Relatos da quarentena: que sociedade(s) emergirá(ão) após o coronavírus? Estratégias solidárias de construção de outros mundos possíveis

Reports from quarantine: what society(ies) will emerge after the coronavirus? Solidarity strategies for building other possible worlds

Edmundo Gallo Anna Maria de Castro Andrade Indira Alves França Marcela Albino Cananéa Alessandra Bortoni Ninis Luisa Vilas Boas Cardoso Sobre os autores

RESUMO

A pandemia de covid-19 revelou múltiplas dimensões da crise civilizatória e ecológica, destacando a falência do modelo de desenvolvimento capitalista hegemônico e a injusta concentração de riqueza global, gerando profundas desigualdades sociais. No nível local, a campanha ‘Cuidar é Resistir’ demonstrou que populações tradicionais podem oferecer respostas promissoras para o futuro. Por meio da coordenação de diversas ações, como arrecadação e distribuição de alimentos, compra de produtos locais e comunicação efetiva, essa campanha promoveu segurança sanitária, econômica e alimentar, além de reduzir desigualdades e pressões socioambientais. A participação das organizações da sociedade civil, das instituições públicas e do Sistema Único de Saúde foi fundamental nesse processo. A experiência da campanha sugere que o futuro diante da pandemia e da crise climática pode ser encontrado nos modos de vida das comunidades tradicionais, que podem inspirar novas formas de habitar o planeta, promovendo uma relação sustentável e solidária entre seres humanos e natureza. Ao aprender com o modo de vida tradicional e combinar suas práticas com as dimensões positivas do pensamento científico e tecnopolítico, baseado em abordagens solidárias e conhecimento colaborativo, é possível utilizar estratégias de governança viva para promover o Bem Viver.

PALAVRAS-CHAVE
Coesão social; Solidariedade; Integração comunitária; Indicadores de saúde comunitária; Capacidade de liderança e governança

ABSTRACT

The COVID-19 pandemic has revealed multiple dimensions of the civilizational and ecological crisis, highlighting the failure of the dominant capitalist development model and the unjust global concentration of wealth, resulting in profound social inequalities. At the local level, the ‘Cuidar é Resistir’ campaign has demonstrated that traditional populations can offer promising responses for the future. Through the coordination of various actions, such as food collection and distribution, support for local products, and effective communication, this campaign has promoted sanitary, economic, and food security, while reducing social and environmental pressures. The participation of civil society organizations, public institutions, and the Unified Health System has been crucial in this process. The campaign’s experience suggests that the future in the face of the pandemic and the climate crisis can be found in the ways of life of traditional communities, which can inspire new ways of inhabiting the planet, promoting a sustainable and compassionate relationship between humans and nature. By learning from traditional ways of life and combining their practices with the positive dimensions of scientific and technopolitical thinking, based on solidarity and collaborative knowledge, it is possible to employ strategies of living governance to promote the ‘Buen Vivir’ (Good Living) paradigm.

KEYWORDS
Social cohesion; Solidarity; Community integration; Community health indicators; Leadership and governance capacity

Introdução

A emergência da pandemia do novo coronavírus recolocou para a humanidade sua dimensão de fragilidade e até de impotência, derivada do modelo de produção, consumo e organização social instituído pelo capitalismo, baseado no individualismo, na competitividade e na exploração predatória da natureza e do outro para a maximização e apropriação privada do lucro.

Para descrever este momento, nada mais apropriado que a frase de Marx “tudo que é sólido desmancha no ar”11 Engels F, Marx K. O manifesto comunista. 5. ed. São Paulo: Ed. Paz e Terra; 1999. 65 p.(43): a ilusão da onipotência humana, do poder resolutivo da tecnologia, do território dos estados-nação como espaço contingente e controlável, da capacidade do Mercado para resolver os problemas sociais, da posição social e financeira como blindagem às ameaças, dos ‘condomínios globais’ como proteção às mazelas sociais do restante do mundo - as ‘favelas globais’, produzidas e ignoradas por seus condôminos.

Se houve consequências boas da pandemia, uma delas foi desvelar a incapacidade do modo de produção hegemônico de sustentar o planeta, a vida e a humanidade. Outras são de desnaturalizar as assimetrias sociais, de recusar que a pobreza seja uma condição aceitável na paisagem social, de desmistificar a riqueza como produto do empreendedorismo e de recolocar a discussão do interesse público, dos bens comuns e da solidariedade social como determinantes para a vida, incluindo as ações comunitárias, sociais, do Estado e dos organismos multilaterais de cooperação.

Não, a insustentabilidade planetária, social e humana não é natural. Ela advém da voragem do capital, do individualismo exacerbado e da pseudo-onipotência dos condôminos globais. Entretanto, se algo de novo e de bom pode emergir desta crise planetária, será a consciência da humanidade, incluindo parte dos condôminos globais, de que nada disso é ‘normal’, de que tudo isso foi elaborado e administrado intencionalmente. Tudo isso tem uma racionalidade própria, que nos levou até onde estamos agora. O mundo de hoje é assim porque assim foi construído.

Os povos indígenas têm alertado para cataclismos climáticos e epidêmicos há séculos; isso está expresso desde as primeiras narrativas sobre a origem do homem branco e vem sendo atualizado continuamente nas elaborações que fazem sobre o genocídio de seus povos. Doenças, conflitos territoriais, desmatamento, contaminação hídrica e outros desequilíbrios assolam os povos indígenas desde o período colonial, e tem crescido a consciência de que esses males se estendem e ameaçam agora toda a ‘humanidade’. Davi Kopenawa e Ailton Krenak fazem esse alerta em ‘Ideias para adiar o fim do mundo’ e ‘A queda do céu’, sobre a violência perpetrada pelo Estado e pela sociedade da mercadoria aos seus modos de existência e sobre o desastre global causado por esse modelo de produção, consumo e acumulação.

O que aprendi ao longo dessas décadas é que todos precisam despertar, porque, se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados de ruptura ou da extinção dos sentidos das nossas vidas, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar a nossa demanda. Como disse o pajé yanomami Davi Kopenawa, o mundo acredita que tudo é mercadoria, a ponto de projetar nela tudo o que somos capazes de experimentar22 Kopenawa D, Albert B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras; 2015.(45).

Quando despersonalizam o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista22 Kopenawa D, Albert B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras; 2015.(49).

Inúmeros trabalhos já demonstraram que os povos e as comunidades tradicionais dependem de seus territórios para manutenção de seus modos de vida e cultura. Como afirma Cunha33 Cunha MC, organizadora. Patrimônio imaterial e biodiversidade. Revista do IPHAN. 2005;32(36)., a diversidade cultural e a diversidade biológica são interdependentes.

Para que se desenvolvam relações de reciprocidade entre os diversos tekoa Mbya é preciso, pois, que estes, em seu conjunto, apresentem certas constantes ambientais (matas preservadas, solo para agricultura, nascentes etc.) que permitam aos Mbyá exercerem seu ‘modo de ser’ e aplicar suas regras sociais44 Ladeira MI. Guarani Mbya. Povos Indígenas no Brasil [Internet]. 2003 [acesso em 2023 maio 28]. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Guarani_Mbya
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Dessa forma, os arranjos produtivos dessas populações tendem a ser mais sustentáveis, pois estão baseados em uma lógica que não admite o esgotamento irreversível dos recursos presentes em seus territórios - e mais solidários, visto que estão assentados na lógica da reciprocidade entre pessoas e entre humanos e a natureza55 Mauss M. Sociologia e Antropologia, com uma introdução à obra de Marcel Mauss, de Claude Lévi-Strauss. São Paulo: EPU; 1974..

Entre os povos e comunidades tradicionais, viver bem não é sinônimo de acúmulo de bens materiais. Nas cosmologias indígenas, que são o fundamento da sua práxis, estão conceitos como Nhanderekó (nosso modo de ser ou nosso modo de viver) e formulações correlatas como o Bem Viver66 Acosta A. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Autonomia Literária/Elefante; 2016.. Tais categorias se baseiam em outras bases epistemológicas, representam um enfrentamento da hegemonia da racionalidade ocidental capitalista e vêm sendo fortalecidas por diversos campos da filosofia, da educação e das ciências humanas em diálogo com abordagens, como a teoria crítica, as epistemologias do Sul, a teoria dos comuns, a ecologia política, a economia solidária e a pedagogia da autonomia, entre outras.

Quando se fala em epistemologias locais, entre os povos e comunidades tradicionais, reconhecemos o conhecimento produzido por meio da oralidade, da prática e da observação - métodos também utilizados em pesquisas científicas convencionais - associados a sistemas simbólicos locais de interpretação que fazem sentido em sua forma de ver e conceituar o mundo.

Na organização sociopolítica de muitos povos indígenas, por exemplo, os processos de tomada de decisão dependem dos sonhos e das visões dos xamãs e dos pajés22 Kopenawa D, Albert B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras; 2015.,77 Krenak A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras; 2019.. Outrossim, que o calendário agrícola não engloba apenas variáveis ambientais e ecológicas, mas expressa também aspectos de ordem espiritual; ou que o ser humano não é resultado da evolução das espécies ou da criação de Deus, mas sim obra de demiurgos mitológicos, como Omama22 Kopenawa D, Albert B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras; 2015. ou Nhanderu88 Popygua TSV, Ekman A. Yvyrupa: a terra uma só. São Paulo: Hedra; 2017.. São saberes colocados ‘desde sempre’, ancorados em narrativas míticas que atravessam os tempos por meio da oralidade, como se vê no livro ‘Yvyrupa: a Terra uma só’, do guarani Timóteo Verá Tupã Popygua88 Popygua TSV, Ekman A. Yvyrupa: a terra uma só. São Paulo: Hedra; 2017.. Essas versões filosóficas, históricas e científicas sobre o mundo têm implicações na vida prática, na relação entre as pessoas e com a natureza, pois organizam todo o sistema de interpretação e conceituação de tudo o que existe.

Tais abordagens partem e buscam a coabitação equilibrada entre indivíduo, sociedade e planeta, fundamentadas justamente na ideia de que a natureza não está à disposição do ser humano, mas é um ente com o qual se estabelecem relações sociais e usos controlados, resultando em relações de produção autônomas, renováveis e autossuficientes66 Acosta A. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Autonomia Literária/Elefante; 2016.. Por outro lado, a ideia de comuns pressupõe ‘um recurso’ (compartilhado), ‘uma comunidade’ (que os mantém) e claros princípios de ‘governança autônoma’ (para regulá-los)99 Bauwens M. Cada Vez que a civilização está em crise, há um retorno aos bens comuns. Revista Resiliência [Internet]. 2019 out 29 [acesso em 2023 maio 28]. Disponível em: https://www.resilience.org/stories/2019-10-29/every-time-a-civilization-is-in-crisis-there-is-a-return-of-the-commons/
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Essas epistemologias e práxis críticas demandam, para sua territorialização, um modo de governança vivo e em rede, capaz de produzir autonomia e inovação social1010 Faraoni Freitas Setti A, Gallo E. Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais. Saúde debate [Internet]. 2009 [acesso em 2023 maio 28];33(83):407-419. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406345800008
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,1111 Dagnino R. “Ciência e tecnologia para a cidadania” ou adequação sócio-técnica com o povo? Rev Tec Soc. 2009;5(8). DOI: http://dx.doi.org/10.3895/rts.v5n8.2529
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. Nesse contexto, essas redes exercitam a governança viva que utiliza o referencial da geografia crítica e humanista1212 Santos M. O território e a constituição. Rev Adm Pública [Internet]. 1986 [acesso em 2023 maio 28];20(4):65-69. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/9971
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13 Castells M. Sociedade em Rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra; 1999. v. 1.
-1414 Tuan Y. Space and place: humanistic perspective. In: Gale S, Olsson G, editors. Philosophy in Geography. Springer, Dordrecht: Theory and Decision Library; 1979. p. 387-427. v. 20. DOI: https://doi.org/10.1007/978-94-009-9394-5_19
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, associado à teoria da produção social1515 Matus C. Teoria do jogo social. Ed. São Paulo: Fundap; 2005., à teoria da ação comunicativa1515 Matus C. Teoria do jogo social. Ed. São Paulo: Fundap; 2005.

16 Adorno T, Horkheimer M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar; 1985.

17 Habermas J. A nova intransparência. A crise do estado de bem-estar social e esgotamento das energias utópicas. Novos Estudos CEBRAP. 1987;18:103-14.
-1818 Habermas J. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Tacurus; 1987.
e à pedagogia da autonomia1919 Freire P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra; 1967.,2020 Freire P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 1996., para - a partir do território e das necessidades expressas pelas comunidades tradicionais - identificar prioridades, realizar análises situacionais, identificar desafios, desenvolver soluções, desenhar os cenários e as estratégias, monitorar sua execução, adaptar o plano às mudanças situacionais e avaliar sua efetividade2121 Dias AP, Brandão ACB, Aleixo B, et al. Territórios sustentáveis e saudáveis: experiências de saúde ambiental territorializadas: marco teórico-volume 1. Brasília, DF: Funasa; 2021..

Esse processo tem microterritórios - unidades de gestão territorial de menor dimensão espacial, definidas principalmente a partir da identidade simbólica e das relações histórico-sociais de troca e solidariedade entre as comunidades tradicionais -, como escala integradora de governança e gestão para, em movimentos flexíveis e a partir de pactos de autonomia e responsabilização1010 Faraoni Freitas Setti A, Gallo E. Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais. Saúde debate [Internet]. 2009 [acesso em 2023 maio 28];33(83):407-419. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406345800008
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,2222 Gallo E, Castro JD, Costa JC, et al. Saúde, desenvolvimento e globalização. Saúde debate [Internet]. 2005 [acesso em 2023 maio 28];29(71):315-326. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406345256008
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, promover a transição do modelo hegemônico para arranjos que fortaleçam e atualizem os modos solidários de produção e consumo tradicionais, desenvolvendo tecnologias sociais para articular, fortalecer e contribuir para os empreendimentos comunitários, assim como para iniciativas coletivas e familiares.

Nos arranjos econômicos das comunidades tradicionais, a solidariedade já é um princípio. Os quinhões de peixe, a divisão de partes de caça entre os núcleos familiares, os mutirões agrícolas, tudo isso são formas de solidariedade preexistentes. Não por acaso, as respostas mais efetivas à pandemia vieram exatamente dos territórios onde essas racionalidades de resistência habitam. Neles, o impacto da incapacidade das formas capitalistas de produção e consumo de manterem serviços, cadeias de distribuição e suprimentos foi menor que nos grandes centros.

Esses territórios produzem alimentos, praticam técnicas agroecológicas, pesca artesanal e criação doméstica de animais. Extraem de seus territórios os materiais para construção de casas, de embarcações, para confecção de apetrechos de pesca e peças para beneficiamento dos alimentos agrícolas. Mantêm as trocas como base da circulação de produtos e serviços, os mutirões como forma de implantar estruturas produtivas e de suporte social, as redes de cuidado como estratégia de apoio individual, familiar e coletivo.

Tal modo de vida é constantemente ameaçado pela racionalidade do capital: a monetarização e a mercantilização de produtos e serviços, a alimentação industrializada em detrimento dos alimentos naturais, o trabalho assalariado subalterno substituindo práticas produtivas tradicionais, a propriedade privada e as cercas ameaçando o uso coletivo do território.

Entretanto, pela consciência crítica advinda tanto de suas visões de mundo e modos de vida quanto de suas histórias de resistência, essas comunidades mantiveram sua tradição de solidariedade e cooperação e, naquele momento de crise, encontraram nela respostas à incapacidade do modelo hegemônico de garantir a segurança socioambiental, sanitária e alimentar.

Articuladas às suas redes, que extrapolam seus lugares e territorialidades, mas que compõem seu território em diferentes tempos, espaços e escalas, as comunidades tradicionais adotaram estratégias solidárias para lidar com os impactos da pandemia, garantir e ampliar sua autonomia.

Essas estratégias fortaleceram redes de solidariedade, ampliando a sustentabilidade política, cognitiva, financeira, organizacional, ambiental e comunicacional em diversas escalas, conectando as comunidades a parceiros históricos. Esse conjunto de parceiros articulados por e a partir das comunidades tradicionais tem sido um dos alicerces para a garantia de seus direitos e territórios, frequentemente ameaçados.

No momento em que o novo coronavírus escancarou a insustentabilidade da sociedade capitalista, essas redes, frequentemente capitaneadas por instituições públicas, foram a tessitura que, costurada pelos modos de vida sustentáveis e saudáveis das comunidades tradicionais, demonstraram sua universalidade e potência para a construção de outros futuros.

Os Relatos da Quarentena aqui reunidos registram essas estratégias e indicam que outro mundo é possível, que o caminho para a sustentabilidade socioambiental passa por reconciliar o ser humano com sua natureza; que a desigualdade, a exploração, a degradação ambiental e as assimetrias sociais não são naturais nem normais. Tudo que era sólido desmanchou-se no ar. O que vamos construir em seu lugar?

Nosso território, nosso lugar, nossa agenda

A Serra da Bocaina, localizada entre os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, na região Sudeste, é parte do Corredor da Biodiversidade da Serra do Mar e um hotspot da sociobiodiversidade. Abrange cerca de 200 territórios tradicionais indígenas, caiçaras e quilombolas, além de 18 unidades de conservação, incluindo o primeiro sítio misto (cultural e natural) do Brasil reconhecido como patrimônio mundial.

O território enfrenta conflitos relacionados com grandes empreendimentos de energia, petróleo, turismo e imóveis de luxo. Associados à sobreposição de Unidades de Conservação em territórios tradicionais, esses conflitos resultam em ações judiciais contra as comunidades. As violações dos direitos humanos incluem criminalização ambiental, despejos forçados, restrições ao direito de ir e vir e ao acesso a recursos naturais essenciais para garantir seus modos de vida.

Para enfrentar esses desafios, em 2007, foi criado o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. O FCT é um movimento que articula lideranças indígenas, quilombolas e caiçaras da região da Bocaina, que defendem os modos de vida das comunidades tradicionais e seus direitos territoriais. Em parceria com o FCT, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) iniciou diálogos, em 2009, para promover o desenvolvimento sustentável e a saúde na região. A Fiocruz tem como missão promover a saúde e qualidade de vida da população brasileira, reduzir as desigualdades sociais e impulsionar a inovação.

O Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS) é fruto da parceria entre a Fiocruz e o FCT. O OTSS atua como um espaço tecnopolítico de geração de conhecimento crítico a partir do diálogo entre saberes tradicionais e científicos, visando à sustentabilidade, à saúde e à defesa dos direitos coletivos para o protagonismo e o Bem Viver das comunidades tradicionais em seus territórios. Ademais, o OTSS formula e implementa soluções tecnopolíticas com base em epistemologias decoloniais e na governança viva. Suas ações incluem incubação de tecnologias e empreendimentos sociais de agroecologia, saneamento ecológico, turismo de base comunitária e pesca artesanal; fortalecimento da educação diferenciada, considerando a história e a cultura locais nos currículos e métodos de ensino, do ensino fundamental à pós-graduação; implementação de ações de defesa territorial, como assessoria jurídica, regularização de associações comunitárias, advocacy e mecanismos de pactuação (Termo de Autorização de Uso Sustentável - Taus, Termo de Ajustamento de Conduta - TAC e planos de manejo de áreas protegidas), buscando a justiça socioambiental.

Ao longo desses 14 anos, o OTSS adensa sua rede de solidariedade por meio de parcerias e colaborações entre comunidades, movimentos sociais, gestores públicos, Organizações Não Governamentais (ONG) e instituições de pesquisa e ensino em nível local, regional, nacional e internacional.

Destaque à governança local, articulada a parâmetros regionais, nacionais e globais, colocando o território como centro na definição de necessidades e soluções, o que é um fator crítico para sua efetividade e que vem sendo alcançada apesar dos conflitos inerentes ao embate entre projetos distintos e mesmo antagônicos. As ações na Bocaina têm resultados positivos, promovendo autonomia, sustentabilidade e equidade para povos tradicionais, enfrentando o modelo dominante de desenvolvimento e conflitos socioambientais, buscando justiça socioambiental e desenvolvimento humano2323 Gallo E, Nascimento V. O Território Pulsa. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019.. Outrossim, as articulações em redes na Bocaina têm possibilitado o desenvolvimento de um território de aprendizagem para o Bem Viver.

Um território de aprendizagem e produção de soluções

Em janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto do novo coronavírus constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, impondo, como medida de segurança, o isolamento social. Nesse contexto, foi necessário garantir segurança sanitária, alimentar e nutricional às comunidades tradicionais, considerando que elas dependem do comércio autônomo e do turismo e que muitas delas são relativamente isoladas.

A vulnerabilidade das comunidades tradicionais durante a pandemia foi causada pela dificuldade de acesso a informações seguras, falta de acesso à água potável e material de higiene, dificuldades logísticas e presença de turistas em seus territórios. Além disso, havia o receio de migração desordenada das comunidades para as cidades e de migração de pessoas das áreas urbanas para comunidades isoladas.

O FCT desenvolveu estratégias para enfrentar o novo contexto e as demandas de segurança social, sanitária e alimentar. Essas ações visaram promover autonomia, equidade e sustentabilidade, alinhadas com a Agenda 2030 e seus objetivos.

Estratégias solidárias

As ações do poder público durante a pandemia não foram suficientes para garantir a segurança sanitária, social, econômica e alimentar das comunidades tradicionais, que já sofriam com a repressão histórica. Dessa forma, o FCT, com o apoio do OTSS, articulou ações para fortalecer e organizar as comunidades. A solidariedade e a ação coordenada foram fundamentais para que essas comunidades se mantivessem resistentes e saudáveis. Entre as ações, o FCT coordenou campanhas de arrecadação e distribuição de alimentos, principalmente produtos agroecológicos, para as comunidades tradicionais. A interação entre o FCT e as Associações de Moradores foi essencial para que as ações de enfrentamento a seguir relatadas chegassem efetivamente às comunidades (quadro 1). As ações apresentadas a seguir foram avaliadas considerando dimensões como equidade, sustentabilidade e autonomia, da Matriz de Análise de Efetividade de Estratégias Territorializadas de Desenvolvimento Sustentável e Saúde2323 Gallo E, Nascimento V. O Território Pulsa. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019., e parâmetros como diversidade, intersetorialidade, participação social e empoderamento2424 Setti AFF, Gallo E. Avaliação em Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável: Proposta de Abordagem e Tecnologias de Análise. In: Gallo E, Nascimento V. O Território Pulsa. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019; p. 44-58..

Quadro 1
Ações realizadas pelo FCT com apoio do OTSS para a redução da vulnerabilidade nos territórios tradicionais da Bocaina no contexto da pandemia de covid-19

Cabe ressaltar que muitas comunidades adotaram barreiras sanitárias para conter a entrada de turistas e proteger suas comunidades, enfrentando o desconforto e, às vezes, até a agressividade dos visitantes. Após a flexibilização, as comunidades passaram a receber um número descontrolado de visitantes, aumentando o número de casos do novo coronavírus. Dados da Secretaria Municipal de Saúde de Paraty apontam um aumento de quase 250% no período de 1º de julho a 1º de agosto de 2020, passando de 282 para 967 casos. Algumas comunidades, como a Praia do Sono e Trindade, conseguiram manter as barreiras por mais tempo e mantiveram uma baixa taxa de contágio.

Análise situacional

A primeira atividade conduzida por pesquisadores comunitários e acadêmicos do OTSS foi identificar as necessidades das comunidades durante a pandemia: falta de alimentos, itens de higiene e medicamentos, necessidades médicas, estoque de produtos agroecológicos, demanda por mudas e sementes e acesso à renda básica emergencial. Cada liderança realizou o levantamento em sua comunidade, direcionando as ações emergenciais do FCT, especialmente a aquisição de alimentos para as famílias tradicionais.

A partir do Grupo de Trabalho (GT) de logística, com lideranças dos municípios, foram planejadas e executadas as ações. Com base no levantamento do número de famílias vulneráveis em cada comunidade, foi organizada a logística de arrecadação e distribuição de alimentos, mudas e sementes - compra, armazenamento, transporte, pontos de distribuição nas comunidades, divisão de tarefas entre lideranças etc.

O planejamento e o monitoramento das ações eram semanais, e o diálogo com a assistência social municipal era permanente, para envio dos cadastros emergenciais feitos com as Associações de Moradores. Uma equipe era responsável por organizar os dados em planilhas, coletados das comunidades, e repassá-los aos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) municipais.

A análise situacional foi fundamental para organizar o processo, promovendo equidade ao considerar a diversidade cultural e étnica do território, incluindo grupos como quilombolas, indígenas Guarani Mbya e caiçaras; e contribuiu para a integralidade ao identificar deficiências no acesso aos serviços públicos e garantir os direitos humanos individuais e coletivos.

Também fortaleceu a sustentabilidade e a autonomia, a partir da ecologia de saberes, ao promover espaços coletivos de gestão, empoderamento de pesquisadores comunitários e acadêmicos, priorizar as necessidades e as vozes do território, apoiar a inclusão produtiva e trabalhar em redes de solidariedade interescalares com lideranças, associações, movimentos sociais e instituições públicas em diferentes níveis.

Cestas básicas com produtos agroecológicos

A campanha de arrecadação e distribuição de cestas básicas com produtos agroecológicos teve início com o Junta Comunitária, formado por membros da sociedade civil, que enfocou o abastecimento de alimentos para os indígenas, mas depois, devido à magnitude da crise, o FCT assumiu a coordenação da campanha.

A primeira fase da campanha foi orientada por princípios importantes, como o contato permanente com as lideranças indígenas, Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e prefeituras municipais. Foi mapeada a disponibilidade de alimentos agroecológicos nas comunidades tradicionais e vizinhas com objetivo de abastecer todas as famílias das aldeias com alimentos saudáveis, até que a prefeitura e a Funai pudessem assumir o fornecimento. Essas cestas incluíam produtos como banana, aipim, limão, taioba, couve, inhame, cará, nhoque de aipim e batata-doce, fortalecendo a economia solidária e a agroecologia da Bocaina.

Com a elaboração de um folheto explicativo sobre o novo coronavírus e práticas de higienização em cada cesta básica, o FCT levou também informação qualificada para as comunidades sobre a covid-19.

O FCT expandiu a campanha para atender não apenas indígenas, mas também as comunidades quilombolas e caiçaras. Essa segunda etapa contou com a participação ativa do núcleo jovem do FCT e da frente de comunicação popular. Novos apoiadores institucionais se somaram, como a ONG Verde Cidadania, o Instituto Linha D’água e a Fundação Darcy Ribeiro.

Nessa fase, reorganizou-se a gestão financeira dos apoios e aprimorou-se a logística de coleta e distribuição de alimentos. Desafios logísticos foram superados para alcançar locais de difícil acesso, como a Ilha Grande e a região costeira da Juatinga, por meio da ampliação do apoio de redes de solidariedade, como o Projeto Redes, a Prefeitura de Paraty e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Além da distribuição de alimentos e materiais de higiene e limpeza, também foi iniciada a arrecadação de agasalhos e cobertores para as aldeias indígenas.

Estratégias de comunicação foram adotadas para informar as comunidades sobre as iniciativas públicas de combate à covid-19, fornecendo dados confiáveis e seguros. A participação das mulheres foi destacada, sendo maioria na equipe de organização e atuando de forma significativa nas ações realizadas nos territórios. Os apoios articulados pelo FCT são apresentados no quadro 2.

Quadro 2
Apoios financeiros e logísticos para a Campanha

Essas ações resultaram na criação de um ‘plano emergencial de contingência e mitigação dos impactos da pandemia’, que serve de base para futuros planos de médio e longo prazo de enfrentamento de eventuais crises sanitárias e de insegurança alimentar. Além disso, promove o fortalecimento das associações comunitárias na governança de seus territórios diante dessas crises.

Ao distribuir cestas básicas com produtos agroecológicos, o FCT visava fortalecer a equidade, a sustentabilidade e a autonomia das comunidades tradicionais. Em relação à equidade, houve respeito à diversidade cultural e étnica do território, redução da vulnerabilidade e busca pela segurança alimentar, distribuição de renda e diminuição da exposição geracional ao risco, além de medidas de mitigação e adaptação aos riscos ambientais e o fortalecimento da integralidade (garantia de direitos humanos, estabelecimento de vínculo com o território e entre atores, acesso a serviços). A sustentabilidade foi promovida por meio do fortalecimento da ecologia de saberes, da territorialização (hierarquia de prioridades, cogestão), da intersetorialidade (integração de stakeholders), da inclusão produtiva (força de trabalho local, materiais locais, capital natural) e redes de solidariedade (articulação em rede, capital social e redes). Destaca-se também o protagonismo das mulheres nessa iniciativa, tanto na equipe de organização quanto nos territórios. O empoderamento das comunidades e o fortalecimento do movimento social foram evidentes, demonstrando capacidade de formulação, articulação e coordenação de redes, além da transparência, ética e comunicação ao longo de todo o processo.

Essas ações do FCT representaram um novo caminho para o desenvolvimento baseado em relações de cooperação e solidariedade dentro de cada território. O enfoque na economia solidária e em circuitos de produção adequados ao modo de vida das comunidades reflete a busca por soluções sustentáveis e autônomas.

Em resumo, o FCT desempenhou um papel fundamental durante a pandemia ao coordenar campanhas de arrecadação e distribuição de cestas básicas com produtos agroecológicos. Nessa estratégia, a dimensão analítica mais fortalecida foi a autonomia, com impacto sobre diversos índices: fortalecimento da participação social por meio da ampliação da capacidade de intervenção comunitária e de seu poder de decisão; pela intensidade de adesão e participação; empoderamento dos atores envolvidos, que demonstraram capacidade de formulação, de articulação e coordenação de redes, capacidade de gestão e resiliência e capacidade de identificar parceiros; tudo isto levando ao protagonismo do movimento social e ao fortalecimento das comunidades baseado na transparência, na ética e na comunicação de cada etapa de sua execução.

Rede solidária contra o novo coronavírus

Durante a pandemia, muitas comunidades dependentes do turismo foram fechadas por acordos internos dos comunitários, impossibilitando o turismo, fomentando práticas tradicionais como pesca e agricultura. O fechamento fortaleceu as associações comunitárias e as trocas solidárias, aproximando as comunidades e evidenciando sua resiliência. As associações comunitárias desempenharam um papel fundamental no cadastramento das famílias para receber as cestas básicas, o auxílio emergencial, assim como na implementação de barreiras sanitárias para garantir o isolamento social. Além disso, essas associações têm enfatizado a importância da higiene e do distanciamento social para evitar a disseminação do vírus entre os moradores.

As campanhas realizadas pelo FCT fortaleceram essas redes, viabilizaram a complementação das cestas básicas com os produtos agroecológicos e da pesca artesanal das comunidades tradicionais, evidenciando a importância dessa prática, proporcionando soberania e segurança alimentar às famílias que consomem esses produtos, bem como gerando renda para famílias diretamente ligadas à produção.

Em várias comunidades, a campanha fomentou a produção agroecológica por meio do apoio financeiro para compra de produtos complementares para as cestas básicas. O FCT auxiliou as associações comunitárias no levantamento das famílias que tinham interesse em voltar a fazer roça, das áreas para essa prática e dos comunitários envolvidos; e levantou a necessidade de mudas e sementes para os plantios. Essa ação visou minimizar o impacto econômico da pandemia nas comunidades. As comunidades da Bocaina que participam das ações de economia solidária do FCT são apresentadas no quadro 3.

Quadro 3
Comunidades da Bocaina que participam das ações de economia solidária do FCT

Ademais, tais ações contribuem para promover a autonomia e a independência dos padrões de produção e consumo dominantes, além da sustentabilidade ambiental relacionada com a produção agroecológica. Uma comunidade que produz seu próprio alimento fortalece a segurança e a soberania alimentar e nutricional, e esse entendimento se ampliou no contexto da pandemia. Outrossim, a rede de solidariedade que se fortaleceu nesse contexto amplia a equidade.

Essa iniciativa possibilitou o mapeamento das famílias mais vulneráveis, levando em consideração critérios como recebimento de aposentadoria, auxílio emergencial, bolsa família e outras cestas básicas provenientes de outras fontes. Vale ressaltar que a campanha contou com o apoio de estruturas governamentais, como a Secretaria de Educação de Paraty, que disponibilizou um caminhão para transportar as cestas e os produtos agroecológicos, e o Inea, que doou óleo diesel e gasolina para as embarcações.

A Rede Nhandereko de Turismo de Base Comunitária também desempenhou um papel importante na organização do sistema de distribuição de alimentos, aproveitando sua história de formação política crítica no território na promoção do Bem Viver e do ‘nosso jeito de ser’, e sua capacidade de diálogo com várias comunidades tradicionais e associações de moradores.

Algumas comunidades, principalmente em Ubatuba, enfrentaram problemas com turistas invadindo suas áreas diariamente. Elas buscaram apoio de entidades como o Ministério Público Federal, a Defesa Civil, o Conselho Municipal de Turismo e a Prefeitura Municipal.

Outro ponto destacado por algumas comunidades caiçaras foi a mobilização comunitária na produção e doação de máscaras feitas de tecido. As costureiras locais se organizaram para produção maciça de máscaras e distribuição para as pessoas e comunidades que precisavam.

As aldeias indígenas também enviaram seus relatos: as aldeias Yakã Porã, Araponga e Boa Vista realizaram reformas de casas e criação de hortas comunitárias. Foram recebidas doações de mudas de bananas, alface, salsinha, tomate e cupuaçu. Todavia, o maior desafio enfrentado pelas aldeias era manter as pessoas na comunidade, já que muitas não compreendiam a gravidade da pandemia e desejavam ir para a cidade vender artesanato.

Todas essas ações solidárias, com representatividade étnica, valorização da cultura, mitigação e adaptação aos riscos ambientais, acesso a serviços e garantia de direitos humanos, além do vínculo entre território e atores, mostraram-se efetivas no fortalecimento da equidade, da autonomia, da participação social e do empoderamento. A dimensão da sustentabilidade também é ressaltada, uma vez que foi estabelecida uma rede de solidariedade que envolveu cooperação tecnocientífica, com instituições de pesquisa envolvidas, e uma capacidade de articulação em rede, na qual o FCT utilizou seu capital social e envolveu diferentes atores presentes no território: comunitários e lideranças das comunidades, instituições, ONG e o poder público local.

Assessoria tecnopolítica e jurídica

Quando as ações adotadas pelos órgãos governamentais não foram suficientes para garantir a segurança das comunidades tradicionais na região, a assessoria jurídica do FCT foi acionada para promover medidas em prol da saúde desses povos.

Em Paraty, a Prefeitura iniciou o combate à propagação do vírus com medidas firmes de isolamento social; porém, em maio de 2020, flexibilizou as restrições mesmo com o aumento dos casos em cerca de 250%. Isso resultou em impactos graves, especialmente nas comunidades caiçaras à beira-mar, mais frequentadas por turistas. Em setembro de 2020, Paraty contabilizava 35 óbitos na cidade.

Em Ubatuba, a fiscalização foi difícil desde o início da quarentena. Assim, após a flexibilização em maio, houve um aumento nos casos confirmados e mortes na cidade. Ademais, abertura total do turismo no feriado de 7 de setembro de 2020 levou à superlotação de praias e atrativos turísticos2525 G1. Praias ficam cheias no feriado em Ubatuba e maior parte dos banhistas ignora uso da máscara. G1 Vale do Paraíba e Região [Internet]. 2020 set 10 [acesso em 2020 set 11]. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2020/09/07/praias-ficam-cheias-no-feriado-em-ubatuba-e-maior-parte-dos-banhistas-ignora-uso-da-mascara.ghtml
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Grupos de Paraty, insatisfeitos com a flexibilização2626 Paraty (RJ), Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Decreto nº 046 de abril de 2020. Dispõe sobre retorno gradual das atividades comerciais suspensas ou restritas por meio dos Decretos Municipais publicados para o enfrentamento da emergência em saúde pública decorrente do COVID-19. Diário Oficinal do Município de Paraty. 30 Abr 2020., posicionaram-se publicamente por meio de notas de repúdio, incluindo o FCT e as comunidades tradicionais. Esses grupos elaboraram uma representação conjunta, com apoio da assessoria jurídica do FCT, protocolada em 8 de maio de 2020 na Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Angra dos Reis do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPRJ), relatando os riscos para os moradores durante o aumento dos casos na cidade. Depois de receber recomendação do MPRJ, o prefeito voltou atrás em sua decisão de flexibilizar as medidas de isolamento social.

Paralelamente, as comunidades tradicionais como Trindade, Sono e Picinguaba também se movimentaram para proteger seus territórios e manter o isolamento social, adotando medidas de autogestão em seus territórios, criando barreiras para controlar a entrada de turistas, mesmo sem apoio do poder público.

A assessoria jurídica do FCT apoiou as comunidades tradicionais no monitoramento e no controle da evolução da covid-19 nos territórios. Houve apoio para elaboração de documentos expedidos tanto pelas comunidades tradicionais quanto pelo FCT e pelo OTSS para os órgãos como os Ministérios Públicos Federal e Estadual, além de realizadas reuniões virtuais e estruturados grupos de WhatsApp.

O FCT se pronunciou nas redes sociais expressando preocupação com a possibilidade de flexibilização das normas em Paraty durante a pandemia, enfatizando a importância de preservar vidas e seguir as orientações de saúde. Outras instituições locais também emitiram nota repudiando a flexibilização e exigindo respeito às regras do Ministério da Saúde, da Fiocruz e da OMS.

A nota do FCT afirmava que, mesmo sendo empreendedores, trabalharem com o turismo e dependerem dele para fortalecer suas economias, os comunitários acreditavam que preservar vidas era o mais importante e que estavam contrários à flexibilização, seguindo as orientações das instituições de saúde e solicitando à Prefeitura Municipal de Paraty o fortalecimento das medidas de prevenção e o isolamento social.

Para defesa e garantia dos direitos dos povos tradicionais, os órgãos ministeriais utilizaram diversos dispositivos extrajudiciais, entre eles, recomendações e notas públicas. Destacamos, por exemplo, a Recomendação nº 8, de 2020, expedida pelo Ministério Público Federal (6ª CCR MPF) no dia 5 de maio de 20202727 Ministério Público Federal (BR). Recomendação nº 08/2020/6ªCCR/MPF [Internet]. 6ª Câmara de Coordenação e Revisão - Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais. Brasília, DF: MPF; 5 maio 2020 [acesso em 2023 maio 28]. Disponível em: https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/recomendacoes-2017/recomendacoes-6ccr/Recomendao08_2020_6CCRMPFPGR00168740.2020.pdf/at_download/file
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a diversas instituições públicas indicando que adotassem medidas para garantir a assistência e a promoção de serviços essenciais às comunidades tradicionais durante a pandemia. No documento, foi cobrada a disponibilização de recursos financeiros, humanos e materiais, além de medidas e políticas públicas que zelassem pela saúde e estabilidade socioeconômica desses povos, como acesso ao auxílio emergencial, controle sanitário nos territórios, distribuição de cestas básicas e conscientização sobre os riscos de contaminação. Ressaltou ainda que, em razão da histórica ineficiência do poder público, as comunidades “possuem [...] precárias estruturas de água, energia elétrica, saneamento básico e outros serviços públicos essenciais”2727 Ministério Público Federal (BR). Recomendação nº 08/2020/6ªCCR/MPF [Internet]. 6ª Câmara de Coordenação e Revisão - Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais. Brasília, DF: MPF; 5 maio 2020 [acesso em 2023 maio 28]. Disponível em: https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/recomendacoes-2017/recomendacoes-6ccr/Recomendao08_2020_6CCRMPFPGR00168740.2020.pdf/at_download/file
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A justiça socioambiental foi destacada como um caminho importante para garantir direitos fundamentais e qualidade de vida. Para isso, defendeu-se a implementação de tecnologias sociais de promoção do Bem Viver e de uma economia solidária, permitindo que os povos tradicionais permaneçam protegidos em seus territórios e mantenham seus modos de vida.

Ações de comunicação e orientação

Durante a pandemia, foi criado o GT de Comunicação, que reuniu representantes da comunicação popular do FCT e do OTSS. O objetivo era desenvolver um plano estratégico de comunicação para divulgar na internet a situação das comunidades tradicionais diante da pandemia. Nesse plano estratégico, foi prevista a formação em comunicação dos jovens comunitários do movimento social, ampliando a capacidade de formulação e inovação, garantindo a transparência/ética/comunicação. Posteriormente, foi lançada a campanha ‘Cuidar é Resistir’, que incluiu a produção de cinco vídeos abordando temas relevantes no contexto da pandemia.

Para ampliar a divulgação da campanha e as orientações de prevenção ao novo coronavírus, foram elaborados panfletos em Português e em Guarani, distribuídos com as cestas básicas e agroecológicas. Cards também foram criados para a divulgação nas redes sociais do FCT. Além disso, Grupos de WhatsApp foram criados para tomar decisões participativas em relação ao combate ao novo coronavírus, assim como informações sobre higiene pessoal e de alimentos foram compartilhadas para evitar a disseminação do vírus nas comunidades.

Considerações finais

A pandemia de covid-19, que levou a óbito mais de 6 milhões de pessoas em todo o mundo e 600 mil delas no Brasil até 2022, foi mais do que uma crise sanitária. Ela expôs de maneira cabal o aprofundamento da crise civilizatória em suas múltiplas dimensões e escalas, evidenciando mais uma vez a falência do modelo de desenvolvimento hegemônico capitalista e o quanto a concentração de riqueza no planeta é injusta e gera desigualdades sociais profundas.

A crise estabelecida pela pandemia aumentou essa concentração. Segundo estudo da ONG Oxfam2828 Oxfam Brasil. A desigualdade mata [Internet]. Oxfam Brasil. 2022 [acesso em 2023 maio 28]. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/a-desigualdade-mata/
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, enquanto a maior parte da população via sua renda diminuir, o patrimônio dos super-ricos brasileiros cresceu, assim como o número de bilionários da América Latina. Isso se deveu ao fato de que seus patrimônios lhes davam capacidade de reagir à crise e de aproveitar oportunidades. Por outro lado, as fragilidades e as inconsistências das estruturas do Estado e da sociedade que mantêm esse sistema de produção e consumo foram evidenciadas

O desequilíbrio ambiental tem levado a fenômenos climáticos drásticos e sem precedentes, e a redução da biodiversidade ameaça toda a humanidade, demandando reflexões sobre as relações entre floresta e cidade, entre natureza e cultura, bem como o reposicionamento de valores para conter a destruição causada pelo modo de produção atual. Segundo os Huni Kuin, povo indígena do Acre, a maior parte das doenças deriva do fato de o ser humano se alimentar de animais, e que tanto as plantas como os animais podem enviar seu nisun (dor de cabeça e tonteira) para se vingarem. Segundo a epistemologia Huni Kuin, os morcegos consumidos na China estão se vingando dos humanos. Ao mesmo tempo, o zoólogo Andrew Cunningham, Professor da Zoological Society de Londres, afirma que não são os morcegos os culpados, e sim os desequilíbrios das espécies selvagens causados pela ação humana:

As epidemias são o resultado do desmatamento e da extinção dos animais que antes eram seus hospedeiros simbióticos. As epidemias são também o resultado de uma relação extrativista das grandes cidades com as florestas2929 Lagrou E. Nisun: a vingança do povo morcego e o que ele pode nos ensinar sobre o novo coronavírus. Blog da Biblioteca Virtual do Pensamento Social [Internet]. 2020 abr 13 [acesso em 2023 maio 28]. Disponível em: https://blogbvps.com/2020/04/13/nisun-a-vinganca-do-povo-morcego-e-o-que-ele-pode-nos-ensinar-sobre-o-novo-corona-virus-por-els-lagrou/
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A reflexão sobre o lugar do humano no planeta e o sentimento contemporâneo de que a humanidade - ou uma certa humanidade - e o planeta estão interligados por uma relação destrutiva3030 Chakrabarty D. The climate of history: four theses. Critical Inquiry. 35(2):197-222. DOI: https://doi.org/10.1086/596640
https://doi.org/10.1086/596640...

31 Chakrabarty D. Postcolonial studies and the challenge of climate change. New Literary History. 2012;43(1):1-18.

32 Latour B. Jamais fomos modernos. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora 34; 2009.

33 Latour B. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no antropoceno. São Paulo: Ubu Editora; 2020.
-3434 Danowski D, Castro VE. Há Mundo Por Vir? São Paulo: Instituto Socioambiental; 2014.
têm criado um campo particularmente vivo nas ciências sociais e nas humanidades em geral, e o conceito de antropoceno foi fundamental para acender esses debates.

[...] um conceito e uma nova experiência da historicidade no qual a diferença de magnitude entre a escala da história humana e as escalas cronológicas da biologia e da geofísica diminuiu dramaticamente, senão mesmo tendeu a se inverter: o ambiente muda mais depressa que a sociedade, e o futuro próximo se torna, com isso, não só imprevisível, como, talvez, cada vez mais impossível2323 Gallo E, Nascimento V. O Território Pulsa. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019.(107).

Apesar do conceito de antropoceno ter se mostrado desgastado, a reflexão suscitou o debate crítico e proporcionou o surgimento de outras nuances e possibilidades explicativas para compreender as relações que têm levado ao esgotamento planetário3535 Haraway D. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationceno, Chthuluceno, fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científica. 2016;3(5):139-146.. As pontes e as diferenças entre os conceitos de antropoceno, plantationceno, capitaloceno têm sido abordadas por diversos autores como Donna Haraway3636 Tsing A. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Brasília, DF: IEB Mil Folhas; 2019., Anna Tsing3737 Ferdinand M. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Ubu Editora; 2022., Malcom Ferdinand3838 Marras S, Taddei R, organizadores. O Antropoceno: sobre modos de compor mundos. Belo Horizonte: Fino Traço; 2022., entre outros3535 Haraway D. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationceno, Chthuluceno, fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científica. 2016;3(5):139-146.. Vale conhecer a crítica decolonial ao conceito de antropoceno, mas não será matéria deste ensaio.

A pergunta sobre qual o futuro possível diante do contexto pandêmico e da crise climática parece encontrar resposta nos modos de vida das populações tradicionais e dos pequenos agricultores. Se permanecer no caminho atual, o Brasil seguirá o mesmo rumo ecologicamente inviável para o qual estão se encaminhando a Índia e a China, este último, o país que mais emite gases de efeito estufa do mundo.

A produção agroecológica, sem agrotóxicos e sem desmatamento de grandes áreas contínuas protege os recursos hídricos, reduz a contaminação do solo e das águas e garante a saúde das pessoas. A ingestão de alimentos naturais ao invés de ultraprocessados reduz a vulnerabilidade a doenças como câncer, diabetes, hipertensão e desonera os serviços de saúde. Os casos de intoxicação de trabalhadores da cadeia produtiva do agronegócio que lidam com diversos tipos de inseticidas, fungicidas e herbicidas e a presença de resíduos desses produtos químicos nos alimentos que vão para o prato das pessoas são provas do risco que esse modelo de produção agrícola representa para a saúde humana3939 Carneiro FF, Augusto LGS, Rigotto RM, et al. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. São Paulo/Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; Expressão Popular; 2015..

Respostas ‘naturais’ e ‘sociais’ ao sistema de produção e consumo capitalista estão sendo dadas há muito tempo; e, apesar dos alertas, só agora, com a pandemia de covid-19, essa percepção parece ter se alastrado de maneira mais abrangente. Apesar de o Brasil estar na lista dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo e de possuir uma classe dominante alheia a preocupações sociais, sanitárias e ambientais, o otimismo se justifica pela força das ações apresentadas no corpo deste relato e que apontam soluções reais para redução das desigualdades e dos vetores de pressão socioambientais.

Na região da Bocaina, comunidades caiçaras, indígenas e quilombolas promoveram ações para proteção das comunidades, baseadas em princípios de sustentabilidade, autonomia e equidade. Essas ações envolveram a elaboração de análises situacionais, a distribuição de cestas básicas agroecológicas, a formação de redes solidárias, a assessoria tecnopolítica e jurídica, assim com a comunicação sobre a pandemia. Esses princípios podem compor um novo modelo de sociedade, reduzindo desigualdades e injustiças por meio da promoção da autonomia, da equidade e da sustentabilidade.

Para pensar em novas sociedades possíveis pós-crise, a dimensão da sustentabilidade é imprescindível e ocorreu por meio da ecologia de saberes, que gerou novos conhecimentos baseados em espaços coletivos de gestão e trocas entre pesquisadores comunitários e acadêmicos e das redes de solidariedade e valorização de práticas agroecológicas, como o retorno das roças e fortalecimento da pesca artesanal.

A equidade foi buscada pela redução de iniquidades e de disparidades no acesso aos recursos, serviços e direitos, respeitando a diversidade e envolvendo segmentos étnicos distintos (quilombolas, indígenas, caiçaras), promovendo protagonismo feminino e juvenil e combatendo a vulnerabilidade, por enfocarem a proteção de populações excluídas e com indicadores socioeconômicos críticos. De forma similar, por promoverem a intersetorialidade, envolvendo atores de distintas inserções (governamentais, sociais e acadêmicas).

Por fim, observou-se um processo de fortalecimento da autonomia dos atores envolvidos, com empoderamento deles, à medida que houve protagonismo dos representantes do FCT e das comunidades; e da participação social, com o envolvimento dos atores nas decisões tomadas.

Assim, as ações descritas nestes Relatos da Quarentena evidenciaram que os modos de vida das comunidades tradicionais podem inspirar novas formas de habitar o planeta por permitirem maior valorização da vida humana e uma relação mais sustentável e solidária entre os seres humanos e entre estes e a natureza. Esse modo de vida sustentável e saudável se relaciona diretamente com as dimensões da promoção da vida e da saúde conforme se entende a saúde não como ausência de doença, mas como presença de bem-estar físico, mental, social e econômico determinados socialmente.

Destaca-se a importância das organizações da sociedade civil, das instituições públicas e do Sistema Único de Saúde na prevenção, promoção e atenção à saúde durante a pandemia. A Fiocruz, por meio de sua parceria com o FCT, demonstrou a importância do exercício da tecnociência solidária na busca soluções sanitárias, sociais, econômicas e ambientais para a crise.

Voltando à avaliação inicial feita na introdução destes relatos sobre as estratégias desenvolvidas, que indicam para a humanidade ‘que outro mundo é possível, que o caminho para a sustentabilidade socioambiental’ talvez seja ‘reconciliar o ser humano com sua natureza; que a desigualdade, a exploração, a degradação ambiental e as assimetrias sociais não são naturais nem normais’; assim como à pergunta inicial: ‘Tudo que era sólido desmanchou-se no ar. O que vamos construir em seu lugar?’, pode-se afirmar que poucas oportunidades - ou talvez nenhuma - na história da humanidade abriram possibilidades tão significativas para a reconciliação com a natureza e com a humanidade na jornada da vida.

A responsabilidade histórica e sua dimensão planetária cabem a todas e todos que cotidianamente constroem o futuro. Uma vez que se aprende com o modo de vida tradicional e a ele associam-se às dimensões positivas do pensamento científico e tecnopolítico, embasado na tecnociência solidária e no buen conocer, e utilizam-se estratégias de governança viva para o Bem Viver, talvez ainda se tenha a chance de sobreviver ao antropoceno e ao capitalismo.

O vírus escancarou a crueldade do mundo ordenado pelos condôminos globais, e haverá insustentabilidade da vida se essa ordenação for continuada. Além disso, desmascarou impiedosamente ignorantes e mal-intencionados. No entanto, o vírus não age conscientemente. A consciência crítica, transformadora, revolucionária é um atributo, uma qualidade humana - e é responsabilidade de cada pessoa. Solidariedade ou barbárie? Qual é a sua opção?

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Ago 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2023
  • Aceito
    17 Jan 2024
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