Qualificação da Atenção Primária à Saúde para o diagnóstico laboratorial da covid-19 no Distrito Federal, 2020-2021

Fabrício Vieira Cavalcante Ruth da Conceição Costa e Silva Sacco Aimê Oliveira Taciana Silveira Passos Tiago Machado de Alencar Christina Pacheco Santos Martin Leonor Maria Pacheco Santos Sobre os autores

RESUMO

A pandemia de covid-19 exigiu reorganização das Unidades Básicas de Saúde (UBS) para garantir maior capacidade diagnóstica laboratorial em tempo oportuno, o que requereu profissionais de saúde capacitados, disponibilidade de insumos/materiais e estratégias adequadas de manejo das amostras no Laboratório Central (Lacen). Em 2020-2021, a estrutura das UBS do Distrito Federal (DF) foi avaliada por meio de estudo transversal analítico, censitário. A coleta de dados, remota, ocorreu por entrevista telefônica estruturada e questionário de autopreenchimento. Fez-se análise estatística no software R, comparando UBS-Sentinela com UBS-Tradicional. A capacitação no teste rápido e/ou na coleta da amostra por swab entre enfermeiros foi quase universal (> 99%), e entre técnicos de enfermagem, foi alta (70%); por outro lado somente 9% dos médicos receberam alguma capacitação. Registrou-se fluxo definido para encaminhar amostras para o Lacen em 89% das UBS, visando diagnosticar o Sars-CoV-2; os prazos de retorno dos resultados laboratoriais foram cumpridos em 70% dos casos. Insumos, materiais e equipamentos estavam disponíveis em quantidades suficientes, sobretudo nas UBS-Sentinela. Nestas, 63% das equipes conheciam o manual de coleta MA-LACEN-0007, comparado com 35% das equipes na UBS-Tradicional (p < 0,001). Apesar dos desafios, o DF apresentou capacidade de resposta satisfatória quanto ao diagnóstico laboratorial de covid-19.

PALAVRAS-CHAVES
Capacidade de resposta ante emergências; Atenção Primária à Saúde; Vigilância em saúde pública; Covid-19

Introdução

Em 31 de dezembro de 2019, vários casos de pneumonia de etiologia desconhecida, na cidade de Wuhan, foram relatados pela República Popular da China à Organização Mundial da Saúde (OMS), posteriormente atribuída ao vírus Sars-CoV-2. O primeiro caso conhecido na América do Sul ocorreu em 26 de fevereiro de 202011 World Health Organization. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. World Health Organization Data [Internet]. 2020 [acesso em 2023 jul 13]. Disponível em: https://covid19.who.int/
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,22 World Health Organization. Disease Outbreak News: Pneumonia of unknown cause – China. WHO [Internet]. 2020 jan 5 [acesso em 2023 jul 13]. Disponível em: https://www.who.int/csr/don/05-january-2020-pneumonia-of-unkown-cause-china/en/
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; no Brasil, o Distrito Federal (DF) registrou o primeiro caso em 5 de março de 202033 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde. COVID-19 Painel Coronavirus [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 [acesso em 2023 set 19]. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/
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– e no mesmo mês e ano, no dia 11, a OMS declarou o surto de covid-19 como uma emergência sanitária internacional11 World Health Organization. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. World Health Organization Data [Internet]. 2020 [acesso em 2023 jul 13]. Disponível em: https://covid19.who.int/
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,22 World Health Organization. Disease Outbreak News: Pneumonia of unknown cause – China. WHO [Internet]. 2020 jan 5 [acesso em 2023 jul 13]. Disponível em: https://www.who.int/csr/don/05-january-2020-pneumonia-of-unkown-cause-china/en/
https://www.who.int/csr/don/05-january-2...
. Entre os sinais e sintomas mais comuns dessa doença, estão: infecção respiratória, febre, tosse e dispneia, dores musculares, diarreia, dor torácica e cefaleia44 Rader B, Scarpino SV, Nande A, et al. Crowding and the shape of COVID-19 epidemics. Nat Med. 2020;26(12):1829-1834. DOI: https://doi.org/10.1038/s41591-020-1104-0
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,55 Richardson S, Hirsch JS, Narasimhan M, et al. Presenting characteristics, comorbidities, and outcomes among 5700 patients hospitalized with COVID-19 in the New York City area. Jama. 2020;323(20):2052-2059. DOI: https://doi.org/10.1001/jama.2020.6775
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,66 Zhang H, Liao YS, Gong J, et al. Clinical characteristics of coronavirus disease (COVID-19) patients with gastrointestinal symptoms: A report of 164 cases. Dig Liver Dis. 2020;52(10):1076-1079. DOI: https://doi.org/10.1016%2Fj.dld.2020.04.034
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Em 5 de maio de 2023, a OMS declarou o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional para a covid-19 devido à diminuição na incidência da morbimortalidade e aos altos níveis de imunização da população ao Sars-CoV-2. No entanto, a covid-19 permanece caracterizada como pandemia por se tratar de doença infecciosa que ainda provoca óbitos no mundo todo77 Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. OMS declara fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional referente à Covid-19. OMS [Internet]. 2023 maio 5 [acesso em 2023 out 28]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/notidas/5-5-2023-oms-dedara-fim-da-emer-gencia-saude-publica-importancia-internacional-referente
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. No Brasil, até o dia 30 de outubro de 2023, houve 37.905.713 casos e 706.531 óbitos (letalidade 1,9%)33 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde. COVID-19 Painel Coronavirus [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 [acesso em 2023 set 19]. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/
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A Atenção Primária à Saúde (APS), ao servir de porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS), tem um papel crucial no acolhimento, na prevenção, no diagnóstico e no manejo de pacientes na comunidade por sua capacidade de diminuir a sobrecarga da atenção especializada, sobretudo de hospitais, desempenhando ações de organização do fluxo dos usuários e de coordenação do cuidado88 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2017 set 22; Seção I:68..

A APS tem sido discutida mundialmente como uma das principais estratégias no controle da pandemia de covid-19 incluindo testagem e notificação99 Secretaria da Saúde do Estado (BA). Organização da APS pelo mundo durante a pandemia da COVID-19 [Internet]. Salvador: Sesab; 2020 [acesso em 2023 jul 13]. Disponível em: http://telessaude.saude.ba.gov.br/organizacao-da-aps-pelo-mundo-durante-a-pande-mia-da-covid-19/
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. No início da pandemia, o teste diagnóstico era aconselhável para indivíduos com sintomas ou aqueles expostos a pessoas com suspeita ou confirmação da doença. O teste também era recomendado para fins de viagem, recreação, reuniões sociais e profissionais1010 Ministério da Saúde (BR); Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Guia Orientador Para o Enfrentamento Da Pandemia Covid-19 Na Rede de Atenção à Saúde. [Internet] Brasília, DF: Conasems; 2020 [acesso em 2023 jul 13]. Disponível em: https://www.conasems.org.br/guia-orienta-estados-e-municipios-para-o-enfrentamento-da-pandemia-de-covid-19-na-rede-de-atencao-a-saude/
https://www.conasems.org.br/guia-orienta...
,1111 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Protocolo de manejo clínico do Coronavírus (COVID-19) na Atenção Primária a Saúde [Internet]. Versão 9. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 [acesso em 2023 jul 13]. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2020/05/1095920/20200504-protocolomanejo-ver09.pdf
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. Os resultados oportunos desses testes ajudaram a fornecer recomendações aos pacientes, a proteger os trabalhadores da saúde e a limitar a transmissão da covid-191212 Kierkegaard P, McLister A, Buckle P. Rapid point-of-care testing for COVID-19: quality of supportive information for lateral flow serology assays. BMJ Open. 2021;11(3):e047163. DOI: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2020-047163
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Destarte, a APS contribuiu significativamente para o alcance da equidade e da universalidade, assim como atuou de forma integrada nas ações de vigilância em saúde nos territórios durante a crise sanitária1313 Haldane V, Morgan GT. From resilient to transilient health systems: the deep transformation of health systems in response to the COVID-19 pandemic. Health Policy Plan. 2021;36(1):134-135. DOI: https://doi.org/10.1093/heapol/czaa169
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,1414 Haldane V, Zhang Z, Abbas RF, et al. National primary care responses to COVID-19: a rapid review of the literature. BMJ Open. 2020;10:e041622. DOI: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2020-041622
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,1515 Wanat M, Hoste M, Gobat N, et al. Transformation of primary care during the COVID-19 pandemic: experiences of healthcare professionals in eight European countries. Br J Gen Pract. 2021;71(709):e634-e642. DOI: https://doi.org/10.3399/bjgp.2020.1112
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,1616 Aslanyan L, Arakelyan Z, Atanyan A, et al. Primary healthcare providers challenged during the COVID-19 pandemic: a qualitative study. BMC Prim Care. 2022;23(1):1-0. DOI: https://doi.org/10.1186/s12875-022-01923-4
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,1717 Harzheim E, Martins C, Wollmann L, et al. Ações federais para apoio e fortalecimento local no combate ao COVID-19: a Atenção Primária à Saúde (APS) no assento do condutor. Ciênc saúde coletiva. 2020;25(supl1):2493-2497. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.11492020
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. Apesar disso, os profissionais de saúde da APS lidaram com a insuficiência de treinamento, com a escassez de insumos e tiveram que se reorganizar para os novos fluxos assistenciais1818 Xu Z, Ye Y, Wang Y, et al. Primary care practitioners’ barriers to and experience of COVID-19 epidemic control in China: a qualitative study. J Gen Intern Med. 2020;35(11):3278-3284. DOI: https://doi.org/10.1007/s11606-020-06107-3
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,1919 Oseni TIA, Agbede RO, Fatusin BB, et al. The role of the family physician in the fight against Coronavirus disease 2019 in Nigeria. Afr J Prim Health Care Fam Med. 2020;12(1):1-3. DOI: https://doi.org/10.4102/PHCFM.V12I1.2492
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,2020 Huston P, Campbell J, Russell G, et al. COVID-19 and primary care in six countries. BJGP Open. 2020;4(4):bjgpopen20X101128. DOI: https://doi.org/10.3399/bjgpopen20x101128
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. Ademais, foram documentadas condições de trabalho precárias em países asiáticos e europeus, que resultaram em redução na qualidade do atendimento, configurando ameaça à segurança de pacientes e profissionais de saúde1919 Oseni TIA, Agbede RO, Fatusin BB, et al. The role of the family physician in the fight against Coronavirus disease 2019 in Nigeria. Afr J Prim Health Care Fam Med. 2020;12(1):1-3. DOI: https://doi.org/10.4102/PHCFM.V12I1.2492
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,2121 Mughal F, Khunti K, Mallen CD. The impact of COVID-19 on primary care: Insights from the National Health Service (NHS) and future recommendations. J Family Med Prim Care. 2021;10(12):4345. DOI: https://doi.org/10.4103/jfmpc.jfmpc_756_21
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,2222 Ismail M, Joudeh A, Neshnash M, et al. Original research: primary health care physicians’ perspective on COVID-19 pandemic management in Qatar: a web-based survey. BMJ Open. 2021;11(9):49456. DOI:https://doi.org/10.1136/BMJOPEN-2021-049456
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No caso da pandemia de covid-19, seguindo as orientações estabelecidas pela OMS e pelo Ministério da Saúde2323 World Health Organization. Global Influenza Surveillance and Response System (GISRS) sentinel surveillance for COVID-19: frequently asked questions (FAQ), 10 March 2022. Geneva: WHO; 2022.,2424 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 205, de 17 de fevereiro de 2016. Define a lista nacional de doenças e agravos, na forma do anexo, a serem monitorados por meio da estratégia de vigilância em unidades sentinelas e suas diretrizes. Diário Oficial da União [Internet], Brasília, DF. 2016 fev 18 [acesso em 2023 ago 28]. Seção I:24. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0205_17_02_2016.html
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, as Unidades Básicas de Saúde Sentinela (UBS-Sentinela) atuaram no desenvolvimento de ações relacionadas com a investigação de surtos de forma sistemática, continuada, rotineira e oportuna, como forma de resposta à pandemia. Compreende-se como unidade sentinela aquela que colabora para o cumprimento das ações de vigilância em saúde. Trata-se de uma forma eficiente e custo-efetiva de coleta e gerenciamento de dados para manejo de doenças, especialmente infeciosas2424 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 205, de 17 de fevereiro de 2016. Define a lista nacional de doenças e agravos, na forma do anexo, a serem monitorados por meio da estratégia de vigilância em unidades sentinelas e suas diretrizes. Diário Oficial da União [Internet], Brasília, DF. 2016 fev 18 [acesso em 2023 ago 28]. Seção I:24. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0205_17_02_2016.html
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No DF, além das ações realizadas pelas UBS-Sentinela, o Programa de Qualificação da Atenção Primária à Saúde (QualisAPS), instituído pela Portaria nº 39, de 23 de janeiro de 20192525 Secretaria de Estado de Saúde (DF). Portaria 39 de 23/01/2019. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde do Distrito Federal, o Programa de Qualificação da Atenção Primária à Saúde. Diário Oficial do Distrito Federal [Internet], Brasília, DF. 2019 fev 14 [acesso em 2023 ago 10]; Seção I:6-7. Disponível em: https://www.sinj.df.gov.br/sinj/Norma/0bb8bd0f26ba4396a23602f2b993e613/Portaria_39_23_01_2019.html
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, tem acompanhado de perto a reestruturação das UBS para uma melhor qualificação da assistência aos usuários, e, em 2020, realizou avaliação da resposta da APS à pandemia de covid-192626 Furlanetto DDLC, Santos WD, Scherer MDDA, et al. Estrutura e responsividade: a Atenção Primária à Saúde está preparada para o enfrentamento da Covid-19? Saúde debate. 2022;46(134):630-647. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202213403
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A covid-19, após decretado o fim da emergência sanitária internacional, assumiu outro aspecto, a de doença infeciosa de manejo contínuo, assim como outras de notificação compulsória no Brasil que requerem vigilância constante77 Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. OMS declara fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional referente à Covid-19. OMS [Internet]. 2023 maio 5 [acesso em 2023 out 28]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/notidas/5-5-2023-oms-dedara-fim-da-emer-gencia-saude-publica-importancia-internacional-referente
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. A despeito da relevância de conhecer o cenário epidemiológico vivenciado e as adequações feitas na APS para o enfrentamento e diagnóstico da doença, há escassez de estudos no Brasil que evidenciem esse aprendizado, que pode ser mantido e aprimorado não somente para a manutenção de seu controle, mas também como preparação para outras epidemias que poderão surgir, subsidiando ações estratégicas de programação, monitoramento e avaliação voltadas a doenças infecciosas no primeiro nível de assistência à saúde.

Ao considerar a necessidade de conhecer o preparo da APS para responder às demandas da pandemia no cenário epidemiológico que se apresentava à época da emergência sanitária internacional, este estudo analisa a capacidade das Unidades Básicas de Saúde (UBS) do DF para o diagnóstico laboratorial da covid-19, incluindo capacitação dos profissionais, estratégias de manejo das amostras e disponibilidade de testes diagnósticos, nos anos de 2020 a 2021.

Material e métodos

Trata-se de estudo transversal analítico, censitário, desenvolvido no contexto do Programa QualisAPS. Os dados de interesse foram coletados, remotamente, a partir de agosto de 2020. Entre as 165 UBS existentes no DF, duas atrasaram a coleta de dados (1,2%), mas finalizaram nos dias 4 e 7 janeiro de 2021. Desse modo, mais de 99% da coleta de dados ocorreram no primeiro ano da pandemia (2020). Assim, foi possível concluir a pesquisa com 159 UBS (perda amostral de 3,6%).

Os gestores de todas as UBS foram contactados previamente para os devidos esclarecimentos sobre a pesquisa e sobre a exigência da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a ser assinado eletronicamente antes do início da entrevista.

A metodologia envolveu entrevistas e preenchimento de formulário. As entrevistas foram estruturadas e conduzidas com gestores ou supervisores de 159 UBS do DF por meio de ligação telefônica, após a qual cada entrevistado realizou o autopreenchimento do formulário eletrônico, cujo link foi disponibilizado por mensagem de e-mail.

Para a produção de informações e coleta de dados, utilizou-se instrumento desenvolvido como parte das atividades do Programa QualisAPS para análise da estrutura e da capacidade de resposta das UBS à covid-19. Tal instrumento está composto por 11 Eixos: Eixo 1 (identificação do respondente); Eixo 2 (identificação da UBS); Eixo 3 (funcionamento da UBS durante a pandemia de covid-19); Eixo 4 (capacitação da força de trabalho); Eixo 5 (organização e processo de trabalho); Eixo 6 (estrutura); Eixo 7 (equipamentos, móveis e insumos); Eixo 8 (Equipamento de Proteção Individual – EPI); Eixo 9 (acompanhamento do paciente e exames); Eixo 10 (informação, vigilância, integração e comunicação); e Eixo 11 (gestão). No total, 127 itens compuseram o instrumento. Outrossim, sua aplicação foi dividida em dois módulos: telefone (duração média de 45 minutos) e autopreenchimento (duração média de 60 minutos)2626 Furlanetto DDLC, Santos WD, Scherer MDDA, et al. Estrutura e responsividade: a Atenção Primária à Saúde está preparada para o enfrentamento da Covid-19? Saúde debate. 2022;46(134):630-647. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202213403
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. Para o Eixo 4, optou-se por analisar as variáveis relacionadas com os profissionais enfermeiro, técnico de enfermagem, médico, cirurgião-dentista e técnico em saúde bucal, que foram aqueles que, durante a pandemia, tinham habilitação legal para a realização dos testes diagnósticos para covid-19, ora por ser ação inerente a seu exercício profissional (medicina e enfermagem), ora por ter havido autorização da entidade de classe para tal (odontologia)2727 Conselho Regional de Odontologia do Distrito Federal (BR). Decisão CRO-DF nº 20, de 26 de março de 2021 [Internet]. Distrito Federal: CRO; 2021 [acesso em 2023 set 24]. Disponível em: https://www.cro-df.org.br/
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,2828 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Atendimento Odontológico no SUS [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 [acesso em 2023 set 27]. Disponível em: https://website.cfo.org.br/wp-content/uploads/2020/03/COVID-19_ATENDIMENTO-ODONTOLOGICO-NO-SUS.pdf
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O instrumento foi hospedado no Software Research Eletronic Data Capture (REDCap), plataforma para coleta de dados de acesso aberto, criada pela Vanderbilt University, Tennessee, Estados Unidos da América2929 Harris PA, Taylor R, Minor BL, et al. The REDCap consortium: building an international community of software platform partners. J Biomed Inform. 2019;95:103208. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jbi.2019.103208
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No DF, existem 165 UBS, sendo 61 UBS-Sentinela para a vigilância de síndrome gripal e síndrome respiratória aguda grave; as 104 restantes são UBS-Tradicionais. Para identificar os locais de maior concentração de UBS-Sentinela, verificou-se a distribuição geográfica, por Regiões de Saúde (RS), das 159 UBS participantes, especificando as UBS-Tradicionais e as UBS-Sentinelas, por meio do QGIS (versão 3.20.2, Odense), Sistema de Informação Geográfica livre e de código aberto.

As análises estatísticas foram realizadas no software R (versão 4.3.1) e incluíram frequência relativa, Qui-quadrado e Teste de Fisher. Todas as variáveis do estudo foram cruzadas com a variável UBS-Sentinela, para identificação das diferenças percentuais entre estas e as UBS-Tradicionais, adotando-se o nível de significância de 5%. Dessa forma, para um p-valor inferior a 0,05, considerou-se a rejeição da hipótese nula de acordo com cada teste aplicado.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 29640120.6.0000.0030, parecer nº 3.937.242, em conformidade com a Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde3030 Ministério da Saúde (BR); Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2016 maio 24; Edição 98; Seção I:44..

Resultados

As 57 UBS-Sentinela concentram-se em maior número nas RS Sudoeste e Oeste, ambas com 15. Neste estudo, descreveu-se a qualificação para o diagnóstico da covid-19 de 159 UBS que responderam ao instrumento para avaliação da estrutura. As UBS estão distribuídas nas sete RS do DF, a saber: Central (n = 9), Centro-Sul (n = 18), Leste (n = 24), Norte (n = 35), Oeste (n = 27), Sudoeste (n = 28) e Sul (n = 18). Destas, 35,8% (n = 57) são UBS-Sentinelas e 64,2% (n = 102) são UBS-Tradicionais (figura 1).

Figura 1
Distribuição espacial das Unidades Básicas de Saúde, por regiões de saúde, com diferenciação entre Unidades Básicas de Saúde Sentinelas e Unidades Básicas de Saúde Tradicionais, Distrito Federal, 2020 e 2021

No que diz respeito ao treinamento dos profissionais das UBS, a capacitação no teste rápido e/ou na coleta da amostra por swab entre enfermeiros foi quase universal (99,7%), e entre técnicos de enfermagem, foi alta (70,4%), não havendo associação significativa entre a proporção de profissionais capacitados e o tipo de UBS. Chama atenção a falta de capacitação de médicos para realização de ambos os testes, tanto nas UBS-Sentinelas quanto nas UBS-Tradicionais (91,2% e 90,2%, respectivamente, sem nenhum treinamento) (tabela 1). Notou-se que os técnicos em saúde bucal possuíam capacitação para a realização dos testes rápidos (teste de anticorpo) para diagnóstico oportuno da covid-19, sendo mais frequente na UBS-Sentinela (38,6%) que na UBS-Tradicional (26,5%) estatisticamente significativo (p < 0,016).

Tabela 1
Capacitação dos profissionais das Unidades Básicas de Saúde do Distrito Federal para realização e coleta para os diferentes testes para covid-19, 2020-2021

Sobre a forma como foi realizada a capacitação para realização dos testes para covid-19 das categorias profissionais estudadas, 93,1% dos profissionais das UBS-Tradicionais, comparados com 86% dos profissionais das UBS-Sentinelas, indicaram ter realizado essa capacitação por meio de leitura de notas técnicas, seguido pela análise de protocolos de manejo da covid-19 (92,2% UBS-Tradicional e 80,7% UBS-Sentinela) (tabela 2).

Tabela 2
Modalidades de capacitação dos profissionais das Unidades Básicas de Saúde do Distrito Federal para realização dos diferentes testes para covid-19, 2020-2021

Quando verificada a disponibilidade de materiais e insumos para processamento e/ou envio dos testes para diagnóstico de covid-19, observou-se não haver diferença significativa entre as UBS-Sentinela e as UBS-Tradicionais para a maioria dos itens pesquisados (exceto etiquetas). Já no caso da presença de geladeira, 80,7% das UBS-Sentinela afirmaram ter esse equipamento para o armazenamento das amostras para covid-19 contra 60,8% das UBS-Tradicionais. Isso evidencia uma associação entre possuir etiqueta e geladeira (p < 0,019 e p < 0,009 respectivamente) e ser uma UBS-Sentinela.

Mais de 50% das UBS, independentemente de serem Sentinela ou Tradicional, possuíam termômetro, caixa isotérmica e gelo artificial reutilizável rígido para conservação das amostras para covid-19 em temperatura ideal (tabela 3).

Tabela 3
Disponibilidade de materiais e insumos diagnósticos para processamento das amostras dos testes para covid-19 da Atenção Primária à Saúde, Distrito Federal, 2020-2021

Quando questionado aos gestores sobre a disponibilidade dos testes diagnósticos para covid-19 em suas UBS no momento da pesquisa, verificou-se que mais da metade das UBS (Sentinelas ou Tradicionais) possuíam quantidade suficiente tanto do kit para teste swab quanto do teste rápido (tabela 3).

Para o manejo das amostras dos testes, ou seja, o fluxo entre a APS e o Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen-DF), os resultados evidenciaram associação entre ser UBS-Sentinela e a equipe conhecer o manual de coleta MA-LACEN-0007, com destaque para mais da metade das UBS-Sentinela (63,2%) cujas equipes referiram conhecê-lo quando comparado com as UBS-Tradicionais (35,3%) (p < 0,000).

Os materiais coletados nas UBS foram, em sua maioria, enviados ao Lacen-DF, tanto nas UBS-Sentinela quanto nas UBS-Tradicionais (92,9% e 85,3% respectivamente). A expressiva maioria das UBS-Sentinela (94,7%) e das UBS-Tradicionais (85,3%) afirmou possuir fluxo laboratorial definido para o encaminhamento das amostras, assim como disponibilidade de veículo para transporte de amostras com rota definida (em torno de 80% a 90%). As proporções eram maiores nas UBS-Sentinela embora as diferenças não tenham sido significativas (tabela 4).

Tabela 4
Coleta e manejo das amostras dos testes para covid-19 das Unidades Básicas de Saúde, Distrito Federal, 2020-2021

Apesar de não ter sido evidenciada associação entre as UBS-Sentinela ou Tradicional para o cumprimento dos prazos de retorno laboratorial, mais da metade de ambas as UBS (73,7% e 67,6% respectivamente) relataram que recebiam os resultados dos exames laboratoriais para covid-19 dentro dos prazos.

Discussão

Em 2020, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não realizou o censo, mas estimativas populacionais para o DF nesse ano apontaram 3.052.546 habitantes3131 Secretaria de Estado de Saúde (DF). Relatório Anual de Gestão 2020 [Internet]. Brasília, DF: Secretaria de Estado de Saúde; 2021 [acesso em 2023 set 14]. 214 p. il. Disponível em: https://www.saude.df.gov.br/documents/37101/0/Relat%C3%B3rio+Anual+de+-Gest%C3%A3o+2020.pdf/b6093f42-f425-7854-72d-9-5604cc8479a8?t=1718888512239
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. Os resultados indicaram que a distribuição de UBS-Sentinelas nas RS foi proporcional ao número de habitantes, observando-se maior número de UBS-Sentinela concentrado nas duas RS mais populosas: Sudoeste com 829.672 habitantes; e Oeste com 507.851 habitantes. Além disso, essas foram as regiões com maiores números de casos e óbitos33 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde. COVID-19 Painel Coronavirus [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 [acesso em 2023 set 19]. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/
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. De modo inverso, a RS Sul, que possui 272.959 habitantes, surgiu com o menor número de UBS-Sentinelas.

As UBS-Tradicional, por sua premissa estabelecida na Política Nacional da Atenção Básica (PNAB), tem como característica a assistência pautada nos princípios e diretrizes do SUS no que tange às atividades de promoção da saúde e de prevenção dos agravos. Estas, durante o período pandêmico, foram reestruturadas para a assistência imediata a fim de conter a doença com ofertas de serviços voltados quase exclusivamente para a covid-19 devido a sua alta incidência3232 Aleluia ÍRS, Vilasbôas ALQ, Pereira GE, et al. Gestão estadual da atenção primária à saúde em resposta à COVID-19 na Bahia, Brasil. Ciênc saúde coletiva. 2023;28(5):1341-1353. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232023285.12732022
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. No entanto, em 2023, haja vista o fim da emergência sanitária internacional, nas UBS-Tradicionais, ainda são ofertadas ações direcionadas à covid-19, mas com um olhar voltado ao manejo dela enquanto doença de notificação compulsória, cuja vacina agora integra o calendário do Programa Nacional de Imunização (PNI), e não mais o Plano Operacional de Vacinação Contra o Novo Coronavírus.

Ademais, devido à redução na incidência e no comportamento da doença, houve a retomada de diversos programas, serviços e oficinas, tanto para grupos específicos quanto para os usuários gerais3333 Ministério da Saúde (BR); Fundo Nacional de Saúde. Cartilha para apresentação de propostas ao Ministério da Saúde – 202 [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2023 [acesso em 2023 out 29]. 176 p. Disponível em: https://portalfns.saude.gov.br/wp-content/uploads/2023/03/CARTILHA_2023Jivro-digital.pdf
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. As UBS-Sentinela, por se destinarem a funcionar como observatório ativo da qualidade e da segurança de produtos e serviços independentemente da existência de pandemias, permanecem ativas. Dentre seus objetivos, podem-se citar o auxílio à melhoria contínua do gerenciamento de risco nos serviços de saúde e a contribuição para as atividades formativas de profissionais de saúde, tais como educação continuada e produção de conhecimento em seu escopo de ação3434 Ministério da Saúde (BR); Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 51, de 29 de setembro de 2014. Dispõe sobre a Rede Sentinela para o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. Diário Oficial da União, Brasília, DF [Internet]. 2014 out 1 [acesso em 2023 set 19]; Seção I:50-51. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2014/rdc0051_29_09_2014.html
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À época da pandemia da covid-19, ao registrar casos e monitorá-los, as UBS-Sentinelas subsidiaram a análise de tendência e o gerenciamento do risco de transmissão da doença. A OMS proveu os Estados-Membros, incluindo o Brasil, de orientações sobre preparação, prontidão e resposta, destacando a relevância de reforço aos sistemas nacionais existentes com vistas ao aumento da capacidade de vigilância3535 World Health Organization. Laboratory testing of 2019 novel coronavirus (2019-nCoV) in suspected human cases: interim guidance, 17 January 2020 [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [acesso em 2023 set 2]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/10665-331501
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.

No ano de 2020, o governo do DF emitiu a Nota Técnica nº 5, definindo os níveis de resposta do serviço da APS para enfrentamen-to da covid-19, como o monitoramento dos atendimentos por RS com objetivo de oportunizar resolução do caso e mitigar a doença, aumentar a capacidade de resposta, garantindo o acesso, o diagnóstico, o tratamento adequado e o encaminhamento de casos complexos para os outros níveis de assistência, além do telemonitoramento dos casos confirmados ou suspeitos. A capacidade diagnóstica se refere à resposta do sistema de saúde em se mobilizar de forma rápida diante de uma demanda aumentada advinda de necessidades em larga escala ou de emergência de saúde pública3636 Secretaria de Estado de Saúde (DF). Nota Técnica nº 5 de 02 de setembro de 2020 [Internet]. Distrito Federal: SES-DF; 2020 [acesso em 2023 set 19]. Disponível em: https://www.saude.df.gov.br/documents/37101/1264413/Nota-Te%CC%81cnica-NIVEIS-DE-RESPOSTA-APS.pdf
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A implementação de reorganização do trabalho e de aplicação dos testes diagnósticos exigiu capacitação dos profissionais de saúde da linha da frente em tempo hábil para minimizar os riscos a si mesmos e aos usuários1919 Oseni TIA, Agbede RO, Fatusin BB, et al. The role of the family physician in the fight against Coronavirus disease 2019 in Nigeria. Afr J Prim Health Care Fam Med. 2020;12(1):1-3. DOI: https://doi.org/10.4102/PHCFM.V12I1.2492
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,2020 Huston P, Campbell J, Russell G, et al. COVID-19 and primary care in six countries. BJGP Open. 2020;4(4):bjgpopen20X101128. DOI: https://doi.org/10.3399/bjgpopen20x101128
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. Os profissionais da saúde da APS se capacitaram em estratégias para conhecimento da síndrome gripal, medidas de controle de riscos de infecção, aperfeiçoamento sobre biossegurança, para investigação de casos suspeitos de infecção pelo Sars-CoV-2, educação em saúde na comunidade sobre medidas de proteção contra o vírus e procedimentos para assegurar a sua saúde durante a coleta e o manuseio das amostras causadoras de agravos à saúde3737 Vieira SL, Souza SG, Figueiredo CF, et al. Ações de educação permanente em saúde em tempos de pandemia: prioridades nos planos estaduais e nacional de contingência. Ciênc saúde coletiva. 2023;28(5):1377-1386. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232023285.11252022
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O treinamento em serviço por meio da reprodução de situações do ambiente real em um ambiente seguro é uma metodologia adequada para o preparo de profissionais no enfrentamento de doenças3838 Santos TM, Pedrosa RB, Carvalho DR, et al. Implementing healthcare professionals’ training during COVID-19: a pre and post-test design for simulation training. São Paulo Med J. 2021;139(5):514-519. DOI: https://doi.org/10.1590/1516-3180.2021.0190.R1.27052021
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. No entanto, considerando o contexto da pandemia de covid-19, que se apresentou com disseminação acelerada de casos e óbitos e com escassez de insumos e materiais, houve exigência de rápida adequação dos serviços de saúde. Isso fez com que a maioria das capacitações tenha ocorrido da forma on-line e autoinstrucional com a divulgação de notas técnicas e protocolos elaborados pela OMS e pela Secretaria de Estado de Saúde do DF. Esse desenvolvimento de normas, rotinas, protocolos e fluxos de atendimento dos serviços norteou a reorganização da oferta de cuidados nesse cenário3939 Silva VG, Silva BN, Pinto ÉS, et al. Trabalho do enfermeiro no contexto da pandemia de COVID-19. Rev Bras Enferm. 2021;74:e20200594. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0594
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e, provavelmente, teve implementação favorecida pelas equipes de Saúde da Família (eSF).

Apesar de as evidências apontarem a Estratégia Saúde da Família (ESF) enquanto ferramenta que favorece uma resposta organizada aos problemas de saúde na APS e à coordenação de cuidados e direcionamento a serviços especializados4040 Souza CDF, Gois-Santos VT, Correia DS, et al. The need to strengthen primary health care in Brazil in the context of the COVID-19 pandemic. Braz Oral Res. 2020;34:e047. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-3107bor-2020.vol34.0047
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, a APS do DF não contava com essa organização até 2017, quando foi implementado o ‘Converte APS’4141 Corrêa DSRC, Moura AGDOM, Quito MV, et al. Movimentos de reforma do sistema de saúde do Distrito Federal: a conversão do modelo assistencial da Atenção Primária à Saúde. Ciênc saúde coletiva. 2019;24(6):2031-2041. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232018246.08802019
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Entre outras ações, quando da efetivação do Converte APS, para além da capacitação dos profissionais em medicina da família e comunidade com vistas ao novo modo generalista de ofertar cuidados à população, houve expansão do horário de funcionamento das UBS em que havia quatro ou mais eSF (pela possibilidade de composição de escalas), passando para o período das 7h às 19h, ininterruptamente, e aos sábados, das 7h às 12h, com possibilidade de funcionamento até as 22h. Considerando que a pandemia teve seu início em 2020, pode-se inferir que a mudança de fluxos e rotinas impostos pelo Sars-CoV-2 encontrou uma APS mais bem direcionada aos conceitos de adscrição de clientela e de acompanhamento longitudinal, fundamentais à vigilância sentinela e ao manejo da covid-194141 Corrêa DSRC, Moura AGDOM, Quito MV, et al. Movimentos de reforma do sistema de saúde do Distrito Federal: a conversão do modelo assistencial da Atenção Primária à Saúde. Ciênc saúde coletiva. 2019;24(6):2031-2041. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232018246.08802019
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Outro ponto importante é que quase a totalidade dos enfermeiros afirmaram estar capacitados para a realização dos testes rápidos (e de coleta com swab), contribuindo para o diagnóstico precoce de casos suspeitos de covid-19, o rastreamento de contatos, além da realização de ações educativas. Nesse contexto, a enfermagem foi protagonista na organização dos serviços, na busca por provimento de insumos e materiais necessários, e na realização de capacitações com os demais profissionais da equipe para a realização de testes, manejo de insumos e amostras e atualização sobre vacinas3939 Silva VG, Silva BN, Pinto ÉS, et al. Trabalho do enfermeiro no contexto da pandemia de COVID-19. Rev Bras Enferm. 2021;74:e20200594. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0594
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. Profissionais médicos, assim como os demais trabalhadores da APS, tiveram seu processo de trabalho e cuidados ofertados modificados pela dinâmica da pandemia. Apesar de eles reconhecerem sua relevância no manejo de pacientes infectados, na prevenção à doença e na garantia da continuidade de tratamento para pacientes não infectados e de serem formados para atuar em situação de emergência, um estudo em São Paulo evidenciou que isso não foi suficiente para que se sentissem preparados para o enfrentamento da covid-194242 Fernandez M, Lotta G, Oliveira GSS. Por Trás da Máscara: Percepções dos Médicos que Atuam na Linha de Frente da Pandemia de COVID-19 no Estado de São Paulo. Nota Técnica n. 12 [Internet]. São Paulo: IEPS; 2020 [acesso em 2023 set 2]. Disponível em: https://ieps.org.br/wp-content/uploads/2021/11/IEPS_NT12_Medicos.pdf
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O enfrentamento dessa doença necessitou de insumos, de desenvolvimento de testes diagnósticos para detecção do Sars-CoV-2 por indústrias4343 Loeffelholz MJ, Tang YW. Laboratory diagnosis ofemerging human coronavirus infections-the state of the art. Emerg Microbes Infect. 2020;9(1):747-756. DOI: https://doi.org/10.1080/22221751.2020.1745095
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, da contribuição de instituições de ensino e pesquisa4444 Cavalcante FV, Oliveira A, Araujo SQ, et al. Testes diagnósticos nacionais: insumos essenciais para a vigilância sindrômica da Covid-19. Saúde debate. 2022;46(134):665-681. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104202213405
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, além da operacionalização laboratorial4545 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica: emergência de saúde pública de importância nacional pela doença pelo coronavírus 2019 – covid-19 [Internet]. Brasília, DF: MS; 2020 [acesso em 2023 set 21]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos/guia-de-vigilancia-epidemiologica-covid-19/
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. Os achados deste estudo evidenciam a importância dos insumos, do manejo e da definição dos fluxos das amostras para os laboratórios por parte da APS do DF, indo ao encontro de estudos de outros autores4646 Magno L, Rossi TA, Mendonça-Lima FW, et al. Desafios e propostas para ampliação da testagem e diagnóstico para COVID-19 no Brasil. Ciênc saúde coletiva. 2020;25(9):3355-3364. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.17812020
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, que reportaram o papel essencial da APS por sua capilarização no território brasileiro e pela sua capacidade de reorganização diante da crise sanitária, incrementando as ações de vigilância epidemiológica, com adequados acolhimento, rastreamento, diagnóstico e notificação dos casos de covid-19.

Neste estudo, constatou-se a existência de testes rápidos e testes swab em quantidades suficientes em mais de 60% das UBS do DF, corroborando as recomendações do Guia sobre Vigilância Integrada de Síndromes Respiratórias Agudas Doença pelo Coronavírus 2019, Influenza e outros vírus respiratórios4747 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em saúde. Doença pelo coronavírus Covid-19. Boletim Epidemiológico Especial nº 59 [Internet]. Semana Epidemiológica 8 (21 a 27/2/2021). 2021 [acesso em 2023 set 23]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/covid-19/2021/boletim_epidemiologico_covid_52_final2.pdf
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e da Nota Técnica nº 304848 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Departamento de Saúde da Família. Nota Técnica nº 30/2020 - DESF/SAPS/MS [Internet]. Brasília, DF: Desf; 2020 [acesso em 2023 set 22]. Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/image/?file=20200918_N_SEIMS-0016770158-NotaTecnica-rastreamento_5285531546089102408.pdf
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, em que se descrevem as ações da APS como ponto de partida para investigação dos casos de covid-19, diagnóstico por meio dos testes mencionados e acompanhamento dos usuários do serviço testados com resultado positivo para o Sars-CoV-2.

Os métodos diagnósticos utilizados para detecção da covid-19 na APS foram os testes rápidos presentes em dois tipos no mercado: I) que identificam proteínas na fase ativa da infecção, conhecidos como teste de antígeno; e II) os que detectam anticorpos como resposta imunológica do organismo quando exposto ao vírus, ambos denominados de métodos sorológicos. Houve, também, os métodos moleculares com a técnica de Transcriptase Reversa da Reação em Cadeia da Polimerase (RT-PCR), considerada padrão-ouro pela OMS3535 World Health Organization. Laboratory testing of 2019 novel coronavirus (2019-nCoV) in suspected human cases: interim guidance, 17 January 2020 [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [acesso em 2023 set 2]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/10665-331501
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devido às altas sensibilidade e especificidade e por possibilitar a identificação do RNA do vírus por meio da amplificação do ácido nucleico pela reação em cadeia da polimerase na amostra coletada pelo teste swab oral/nasal4949 Oliveira MAL, Watanabe ASA, Cesar DE, et al. Testes diagnósticos para o SARS-COV-2: uma reflexão crítica. Quím Nova. 2022;45(6):760-766. DOI: https://doi.org/10.21577/0100-4042.20170895
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Assim, somando-se à disponibilidade dos testes, destaca-se a relevância da existência de materiais e insumos, como geladeira, caixa isotérmica e gelo artificial reciclado rígido para manejo das amostras na APS, que vão ao encontro do preconizado pela OMS2323 World Health Organization. Global Influenza Surveillance and Response System (GISRS) sentinel surveillance for COVID-19: frequently asked questions (FAQ), 10 March 2022. Geneva: WHO; 2022. para o armazenamento das amostras coletadas pelo teste swab orofaríngeo e nasofaríngeo em temperatura em torno de 2-8 ºC. Ainda, na revisão de literatura de Loeffelholz et al.4343 Loeffelholz MJ, Tang YW. Laboratory diagnosis ofemerging human coronavirus infections-the state of the art. Emerg Microbes Infect. 2020;9(1):747-756. DOI: https://doi.org/10.1080/22221751.2020.1745095
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, que relataram a importância do manuseio da amostra para aumentar, foi constatada a chance de diagnóstico do marcador biológico analisado.

Este estudo apresenta limitações inerentes aos estudos transversais quanto à temporalidade da observação e à modalidade de coleta dos dados, que foi telefônica e por questionário de autopreenchimento, tendo-se obtidos dados referidos, haja vista a impossibilidade de fazê-la presencialmente devido ao cenário pandêmico.

Conclusões

Percebeu-se que a capacidade diagnóstica à covid-19 das UBS esteve atrelada a desafios relacionados com a testagem e o diagnóstico. Médicos foram os profissionais das UBS-Sentinela que referiram menor capacitação para realização dos testes quando comparados a enfermeiros e a técnicos em saúde bucal. Essa capacitação, para todos os profissionais estudados, ocorreu majoritariamente de forma autoinstrucional, com realização de cursos on-line e sob a forma de leitura de protocolos. Havia protocolos para manejo das amostras e fluxos para seu processamento; além disso, a comunicação com o Lacen-DF mostrou-se satisfatória uma vez que a maioria das amostras foi enviada oportunamente.

Os materiais e os insumos para coleta, armazenamento e processamento das amostras estavam disponíveis em quantidade suficiente, na maioria das vezes, nas UBS-Sentinela, a exemplo de etiquetas adesivas para identificação das amostras e geladeira.

Considerando que a APS é a ordenadora do cuidado nas Redes de Atenção à Saúde, contar com profissionais capacitados para a realização dos testes, para o manejo das amostras e para a articulação laboratorial; bem como ter insumos, materiais e equipamento disponíveis, fez com que o DF apresentasse capacidade adequada de diagnóstico para a covid-19.

Apesar de este estudo evidenciar resposta satisfatória no enfrentamento da pandemia de covid-19, faz-se necessário analisar as potencialidades e os desafios enfrentados pela APS do DF para que novas intervenções sejam implementadas em contexto de planejamento estratégico nos diferentes níveis de gestão local, com vistas ao preparo prévio a outras crises sanitárias que poderão surgir.

  • Suporte financeiro: a Secretaria de Saúde do Distrito Federal financiou o Programa QualisAPS e o trabalho de campo; a publicação contou com o apoio da Chamada Pública MCTI/CNPq/CT-Saúde/MS/SCTIE/Decit Nº 07/2020

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2024

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2023
  • Aceito
    14 Nov 2023
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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