Território e saúde: apontamentos conceituais para a proposta de territórios sustentáveis e saudáveis

The territory and health: conceptual notes for the proposal of sustainable and healthy territories

Maurício Monken Sobre o autor

RESUMO

Este artigo objetivou discutir o potencial analítico e operacional do conceito de território para formulação de propostas que visam promover a criação de territórios sustentáveis e saudáveis. O debate acerca desse conceito tem relação com o processo de globalização e suas redes de relações socioeconômicas que vêm produzindo ao longo das últimas décadas novos espaços de conflitos e de ressurgimento de identidades. A globalização desses espaços tem intensificado as desigualdades sociais e de saúde promovendo fluxos, mas, ao mesmo tempo, barreiras para as relações humanas. Território-rede se configura como a criação de uma forma espacial que reúne diversos territórios simultaneamente e está associado a poder, propriedades micro e macropolíticas das relações sociais que se manifestam a partir da territorialização dos atores sociais. Formas de conceber território surgem relacionadas à escala do corpo ampliando a sua compreensão como sinônimo de espaço de vida, humano e não humano, em uma perspectiva relacional e indissociável. O conceito de território contribui para abordagem dos territórios sustentáveis e saudáveis como base de análise e de atuação para interação e cooperação solidária entre o corpo do indivíduo, a sociedade, os seres vivos e o planeta, fundamentos para práticas emancipatórias e produtoras de autonomia e de saúde.

PALAVRAS-CHAVE
Território; Sustentabilidade; Promoção da saúde; Globalização; Saúde

ABSTRACT

This article aims to discuss the analytical and operational potential of the concept of territory to formulate proposals and promoting the creation of healthy and sustainable territories. The debate about the territory concept is related to the globalization process and the networks of socioeconomic relations that have been shaping new spaces, producing conflicts and raising local identities. Globalization and these spaces have been aggravating social and health inequalities, promoting flows but also building barriers for human relations. The relationship territory-network is a process of production of a new spatial form that brings together several territories simultaneously and is associated with power, the micro and macropolitical properties of social relations that manifest themselves from the territorialization of social actors. Ways of conceiving territory arise from the body, expanding the scale and its understanding as a synonym of living space, human and non-human, in a relational and integrate perspective. The concept of territory contributes to the approach of healthy and sustainable territories as a basis for analysis, action, interaction, solidarity and cooperation among the individual’s body, society, living beings and the planet, which are the foundations for emancipatory practices and producers of autonomy and health.

KEYWORDS
Territory; Sustainable; Health promotion; Globalization; Health

Introdução

Nas últimas décadas, diversos fatores vêm reforçando a importância de uma abordagem centrada no conceito de território na saúde coletiva e em outros setores de atividades. Esse conceito tem sido utilizado em estudos de vários campos do conhecimento sobre situações e realidades da vida social, especificamente como base material e imaterial para organização de ações sustentáveis sobre os problemas ambientais e as necessidades sociais de saúde das populações.

O geógrafo Rogério Haesbaert11 Haesbaert R. Viver no Limite: território e multi/transterritorialidade em tempos de insegurança e contenção. Rio de Janeiro: Bertrand; 2014. ressalta que algumas modalidades de conceitos nos ajudam a propor práticas e a nos aproximarmos da realidade da vida humana, seus fenômenos e, com isso, organizar formas de ação. Tais conceitos podem ter significado importante para os seres humanos no sentido de ajudar nas práticas sociais cotidianas e vir a ter potencial para contribuir para a organização de ações no sentido da própria reprodução social.

Nesse panorama, eles podem estar relacionados, por um lado, com a possibilidade de contribuir para a solução de problemas e, por outro, de acrescentar algo de novo em acordo com a capacidade de ação que os seres humanos possuem. Na maioria das vezes, ajudam diretamente na vida social, possibilitando nosso dia a dia com sua capacidade de explicação e de dar sentido aos atos do cotidiano. No uso dado pelo senso comum, podem ser utilizados para manutenção da vida e da própria existência. Devido à praticidade que o conceito adquire no seu uso recorrente, pode contribuir para o campo das ciências humanas em análises sobre o reconhecimento dos fenômenos e das situações da vida social, bem como assumir caráter operacional para atuação e intervenção na realidade social, tornando-se base para propor formas de ação11 Haesbaert R. Viver no Limite: território e multi/transterritorialidade em tempos de insegurança e contenção. Rio de Janeiro: Bertrand; 2014..

O conceito de território tem potencial analítico e oferece outros elementos para formulação de normas e caminhos possíveis de ação em várias áreas ou setores de atuação humana. Juntamente com conceitos geográficos, como de espaço e lugar, expressa formas de ver e de viver o mundo pela sociedade humana como a primeira e base de todas as condições de vida. Os seres humanos são espaciais em sua essência, viver é produzir, apropriar e experienciar o espaço22 Costa RH. O Mito da Desterrritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. 400 p..

O movimento de valorização da dimensão espacial da sociedade se acelerou nos últimos tempos, especialmente com o advento da internet a partir do início da década de 1990, tendo efeitos, sobretudo, em termos da reflexão teórica e com raízes concretas que remontam também aos movimentos culturais e ecológicos dos anos 1960-1970.

Conhecida como ‘virada espacial’11 Haesbaert R. Viver no Limite: território e multi/transterritorialidade em tempos de insegurança e contenção. Rio de Janeiro: Bertrand; 2014. das ciências humanas, o território vem se tornando categoria operacional e de análise, particularmente, quando se trata da ligação entre saúde, ambiente e desenvolvimento. A emergência do território e dos conceitos geográficos aconteceria porque estaríamos vivendo agora a “época da simultaneidade, da ‘justaposição, do perto e do distante, do lado a lado, do disperso”33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
(32)
que, com o advento da internet e dos satélites artificiais que monitoram a superfície do globo terrestre, vem transformando a percepção e a apropriação do território.

No entanto, essa revalorização do território no diálogo entre as ciências humanas sofre com alguns vícios de uma concepção de território que expressa uma condição humana universal. Certamente, traduz uma percepção muito eurocentrada ‘independentemente de contextos, culturas do corpo e relações de poder entre corpos’44 Santos BS. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica; 2019., forma trazida pela concepção de território-corpo33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
, desprezando concepções de ver o mundo de culturas que foram subjugadas no processo de colonização que aconteceu ao longo dos últimos séculos, principalmente nas Américas e na África.

Nesse sentido, este artigo tem como objetivo reafirmar o território como conceito orientador de propostas de intervenção para superar as críticas existentes sobre os modelos de políticas atuais que apontam para um distanciamento da realidade socioambiental por parte dos seus formuladores. Tem como suporte a proposta de criação de territórios sustentáveis e saudáveis, e como caminho indicado para superar esse desafio, a democratização das decisões da ação com os indivíduos e atores atuantes no território para que sejam sujeitos na formulação das propostas de intervenção. Para que isso aconteça, sugerimos formas de conceber o conceito de território, no sentido de sua potência para ‘fazer emergir as suas vozes’55 Brandão M, organizadora. Milton Santos e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2004., de apreender os contextos de vida e saúde e de situar, simultaneamente, o território da política a ser implementada e o espaço significativo das ações propostas.

Apesar de o território ter, ao longo do tempo, uma variedade de entendimentos, sugerimos concepções associadas a um conjunto de temas que dialogam entre si dando suporte às melhores formas de ‘ouvir as vozes do território’55 Brandão M, organizadora. Milton Santos e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2004. para aplicação da proposta de territórios sustentáveis e saudáveis.

Não definimos a ideia de sustentabilidade oriunda da ecologia, que advoga que o limite natural que cada ecossistema suporta se relaciona diretamente com a extração de seus recursos. Essa concepção neomalthusiana sobre superpopulação e pressão sobre os recursos naturais tem sido cada vez mais substituída pelo entendimento de território como o conceito que permite compreender as especificidades das situações provocadas pelo desequilíbrio de forças entre os atores e aplicar propostas de desenvolvimento mais justas para cada localidade66 Villardi JWR, Monken M, Franco Netto G, et al. Saúde, ambiente, sustentabilidade e Territórios Brasil. In: Fundação Nacional de Saúde. Territórios sustentáveis e saudáveis: experiências da saúde ambiental territorializadas marco teórico. Brasília, DF: Funasa; 2021. p. 39-58.. Da mesma forma, temos como princípio o conceito ampliado de saúde que considera a determinação social da saúde como estruturante do conhecimento e das práticas envolvidas no processo saúde-doença.

O processo de globalização: fim ou retorno do território?

Milton Santos77 Santos M, Souza MA, Silveira ML. Território: globalização e fragmentação. 5. ed. São Paulo: Hucitec; 2006. assinala que vivemos, atualmente, com uma concepção de território herdada da Modernidade com contribuições importantes para a criação do Estado-Nação inserindo uma noção jurídico-política para esse conceito. No entanto, esse não é um conceito puro, e sim um híbrido, devendo haver uma revisão de seu sentido para entendê-lo e que deve ser contextualizado historicamente. Para ele, o que vivemos hoje é uma “interdependência universal dos lugares [...] uma nova realidade do território”88 Santos M. O Retorno ao Território. OSAL/CLASO [Internet]. 2005 [acesso em 2023 maio 20];6(16). Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal16/D16Santos.pdf
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/a...
, fruto do processo capitalista de produção e expansão dos processos produtivos e de finanças por toda parte do planeta. Esse movimento desestrutura a diversidade de contextos de vida e os ecossistemas, eliminando fronteiras e territórios, e ameaça a existência da diversidade ecológica.

Debates muito frequentes há algumas décadas, com posições distintas e antagônicas acerca dos processos sociais, indicam, de um lado, o fim do território22 Costa RH. O Mito da Desterrritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. 400 p. e, de outro, autores que assinalam que, na verdade, é um movimento de retorno88 Santos M. O Retorno ao Território. OSAL/CLASO [Internet]. 2005 [acesso em 2023 maio 20];6(16). Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal16/D16Santos.pdf
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/a...
como categoria essencial para a compreensão de processos e situações sociais.

Haesbaert22 Costa RH. O Mito da Desterrritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. 400 p. apresenta as principais análises acadêmicas sobre o fim dos territórios que se destacaram nas últimas décadas. Uma delas é o chamado hibridismo cultural, que enfatiza que, com a globalização, não haveria mais identidades de grupos sociais definidos claramente em suas fronteiras, como se não pudesse haver a criação de territórios a partir desse mesmo hibridismo, como uma nova forma de vínculos socioculturais entre pessoas, tanto de pertencimento como de apropriação singular dos espaços ressignificando as práticas cotidianas nos territórios.

Na dimensão política, difunde-se que o Estado está se debilitando com o suposto fim das fronteiras proporcionado pela globalização das ações das empresas multinacionais e do capital financeiro. Esse argumento denota uma visão restrita de território e, consequentemente, de poder, como se fosse um atributo ligado apenas ao ator Estado. Alega-se que a sociedade em redes99 Castells M. Sociedade em Rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra; 1999. v. 1., na qual as relações sociais e de mercado se dariam fundamentalmente sem contiguidade física, faria com que as redes dominassem os espaços de fluxos, levando a narrativa de que não haveria mais fixação e estabilidade territorial pela sociedade.

Diretamente relacionado com essa argumentação para o fim dos territórios, situa-se a justificativa econômica de que a modernidade capitalista é um processo essencialmente de eliminação dos territórios cuja ideia principal no atual estágio é a produção espacialmente flexível. Grandes empresas multinacionais contemporâneas possuem um potencial de mobilidade espacial sobre a produção e realizariam um processo de deslocalização da produção industrial globalizando suas cadeias produtivas, financeiras e de consumo.

Decerto, esses argumentos sobre o fim dos territórios contidos nas dimensões mencionadas podem trazer a ideia de um movimento de desterritorialização22 Costa RH. O Mito da Desterrritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. 400 p. da sociedade. No entanto, contribuições filosóficas22 Costa RH. O Mito da Desterrritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. 400 p. assinalam que esse movimento deve ser compreendido, na verdade, como linha de fuga, de saída de território, de um devir com o aparecimento do novo sempre em constante processo de reterritorialização dos processos sociais.

Como vimos, Santos88 Santos M. O Retorno ao Território. OSAL/CLASO [Internet]. 2005 [acesso em 2023 maio 20];6(16). Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal16/D16Santos.pdf
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/a...
assinala que esse conceito vem, na prática, tendo um retorno no seu uso, tanto na academia, nos movimentos sociais, na produção, na organização do trabalho, como na vida social de populações. Para ele, o processo de globalização da economia, com a expansão e a incorporação intensa de tecnologias em redes de cadeias produtivas e de finanças em todos os lugares do planeta, com apropriação de recursos locais e intensificação de fluxos de circulação e de troca de informações, materialidades e pessoas, efetua alterações locais com consequências avassaladoras no ambiente, na vida social, na cultura e na política1010 Gondim GMM, Monken M. O uso do território na Atenção Primária à Saúde. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, et al. Atenção Primária à Saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018..

Esse processo afeta inclusive a propagação de doenças, patógenos (vírus e bactérias) e agentes químicos de potencial tóxico, exigindo, principalmente dos governos - e da sociedade civil organizada -, vigilância e promoção da sustentabilidade dos lugares para enfrentar os problemas e dar melhores condições de vida às populações da cidade, das águas, do campo e da floresta1010 Gondim GMM, Monken M. O uso do território na Atenção Primária à Saúde. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, et al. Atenção Primária à Saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018.,1111 Fernandes VR, Luz ZP, Amorim AC, et al. O lugar da vigilância no SUS - entre os saberes e as práticas de mobilização social. Ciênc saúde coletiva. 2017;22(10):3173-3181. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.1772017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017221...
.

Ao contrário de homogeneizar e eliminar os territórios, a globalização vem produzindo novos espaços de conflitos e de identidades, intensificando as desigualdades sociais e promovendo fluxos e barreiras. A globalização não eliminou diferenças, e sim as explicitou nos territórios como forma de resistência1212 Santos M. Por uma Outra Globalização: do pensamento único à consciência universal. 10. ed. Rio de Janeiro: Record; 2001.. As fronteiras se mostram hoje mais presentes e seletivas ao movimento de pessoas, mercadorias e tecnologias, de forma dura para bloquear os movimentos para o trabalho, mas de maneira leve e suscetível à transposição do capital e do dinheiro. Muitas dessas fronteiras são materiais e reguladas pela ação do Estado; outras são dificilmente reconhecidas por atores sociais externos, porque são invisíveis e sujeitas a normas e limites informais. Os problemas ambientais, em muitos casos, manifestam-se de forma diferente em cada lugar devido ao processo de globalização ocasionado pelas cadeias produtivas das empresas em escala mundial. Eles têm origem, segundo a lógica de mercado, na apropriação de recursos e das vantagens locacionais e, principalmente, por se aproveitar de legislações ambientais e trabalhistas falhas nos diversos territórios onde se localiza. Dependem ainda das condições sociais, características dos ecossistemas, do terreno, do clima, bem como da estrutura política e até mesmo da organização comunitária existente. Não por acaso, movimentos identitários nos territórios estão voltados de forma radical para a promoção de políticas de desenvolvimento sustentável e de melhoria nas condições de vida das populações, especialmente das periferias e favelas, da floresta, do campo e das águas1313 Monken M, Barcellos C, Gallo E, et al. Território, Saúde e Sustentabilidade: uma abordagem geográfica. In: Franco Netto G, Rulli J, organizadores. Saúde, ambiente e sustentabilidade: fundamentos, bases científicas e práticas. São Paulo: Hucitec, Fiocruz; 2023. No prelo..

Os sentidos do território e o processo de territorialização em saúde

Desde o final da Idade Média (500-1500 d.C.), o território vem sendo usado para fins de organização de ações e cuidados de saúde. No Brasil, a partir do início do século XX, o território foi reconhecido como uma forma de organizar as ações de saúde pública voltadas aos indivíduos (vacinação e profilaxia para prevenir algumas doenças) e às coletividades (saneamento e embelezamento das cidades). Ao longo desse período, os sistemas e a rede de serviços de saúde se organizaram, progressivamente, em base territorial, tendo lógicas e ordenamentos espaciais bastante diferentes1414 Rosen G. Uma história da saúde pública. São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Unesp, Abrasco; 1994.

15 Monken M, Pereira EM, Fontes R. Territorialização em Saúde e Saneamento. In: Gomes UAF, Pena JL, Queiroz JTM. Caderno de Notas Técnicas: saneamento e suas interfaces: experiências e elucidações para a implantação participativa e inovadora dos Planos Municipais de saneamento Básico [Internet]. Belo Horizonte: Projeto Sanbas; 2022 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://infosanbas.org.br/download/caderno-de-notas-tecnicas-saneamento-e-suas-interfaces-experiencias-e-elucidacoes-para-a-implantacao-participativa-e-inovadora-dos-planos-municipais-de-saneamento-basico/
https://infosanbas.org.br/download/cader...
-1616 Monken M, Gondim GMM. Território: o lugar onde a vida acontece. In: Bornstein VJ, Alencar Â, Leandro BBS, et al., organizadores. Curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde: textos de apoio Rio de Janeiro: EPSJV; 2016. p. 109-112.
.

Território é o conceito que dá base material e simbólica para existência humana, é onde a vida e os corpos das pessoas são produzidos. Para que a vida aconteça, pessoas e grupos sociais se apropriam e adequam diferentes formas de produção, uso e representação dos espaços, lugares e ecossistemas.

Nas últimas décadas, passamos de um período histórico em que o território era compreendido como área ou zona para outro que entende que a ‘interdependência dos lugares’88 Santos M. O Retorno ao Território. OSAL/CLASO [Internet]. 2005 [acesso em 2023 maio 20];6(16). Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal16/D16Santos.pdf
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/a...
vem caracterizando mais esse conceito como território-rede22 Costa RH. O Mito da Desterrritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. 400 p.. Trata-se de um fenômeno de intersecção entre esses dois conceitos que compreende a possibilidade atual de criação de multiterritórios em superposição de apropriações pelos diversos atores sociais ao mesmo tempo, além de uma percepção simultânea dos acontecimentos cuja ideia de rede nos ajuda a entender.

Os territórios-rede ou rede de territórios22 Costa RH. O Mito da Desterrritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. 400 p. não se configuram como o fim dos territórios, mas sim como outra forma que reúne diversos territórios, intensificando vivências de uma multiplicidade deles que faz os acontecimentos se darem simultaneamente, ou seja, ao mesmo tempo. O ressurgimento das fronteiras é o fenômeno associado a esse movimento. É um conceito diretamente relacionado com o de território, que pressupõe sempre uma delimitação dos espaços.

Outro conceito central associado ao entendimento de território é o de poder. Ele está na essência do que acontece nas relações sociais de apropriação, produção, uso e representação sobre o espaço geográfico. Poder é a capacidade com que todos os atores sociais - e não somente o Estado - exercem apropriação, ação ou projeto particular na disputa de ideias, intenções e desejos a outras pessoas, grupos, instituições. As organizações sociais, culturais, religiosas, o poder público, as empresas - industriais, agrícolas, comerciais e de serviços, nacionais e multinacionais -, a população, os movimentos sociais e as Organizações Não Governamentais (ONG) possuem poder e o exercem de acordo com seus interesses e projetos, bem como com sua capacidade de fazer com que ele aconteça e se materialize nos territórios1010 Gondim GMM, Monken M. O uso do território na Atenção Primária à Saúde. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, et al. Atenção Primária à Saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018.,1616 Monken M, Gondim GMM. Território: o lugar onde a vida acontece. In: Bornstein VJ, Alencar Â, Leandro BBS, et al., organizadores. Curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde: textos de apoio Rio de Janeiro: EPSJV; 2016. p. 109-112..

Todos têm papel decisivo na produção das práticas cotidianas como base para seus projetos de vida e trabalho, com seus problemas e potencialidades, (re)produzindo suas condições de existência no território. Ter poder de exercer ações possibilita a determinados atores sociais, como o Estado e seus setores de governo e empresas, criar formas de planejar e impor, de acordo com seus projetos, normas de apropriação e usos dos espaços.

O setor saúde, em especial, o Sistema Único de Saúde (SUS), organiza-se para atender e planejar políticas de forma territorial ao definir áreas de abrangência para os serviços de saúde e de estabelecer regiões para organizar a assistência integral aos usuários. A regionalização (territorialização) é um dos princípios organizativo-assistenciais mais importantes da gestão do SUS, estruturado a partir das capacidades instaladas e necessárias para a oferta de serviços de atenção à saúde. A delimitação do território demarca áreas de atuação, intervenção, controle e alcance de responsabilidade de instituições do Estado, como a cobertura de serviços de saúde e de outros setores. Entretanto, os serviços de saúde, ao organizar suas práticas, deve levar em conta regras de convivência definidas na micropolítica entre as pessoas nos territórios, já que podem existir formas de restrição à atuação das equipes de saúde e do próprio acesso da população, impedindo inclusive a sustentabilidade da vida social no cotidiano, interferindo na saúde da população1010 Gondim GMM, Monken M. O uso do território na Atenção Primária à Saúde. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, et al. Atenção Primária à Saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018.,1111 Fernandes VR, Luz ZP, Amorim AC, et al. O lugar da vigilância no SUS - entre os saberes e as práticas de mobilização social. Ciênc saúde coletiva. 2017;22(10):3173-3181. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.1772017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017221...
.

A sociedade, ao se apropriar do espaço e criar territórios, estabelece regras formais e informais de uso e de poder para o controle da convivência social1616 Monken M, Gondim GMM. Território: o lugar onde a vida acontece. In: Bornstein VJ, Alencar Â, Leandro BBS, et al., organizadores. Curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde: textos de apoio Rio de Janeiro: EPSJV; 2016. p. 109-112.. As regras sociais formais são as leis escritas, os macropoderes - como a Constituição Federal e todo o aparato regulatório jurídico do Estado -, os regulamentos de instituições públicas e privadas e os seus regimentos internos, que ordenam seu uso e suas interações no território. As regras sociais informais não estão escritas. Constituídas como micropoderes, não são leis jurídicas, mas toda população as reconhece e as segue quando aceitas pelo coletivo. Essas regras são aprendidas na prática e nas estratégias de convivência, dentro de um grupo ou comunidade, institucionalizando-se e tornando-se práticas sociais cotidianas, como as leis escritas e estabelecidas juridicamente1010 Gondim GMM, Monken M. O uso do território na Atenção Primária à Saúde. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, et al. Atenção Primária à Saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018.,1616 Monken M, Gondim GMM. Território: o lugar onde a vida acontece. In: Bornstein VJ, Alencar Â, Leandro BBS, et al., organizadores. Curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde: textos de apoio Rio de Janeiro: EPSJV; 2016. p. 109-112..

A apropriação e o uso do território acontecem com base na capacidade dos atores sociais de exercer algum tipo de interação que propicie construir identidade, regras, vínculos, normas e ordenamento territorial. Ao se estabelecerem em um lugar, iniciam a territorialização de suas histórias, hábitos, normas, costumes, pertences, projetos, desejos e incertezas que definirão, em contextos de convivência entre os diferentes atores, as formas pactuadas entre eles de apropriação e uso dos espaços1616 Monken M, Gondim GMM. Território: o lugar onde a vida acontece. In: Bornstein VJ, Alencar Â, Leandro BBS, et al., organizadores. Curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde: textos de apoio Rio de Janeiro: EPSJV; 2016. p. 109-112..

O processo de territorialização das ações realizadas pelos diferentes atores sociais se dá de forma simultânea no território, ou seja, tudo acontece ao mesmo tempo, podendo gerar tanto reciprocidade quanto conflitos de interesses decorrentes de interações diversas. Pactos e disputas se materializam e organizam o território da maneira mais adequada aos objetivos de cada um, dando contornos específicos de condições de vida e trabalho, o que pode determinar o estado de saúde das populações. Esses processos suscitam constantes transformações, que se concretizam por meio da sobreposição de várias intenções de uso e controle do território por diferentes atores ao mesmo tempo. Nos processos de territorialização, os atores sociais vivem seu cotidiano em constante esforço coletivo para permanecer no território. Nesse movimento, alguns sofrem ou são submetidos a pressões e contingências ou até mesmo possuem desejos que podem levar à perda, à expulsão ou à saída do território. Muitas vezes, pode haver situações de precarização socioeconômica no sentido mais básico da manutenção da vida material da própria existência ou situações de insustentabilidade ambiental nas quais determinados atores perdem acesso ao território e se desterritorializam1111 Fernandes VR, Luz ZP, Amorim AC, et al. O lugar da vigilância no SUS - entre os saberes e as práticas de mobilização social. Ciênc saúde coletiva. 2017;22(10):3173-3181. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.1772017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017221...
,1616 Monken M, Gondim GMM. Território: o lugar onde a vida acontece. In: Bornstein VJ, Alencar Â, Leandro BBS, et al., organizadores. Curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde: textos de apoio Rio de Janeiro: EPSJV; 2016. p. 109-112.
.

Formas de conceber território surgiram nas últimas décadas relacionadas com a escala do corpo. Tal concepção de “corpo-território”33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
(163)
é proveniente de proposições de cunho ecofeministas e do movimento indígena latino-americano. Nesse sentido, autores chamam atenção para o poder da corporeidade no exercício da vida cotidiana e como sujeito de resistência, principalmente em relação às violências físicas e psicológicas de todo tipo.

As questões de gênero, permeadas pelo patriarcado e pela desigualdade de poder e de dominância, estruturam a diferença desigual entre homens e mulheres, reproduzem diferentes territórios e relações que colocam a importância da resistência a partir de seus corpos violentados e produzidos como forma de luta. O papel da mulher em comunidades vulnerabilizadas é fundamental para criação de estratégias de atuação, redes de solidariedade e na produção de territórios saudáveis e sustentáveis1717 Perrot M. Escrever uma História das Mulheres: relato de uma experiência. Cad Pagu. 2008;(4):9-28..

A percepção da relação entre corpo e território é compreendida frequentemente no diálogo com os movimentos sociais, suas identidades e seu uso como instrumento de luta e de transformação social que acontece de modo mais recorrente quando se trata de povos originários. A abordagem de território-corpo amplia a compreensão fazendo do corpo sinônimo de espaço de vida, humano e não humano, em uma perspectiva relacional e indissociável. Essa maneira de conceituar território coloca o corpo não de forma neutra e universal, mas associado às interseccionalidades de gênero, cor/raça, geração, orientação sexual - além da faixa etária e da classe -, colocando, assim, sua influência no processo saúde-doença, bem como da sustentabilidade das ações no território33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
.

‘O corpo não apenas está no espaço, ele é espaço’, como ‘uma superfície [de inscrição], [...] marcada e transformada pela nossa cultura’, como um ‘ser sensitivo, a base material da nossa conexão com e da nossa experiência no mundo’33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
(165)
.

Antes de produzir efeitos no âmbito material e de se reproduzir transformando, usando e representando o território, cada corpo vivo é ele mesmo um território e tem seu espaço: ele se produz e produz o território nas relações com os outros. No decorrer da vida, os corpos se tornam relacionais, territorializados de maneiras específicas e são constituídos por relações entre, dentro e para além deles; “territorializados através de escalas, fronteiras, geografia, geopolítica”33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
(207)
.

Relacionar corpo e território é “pensar em como nossos corpos estão unidos aos territórios que habitam”33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
(52)
. Corpo é, antes de tudo, o primeiro território, carregando em si mesmo a história de construção de suas condições de vida e a importância dos espaços do cotidiano, da vida local, como aquele que mais direta e incisivamente nos afeta construindo nossa bagagem de poder. Ainda que em escalas do cotidiano, proporcionam os primeiros e cruciais impulsos para o avanço em direção a outras escalas de emancipação33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
.

As ações sustentáveis e saudáveis devem se inscrever nos corpos, constituindo recursos e poderes de ação no espaço banal77 Santos M, Souza MA, Silveira ML. Território: globalização e fragmentação. 5. ed. São Paulo: Hucitec; 2006. da vida cotidiana, tornando possível que as determinações sociais da saúde mais próximas de nossa existência incidam sobre as condições de vida da população.

Integrando temas e conceitos na produção de territórios sustentáveis e saudáveis

O capitalismo globalizado e seu modelo de desenvolvimento ainda hegemônico se mantêm na sua forma mais cruel e preponderante nos países periféricos. Ele disseminou pelo mundo padrões de produção e consumo injustos e insustentáveis, bem como aspectos culturais como o individualismo e a financeirização da vida1818 Fundação Oswaldo Cruz. Programa Institucional Territórios Sustentáveis e Saudáveis: termo de referência conceitual e metodológico e proposta de governança. Portal Fiocruz [Internet]. jul 2019 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/programa/programa-institucional-de-territorios-sustentaveis-e-saudaveis
https://portal.fiocruz.br/programa/progr...
. Ademais, vêm tornando cada vez mais agudas as desigualdades sociais e as diferenças econômicas entre os territórios. Situação que, em tempos atrás, era vista como tipicamente de países periféricos, torna-se, atualmente, cada vez mais uma crise mundial, em que se verifica o fenômeno da periferização do mundo1919 Paraná E, Tupinambá G. Arquitetura de Arestas: a esquerda em tempos de periferização do mundo. São Paulo: Autonomia Literária; 2022. 268 p.. Esse movimento exige vigilância permanente dos governos e da sociedade civil com ações sustentáveis que promovam a equidade e a autonomia dos territórios para enfrentar os problemas e dar melhores condições de vida às populações das cidades, das águas, do campo e da floresta2020 Fernandes VR, Monken M, Gondin GMM, et al. Desnaturalizar as ‘endemias de estimação’: mobilização social em contextos das arboviroses no Brasil. In: Salazar LM, Lujan Villar RC, editores. Globalization and Health Inequities in Latin America. [local desconhecido]: Springer; 2018. p. 91-106..

Um dos efeitos nefastos e de insustentabilidade disso se refere aos graves problemas causados pelas mudanças climáticas que atingem, de uma forma ou de outra, todos os territórios do mundo. Elas impactam os territórios em processos amplos, entretanto, se somam às alterações meteorológicas, ecológicas e microclimáticas.

Outra questão importante relacionada com a sustentabilidade e a promoção da saúde no território se refere à segurança alimentar. A questão central está nas diferentes formas de produção agrícola e de seus efeitos na saúde coletiva - desde o uso insustentável de incrementos químicos e agrotóxicos, como acontece largamente no modelo de produção do agronegócio, até em formas de agricultura orgânica de base familiar e na agroecologia, que estruturam os territórios urbanos e do campo em outras bases de produção e cooperação gerando novas formas de democracia2121 Gondim G, Monken M. Entendendo o território: uma contribuição para o desenvolvimento da Educação Alimentar e Nutricional no contexto do Programa Bolsa Família. In: Barros DC, Silva DO, Souza LG, et al., organizadoras. Educação Alimentar e Nutricional no Programa Bolsa Família. Rio de Janeiro: EAD/ENSP; 2014. p. 14-21..

Um novo modelo de desenvolvimento deve se impor; e que leve em conta a construção de uma perspectiva sustentável e saudável na qual o território tem um papel teórico e prático importante ao permitir formas de elaboração de propostas ascendentes, em que cada local e seus saberes específicos realizem o empoderamento da população com autonomia, equidade e sustentabilidade2222 Gallo E. Alienação, inovação e cotidiano organizacional: teses e hipóteses. In: Mandarino ACS, Gomberg E, organizadores. Leituras de Novas Tecnologias e Saúde. Salvador: Ed. UFBA, 2009. p. 1-264.,2323 Setti AFF, Gallo E. Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais. Saúde debate. 2009;33(83):407-419.. Conforme Machado et al.2424 Machado JMH, Martins WJ, Souza MS, et al. Territórios saudáveis e sustentáveis: contribuição para saúde coletiva, desenvolvimento sustentável e governança territorial. Com Ciências Saúde. 2017; 28(2):243-249.(246), são:

[...] territórios onde a vida saudável se realiza por ações comunitárias e de políticas públicas que interagem no sentido do desenvolvimento regional e local sustentável, em suas dimensões ambientais, culturais, econômicas e sociais.

Trata-se de uma concepção que leve em conta fundamentos que remontam à história da saúde pública, como na medicina social latino-americana e a saúde coletiva brasileira, influenciadas pela agenda da promoção da saúde e, posteriormente, pela perspectiva da determinação social da saúde. Tais propostas trazem um enfoque crucial, com a possibilidade de uma análise crítica sobre as condições histórico-sociais que determinam o processo saúde-doença dos territórios e a perspectiva ascendente, a partir do território, que permitirá o diálogo entre saberes e práticas exercidas sobre ele e a reconstituição das categorias sustentável e saudável2222 Gallo E. Alienação, inovação e cotidiano organizacional: teses e hipóteses. In: Mandarino ACS, Gomberg E, organizadores. Leituras de Novas Tecnologias e Saúde. Salvador: Ed. UFBA, 2009. p. 1-264..

Uma das agendas para enfrentamento dessa situação são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que fazem parte da chamada Agenda 2030. Trata-se de um pacto global assinado durante a Cúpula das Nações Unidas em 2015 que defende que é necessário levar o mundo a um caminho sustentável com medidas transformadoras2525 Nações Unidas Brasil. Roteiro para a localização dos objetivos de desenvolvimento sustentável: implementação e acompanhamento no nível subnacional. Brasília, DF: Nações Unidas Brasil; 2017 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/06/Roteiro-para-a-Localizacao-dos-ODS.pdf
https://nacoesunidas.org/wp-content/uplo...
.

Da mesma forma vem se dando com o conceito de promoção da saúde que paulatinamente se consolida, principalmente por meio de agendas locais do SUS. Esse conceito tem o êxito de incorporar a concepção da determinação social da saúde, as ações intersetoriais, a transdisciplinaridade, os saberes locais, bem como de criar a possibilidade de maior autonomia dos atores sociais2323 Setti AFF, Gallo E. Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais. Saúde debate. 2009;33(83):407-419.,2626 Gallo E, Nascimento V, organizadores. O Território Pulsa: territórios sustentáveis e saudáveis da Bocaina: soluções para a promoção da saúde e do desenvolvimento sustentável territorializados. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019.,2727 Gallo E. Territórios Sustentáveis e Saudáveis: desafio teórico-práticos para o bem viver. Brasil. In: Fundação Nacional de Saúde. Territórios sustentáveis e saudáveis: experiências da saúde ambiental territorializadas marco teórico. Brasília: Funasa; 2021. p. 99-124..

Um dos aspectos fundamentais para fazer valer esses princípios é a atuação intersetorial como um dos pressupostos de ação. O território como totalidade social é o elemento integrador da atuação intersetorial da gestão pública. Ele pressupõe a definição e a estruturação de políticas públicas sustentáveis e saudáveis integradas, que possibilitam pensar na saúde em sua compreensão ampliada convergindo agendas, parcerias, integração interescalar em redes e cooperação tecnocientífica1313 Monken M, Barcellos C, Gallo E, et al. Território, Saúde e Sustentabilidade: uma abordagem geográfica. In: Franco Netto G, Rulli J, organizadores. Saúde, ambiente e sustentabilidade: fundamentos, bases científicas e práticas. São Paulo: Hucitec, Fiocruz; 2023. No prelo.,2727 Gallo E. Territórios Sustentáveis e Saudáveis: desafio teórico-práticos para o bem viver. Brasil. In: Fundação Nacional de Saúde. Territórios sustentáveis e saudáveis: experiências da saúde ambiental territorializadas marco teórico. Brasília: Funasa; 2021. p. 99-124..

Um fenômeno social importante na produção de territórios saudáveis com reflexos diretos em sua sustentabilidade se dá pela convivência construída nos processos de vizinhança comunitária, de coexistência entre pessoas e grupos, muitas vezes associadas à solidariedade e ao apoio social para ajuda mútua.

Saberes comunitários organizam redes de solidariedade no território que fortalecem laços e vínculos sociais para o enfrentamento dos problemas e das necessidades de saúde locais, sendo fundamentais para a sustentabilidade da população e nos ‘modos de andar a vida’2828 Canguilhem G. O Normal e o Patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2009..

São relações estratégicas que se organizam para práticas populares, como os ervateiros, as parteiras, os benzedeiros, os curandeiros, os cuidadores informais de idosos e de crianças, de comunicação comunitária, entre outros. Essas relações possuem grande capacidade de mobilizar a população para o enfrentamento de crises sanitárias provocadas por determinadas enfermidades. Além disso, têm papel fundamental na coesão social em situações permanentes de vulnerabilidade social e de insegurança alimentar, produto das desigualdades socioterritoriais, e capacidade de emancipação e de estímulo à autonomia da população para a promoção da saúde, intervindo diretamente nas condições de vida e nos corpos das pessoas. Os atores envolvidos nesse processo produzem sustentabilidade já que dominam elementos simbólicos envolvidos nas tecnologias sociais, na memória e na linguagem do território para agir sobre a promoção da saúde1010 Gondim GMM, Monken M. O uso do território na Atenção Primária à Saúde. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, et al. Atenção Primária à Saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018.,1111 Fernandes VR, Luz ZP, Amorim AC, et al. O lugar da vigilância no SUS - entre os saberes e as práticas de mobilização social. Ciênc saúde coletiva. 2017;22(10):3173-3181. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.1772017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017221...
.

O território, além de sua condição com conteúdo funcional de recurso para a reprodução social, tem na sua apropriação simbólica elemento indispensável para a reprodução da cultura comum das populações. Há aí um forte vínculo entre locais funcionais à sobrevivência física com os ‘recursos necessários’ e locais carregados de simbolismo33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
.

A identidade territorial é outro fenômeno social que se associa às redes de solidariedade. Tecida no território, é resultado de processos de longa permanência de relações sociais marcadas no espaço-tempo, vinculando questões de pertencimento das pessoas aos lugares de vida. São processos que incorporam práticas culturais, hábitos, comportamentos e atividades econômicas imbricadas nos processos de territorialização. Por essa razão, são fatores estruturantes do território e fundamentais para organização comunitária, nas ações de sustentabilidade e na promoção da saúde para esses lugares.

As características sociais, culturais, ambientais e econômicas que envolvem as identidades territoriais e as representações que a população lhes atribui, tornando-as realidades, interferem nas práticas de promoção da saúde e nas ações sustentáveis. Nesse caso, não podemos separar a dimensão política da cultura e do econômico, como é feito comumente, afastando aquilo que pode ser distinguível, mas não é propriamente separável. A defesa de uma identidade territorial pode estar associada inclusive às disputas por recursos e riquezas, e a necessidade da posse material delas não está descolada do simbolismo e da cultura2020 Fernandes VR, Monken M, Gondin GMM, et al. Desnaturalizar as ‘endemias de estimação’: mobilização social em contextos das arboviroses no Brasil. In: Salazar LM, Lujan Villar RC, editores. Globalization and Health Inequities in Latin America. [local desconhecido]: Springer; 2018. p. 91-106.,2929 Souza ML. Os conceitos fundamentais da pesquisa socioespacial. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2020. 320 p..

Como vimos, os territórios na contemporaneidade são possuidores cada vez mais de um quadro complexo de superposições simultâneas de territorialização de diferentes atores sociais. O cotidiano se enriquece com novas dimensões e mais densidade nas relações humanas, dado o papel que a informação e a ação comunicativa alcançaram em todos os aspectos da vida social, garantindo o exercício das mais diversas manifestações de espontaneidade e da criatividade, produto da interação social compartilhada. A comunicação tem um papel importante que se relaciona aos contextos sociais de vida nos territórios, sendo determinante para a convivência local, por meio da “copresença, vizinhança, intimidade, emoção, cooperação e na socialização fruto da interdependência e da contiguidade”3030 Santos M. A natureza do espaço: técnica e tempo. razão e emoção. São Paulo: Hucitec; 1996.(256).

Nesse cenário, as regras sociais locais determinam formas de comunicação específicas que incorporam elementos teóricos e práticos da política e da cultura do território, reconhecendo-os como dispositivos para efetivação/potencialização da sustentabilidade e de ser saudável. O conhecimento das regras, normas e leis que estruturam a ordem e os poderes locais se materializa na cultura e no corpo das pessoas, favorecendo a emancipação e o fortalecimento comunitário3030 Santos M. A natureza do espaço: técnica e tempo. razão e emoção. São Paulo: Hucitec; 1996..

A memória, as formas de comunicação e a linguagem do território abrem possibilidades de encontros cooperativos entre as pessoas, fortalecidos pela identidade para construir formas de promoção da saúde e de sustentabilidade específicas. A cultura local, com atores protagonistas dos modos mais tradicionais e diretos de comunicação, baseados nos contatos face a face e na palavra falada3131 Serpa A. Lugar e Mídia. São Paulo: Contexto; 2011. - como igrejas, clubes, grafiteiros, grupos artísticos de dança e música, associações de todos os tipos -, e, como vimos, as redes de apoio que atuam em diversos setores são cruciais para promover saúde e sustentabilidade nos territórios. A cooperação embutida nesses processos é fruto da solidariedade produzida pela interação social em contextos face a face3131 Serpa A. Lugar e Mídia. São Paulo: Contexto; 2011.,3232 Monken M. Contexto, território e processo de territorialização de informações: desenvolvendo estratégias pedagógicas para a educação profissional em saúde. In: Barcellos C, organizador. A geografia e o contexto dos problemas de saúde. Rio de Janeiro: Abrasco/Icict/Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; 2008. p. 141-164. (Saúde e Movimento, 6)..

A ação e os discursos dos atores que produzem cultura são fundamentais, pois trazem em seus corpos a expressão da identidade local e manifestam a ‘voz dos territórios’55 Brandão M, organizadora. Milton Santos e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2004.. São saberes que transformam relações, produzem artefatos, literatura, música que podem enunciar e subsidiar ideias de cultura não hegemônica que reafirmam os territórios para o enfrentamento dos problemas e reprodução cotidiana sustentada da vida social. Os diversos modos de fazer cultura e do agir comunicativo envolvido no cotidiano se constituem em um repertório a ser considerado na produção de estratégias de promoção da saúde e de formas sustentáveis de viver no território3333 Antonello IF, Oliveira APS. O corpo-território: diálogo entre o conhecimento geográfico e a filosofia Focaultiana. Perspec Dial. 2022;9(21):7-28. DOI: https://doi.org/10.55028/pdres.v9i21.15841
https://doi.org/10.55028/pdres.v9i21.158...
,3434 Habermas J. The Theory of Communicative Action. v. 2. Lifeworld and sistem: a critique of functionalist reason. Boston: Beacon Press; 1987
.

Considerações finais

Os atores hegemônicos, do Estado e das grandes empresas, com suas capacidades de ciência e tecnologia, trazem para os territórios um conhecimento pronto, geralmente construído fora do espaço no qual será implementado com um tecnicismo excessivo do poder, ficando muito aquém de oferecer possibilidades de autonomia e emancipação para a criação de territórios sustentáveis e saudáveis.

Ações pautadas pelo conceito de território nas concepções aqui sugeridas permitem colocar em relevância o papel das práticas cotidianas dos atores sociais da parcela mais vulnerabilizada da população, aquela que mais depende de relações de solidariedade e reciprocidade para sobreviver. Guiados por valores e conhecimentos incorporados nas suas identidades territoriais e dotados de um amplo conhecimento prático sobre suas realidades, ao contrário de atores externos cujos dados científicos não conseguem alcançar, trazem outras formas de fazer a vida por meio de estratégias de convivência social com base na solidariedade, cuja potência pode levar a movimentos de microrresistências, promoção da saúde, bem como gerar sustentabilidade.

Muito além do seu fim, ‘ouvir a voz do território’55 Brandão M, organizadora. Milton Santos e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2004. e identificar a diversidade de processos de territorialização dos atores sociais permite conhecer o lugar de construção de identidade e vínculo das populações e de seus corpos. Isso consiste em aspectos fundamentais para intervir sobre problemas e necessidades e para afirmar o trabalho territorializado integral entre as equipes de saúde do SUS e as redes de solidariedade da sociedade civil no sentido da promoção da saúde e da sustentabilidade1111 Fernandes VR, Luz ZP, Amorim AC, et al. O lugar da vigilância no SUS - entre os saberes e as práticas de mobilização social. Ciênc saúde coletiva. 2017;22(10):3173-3181. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.1772017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017221...
.

A importância do poder e dos saberes da população para a sustentabilidade e a promoção da saúde dos territórios se exerce na luta cotidiana, na disputa de relações de força entre atores locais e externos. Funciona como uma rede que se espalha na estrutura social com suas micro e poderosas ações e que se localiza em todas as suas partes. A territorialização de espaços de poder no qual se possa agir de forma saudável e sustentável é uma força estrutural que pode criar as condições para emancipação, autonomia e equidade3333 Antonello IF, Oliveira APS. O corpo-território: diálogo entre o conhecimento geográfico e a filosofia Focaultiana. Perspec Dial. 2022;9(21):7-28. DOI: https://doi.org/10.55028/pdres.v9i21.15841
https://doi.org/10.55028/pdres.v9i21.158...
e abalar o domínio de práticas hegemônicas que inviabilizam social e ambientalmente a vida de todos os seres vivos no território3535 Gallo E. Territórios Sustentáveis e Saudáveis: desafios teórico-práticos para o bem viver. Paris: Universitée Paris 8; 2020..

No entanto, pensar nas determinações sociais e ambientais sobre o território-corpo nessa perspectiva exige reconhecer sua forma relacional com as dinâmicas, os fenômenos e as influências de outras escalas territoriais. Os macropoderes, que muitas vezes agem visando à submissão dos corpos, faz a resistência cotidiana diretamente afetadas pelas ações sustentáveis e saudáveis ‘bater de frente’ em relação às estratégias de submissão e opressão que nem sempre são visíveis na aparência por estarem na esfera dos micropoderes.

A proposta dos territórios sustentáveis e saudáveis se baseia na interação e na cooperação solidária entre o corpo do indivíduo, a sociedade, os seres vivos de forma geral e o planeta, em uma perspectiva de saúde única fundamentadas em práticas emancipatórias, produtoras de autonomia. Ela é fundamental não apenas como corpo humano, mas também considerando os territórios de outros seres vivos, como os animais. Deve-se então falar na interação entre “múltiplos territórios de vida”33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
(191)
.

Trata-se, portanto, de um espaço em que tudo vive, onde tudo que configura este mundo está integrado (nunca são tomados como elementos individualizados) e se complementa em uma relação de copertencimento onde todos podem ser vistos como sujeitos33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
(203)
.

A ideia que deve prevalecer é a de que a natureza não é um recurso à disposição do ser humano, apesar de ser nos dias de hoje historicizada e apropriada socialmente, mas sim um ente com o qual se estabelecem relações sociais e usos controlados, resultando em relações de produção autônomas, renováveis e autossuficientes3636 Gallo E, Freitas LE, Reis R. Flexibilidade, responsabilização e autonomia: o caso da Diretoria de Investimentos e Projetos Estratégicos do Ministério da Saúde (Dipe-MS). Saúde debate. 2006;30:58-79..

O referencial conceitual que pode orientar, portanto, a proposta dos territórios sustentáveis e saudáveis se situa na concepção de território-rede socialmente produzido11 Haesbaert R. Viver no Limite: território e multi/transterritorialidade em tempos de insegurança e contenção. Rio de Janeiro: Bertrand; 2014.,3030 Santos M. A natureza do espaço: técnica e tempo. razão e emoção. São Paulo: Hucitec; 1996., associado à determinação social da saúde, à teoria da ação comunicativa3636 Gallo E, Freitas LE, Reis R. Flexibilidade, responsabilização e autonomia: o caso da Diretoria de Investimentos e Projetos Estratégicos do Ministério da Saúde (Dipe-MS). Saúde debate. 2006;30:58-79. e às questões de identidade territorial e da solidariedade, para - com base nas necessidades expressas por suas coletividades na escala do cotidiano do território-corpo33 Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
, integradora de poderes - promover pactos de autonomia e responsabilização para efetuar a transição do modelo hegemônico1313 Monken M, Barcellos C, Gallo E, et al. Território, Saúde e Sustentabilidade: uma abordagem geográfica. In: Franco Netto G, Rulli J, organizadores. Saúde, ambiente e sustentabilidade: fundamentos, bases científicas e práticas. São Paulo: Hucitec, Fiocruz; 2023. No prelo.,1717 Perrot M. Escrever uma História das Mulheres: relato de uma experiência. Cad Pagu. 2008;(4):9-28.,2222 Gallo E. Alienação, inovação e cotidiano organizacional: teses e hipóteses. In: Mandarino ACS, Gomberg E, organizadores. Leituras de Novas Tecnologias e Saúde. Salvador: Ed. UFBA, 2009. p. 1-264.,2323 Setti AFF, Gallo E. Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais. Saúde debate. 2009;33(83):407-419.,3535 Gallo E. Territórios Sustentáveis e Saudáveis: desafios teórico-práticos para o bem viver. Paris: Universitée Paris 8; 2020..

Mesmo sendo dois processos indissociáveis, a constituição de territórios sustentáveis ordena a construção de territórios saudáveis; assim, a definição dos seus significados só é possível mediante pactos e diálogos entre os atores diretamente envolvidos. Quando constituídos, reforçam as identidades territoriais por meio da ideia de auto-organização e permitem pensar ideologicamente em outro mundo possível que confronte as questões da competitividade, da globalização e da desterritorialização com a perda de poder de ação dos atores sociais locais sobre seus territórios de vida e trabalho1313 Monken M, Barcellos C, Gallo E, et al. Território, Saúde e Sustentabilidade: uma abordagem geográfica. In: Franco Netto G, Rulli J, organizadores. Saúde, ambiente e sustentabilidade: fundamentos, bases científicas e práticas. São Paulo: Hucitec, Fiocruz; 2023. No prelo.,2727 Gallo E. Territórios Sustentáveis e Saudáveis: desafio teórico-práticos para o bem viver. Brasil. In: Fundação Nacional de Saúde. Territórios sustentáveis e saudáveis: experiências da saúde ambiental territorializadas marco teórico. Brasília: Funasa; 2021. p. 99-124..

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

  • 1
    Haesbaert R. Viver no Limite: território e multi/transterritorialidade em tempos de insegurança e contenção. Rio de Janeiro: Bertrand; 2014.
  • 2
    Costa RH. O Mito da Desterrritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. 400 p.
  • 3
    Haesbaert R. Território e decolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografía; Universidade Federal Fluminense; 2021 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
    » https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20210219014514/Territorio-decolonialidade.pdf
  • 4
    Santos BS. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica; 2019.
  • 5
    Brandão M, organizadora. Milton Santos e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2004.
  • 6
    Villardi JWR, Monken M, Franco Netto G, et al. Saúde, ambiente, sustentabilidade e Territórios Brasil. In: Fundação Nacional de Saúde. Territórios sustentáveis e saudáveis: experiências da saúde ambiental territorializadas marco teórico. Brasília, DF: Funasa; 2021. p. 39-58.
  • 7
    Santos M, Souza MA, Silveira ML. Território: globalização e fragmentação. 5. ed. São Paulo: Hucitec; 2006.
  • 8
    Santos M. O Retorno ao Território. OSAL/CLASO [Internet]. 2005 [acesso em 2023 maio 20];6(16). Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal16/D16Santos.pdf
    » http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal16/D16Santos.pdf
  • 9
    Castells M. Sociedade em Rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra; 1999. v. 1.
  • 10
    Gondim GMM, Monken M. O uso do território na Atenção Primária à Saúde. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, et al. Atenção Primária à Saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018.
  • 11
    Fernandes VR, Luz ZP, Amorim AC, et al. O lugar da vigilância no SUS - entre os saberes e as práticas de mobilização social. Ciênc saúde coletiva. 2017;22(10):3173-3181. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.1772017
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.1772017
  • 12
    Santos M. Por uma Outra Globalização: do pensamento único à consciência universal. 10. ed. Rio de Janeiro: Record; 2001.
  • 13
    Monken M, Barcellos C, Gallo E, et al. Território, Saúde e Sustentabilidade: uma abordagem geográfica. In: Franco Netto G, Rulli J, organizadores. Saúde, ambiente e sustentabilidade: fundamentos, bases científicas e práticas. São Paulo: Hucitec, Fiocruz; 2023. No prelo.
  • 14
    Rosen G. Uma história da saúde pública. São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Unesp, Abrasco; 1994.
  • 15
    Monken M, Pereira EM, Fontes R. Territorialização em Saúde e Saneamento. In: Gomes UAF, Pena JL, Queiroz JTM. Caderno de Notas Técnicas: saneamento e suas interfaces: experiências e elucidações para a implantação participativa e inovadora dos Planos Municipais de saneamento Básico [Internet]. Belo Horizonte: Projeto Sanbas; 2022 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://infosanbas.org.br/download/caderno-de-notas-tecnicas-saneamento-e-suas-interfaces-experiencias-e-elucidacoes-para-a-implantacao-participativa-e-inovadora-dos-planos-municipais-de-saneamento-basico/
    » https://infosanbas.org.br/download/caderno-de-notas-tecnicas-saneamento-e-suas-interfaces-experiencias-e-elucidacoes-para-a-implantacao-participativa-e-inovadora-dos-planos-municipais-de-saneamento-basico/
  • 16
    Monken M, Gondim GMM. Território: o lugar onde a vida acontece. In: Bornstein VJ, Alencar Â, Leandro BBS, et al., organizadores. Curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde: textos de apoio Rio de Janeiro: EPSJV; 2016. p. 109-112.
  • 17
    Perrot M. Escrever uma História das Mulheres: relato de uma experiência. Cad Pagu. 2008;(4):9-28.
  • 18
    Fundação Oswaldo Cruz. Programa Institucional Territórios Sustentáveis e Saudáveis: termo de referência conceitual e metodológico e proposta de governança. Portal Fiocruz [Internet]. jul 2019 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/programa/programa-institucional-de-territorios-sustentaveis-e-saudaveis
    » https://portal.fiocruz.br/programa/programa-institucional-de-territorios-sustentaveis-e-saudaveis
  • 19
    Paraná E, Tupinambá G. Arquitetura de Arestas: a esquerda em tempos de periferização do mundo. São Paulo: Autonomia Literária; 2022. 268 p.
  • 20
    Fernandes VR, Monken M, Gondin GMM, et al. Desnaturalizar as ‘endemias de estimação’: mobilização social em contextos das arboviroses no Brasil. In: Salazar LM, Lujan Villar RC, editores. Globalization and Health Inequities in Latin America. [local desconhecido]: Springer; 2018. p. 91-106.
  • 21
    Gondim G, Monken M. Entendendo o território: uma contribuição para o desenvolvimento da Educação Alimentar e Nutricional no contexto do Programa Bolsa Família. In: Barros DC, Silva DO, Souza LG, et al., organizadoras. Educação Alimentar e Nutricional no Programa Bolsa Família. Rio de Janeiro: EAD/ENSP; 2014. p. 14-21.
  • 22
    Gallo E. Alienação, inovação e cotidiano organizacional: teses e hipóteses. In: Mandarino ACS, Gomberg E, organizadores. Leituras de Novas Tecnologias e Saúde. Salvador: Ed. UFBA, 2009. p. 1-264.
  • 23
    Setti AFF, Gallo E. Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais. Saúde debate. 2009;33(83):407-419.
  • 24
    Machado JMH, Martins WJ, Souza MS, et al. Territórios saudáveis e sustentáveis: contribuição para saúde coletiva, desenvolvimento sustentável e governança territorial. Com Ciências Saúde. 2017; 28(2):243-249.
  • 25
    Nações Unidas Brasil. Roteiro para a localização dos objetivos de desenvolvimento sustentável: implementação e acompanhamento no nível subnacional. Brasília, DF: Nações Unidas Brasil; 2017 [acesso em 2023 maio 20]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/06/Roteiro-para-a-Localizacao-dos-ODS.pdf
    » https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/06/Roteiro-para-a-Localizacao-dos-ODS.pdf
  • 26
    Gallo E, Nascimento V, organizadores. O Território Pulsa: territórios sustentáveis e saudáveis da Bocaina: soluções para a promoção da saúde e do desenvolvimento sustentável territorializados. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019.
  • 27
    Gallo E. Territórios Sustentáveis e Saudáveis: desafio teórico-práticos para o bem viver. Brasil. In: Fundação Nacional de Saúde. Territórios sustentáveis e saudáveis: experiências da saúde ambiental territorializadas marco teórico. Brasília: Funasa; 2021. p. 99-124.
  • 28
    Canguilhem G. O Normal e o Patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2009.
  • 29
    Souza ML. Os conceitos fundamentais da pesquisa socioespacial. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2020. 320 p.
  • 30
    Santos M. A natureza do espaço: técnica e tempo. razão e emoção. São Paulo: Hucitec; 1996.
  • 31
    Serpa A. Lugar e Mídia. São Paulo: Contexto; 2011.
  • 32
    Monken M. Contexto, território e processo de territorialização de informações: desenvolvendo estratégias pedagógicas para a educação profissional em saúde. In: Barcellos C, organizador. A geografia e o contexto dos problemas de saúde. Rio de Janeiro: Abrasco/Icict/Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; 2008. p. 141-164. (Saúde e Movimento, 6).
  • 33
    Antonello IF, Oliveira APS. O corpo-território: diálogo entre o conhecimento geográfico e a filosofia Focaultiana. Perspec Dial. 2022;9(21):7-28. DOI: https://doi.org/10.55028/pdres.v9i21.15841
    » https://doi.org/10.55028/pdres.v9i21.15841
  • 34
    Habermas J. The Theory of Communicative Action. v. 2. Lifeworld and sistem: a critique of functionalist reason. Boston: Beacon Press; 1987
  • 35
    Gallo E. Territórios Sustentáveis e Saudáveis: desafios teórico-práticos para o bem viver. Paris: Universitée Paris 8; 2020.
  • 36
    Gallo E, Freitas LE, Reis R. Flexibilidade, responsabilização e autonomia: o caso da Diretoria de Investimentos e Projetos Estratégicos do Ministério da Saúde (Dipe-MS). Saúde debate. 2006;30:58-79.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Ago 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2023
  • Aceito
    06 Dez 2023
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br