível com identidade de gênero por ano de notificação. Rio de Janeiro, 2015 a 2021a

Da mesma forma, foi identificada incongruência no registro de encaminhamento de adultos para instituições de atendimento a criança, adolescente e idoso. Esse tipo de erro, em geral, apresenta incongruência baixa (Med < 0,5%), mas no registro de encaminhamento para o conselho tutelar, a incongruência foi moderada (Med = 0,8%) e com tendência de aumento no período (β = 0,05; p = 0,007).

Entre as características das vítimas, a não conformidade foi alta para registro ignorado da escolaridade (Med = 58,8%), ocupação (Med =77,8%), situação conjugal (Med = 37,5%) e deficiência (Med = 40,2%); e moderada para raça/cor da pele (Med = 18,8%). Houve um decréscimo das não conformidades em relação a raça/cor da pele em branco (β = - 0,43; p = 0,016), escolaridade ignorada (β = -1,36; p = 0,001), situação conjugal em branco (β = -0,86; p = 0,001) e deficiência ou transtorno ignorado (β = -3,80; p=0,001) (tabela 2). A situação conjugal com registro ignorado também se apresentou em declínio (β= - 3,12; p < 0,001), mas há possibilidade de autocorrelação negativa (d = 2,851). A situação conjugal com registro ‘não se aplica’ demonstrou leve tendência de aumento no período (β= 0,07; p = 0,015). O registro da data de nascimento estava ausente em 2,9% das notificações (dados não mostrados), mas com registro da idade por ser um campo obrigatório.

Tabela 2
Número e percentual das não conformidades das características das vítimas por ano de notificação. Rio de Janeiro. 2015 a 2021a

Em relação à ausência de informação sobre o local de residência, a não conformidade foi alta para código do distrito (Med = 61,4%); e moderada para código do bairro (Med = 22,6%) que exibiu tendência decrescente (β = -1,84; p < 0,001). Já o código da zona apresentou leve tendência de crescimento (β = 0,51; p = 0,020), mas com baixo percentual (Med = 1,7%).

A não conformidade relacionada com ausência de registro do local e hora da ocorrência da violência foi alta para distrito (Med = 74,9%), código do bairro (Med = 57,6%), nome do bairro (Med = 31,1%) e hora (Med = 62%); e moderada para zona (Med = 11,4%). A tendência foi decrescente para ausência de informação para distrito (β = -2,07; p = 0,001) e hora da ocorrência (β = -2,64; p = 0,030). O código do bairro de ocorrência também foi decrescente (β = -4,16; p = 0,013), mas há possibilidade de autocorrelação positiva (d = 1,348). As demais variáveis ainda não indicam queda no período (p ≥ 0,261).

Entre as notificações de violência autoprovocada, a incongruência foi alta para registro de violência física (Med = 27,7%), psicológica (Med = 8,9%) e outros tipos de violência (72,4%); e moderada para tortura (0,6%) e agressão por ameaça (1,5%) (tabela 3). Houve, no entanto, decréscimo das incongruências relacionadas com classificação indevida de violência física (β = -2,58; p = 0,011) e violência financeira (β = -0,40; p = 0,009). Nos outros tipos de violências, embora apresentassem também queda (β = -1,73; p = 0,011), há possibilidade de autocorrelação positiva (d = 1,143). Juntos, os registros para tráfico de pessoas, pornografia infantil e exploração sexual totalizaram oito notificações no período. Os demais registros incongruentes ficaram estáveis no período (p ≥ 0,078).

Tabela 3
Número e percentual do tipo e forma de violência notificada como autoprovocada por ano de notificação. Rio de Janeiro, 2015 a 2021a

Outra incongruência detectada foi o registro de características do agressor nas notificações de violência autoprovocada, que só cabe nos casos de violência interpessoal. As variáveis dois ou mais agressores envolvidos na violência (Med = 4,3%), sexo do agressor diferente da vítima (Med = 8,5%), vínculo com o cônjuge (Med = 2,3%), amigos ou conhecidos (Med = 1,5%), outro tipo de relacionamento (Med = 1,0), ex-cônjuge e desconhecido (Med = 0,8%) apresentaram incongruência moderada. Houve, contudo, queda no período (p ≤ 0,028) para as variáveis dois ou mais agressores envolvidos na violência, sexo e alguns vínculos do agressor, como pai, mãe, cônjuge, filho(a) e amigos(as)/conhecidos(as). Nos vínculos de ex-cônjuge e ex-namorado(a), embora também em declínio (p < 0,050), há possibilidade de autocorrelação positiva (d = 1,302 e d = 1,247 respectivamente).

Em relação às notificações de violências interpessoais, as não conformidades para o registro ignorado e em branco foram baixas para todos os tipos de violência (Med < 10%) (tabela 4). Ademais, apresentou tendência de queda para a maioria dos registros (p ≤ 0,050), exceto para violência sexual (p = 0,074). A ausência de registro, no entanto, manteve-se estável no período para todos os tipos de violência (p ≥ 0,110).

Tabela 4
Número e percentual do tipo de violência interpessoal com registro ignorado ou em branco por ano de notificação. Rio de Janeiro, 2015 a 2021a

Nas notificações com registro de apenas violência psicológica, houve incongruência moderada para meio de agressão por força, objeto perfurocortante (Med = 0,9%), envenenamento (Med = 0,5%) e arma de fogo (Med = 1,1%); e alta para outro meio de agressão (Med = 18,5%), cujo registro deveria ser restrito à violência física (tabela 5). Esse tipo de erro tem aumentado no decorrer do período, não sendo ainda estatisticamente significativo apenas para arma de fogo (p = 0,151) e força física (p = 0,166). Quanto ao meio de agressão por objeto contundente, entretanto, há possibilidade de autocorrelação negativa (d = 2,770). Outro meio de agressão, contudo, apresentou leve declínio no período (β = -0,99; p = 0,022).

Tabela 5
Número e percentual do meio de agressão das violências psicológicas por ano de notificação. Rio de Janeiro, 2015 a 2021a

Discussão

O presente estudo identificou diversas inconsistências nos registros de notificação de violência no estado do Rio de Janeiro que podem comprometer a compreensão do panorama desse tipo de agravo, que é essencial para subsidiar as políticas públicas. Algumas inconsistências, todavia, poderiam ser minimizadas se fosse restringida a possibilidade de digitação de dados inadequados conforme previsto na própria recomendação do instrutivo de preenchimento da notificação1414 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2016 [acesso em 2022 out 28]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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Dentre as inconsistências, destaca-se um percentual elevado (22,5%) de registros ignorados para classificação do tipo de violência ocorrida, ou seja, se autoprovocada ou interpessoal. Tal situação poderia representar real desconhecimento do profissional em função do contexto em que ocorreu a entrevista, particularmente nos casos de atendimento na emergência ou de receio da vítima. Uma sugestão para possibilitar melhor compreensão seria criar um campo obrigatório na ficha de notificação para registro do motivo do desconhecimento do tipo de violência ocorrida. Houve, contudo, uma redução desse tipo de inconsistência no período analisado, atingindo 7,5% em 2021. Análise prévia dos dados estaduais1111 Girianelli VR, Ferreira AP, Vianna MB, et al. Qualidade das notificações de violências interpessoal e autoprovocada no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 2009-2016. Cad. Saúde Colet. 2018 [acesso em 2022 out 28]; 26(3):318-326. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/kjcjz3Cy9mcxTF3zsh5CYfK/abstract/?lang=pt.
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pode ter contribuído para melhoria da informação, embora ainda incipiente. No Brasil, a proporção média desse tipo de inconsistência variou de 12,3% em 2011 a 10,3% em 20141717 Sousa CMS, Mascarenhas MDM, Lima PVC, et al. Incompletude do preenchimento das notificações compulsórias de violência-Brasil, 2011-2014. Cad. Saúde Colet. 2020 [acesso em 2022 out 28]; 28(esp1):477-487. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/VXDRVF4cfrFKwk7rLNS3YTt/?format=pdf&lang=pt.
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Outra grave inconsistência identificada foi a incompatibilidade no registro de sexo e identidade de gênero, correspondendo a 19,8% das notificações de violência dos(as) transgêneros(as) no período, em particular, para as mulheres transgêneras (16,8%). A tendência dessa inconsistência manteve-se alta e estável no período avaliado (p = 0,497). Estudo com gestores do município de Cuité, na Paraíba, revelou o desconhecimento sobre expressão de gênero e a limitação na compreensão sobre orientação afetivo-sexual, bem como a culpabilização da comunidade LGBTQIA+ pelas situações de violências e de restrição de acesso aos serviços de saúde1818 Gomes SM, Sousa LMP, Vasconcelos TM, et al. O SUS fora do armário: concepções de gestores municipais de saúde sobre a população LGBT. Saúde Soc. 2018 [acesso em 2022 out 28]; 27(4):1120-1133. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/sausoc/2018.v27n4/1120-1133/pt.
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. Os referidos conceitos, contudo, estão descritos no instrutivo de preenchimento da ficha de notificação1414 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2016 [acesso em 2022 out 28]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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, mas a manutenção dos erros de classificação sinaliza a necessidade de treinamento dos profissionais para melhor compreensão.

Para diminuir esses erros, Girianelli e colaboradores1111 Girianelli VR, Ferreira AP, Vianna MB, et al. Qualidade das notificações de violências interpessoal e autoprovocada no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 2009-2016. Cad. Saúde Colet. 2018 [acesso em 2022 out 28]; 26(3):318-326. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/kjcjz3Cy9mcxTF3zsh5CYfK/abstract/?lang=pt.
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propuseram não deixar ativo para digitação o campo ‘identidade de gênero’, para as categorias ‘travesti’ e ‘mulher transexual’ no caso de notificação de vítima do sexo biológico feminino, e na categoria ‘homem transexual’ para vítima do sexo masculino. Adicionalmente, a possibilidade de registro de sexo ignorado pode confundir o profissional, porque não é mencionado no instrutivo no campo ‘sexo’ se é biológico ou de registro civil1414 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2016 [acesso em 2022 out 28]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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Em contrapartida, a disponibilidade de registro de identidade de gênero ‘ignorado’ também pode prejudicar a classificação, tendo em vista que já existe a categoria ‘não se aplica’ para os(as) cisgêneros(as) e menores de 10 anos de idade. Como sugestão para melhoria do instrumento, poderia ser acrescentada a opção ‘cisgênero’, pessoas que se reconhecem com o gênero que lhe foi atribuído no momento de seu nascimento, ainda não disponível na referida ficha de notificação, pois considera apenas como identificação de gênero os indivíduos que são travestis e pessoas trans. Além disso, poderiam também ser inseridas na ficha as categorias assexual e intersexo, contemplando assim as demais pessoas que compõem o mesmo grupo LGBTQIA+, tornando esse instrumento mais equânime, bem como ter informações sobre a violência sofrida por essas pessoas que atualmente estão invisibilizadas.

Esse tipo de erro ocorre devido à naturalização do modelo cisgênero e binário dos sexos no sistema de saúde, que, por estarem fora da norma, precisam ser formalmente identificados1919 Gomes R, Murta D, Fachini R, et al. Gênero, direitos sexuais e suas implicações na saúde. Ciênc. saúde coletiva. 2018 [acesso em 2022 out 28]; 23(6):1997-2006. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2018.v23n6/1997-2006/pt/.
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. Isso tendo em vista que a heteronormatividade é uma norma, uma imposição social para que todos sejam heterossexuais, determinando que as pessoas se comportem e tenham atitudes de acordo com o sexo biológico e com os papéis predeterminados de cada gênero2020 Petry AR, Meyer DE. Transexualidade e heteronormatividade: algumas questões para a pesquisa. Textos Contextos (Porto Alegre). 2011 [acesso em 2022 out 28]; 10(1):193-198. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/fass/article/view/7375.
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.

Outra inconsistência foi o registro de encaminhamento de adultos para instituições de crianças, adolescentes ou idosos. O percentual foi baixo e talvez represente apenas erro de digitação no sistema, contudo, apresentou tendência crescente no período (β = 0,05; p = 0,007). Essa situação poderia ser facilmente evitada com inativação para digitação dos campos não relacionados. A notificação de cada situação deve seguir uma trajetória específica, isto é, de acordo com o caso diagnosticado pelo profissional de saúde. No instrutivo de preenchimento da notificação1414 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2016 [acesso em 2022 out 28]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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, consta a orientação dos serviços/instituições de acordo com suas especificidades, erro que também pode indicar incompreensão desse campo.

Estudo realizado em Recife, que analisou as notificações no período de 2009 a 2012, encontrou um elevado percentual de incompletude dos campos de encaminhamento, dificultando identificar se não houve registro, ou se eles, de fato, não foram realizados2121 Abath MB, Lima MLLT, Lima OS, et al. Avaliação da completitude, da consistência e da duplicidade de registros de violências do Sinan em Recife, Pernambuco, 2009-2012. Epidemiol. Serv. Saúde. 2014 [acesso em 2022 out 28]; 23(1):131-142. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ress/a/fyDMwnQ7LvkKdrd7MqhzfNq/abstract/?lang=pt.
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. Além disso, a falta de conhecimento dos profissionais sobre a rede de apoio às vítimas, a descrença em sua eficiência ou o medo de se comprometerem também podem contribuir para o encaminhamento inadequado das vítimas.

No que tange às características das vítimas, o registro ignorado foi alto para escolaridade, ocupação, situação conjugal e deficiência, mas todas com leve tendência de queda no período. Estudo realizado no estado do Paraná, sobretudo no que se refere a escolaridade, também identificou um percentual alto para esse tipo de registro (23,5%), já para deficiência, o percentual de registro ignorado foi baixo (5,8%)2222 Santos ROD, Polidoro M, Wanzinack C, et al. Caracterização das notificações de violência autoprovocada em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) do Estado do Paraná de 2015 a 2017. Cad. Gên. Tecnol. 2022; 15(45):26-47.. Para raça ou cor da pele, a não conformidade foi moderada e com leve decréscimo no período (β = -0,43; p = 0,016).

Estudos recentes2323 Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, coordenadores. Atlas da Violência 2021. São Paulo: IPEA; 2021. [acesso em 2021 ago 6]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/1375-atlasdaviolencia2021completo.pdf.
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/a...
,2424 Oliveira JMD, Mott L, organizadores. Mortes violentas de LGBT+ no Brasil: Relatório 2021. Salvador: Editora Grupo Gay da Bahia; 2022 [acesso em 2022 out 28]. (Relatório do Grupo Gay da Bahia). Disponível em: https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2022/03/mortes-violentas-de-lgbt-2021-versao-final.pdf.
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também têm sinalizado a ausência de dados de algumas variáveis nos sistemas de informações em saúde, em particular, raça/cor da pele e escolaridade, inviabilizando uma melhor compreensão da realidade da população. Vale ressaltar que, em 2017, tornou-se obrigatório o preenchimento do campo raça/cor da pele nos formulários dos sistemas de informação em saúde2525 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 344, de 1º de fevereiro de 2017. Dispõe sobre o preenchimento do quesito raça/cor nos formulários dos sistemas de informação em saúde. Diário Oficial da União. 2 Fev 2017. [acesso em 2022 out 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0344_01_02_2017.html.
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, mas permanece como campo essencial no instrutivo da ficha de notificação, sendo necessária uma atualização.

Quanto às notificações de violência autoprovocada, a recomendação é registrar ‘outros’ no tipo de violência e especificar se são ‘autoagressão’ ou ‘tentativa de suicídio’1414 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2016 [acesso em 2022 out 28]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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. Houve, entretanto, classificação indevida, registrando tipos de violência interpessoal, principalmente de violência física. Tal erro, contudo, teve tendência decrescente no período (β = -2,58; p = 0,011). Análise prévia dos dados do Estado1111 Girianelli VR, Ferreira AP, Vianna MB, et al. Qualidade das notificações de violências interpessoal e autoprovocada no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 2009-2016. Cad. Saúde Colet. 2018 [acesso em 2022 out 28]; 26(3):318-326. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/kjcjz3Cy9mcxTF3zsh5CYfK/abstract/?lang=pt.
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, no entanto, havia identificado estabilidade desse tipo de erro até 2016 (p = 0,291). Outrossim, estudo realizado no estado do Paraná apontou que, apesar de a variável tipo de violência, no campo ‘outros’, apresentar a notificação de tentativa de suicídio, verificou-se que ela não era preenchida adequadamente, pois as descrições no campo ‘observações adicionais’ exibiam informações de tentativas de suicídio que não estavam preenchidas no referido campo2222 Santos ROD, Polidoro M, Wanzinack C, et al. Caracterização das notificações de violência autoprovocada em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) do Estado do Paraná de 2015 a 2017. Cad. Gên. Tecnol. 2022; 15(45):26-47..

Nas notificações com registro de apenas violência psicológica, houve incongruência quanto ao registro de meios de agressão que estão relacionados com violência física. Esse tipo de erro tem aumentado no decorrer do período para a maioria dos tipos que envolvem os meios de agressão (p < 0,05), situação que já havia sido sinalizada em estudo realizado com dados do estado do Rio de Janeiro até 20161111 Girianelli VR, Ferreira AP, Vianna MB, et al. Qualidade das notificações de violências interpessoal e autoprovocada no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, 2009-2016. Cad. Saúde Colet. 2018 [acesso em 2022 out 28]; 26(3):318-326. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/kjcjz3Cy9mcxTF3zsh5CYfK/abstract/?lang=pt.
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. Estudo que analisou as notificações de Recife encontrou apenas uma média de 1% de inconsistência entre os campos avaliados, apresentando maior proporção entre os campos violência psicológica e meio de agressão (10,1%)2121 Abath MB, Lima MLLT, Lima OS, et al. Avaliação da completitude, da consistência e da duplicidade de registros de violências do Sinan em Recife, Pernambuco, 2009-2012. Epidemiol. Serv. Saúde. 2014 [acesso em 2022 out 28]; 23(1):131-142. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ress/a/fyDMwnQ7LvkKdrd7MqhzfNq/abstract/?lang=pt.
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O alto percentual de inconsistências (não conformidade e incongruência) identificadas compromete a análise da informação, impossibilitando que haja um retrato mais fidedigno das violências atendidas e notificadas nos serviços de saúde. A oferta de uma qualificação permanente constitui um fator de fundamental importância e de extrema necessidade para melhor atuação dos profissionais de saúde no preenchimento desse instrumento tão potente e rico de informações epidemiológicas. Além disso, proporciona o conhecimento acerca das terminologias para uma melhor compreensão das diferentes dimensões de gênero e diversidade sexual, contribuindo para a ruptura do conservadorismo e sendo capaz de reduzir os problemas encontrados, superar o preconceito e a discriminação.

Há muito a avançar para o aprimoramento da vigilância das violências e o aperfeiçoamento do instrumento, visando diminuir os equívocos que os profissionais de saúde cometem por falta de clareza da ficha de notificação. É importante também inserir as demais pessoas de acordo com a identidade de gênero e orientação sexual, desnaturalizando o modelo cis-heteronormativo e binário dos sexos em todos os formulários, prontuários e no sistema de informações de saúde do Sistema Único de Saúde, em consonância com o princípio da equidade. Ademais, a melhoria da qualidade das notificações e a inserção dos demais grupos LGBTQIA+ na ficha de notificação de violência também contribuiriam para ampliação de estudos epidemiológicos que ainda são escassos nessa população2525 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 344, de 1º de fevereiro de 2017. Dispõe sobre o preenchimento do quesito raça/cor nos formulários dos sistemas de informação em saúde. Diário Oficial da União. 2 Fev 2017. [acesso em 2022 out 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0344_01_02_2017.html.
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Considerações finais

As inconsistências no preenchimento da ficha de notificação de violência encontradas neste estudo dificultam a existência de um panorama que se aproxima da realidade. Dentre as inconsistências identificadas, destacam-se o percentual elevado de registros ignorados em variáveis importantes como raça/cor da pele e escolaridade – inclusive sem condição de identificar se a violência perpetrada foi interpessoal ou autoprovocada – e a incompreensão das especificidades da população LGBTQIA+, revelada na incompatibilidade no registro de sexo e identidade de gênero. A notificação é um instrumento que fornece importantes parâmetros para elaboração de diagnóstico local e formulação de políticas públicas adequadas. Dessa forma, é imperiosa a necessidade de seu aprimoramento.

O presente estudo identificou ser necessário capacitar os profissionais de saúde, transformar campos de registros essenciais em obrigatórios e impossibilitar a digitação de campos incompatíveis para evitar erros de preenchimento. Nessa perspectiva, a capacitação dos profissionais de saúde vai além do correto preenchimento dos campos da notificação para qualificar as informações, sendo fundamental que promova a reflexão dos profissionais em relação aos estigmas e preconceitos, para que possam ter respeito à população com atendimento não discriminatório, de forma a evitar barreiras de acesso ao atendimento integral na saúde.

Este estudo reitera que a notificação é necessária para alimentar o banco de dados com informações completas e, baseado no quadro epidemiológico das violências, monitorar e avaliar a ocorrência das violências, disseminar informações, aprimorar as medidas de prevenção e atenção integral inclusiva e sem iniquidades. Desse modo, será possível traçar as melhores respostas para seu enfrentamento, sendo uma estratégia para a promoção da saúde, em particular, para grupos específicos.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Dez 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2023
  • Aceito
    06 Dez 2023
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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