RESUMO
O artigo apresenta resultados da pesquisa qualitativa realizada em Resende, cidade localizada no interior do estado do Rio de Janeiro, sobre a implementação da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis e Transexuais (PNSI-LGBT). A fim de contribuir para a compreensão do processo de desenvolvimento de políticas públicas voltadas à população LGBTQIA+, com ênfase na área de saúde mental, foram realizados levantamento documental e entrevistas com a equipe gestora do programa de saúde mental do município. Os resultados evidenciaram que a PNSI-LGBT não se encontra implementada na rede de atenção à saúde e que a maioria dos gestores entrevistados pouco conhecia da política. Em relação as ações concretas voltadas à população LGBTQIA+, elas hoje estão limitadas à implantação de um serviço ambulatorial voltado para a hormonioterapia e transgenitalização das pessoas transgêneras na cidade. A pesquisa possibilitou suscitar a discussão sobre a PNSI-LGBT e a incipiência de sua implementação no município, evidenciando os desafios a serem enfrentados pela gestão pública.
PALAVRAS-CHAVES
Minorias sexuais e de gênero; Saúde mental; Política de saúde; Gestão em saúde; Direitos humanos
Introdução
O Brasil é considerado um país perigoso para a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais, Assexuais, entre outros (LGBTQIA+). De acordo com o dossiê ‘Mortes e violências contra LGBTI+ no Brasil’11 Acontece Arte e Política LGBTI+; Associação Nacional de Travestis e Transexuais; Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos. Mortes e violências contra LGBTI+ no Brasil: Dossiê 2022. Florianópolis, SC: Acontece, ANTRA, ABGLT; 2023. [acesso em 2023 dez 13]. Disponível em: https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/.
https://observatoriomorteseviolenciaslgb... , ocorreram 273 mortes de pessoas LGBTQIA+ em 2022, observando-se uma tendência de crescimento no número de mortes violentas nas últimas duas décadas. No Brasil e em outras partes do mundo, a homossexualidade e orientações sexuais e as identidades ou expressões de gênero não heteronormativas costumam ser estigmatizadas22 Herek GM. A Nuanced View of Stigma for Understanding and Addressing Sexual and Gender Minority Health Disparities. LGBT Health. 2016; 3(6):397-399.,33 Saraff S, Singh T, Kaur H, et al. Stigma and health of Indian LGBT population: A systematic review. Stig. Health. 2022; 7(2):178-195.,44 Silva JCP, Cardoso RR, Cardoso ÂMR, et al. Diversidade sexual: uma leitura do impacto do estigma e discriminação na adolescência. Ciênc. saúde coletiva. 2021; 26(7):2643-2652., o que leva muitas pessoas a sofrer violências e entrar em sofrimento mental55 Valentine SE, Shipherd JC. A systematic review of social stress and mental health among transgender and gender non-conforming people in the United States. Clin. Psychol. Rev. 2018; 66:24-38.,66 Gomes M, Brum TG, Zanon BP, et al. A violência para com as pessoas LGBT: uma revisão narrativa da literatura. Braz. J. Health Rev. 2021; 4(3):13903-13924..
Em relação ao setor saúde, além da LGBTfobia77 Tagliamento G, Silva SSC, Silva DB, et al. Minha dor vem de você: uma análise das consequências da LGB-Tfobia na saúde mental de pessoas LGBTs. Cadernos GenDiv. 2021; 6(3):77-112., a maioria dessas pessoas enfrenta barreiras de acesso aos serviços públicos, preconceito e dificuldades de comunicação com profissionais de saúde, o que contribui para o receio de identificarem sua orientação ou identidade de gênero, conferindo-lhes exclusão e marginalização nas práticas de cuidado e promoção da saúde, solidão e adoecimento psíquico88 Ferreira BO, Nascimento EF, Pedrosa JIS, et al. Vivências de travestis no acesso ao SUS. Physis. 2017; 27(4):1023-1038.,99 Whitehead J, Shaver J, Stephenson R. Outness, stigma, and Primary Health Care utilization among rural LGBT Populations. PLoS One. 2016; 11(1):e0146139.,1010 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013.. A estigmatização, a discriminação e a LGBTfobia dificultam o acesso e repercutem no perfil de morbimortalidade dessa população, evidenciando um cenário de desigualdade social que coloca as pessoas LGBTQIA+ em situações que implicam graus de injustiça, de desvantagem com relação à oportunidade de ser e se manter sadio, o que torna uma população prioritária para políticas públicas.
Fruto da luta histórica dos movimentos sociais, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSI-LGBT)1111 Ayhan CHB, Bilgin H, Uluman OT, et al. A systematic review of the discrimination against sexual and gender minority in health care settings. Int. J. Health Serv. 2019; 50(1):44-61. foi instituída com o objetivo de promover a saúde integral dessa população, na tentativa de eliminar o preconceito e reduzir as desigualdades na atenção à saúde. Isso porque as múltiplas expressões de gênero e sexualidade afetam a saúde mental em decorrência dos processos sociais de violência, opressão, exploração, dominação, assujeitamento, policiamento, silenciamento e colonização. De acordo com vários estudos, agravos e doenças como o uso abusivo de álcool e drogas, ansiedade e depressão se manifestam como reflexos de exclusões que esse grupo sofre cotidianamente1212 Medeiros LL, Facundes VLD. Sexualidade, identidade de gênero e as interferências na saúde mental. Res., Soc. Dev. 2022; 11(6):e5911628414.,1313 Clemente A. Diálogos entre saúde mental e homossexualidade: Notas sobre produção de subjetividade, sofrimento e opressão. REBEH. 2019; 2(5):42-58.,1414 Silva BL, Melo DS, Mello R. A sintomatologia depressiva entre lésbicas, gays, bissexuais e transexuais: um olhar para a saúde mental. Rev. Enferm. UERJ. 2019; 27:e41942.,1515 Moraes MA, Borges JLJ, Santos JEDS. Saúde mental da população LGBTQIA+: violências, preconceitos e suas consequências. Braz. J. Develop. 2021; 7(6):57836-57855..
O artigo apresenta resultados de pesquisa originados da dissertação de mestrado de Costa1616 Costa LF. Implementação da PNSI-LGBT no Município de Resende, RJ. [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2022. [acesso em 2023 dez 10]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/57273.
https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict... , que objetivou analisar a implementação da PNSI-LGBT, com ênfase na saúde mental, na perspectiva de gestores municipais de saúde de Resende, no estado do Rio de Janeiro.
Metodologia
Trata-se de pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, que incorpora fenômenos sociais considerando significados, atitudes, intenções, crenças, valores e aspirações humanas para compreender e interpretar a realidade1717 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2004.,1818 Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc. saúde coletiva. 2012; 17(3):621-626.. Para o tratamento dos dados produzidos, foi utilizado o método da Análise de Conteúdo, na vertente temática de Minayo1717 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2004.. A autora propõe outra forma de fazer análise de conteúdo que não privilegia tanto os aspectos quantitativos, e sim os qualitativos, valorizando mais os temas que aparecem no discurso, organizando-os de modo a permitir sua interpretação.
Adotou-se a concepção do Sistema Único de Assistência Social (Suas), de 2008, citado por Ferreira1919 Ferreira SS. NOB-RH Anotada e Comentada. Brasília, DF: MDS; Secretaria Nacional de Assistência Social; 2011.(35), para quem a gestão “é composta pela associação entre o domínio de conhecimentos técnicos e a capacidade de inovação, alinhada aos princípios democráticos da gestão pública”.
Carneiro e Menicucci2020 Carneiro R, Menicucci TMG. Gestão pública no século XXI: as reformas pendentes. Rio de Janeiro: Fiocruz, Ipea, Ministério da Saúde, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República; 2013.(136), afirmam que a gestão pública
[...] deve permitir a expressão de valores que não são apenas instrumentais, mas políticos. Nesse sentido, não se limita aos meios, mas incorpora também os objetivos, sua definição e sua articulação operativa, orientando-se a partir de valores sociais. Remete à necessidade de articular a concorrência entre objetivos alternativos e a necessidade de gerir a interdependência e a cooperação organizativa para o alcance dos objetivos políticos. Dentro da lógica política, a gestão pública deve facilitar a expressão de vontades, mediar entre elas e encontrar valores para conduzir as ações.
A Política Nacional de Gestão do Trabalho (NOB/RH-SUS)2121 Brasil. Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Princípios e diretrizes para a gestão do trabalho no SUS (NOB/RH-SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde; 2005. refere que é função e responsabilidade da equipe gestora, seja esta composta por secretários, superintendentes, diretores e/ou coordenadores, pensar nas dimensões das políticas públicas, elaborar diagnósticos das demandas da população com base nos dados produzidos pelos serviços, planejar, executar, monitorar e avaliar as ações desenvolvidas por esses serviços, de forma dinâmica e integrada.
Optou-se pela entrevista com gestores e pelo levantamento de documentos públicos da gestão municipal como estratégias metodológicas por terem sido consideradas peças-chave na implementação da PNSI-LGBT. A análise documental permitiu levar em conta a agenda política e, com as entrevistas, obter a visão dos implementadores. Além de esses profissionais serem os responsáveis pelo desenvolvimento de políticas, também devem favorecer a produção de dados para a elaboração destas; e, mais ainda, precisam organizar o atendimento e proporcionar a capacitação dos profissionais que irão transformar as diretrizes políticas em ações.
Foram levantados os seguintes documentos: Plano Plurianual e Plano de Ação municipais elaborados nos períodos 2014-2017 e 2018-2021, buscando identificar programas, projetos e ações com a temática LGBTQIA+. O roteiro de entrevista foi dividido em três blocos: o primeiro compreendeu perguntas referentes à caracterização sociodemográfica e ocupacional dos entrevistados; o segundo abordou conhecimentos sobre a PNSI-LGBT, informações sobre perfil da população LGBTQIA+, rede de atenção à saúde e dados de atendimento; e o terceiro versou acerca do plano operativo, ações e recursos municipais, divulgação da política e educação permanente para qualificação da rede.
Os entrevistados foram gestores municipais que desempenhavam os seguintes cargos e funções: duas enfermeiras da Superintendência da Saúde Mental e cinco coordenadores de serviços de saúde mental. Estes trabalhavam nos seguintes setores: Ambulatório de Saúde Mental, Centro de Atenção Psicossocial (Caps), Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas (Caps-ad), Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (Capsi), Leito de Saúde Mental, Residência Terapêutica e Ambulatório de Saúde Integral LGBTQIA+ (ASI-LGBT).
Foi realizado um encontro individual com cada participante, em que a duração das entrevistas variou de 20 a 50 minutos. Em busca de preservação do anonimato, para divulgação dos resultados, os nomes dos participantes foram codificados por nomes de Organizações Não Governamentais representativas de movimentos sociais LGBTQIA+ no Brasil: Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT); Grupo Gay da Bahia (GGB); Grupo Triângulo Rosa (Triângulo Rosa); Grupo Arco-Íris (Arco-Íris), Acontece Arte e Política LGBTI+ (Acontece); Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e Volta Redonda Sem Homofobia (VRSH).
O estudo seguiu os parâmetros e as diretrizes para realização de pesquisas envolvendo seres humanos, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, de acordo com parecer nº 5.269.609.
Partindo-se do pressuposto de que a PNSI-LGBT não havia sido implementada no município, a interpretação dos resultados buscou inter-relacionar a análise documental, as entrevistas e o referencial teórico. A análise foi baseada em duas categorias temáticas principais: i) conhecimento sobre a PNSI-LGBT, acesso e atenção à saúde mental da população LGBTQIA+; ii) educação permanente para os profissionais da saúde mental.
Resultados
A ‘Princesinha do Vale’: dos barões do café à cidade berço da Aman
Resende é o município mais antigo da região Sul Fluminense. Originalmente habitado pelos indígenas Puris, no século XVIII, o coronel paulista Simão da Cunha Gago obteve licença para desbravar a região à procura de ouro e de pedras preciosas. Em 1801, a localidade tornou-se a ‘Vila de Resende’, nome dado em homenagem ao Conde de Resende, que era o Vice-Rei do Brasil naquela época. Durante o século XIX, tornou-se referência na produção do café; e, em 1848, a Vila foi emancipada à condição de cidade2222 Prefeitura de Resende. História da cidade: conheça Resende. Resende: Prefeitura Municipal; 2023. [acesso em 2023 dez 13]. Disponível em: https://resende.rj.gov.br/historia.
https://resende.rj.gov.br/historia... .
A partir de 1870, a localidade sofreu com o êxodo das famílias produtoras de café por dois motivos: proibição do tráfico de escravos em 1850 e baixa produção das terras devido ao excesso de utilização, tornando o cultivo dispendioso. Dessa forma, houve uma desvalorização imobiliária que atraiu imigrantes vindos de Minas Gerais que se instalaram com seu gado nos cafezais abandonados. No início do século XX, iniciou-se o ciclo da pecuária na região, que levou Resende a produzir um terço da produção leiteira, tornando-se o segundo produtor de queijo e de manteiga do estado do Rio de Janeiro2222 Prefeitura de Resende. História da cidade: conheça Resende. Resende: Prefeitura Municipal; 2023. [acesso em 2023 dez 13]. Disponível em: https://resende.rj.gov.br/historia.
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As décadas de 1940 e 1950 foram importantes para o município, não somente pela expansão da industrialização, mas por dois acontecimentos: a instalação da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e a inauguração da Rodovia Presidente Dutra. Resende está localizada em ponto estratégico no trecho que liga a capital do Rio de Janeiro ao estado de São Paulo. Ademais, se historicamente a cidade já foi habitada por senhores e escravos, após a instalação da Aman em 1944, o município ficou conhecido pela chegada dos militares2222 Prefeitura de Resende. História da cidade: conheça Resende. Resende: Prefeitura Municipal; 2023. [acesso em 2023 dez 13]. Disponível em: https://resende.rj.gov.br/historia.
https://resende.rj.gov.br/historia... .
Resende tornou-se então dividida entre militares e civis, sendo que os militares passaram a deter melhores salários, melhores casas, maior acesso a bens e serviços e a políticas públicas em relação à maioria da população. O município tem hoje 129.612 habitantes e uma área total de 1.099,336 km², sendo 67 km² pertencentes ao Exército Brasileiro2323 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Resende. [Rio de Janeiro]: IBGE; 2023. [acesso em 2023 mar 13]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/resende/panorama.
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/re... . Atualmente, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita é de R$ 61.373,00; e a economia da cidade se baseia nas atividades industriais, com destaque para os setores metalmecânico e químico-farmacêutico. Além disso, a cidade abriga a única fábrica de enriquecimento de urânio e é o segundo maior polo automobilístico do País2222 Prefeitura de Resende. História da cidade: conheça Resende. Resende: Prefeitura Municipal; 2023. [acesso em 2023 dez 13]. Disponível em: https://resende.rj.gov.br/historia.
https://resende.rj.gov.br/historia... ,2323 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Resende. [Rio de Janeiro]: IBGE; 2023. [acesso em 2023 mar 13]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/resende/panorama.
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/re... .
O breve histórico sobre a cidade e seu modo de desenvolvimento buscou demonstrar que Resende é um município marcado pela ‘militarização’ com a implantação da Escola de Ensino Superior do Exército. Desse modo, torna-se importante enfatizar a cultura conservadora que caracteriza a sociedade local, com preponderância de valores morais tradicionais e de princípios cis-heteronormativos.
O contexto: a rede de atenção à saúde mental e os sujeitos de pesquisa
O município de Resende conta com uma rede de saúde formada por duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24 horas), três serviços de atendimento de urgência e emergência e um hospital municipal especializado em atendimento de emergência com nove leitos de CTI e um hemonúcleo, 35 unidades de serviços de atenção básica, sendo 32 Unidades Básicas de Saúde da Família, uma Academia da Saúde, um Consultório na Rua e um Centro de Assistência ao Adolescente, além de 12 serviços de atenção especializada.
A cidade possui um total de 301 leitos hospitalares, sendo 195 públicos e 106 particulares. No entanto, desse total, apenas 10 leitos são destinados a pessoas em tratamento de transtornos mentais, sendo 5 masculinos, 4 femininos e 1 leito infanto-juvenil. No que se refere à rede de serviços de atendimento especializado em saúde mental, há no município um Ambulatório de Saúde Mental, um Caps-ad, um Capsi, um Caps, uma Residência Terapêutica e 10 leitos para pacientes em crise.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, foi inaugurado o ASI-LGBT, serviço municipal atualmente administrado pela superintendência de saúde mental que oferece tratamento hormonal e de transgenitalização para pessoas transexuais. O corpo técnico do serviço era formado por cinco profissionais: dois assistentes sociais, dois psicólogos e um médico endocrinologista. Todos os profissionais são lotados em outros serviços e dividem sua carga horária no ambulatório. Além disso, o espaço físico também é dividido com outro serviço. Segundo os gestores, por se tratar de um ambulatório em fase de implantação e por não receber repasse de recursos além do município, ainda não possuía trabalhadores administrativos, telefone para contato, e os agendamentos precisavam ser realizados por e-mail.
Nessa pesquisa, foram entrevistados sete profissionais da área de saúde mental: seis encontravam-se no cargo de gestão de serviços de saúde mental, e um, no cargo de gestão do ASI-LGBT. Os entrevistados foram um enfermeiro no nível de direção, na gestão da superintendência de saúde mental; e seis profissionais no nível de gestão/coordenação dos serviços – quatro psicólogos, um assistente social e um enfermeiro. A caracterização sociodemográfica e ocupacional dos entrevistados está apresentada no quadro 1.
Os coordenadores participantes da pesquisa ingressaram, em sua maioria, por meio de concurso público e atuavam havia mais de dois anos em cargo de gestão (considerando as experiências anteriores), com a finalidade de adquirir qualificação e perfis diferenciados para atuar no seu campo profissional. Todos os profissionais entrevistados realizaram cursos de pós-graduação, e dois/duas possuíam o título de mestre. Foi possível observar que predominaram profissionais do sexo feminino, brancas, com idade média de 47 anos (mínima de 37 anos e máxima de 58 anos), e apenas três dos sete entrevistados declararam ter religião.
Conforme observado no quadro 1, todos os entrevistados informaram ser homens ou mulheres cisgêneros, em sua maioria com orientação heterossexual. O fato de não haver nenhuma coordenação com identidade de gênero não binário ou orientação sexual não heterossexual merece consideração. Nesse contexto, a falta de pessoas ocupando cargos de gestão com identidade de gênero ou orientação sexual diversa sinaliza barreiras de acesso à carreira no serviço público, reforçando evidências sobre preconceito e/ou dificuldades de escolarização enfrentadas pela população LGBTQIA+, fazendo com que a grande maioria não conclua sequer o ensino fundamental ou médio.
Várias pesquisas abordam os principais motivos que levam estudantes LGBTQIA+ brasileiros a interromper seus estudos, tais como desigualdades sociais, violações de direitos, negligência, violência, vulnerabilidade social, econômica e afetiva, bem como pela discriminação2424 Alves CER, Moreira MIC. Do uso do nome social ao uso do banheiro: (trans)subjetividades em escolas brasileiras. Cad. Psic. 2015; 19(3):59-69.,2525 Lima T. Educação básica e o acesso de transexuais e travestis à educação superior. RIEB. 2020; (77):70-87.,2626 Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Secretaria de Educação. Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2015. Curitiba: ABGLT; 2016.. Em 2016, a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional2727 Abramovay M, Castro MG, Waiselfisz J. Juventudes na escola, sentidos e buscas: Por que frequentam? Brasília, DF: Flacso - Brasil, OEI, MEC; 2015., realizada pela ABGLT, revelou que 60,2% dos estudantes brasileiros de ambos os sexos afirmaram se sentir inseguros na instituição educacional por causa de sua orientação sexual, e 42,8% se sentiam inseguros devido à maneira como expressavam o gênero.
Um quinto dos estudantes LGBTQIA+ (21,7%) que costumavam ouvir comentários LGBTfóbicos na instituição de ensino reportaram que esses comentários eram feitos pela maioria dos seus pares. Mais de dois terços (69,1%) dos estudantes relataram que já ouviram comentários LGBTfóbicos feitos por professores ou outros funcionários. Além disso, a pesquisa ‘Juventudes na escola, sentidos e buscas: por que frequentam?’2727 Abramovay M, Castro MG, Waiselfisz J. Juventudes na escola, sentidos e buscas: Por que frequentam? Brasília, DF: Flacso - Brasil, OEI, MEC; 2015. indicou que 19,3% dos alunos de escola pública não gostariam de ter um colega de classe travesti, homossexual, transexual ou transgênero.
Conhecimento dos gestores de saúde mental sobre a PNSI-LGBT, ações e práticas
Em relação às dificuldades de implementação da PNSI-LGBT no Brasil, estudos destacam o desconhecimento sobre a política, a LGBTfobia, o estigma, o preconceito e a discriminação, além do despreparo dos profissionais de saúde para acolher e atender esse público2828 Avellar CCC, Rodrigues FB. Avanços e barreiras na implementação da política nacional de saúde integral da população LGBT: uma revisão integrativa. J. Educ. Sci. and Health. 2023; 3(3):1-11.,2929 Oliveira RP, Souza Júnior MAF, Silva IFP, et al. Política Nacional de Saúde Integral LGBT e sua instrumentalização na atenção primária do SUS: uma revisão sistemática. Braz. J. Health Rev. 2023; 6(1):3907-3927.,3030 Prado EAJ, Sousa MF. Políticas Públicas e a saúde da população LGBT: uma revisão integrativa. Tempus (Brasília). 2017; 11(1):69-80.. Corroborando essa afirmação, a maioria dos gestores municipais de saúde mental em Resende informou não conhecer a fundo a PNSI-LGBT. Apenas o GGB, a Antra e o VRSH afirmaram estudar a política com objetivo de implementá-la em seus serviços. No entendimento dos demais participantes, essa tarefa ficaria mais a cargo da coordenação do ASI-LGBT, e este, por sua vez, teria a função de disseminá-la para os demais serviços.
Conheço pouco a política, agora com o ambulatório é que ela está sendo mais falada. Não se falava anteriormente sobre isso. (Acontece).
O ambulatório é responsável por disseminar essa política para toda a rede de saúde e rede intersetorial do município e já iniciaram essa programação com as Unidades Básicas de Saúde da Família. (GGB).
Não foi percebida preocupação da equipe gestora com a divulgação da PNSI-LGBT, visto que, até o momento da entrevista, a política instituída em 2011 não havia sido publicizada nem mesmo para os profissionais dos serviços de saúde mental. O Triângulo Rosa informou que ocorreu uma roda de conversa com os profissionais que fariam parte do ASI-LGBT, com o objetivo de introduzir a temática e discutir com a equipe sobre o novo ambulatório. No entanto, não houve uma continuidade da ação. Já a Antra afirmou que, por iniciativa própria e solicitação da equipe sob sua coordenação, aconteceu conversa com profissional externo sobre atendimento à população LGBTQIA+, mas também não houve continuidade.
A literatura indica a necessidade de disseminação da política, sensibilização e educação dos profissionais a respeito da saúde e dos direitos de pessoas LGBTQIA+; a inclusão dos quesitos de identidade de gênero e de orientação sexual nos formulários, prontuários e sistemas de informação; o estabelecimento de normas e protocolos de atendimento específicos para as lésbicas, transexuais e travestis; a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos; a implantação do protocolos de acolhimento e atenção à saúde mental e contra violências, entre outras ações3131 Bezerra MVR, Moreno CA, Prado NMBL, et al. Política de saúde LGBT e sua invisibilidade nas publicações em saúde coletiva. Saúde debate. 2019; 43(esp8):305-323.,3232 Silva ACA, Alcântara AM, Oliveira DC, et al. Implementação da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSI LGBT) no Paraná, Brasil. Interface (Botucatu). 2020; 24:e190568.,3333 Guimarães NP, Sotero RL, Cola JP, et al. Avaliação da implementação da Política Nacional de Saúde Integral à população LGBT em um município da região Sudeste do Brasil. Rev. Eletrôn. Comun. Inf. Inov. Saúde. 2020; 14(2):372-385.,3434 Sacramento I, Ferreira V. As identidades LGBT no Brasil: entre in/visibilidades e in/tolerâncias. Rev. Eletrôn. Comun. Inf. Inov. Saúde. 2019; 13(3):444-44 9..
Os participantes foram perguntados sobre outras atividades preconizadas pela Política Nacional de Saúde Mental, visto que o ASI-LGBT é voltado somente para o processo de hormonização e transexualização3535 Popadiuk GS, Oliveira DC, Signorelli MC. A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT) e o acesso ao Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS): avanços e desafios. Ciênc. saúde coletiva. 2017; 22(5):1509-20.. Questionou-se sobre o planejamento de ações para os demais atores LGBTQIA+, e não somente para as pessoas trans, bem como sobre o atendimento em toda rede de saúde e nos serviços especializados de saúde mental.
Entendemos que as pessoas em sofrimento mental ou com transtornos deveriam ser atendidas pelos serviços existentes na rede de saúde mental, mas ainda percebemos que as equipes dos Caps não estão preparadas para atender essa população. (VRSH).
Estamos realizando o rastreamento desse público, mas entendemos que esse público precisa estar dentro dos serviços já existentes, com o objetivo de não segregar; estamos tentando reintegrar esses sujeitos dentro da rede. (ABGLT).
Após leitura e análise do Plano Plurianual e do Plano Operativo, não foi identificada a introdução de temas ligados à saúde da população LGBTQIA+ na agenda política nos últimos oito anos. Além da ausência da temática na agenda da municipalidade, pode-se afirmar que não existe informação de quantas pessoas dessa comunidade são atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade de Resende. Outrossim, não existem projetos ou programas nem menção de destinação de recursos para execução de ações específicas para essa população. Com as entrevistas, foi possível identificar que nem mesmo os serviços de saúde mental possuem dados e informações específicos sobre a população LGBTQIA+.
As coordenações da ABGLT, do GGB e do VRSH informaram que esses dados só são contabilizados pelo serviço recém-inaugurado do ASI-LGBT, mas que não possuem os dados dos demais serviços da saúde mental. O Triângulo Rosa, o Grupo Arco-Íris e a Acontece Arte e Política relataram que não há no prontuário a informação sobre identidade de gênero e orientação sexual dos pacientes. Já a Antra afirmou que existe a variável identidade de gênero com as opções ‘masculino’, ‘feminino’ e ‘outros’. No entanto, a opção ‘outros’ nunca foi discriminada pelos profissionais da equipe, assim sendo, essa informação permanece desconhecida.
Não foram identificados leis, programas ou projetos municipais específicos para atendimento à população LGBTQIA+. Ao questionar as coordenações sobre a existência de um Plano Operativo municipal que contemplasse projetos e ações voltados a essa população e quais os investimentos que o município tem realizado para a implementação da política, a maioria dos entrevistados resumiu o desenvolvimento da PNSI-LGBT à implantação do ASI-LGBT. Segundo os participantes, o lado positivo no cenário atual do município é o de transformar o ambulatório em um serviço e instituí-lo oficialmente, o que possibilitará o repasse direto de recursos e o fortalecimento de sua atuação de forma mais plena.
Existe sim, porque temos esse ambulatório e ele é totalmente custeado pelo município. (ABGLT).
Agora [com o ambulatório] está tendo mais visibilidade e um maior interesse de vários setores. (Acontece).
A equipe gestora não procurou se apropriar das diretrizes da PNSI-LGBT visto que, até o momento, não percebeu a necessidade de produção de dados para formulação de indicadores de monitoramento e avaliação sobre morbimortalidade, bem como de acesso dessa população específica à atenção integral, considerando-se estabelecer prioridades e metas nos planos estaduais e municipais de saúde. Nesse sentido, a ausência de tais informações dificulta o diagnóstico sobre a situação de saúde, não permitindo que sejam traçadas estratégias para combate e erradicação das desigualdades em saúde, além de impossibilitar o planejamento intra e intersetorial que poderia, no caso, agregar maior efetividade às ações visando à equidade.
Todos esses problemas apontam para os desafios persistentes de implementação da PNSI-LGBT nos municípios3636 Lima RAF, Salgueiro CDBL. Atenção à saúde da população LGBTQIA+ visando o acesso integral aos serviços de saúde. Res., Soc. Dev. 2022; 11(12):e376111234597.,3737 Melo IR, Amorim TH, Garcia RB, et al. O direito à saúde da população LGBT: desafios contemporâneos no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). Rev. Psicol. Saúde. 2020; 12(3):63-78.,3838 Gouvêa LF, Souza LL. Saúde e população LGBTQIA+: desafios e perspectivas da Política Nacional de Saúde Integral LGBT. Periódicus. 2021; 3(16):23-42.,3939 Sena AGN, Souto KMB. Avanços e desafios na implementação da Política Nacional de Saúde Integral LGBT. Tempus (Brasília). 2017; 11(1):9-28.. Esse aparente desinteresse e descontinuidade de ações contribuiu para o não cumprimento dos preceitos do SUS de universalidade e equidade, perpetua a violação de direitos no âmbito institucional, desestimula o respeito às diversidades, ficando a cargo do bom senso e interesse dos profissionais em buscar conhecimento para oferecer um acolhimento qualificado, sem discriminação e preconceito, respeitando as individualidades de cada usuário LGBTQIA+. Ademais, nem mesmo os gestores estão sensibilizados sobre a necessidade de atendimento das especificidades desse grupo nos serviços sob sua gestão, e a maioria se limita a acreditar que a inauguração de um serviço especializado corresponde à implementação da política.
Desenvolvimento de ações de educação permanente para os profissionais da saúde mental sobre a temática LGBTQIA+
Estudo de revisão sistemática4040 Bender MS, Sott MK, Gonçalves IF, et al. Saúde da população LGBTQIA+ durante a pandemia da Covid-19. Cadernos GenDiv. 2022; 8(2):166-203. revelou os efeitos da pandemia de Covid-19 na população LGBTQIA+. Além de potencializar as barreiras de acesso aos serviços de saúde já existentes, a crise sanitária e humanitária aumentou a vulnerabilidade à infecção pelo novo coronavírus. O contexto pandêmico acarretou a fragilização dos vínculos sociais e agravou os problemas relacionados com a saúde mental, com o aumento dos índices de sofrimento psíquico e transtornos mentais, como depressão e ansiedade, e de uso de substâncias lícitas e ilícitas. Assim, a escassez de cuidados e de acolhimento respeitoso para essas pessoas e a falta de preparo dos profissionais para atender suas particularidades e oferecer uma atenção qualificada só reafirmam o quanto é necessária a formação de trabalhadores da saúde que estejam preparados para lidar com essas questões.
Os participantes da pesquisa foram questionados sobre quais ações de educação permanente vêm sendo desenvolvidas para os profissionais da saúde mental sobre a política de saúde LGBTQIA+. A resposta dos profissionais foi de que, há alguns anos, não existe política de educação permanente para a rede de saúde mental por parte da gestão, ficando a cargo dos coordenadores dos serviços de forma isolada essas iniciativas, conforme as necessidades e dificuldades apresentadas. Esse fato pode ser notado na fala da Acontece, quando se perguntou ‘Com qual periodicidade a gestão de saúde mental realiza ações de educação permanente para os profissionais dos serviços?’.
Eu acho que já teve mais e que a educação permanente diminuiu. Antes tínhamos uma frequência maior, possuíamos supervisão e há mais de 5 anos perdemos. (Acontece).
Além disso, acrescentou que, mesmo anteriormente, quando havia maior investimento em educação permanente, a saúde da população LGBTQIA+ não era tratada nesses processos, sendo incluída apenas em ações isoladas, como palestras ou seminários. Afirmou ainda que agora, após o funcionamento do ASI-LGBT, é que há uma maior visibilidade dessa temática.
Sabe-se que os profissionais de saúde possuem pouca informação relacionada com o contexto histórico, político e social que envolve o processo saúde- doença-cuidado da população LGBTQIA+. Além disso, observa-se uma racionalidade estigmatizadora4141 Guimarães RCP, Lorenzo CFG, Mendonça AVM. Sexualidade e estigma na saúde: uma análise da patologização da diversidade sexual nos discursos de profissionais da rede básica. Physis. 2021; 31(1):e310128., influenciada pela patologização da sexualidade por parte dos profissionais, que vincula a identidade das pessoas LGBTQIA+ à noção de grupo de risco e associa isso a uma condição causadora de doenças, especialmente IST/aids e transtornos mentais, além de comportamentos moralmente reprováveis, reproduzindo nos serviços o preconceito e a discriminação presentes no cotidiano.
Negreiros et al.4242 Negreiros FRN, Ferreira BO, Freitas DN, et al. Saúde de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais: da formação médica à atuação profissional. Rev. Bras. Educ. Méd. 2019; 43(1):23-31., em estudo recente com médicos da atenção primária, sinalizaram as deficiências da grade curricular dos cursos da saúde e a indispensabilidade de capacitações relacionadas com a temática LGBTQIA+. Albuquerque et al.4343 Albuquerque GA, Garcia CL, Alves MJH, et al. Homossexualidade e o direito à saúde: um desafio para as políticas públicas de saúde no Brasil. Saúde debate. 2013; 37(98):516-524. também revelaram essa dificuldade ao enfatizar que o tema permanece excluído de espaços acadêmicos e da atenção primária. Ressalta-se que estratégias que objetivam a discussão da atenção à saúde desses grupos devem ser estimuladas para qualificar o atendimento.
Com a implantação do ASI-LGBT, houve iniciativa de capacitação da equipe e de outros profissionais coordenadores de serviços da saúde mental com o intuito de que esses se tornem agentes multiplicadores para os demais serviços do SUS. Apesar de não haver um Plano de Ação, os entrevistados referiram que foi iniciado o diálogo com a rede da atenção básica do município por meio de matriciamento e rodas de conversa, mas, até aquele momento, não foi possível atingir os profissionais que atuam nos serviços próprios de saúde mental.
Os agentes multiplicadores lotados no ambulatório LGBTQIA+ iniciarão as agendas [de capacitação] no próximo mês pelos profissionais que atuam nas recepções dos serviços da atenção básica. (ABGLT).
Disseminar informação, sensibilizar e capacitar sobre a saúde da população LGBTQIA+ devem se constituir em ações estratégicas e contribuir para a formulação de plano operativo municipal da PNSI-LGBT3030 Prado EAJ, Sousa MF. Políticas Públicas e a saúde da população LGBT: uma revisão integrativa. Tempus (Brasília). 2017; 11(1):69-80.,3939 Sena AGN, Souto KMB. Avanços e desafios na implementação da Política Nacional de Saúde Integral LGBT. Tempus (Brasília). 2017; 11(1):9-28.,4444 Calazans GJ, Amador SM, Beretta GR, et al. A experiência de implantação da Política de Saúde Integral para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) no município de São Paulo. BIS, Bol. Inst. Saúde (Impr.). 2018; 19(2):105-115.. Entendese que a educação permanente é primordial para a qualidade dos serviços prestados à população, fazendo-se necessário que a gestão promova práticas educativas para gestores e trabalhadores da saúde e para o controle social. A educação deve ser incluída nas rotinas dos serviços de saúde para o fim do preconceito contra pessoas LGBTQIA+, sempre com a preocupação do combate a opressões e discriminações de gênero, orientação sexual, raça e demais marcadores sociais.
Apesar de afirmarem que a equipe do ASI-LGBT será a multiplicadora das ações de saúde para os demais serviços, não se identificaram propostas intra e intersetoriais para o cumprimento dos objetivos da política, observando -se ações isoladas. Além da ausência de um Plano Operativo, realça-se a inexistência de comitês intersetoriais que tenham como objetivo pensar e elaborar projetos ou programas municipais para a população LGBTQIA+ na estrutura governamental, primeiro passo para a implementação de uma política pública no município4545 Ferreira BO, Nascimento M. A construção de políticas de saúde para as populações LGBT no Brasil: perspectivas históricas e desafios contemporâneos. Ciênc. saúde coletiva. 2022; 27(10):3825-3834.,4646 Souza MBCA, Helal DH. Política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais: análise descritiva e utilização de dados secundários para pesquisa e prática. Bagoas. 2015; (13):221-251.,4747 Cardoso MR, Ferro LF. Saúde e população LGBT: demandas e especificidades em questão. Psicol. Ciênc. Prof. 2012; 32(3):552-563..
Considerações finais
O sofrimento e o adoecimento mental da população LGBTQIA+ são tema de grande relevância já demonstrado por vários estudos. Doze anos depois de instituída, foi identificado um baixo grau de efetivação da PNSI-LGBT no município de Resende, hoje resumida à implantação de um ambulatório responsável pelo processo de hormonioterapia e transgenitalização. De modo geral, a aposta é que, com o funcionamento do ASI-LGBT, sua institucionalização e maior aporte de recursos, ele seja indutor da política.
Embora não tenha sido objeto do estudo, falar de controle social é primordial para a defesa de direitos e emancipação de sujeitos. A atuação dos movimentos LGBTQIA+ nos Conselhos de Saúde e outros espaços de participação social poderiam tensionar a gestão pública para a inclusão da diversidade na agenda política. Dessa forma, espera-se que este estudo contribua para a reflexão de gestores, trabalhadores da saúde e população geral sobre a importância da implementação da PNSI-LGBT no município de Resende, fortalecendo a luta para que as pessoas LGBTQIA+ tenham direito a uma cidadania plena.
- Suporte financeiro: não houve
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
17 Maio 2024 - Data do Fascículo
Dez 2023
Histórico
- Recebido
25 Nov 2023 - Aceito
25 Dez 2023