Resumo
O objetivo deste ensaio teórico é discutir as condições de produção de vulnerabilidade e vulneração dos povos indígenas no Brasil no enfrentamento da coronavirus disease (Covid-19). Iniciamos por um panorama dos processos de negação de direitos e vulnerabilização que se intensificaram no governo Bolsonaro. Por fim, destacamos os componentes da vulnerabilidade e vulneração que afetam os povos indígenas brasileiros no enfrentamento da Covid-19. Os resultados mostraram que os povos indígenas têm múltiplas vulnerabilidades relacionadas aos seus contextos sócio-históricos e culturais que, no Brasil, são agravadas por uma política neocolonialista e autoritária. Concluímos que os povos indígenas brasileiros não estão apenas expostos à condição de vulnerabilidade, mas à vulneração frente à Covid-19. O estudo contribui para a compreensão das implicações da ausência de condições equitativas de proteção contra o coronavírus em relação à alta mortalidade dos indígenas devido à Covid-19.
Palavras-chave:
Direitos humanos; Povos Indígenas; Saúde de populações indígenas; Infecções por coronavírus.
Abstract
This theoretical essay aims to discuss the conditions of production of vulnerability and vulneration of indigenous peoples in Brazil coping with Covid-19. We begin with an overview of the processes of denial of rights and vulnerability that intensified in the Bolsonaro government. We finally highlight the components of vulnerability and vulneration that affect Brazilian indigenous peoples in confronting Covid-19. Results showed that indigenous peoples have multiple vulnerabilities related to their socio historical and cultural contexts, which in Brazil are aggravated by a neocolonialist and authoritarian politic. We clearly concluded that Brazilian indigenous peoples are not only exposed to the condition of vulnerability, but to vulneration facing with Covid 19. The study contributes for understanding the implications of the absence of equitable conditions of protection against the coronavirus regarding to the high mortality of indigenous people due to Covid-19.
Keywords:
Human rights; Indigenous peoples; Health of indigenous peoples; Coronavirus infections.
Introdução
No Brasil, desde 2004, o “Abril Vermelho” é reconhecido pelas lideranças indígenas como o mês da resistência indígena, em menção à contínua luta dos povos originários face ao crescimento das invasões nos territórios tradicionais e do desmatamento, ao aumento de assassinatos e criminalização de lideranças, ao desinvestimento e desmonte de políticas públicas indigenistas, entre outros desafios atuais à efetivação de seus direitos (CIMI, 2020CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO . Povos indígenas divulgam documento final do Acampamento Terra Livre 2020. Disponível em: https://cimi.org.br/2020/04/povos-indigenas-documento-final-atl-2020/ Acesso em: 13 jul. 2020.
https://cimi.org.br/2020/04/povos-indige... ). Para os indígenas, o direito de habitar na “Mãe Terra” garante que suas “cosmologias, visões de mundo e sabedorias possam interagir na superação da atual crise civilizatória ocidental que caminha para a destruição e a insustentabilidade” (ROCHA; PORTO, 2020, p. 10).
Desde 2020, o abril da resistência indígena foi marcado pela mobilização de diversas entidades de defesa dos povos indígenas, entre as quais a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Instituto Socioambiental (ISA) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Entre outras pautas, posicionaram-se contra a Medida Provisória 910, que legaliza a grilagem e expõe ainda mais os indígenas ao risco de contaminação pelo novo coronavírus, como também contra o Projeto de Lei 191, que pretende abrir terras indígenas à exploração de recursos naturais (APIB, 2020APIB. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Abril Vermelho. Programação capitaneada pela APIB para visibilizar as ameaças aos povos indígenas. 2020. Disponível em: Disponível em: http://emergenciaindigena.apib.info/abril-vermelho/ Acesso em: 13 jul. 2020.
http://emergenciaindigena.apib.info/abri... ).
Para além de suas implicações jurídicas e políticas, pretende-se problematizar como tais violações produzem a vulnerabilização e vulneração dos povos indígenas em contexto pandêmico, ao tempo em que todos os órgãos nacionais e internacionais de proteção aos direitos humanos afirmam em uníssono sobre a urgência de serem estabelecidas medidas protetivas às populações vulneráveis.
Em 1º de abril de 2020, de forma emblemática, foi noticiado pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas o primeiro caso confirmado da coronavirus disease 2019 (Covid-19) em território brasileiro. A primeira indígena a ter o diagnóstico da Covid-19 é uma mulher jovem da etnia Kokama que adquiriu a infecção por contaminação comunitária relacionada ao seu trabalho como agente indígena de saúde (AIS) nas comunidades do Alto Rio Solimões, no Estado do Amazonas (MADEIRO, 2020MADEIRO, C. Curada, primeira indígena com Covid ajuda seu povo em área crítica no AM. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/05/16/primeira-indigena-com-covid-ajuda-povo-kokama-etnia-com-mais-mortes-no-am Acesso em: 13 jul. 2020.
https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noti... ). Esse acontecimento apontou para a emergência de um novo ciclo de genocídio dos povos indígenas, visto que as invasões e crimes cometidos por madeireiros, garimpeiros e grileiros em territórios tradicionais foram intensificados desde o início do governo Bolsonaro ampliando exponencialmente o desmatamento das florestas e as violações do direito à terra e à vida.
Esse contexto aponta para uma sobreposição de crises para os povos indígenas que vem agravar a precariedade com que suas lutas por uma cidadania diferenciada vêm sendo tratadas pelo Estado brasileiro.
Nessa perspectiva, Caponi (2020CAPONI, S. Covid-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal. Estudos Avançados, v. 34, n.99, p. 209-23, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.013
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.... , p. 223) assume haver um continuum entre
[...] três grandes questões que antecedem à emergência da pandemia, mas que se agravaram no contexto da crise sanitária provocada pelo coronavírus. Elas são: questões epistemológicas vinculadas ao negacionismo científico; questões ético-políticas vinculadas aos direitos humanos; estratégias biopolíticas vinculadas à razão neoliberal.
Para Santos (2020SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.), trata-se de um contexto de crise anômala. O uso corrente do termo crise refere-se a uma situação excepcional e circunscrita no tempo que se contrapõe a uma situação de normalidade. No entanto, segundo o autor, desde a década de 1980, à medida que o capitalismo avançou para sua vertente neoliberal, em que a lógica estruturante é a do mercado, instaurou-se um estado de crise contínuo. Essa “crise” é marcada, entre outros aspectos, pelo desinvestimento em políticas públicas de saúde, educação, seguridade social e trabalho, com consequentes concentração de riqueza e exclusão social (SANTOS, 2020SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.). Outro aspecto é a sistemática desobediência às normas nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos (CAPONI, 2020CAPONI, S. Covid-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal. Estudos Avançados, v. 34, n.99, p. 209-23, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.013
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.... ; ORTEGA; ORSINI, 2020ORTEGA, F.; ORSINI, M. Governing Covid-19 without government in Brazil: Ignorance, neoliberal authoritarianism, and the collapse of public health leadership. Global Public Health, s.n. p .1-21, 2020. Doi: https://doi.org/10.1080/17441692.2020.1795223
https://doi.org/10.1080/17441692.2020.17... ).
Ambas as crises, atualmente sobrepostas, possuem um ponto de convergência que as elevou a um patamar de periculosidade inimaginável, causando impactos planetários: o fato de que a normalidade é a exceção que se torna em todos os lugares a regra (SANTOS, 2020SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.; AGAMBEN, 2002AGAMBEN, G. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 9-20). No estado de exceção, a despolitização da vida a torna vida matável, vida nua, destituída de valor. Nesses termos, embora o ordenamento jurídico tenha validade, não se aplica a todos os casos particulares (AGAMBEN, 2002AGAMBEN, G. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 9-20).
Nossa hipótese é que, nesse contexto, os povos originários estão em processo de vulnerabilização e vulneração, condicionados pela desigualdade social, negação de condições de equidade no acesso aos sistemas de saúde, a informações, às medidas preventivas e de proteção social, entre outros.
Vulneração refere-se a pessoas ou grupos fragilizados em relação aos seus direitos de cidadania, o que impõe o imperativo ético-político da sua defesa e proteção pelo governo federal e por toda sociedade (FAGUNDES, 2015FAGUNDES, V. F. Vulnerabilidade programática da atenção à saúde da criança Xavante no polo base Marãiwatsédé. 2015. 161 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva), Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, Mato Grosso, 2015. Disponível em: Disponível em: https://amazonianativa.org.br/wp-content/uploads/2016/05/Vulnerabilidade-programatica-da-atencao-saude-da-crianca-Xavante-no-polo-base-de-Maraiwatsede.pdf Acesso em: 17 jul. 2020.
https://amazonianativa.org.br/wp-content... ).
O aprofundamento das condições de vulnerabilidade dos povos indígenas no enfrentamento à Covid-19 revelou que os corpos indígenas são, em conjunto aos corpos racializados e sexualizados, os mais vulneráveis à epidemia. São corpos permanentemente vulneráveis, pois estão mais expostos à propagação do vírus e se encontram onde os cuidados de saúde têm dificuldade de chegar (SANTOS, 2020SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.).
Ante ao exposto, o objetivo do presente ensaio teórico é discutir as condições de produção da vulnerabilidade e da vulneração dos povos indígenas do Brasil face ao enfrentamento da Covid-19, tomando como referencial teórico os estudos de Ayres (2006)AYRES, J. R. de C. M. et al. Risco, Vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: Tratado de saúde coletiva [S.l: s.n.], 2009. Disponível em: Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/347426/mod_resource/content/1/risco_vulnearabilidade%20Ayres%20e%20cols.pdf Acesso em: 21 jul. 2020.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p... e Schramm (2017SCHRAMM, F. R. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc. Saúde Colet ., v. 22, n.5, p. 1531-38, 2017.doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017225.04532017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017225... , 2020SCHRAMM, F. R. A Bioética dos Vulnerados. Disponível em: Disponível em: http://www.bioetica.org.br/?siteAcao=Destaques&id=134 Acesso em: 24 jul. 2020.
http://www.bioetica.org.br/?siteAcao=Des... ). Para o alcance desse objetivo, serão problematizados, primeiro, os processos de negação de direitos e vulnerabilização que se intensificaram no governo Bolsonaro e segundo, os componentes da vulnerabilidade e da vulneração que incidem sobre os povos indígenas brasileiros no enfrentamento à Covid-19.
Políticas Anti-Indígenas e Estado de Exceção no Contexto da Covid-19
A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, serviu de arcabouço para o estabelecimento de novos marcos das relações entre o Estado, a sociedade e os povos originários no Brasil. No Capítulo VIII “Dos Índios” do Título VIII “Da Ordem Social”, estão enunciados os direitos constitucionais dos índios, como também em outros dispositivos legais complementares (BRASIL, 1988BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 14 jul. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con... ).
Uma importante inovação conceitual foi a definição do direito originário dos índios sobre suas terras, isto é, “anterior à criação do próprio Estado”, em vista do “reconhecimento de que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil” (ISA, 2018, p. 1INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL . Povos Indígenas no Brasil. Direitos Constitucionais dos Índios. 2018. Disponível em: Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Constituição Acesso em: 14 jul. 2020.
https://pib.socioambiental.org/pt/Consti... ). Conforme o caput do artigo 231 da Constituição, assegurou-se também aos povos indígenas o direito à diferença:
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (BRASIL, 1988BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 14 jul. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con... ).
O mesmo artigo em seu parágrafo 1º, assim definiu Terras Indígenas (TI):
São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (BRASIL, 1988, s/pBRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 14 jul. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con... ).
No entanto, passados 32 anos da legitimação de direitos dos povos originários, sob a influência de diversos contextos técnicos e políticos autoritários, persiste o grande desafio de garantir a efetividade dos direitos constitucionais nas políticas públicas indigenistas no contexto das relações dos povos indígenas com o Estado brasileiro (COELHO, 2015COELHO, E. M. B. Políticas públicas indigenistas em questão: o dilema do diálogo (im)possível. Revista de Políticas Públicas, v.7, n.2, 2003. Disponível em: Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rppublica/article/view/3743/1796 Acesso em: 12 maio 2021.
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br... ).
O governo Bolsonaro tem adotado posturas coloniais, vinculadas a aparatos ideológicos religiosos e neoliberais, contrários aos avanços nas políticas públicas indigenistas no Brasil, de forma que o ano de 2019 foi o marco de uma série de significativos retrocessos nessas políticas.
No início desse ano, o governo Bolsonaro promoveu uma reforma ministerial, através da Medida Provisória nº 870, que resultou na transferência da função de demarcação e de emissão de parecer em processos de licenciamento ambiental envolvendo TI da Fundação Nacional do Índio (FUNAI - órgão do Ministério da Justiça) para a Secretaria de Assuntos Fundiários do superministério da Agricultura (MAPA). Esse ministério passou a ser gerenciado pelos ruralistas, adversários históricos das demarcações e principal base do governo Bolsonaro (ISA, 2019INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL . Câmara aprova texto que retorna demarcações e Funai ao Ministério da Justiça. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/camara-aprova-texto-que-retorna-demarcacoes-e-funai-ao-ministerio-da-justica Acesso em: 12 maio 2021
https://www.socioambiental.org/pt-br/not... ).
Na sequência, o Projeto de Lei nº 191, que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas apenas com a anuência do Executivo e do Legislativo federal, evidenciou a postura colonialista que persiste desde o século XVII e que, em conjunto com o capitalismo e o patriarcado, são os principais modos de dominação nas sociedades ocidentais (ROCHA; PORTO, 2020; SANTOS, 2020SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.).
Imprime-se de forma rizomática em outras medidas que impactam os povos originários e tem contribuído decisivamente para o avanço do coronavírus em territórios tradicionais, a exemplo da redução do repasse de verbas para a Funai que, segundo o CIMI (2020), até junho de 2020, teve a mais baixa execução orçamentária para demarcação e regularização de TI dos últimos dez anos; da estagnação e redução progressiva dos investimentos em saúde e educação produzidas pela Emenda Constitucional nº 95; e dos impactos negativos da extinção do programa Mais Médicos sobre os indicadores de saúde das populações indígenas.
Todas essas medidas anti-indígenas descumprem normativas nacionais e internacionais de proteção aos povos tradicionais, principalmente por terem sido planejadas e executadas sem a participação e representatividade de lideranças indígenas. A fim de que se respeite a organização sociopolítica desses povos, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê a obrigatoriedade de consulta aos indígenas sobre medidas legislativas ou administrativas que os afetem diretamente (ROCHA; PORTO, 2020).
Para a contenção da pandemia, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recomendou, através da Resolução nº 1 de 2020, a adoção de medidas de isolamento horizontal, assim como medidas positivas de amparo para as populações vulneráveis, numa perspectiva de cooperação regional, internacional e global (CIDH, 2020COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados Americanos . Resolução nº 01 de 2020. Pandemia y Derechos Humanos en las Américas. Disponível em: Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/Resolucion-1-20-es.pdf Acesso em: 21 jul. 2020.
http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pd... ). Como medidas específicas de proteção aos povos indígenas essa resolução recomenda:
54. Proporcionar informação sobre a pandemia em seu idioma tradicional, estabelecendo quando for possível facilitadores interculturais que lhes permita compreender de maneira clara as medidas adotadas pelo Estado e os efeitos da pandemia. 55. Respeitar de forma irrestrita o não contato com os povos indígenas em isolamento voluntário, dado os graves impactos que o contágio do vírus poderia representar para sua subsistência e sobrevivência como povo. 56. Extremar as medidas de amparo dos direitos humanos dos povos indígenas [...], levando em consideração que esses grupos têm o direito de receber uma atenção de saúde com pertinência cultural, que tome em conta os cuidados preventivos, as práticas curativas e as medicinas tradicionais. 57. Abster-se de promover iniciativas legislativas e/ou avanços na implementação de projetos produtivos e/ou extrativos nos territórios indígenas durante o tempo em que dure a pandemia, em virtude da impossibilidade de levar adiante os processos de consulta prévia, livre e informada [...] (CIDH, 2020, p. 18COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados Americanos . Resolução nº 01 de 2020. Pandemia y Derechos Humanos en las Américas. Disponível em: Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/Resolucion-1-20-es.pdf Acesso em: 21 jul. 2020.
http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pd... ).
Mesmo em face a essas recomendações, o presidente Bolsonaro foi denunciado perante a CIDH no dia 5 de maio de 2020, por violações aos direitos humanos e proteção social das populações vulneráveis na pandemia da Covid-19. Nessas populações, a epidemia avançou da forma mais agressiva com maiores indicadores de letalidade (atingindo favelas, presídios, comunidades terapêuticas, casas de idosos, população de rua, população negra e povos indígenas).
Levantamento realizado pelo Programa Cidades Sustentáveis para o Mapa da Desigualdade entre as capitais brasileiras evidenciou que o número de pessoas abaixo da linha da pobreza é diretamente proporcional à taxa de mortalidade por Covid-19. “Em São Luís, Recife e Manaus, onde mais de 30% da população vive abaixo da linha da pobreza, foram registrados mais de 40 óbitos para cada 100 mil habitantes” (LORBADA, 2020LORBADA, J. Mapa da Desigualdade: renda e mortalidade por Covid-19 nas capitais brasileiras. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/noticia/detalhe/mapa-da-desigualdade-renda-e-mortalidade-por-covid-19-nas-capitais-brasileiras Acesso em: 29 jul. 2020.
https://www.cidadessustentaveis.org.br/n... , p. 1).
Segundo a APIB (2020)APIB. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Abril Vermelho. Programação capitaneada pela APIB para visibilizar as ameaças aos povos indígenas. 2020. Disponível em: Disponível em: http://emergenciaindigena.apib.info/abril-vermelho/ Acesso em: 13 jul. 2020.
http://emergenciaindigena.apib.info/abri... , estudos do Ministério da Saúde (MS) têm apontado uma taxa de letalidade pelo coronavírus de 9,6% entre os indígenas, enquanto na população em geral a taxa é de 4%.
As subnotificações pela insuficiência de testes sanguíneos para mapeamento das populações mais expostas ao vírus, tem sido indicada pelas entidades indigenistas como um dos principais fatores que limitam a abrangência e eficácia das estratégias de enfrentamento da pandemia nos Distritos Sanitários Especiais de Saúde Indígena (DSEIs).
Destaca-se a desinformação - com um chefe de Estado que contraria diariamente as recomendações das autoridades sanitárias do Brasil e do mundo, desestimula as pessoas à adoção de medidas preventivas, tais como o uso de máscaras, e defende o isolamento vertical, em contrário ao isolamento social horizontal, única medida considerada efetiva pela comunidade científica internacional para conter a transmissão do coronavírus (CAPONI , 2021CAPONI, S. et al. O uso político da cloroquina: Covid-19, negacionismo e neoliberalismo. Revista Brasileira de Sociologia, v. 9, n. 21, p. 78-102, 2021. doi: http://dx.doi.org/10.20336/rbs.774
http://dx.doi.org/10.20336/rbs.774... ).
O desrespeito às normativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e CIDH levou ainda à divulgação e estímulo à prescrição de terapêuticas de eficácia não comprovada para a Covid-19 como a Cloroquina® e Hidroxicloroquina® (FERRANTE; FEARNSIDE, 2020FERRANTE, L.; FEARNSIDE, P. M. Protect Indigenous peoples from Covid-19. Science, v.368, n. 6.488, p. 251, 2020. doi: https://doi.org/10.1126/science.abc0073
https://doi.org/10.1126/science.abc0073... ). Ata de uma reunião promovida pelo Ministério Público Federal em Roraima no dia 2 de julho de 2020, obtida pelo jornal O Globo atestou que a Cloroquina® faz parte de um kit enviado pelo MS para o tratamento da Covid-19 nos DSEIs. Entre os indígenas da etnia Xavante do Mato Grosso que morreram em virtude da Covid-19, havia indígenas que foram tratados com essa droga que tem sido associada a uma maior letalidade pelos graves efeitos adversos que provoca nos pacientes, a exemplo de arritmias cardíacas (SCHREIBER, 2020SCHREIBER, M. Por que Bolsonaro está sendo acusado de colocar indígenas em risco em meio à pandemia de Covid-19. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53375095 Acesso em: 16 jul. 2020.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53... ; CAPONI ., 2021CAPONI, S. et al. O uso político da cloroquina: Covid-19, negacionismo e neoliberalismo. Revista Brasileira de Sociologia, v. 9, n. 21, p. 78-102, 2021. doi: http://dx.doi.org/10.20336/rbs.774
http://dx.doi.org/10.20336/rbs.774... ).
Desde a demissão do ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta (MDB, MS), o MS passa por uma crise de liderança e de governança da saúde pública, ao que Ortega e Orsini (2020ORTEGA, F.; ORSINI, M. Governing Covid-19 without government in Brazil: Ignorance, neoliberal authoritarianism, and the collapse of public health leadership. Global Public Health, s.n. p .1-21, 2020. Doi: https://doi.org/10.1080/17441692.2020.1795223
https://doi.org/10.1080/17441692.2020.17... , p. 1) denominaram “governança sem governo (central)”. Bolsonaro tem praticado um “governo por ignorância (seletiva) das evidências e conhecimentos de saúde pública e um governo por exceção”, estratégias que se articulam na produção de “consequências devastadoras para as comunidades marginalizadas.” Uma “ignorância estratégica” respaldada pelo “poder de não fazer nada” que compõe uma política de morte (ORTEGA; ORSINI, 2020ORTEGA, F.; ORSINI, M. Governing Covid-19 without government in Brazil: Ignorance, neoliberal authoritarianism, and the collapse of public health leadership. Global Public Health, s.n. p .1-21, 2020. Doi: https://doi.org/10.1080/17441692.2020.1795223
https://doi.org/10.1080/17441692.2020.17... , p. 7).
Essa violação sistemática dos direitos reiterados pela CIDH e OMS, somada ao desmantelamento do ordenamento jurídico e institucional que permite o exercício dos direitos constitucionais conquistados pelos povos indígenas no processo democrático, revelou um aparato estatal produtor de vulnerabilidades e vulneração e resultou na negação de seus direitos humanos fundamentais. Uma relação de exceção, na qual se inclui unicamente pela exclusão (AGAMBEN, 2002AGAMBEN, G. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 9-20).
O estabelecimento de parâmetros e pautas sobre quem deve e quem não deve ser assistido, quem deve e quem não deve receber o auxílio emergencial, evoca decisões de vida e de morte e expõe as populações vulneráveis ao deixar morrer do estado de exceção. A oposição forjada entre defender a vida ou defender a economia como se pertencessem a polos antagônicos, entre outros aspectos, sustenta-se na ideologia neoliberal centrada na ideia do sujeito que assume e gere seus próprios riscos, e que transfere as responsabilidades para o plano individual (CAPONI, 2020CAPONI, S. Covid-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal. Estudos Avançados, v. 34, n.99, p. 209-23, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.013
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.... ).
A pandemia coloca frente a frente duas estratégias de gestão da pandemia: uma que aposta na defesa do direito à vida, à saúde, a uma morte digna, ciente de que só poderemos recuperar nossa economia já debilitada se aceitamos cuidar-nos entre todos. Outra, que reforça e reivindica uma lógica neoliberal na qual a preservação da economia antecede o cuidado com a saúde, como se fosse possível edificar uma economia sólida sobre cadáveres.
As estratégias que sistematicamente expõem as populações indígenas ao contagio e à morte possuem todas as características definidas por Achille Mbembe como necropolítica (MBEMBE, 2011). Nesse sentido, o ISA, através da Plataforma de Monitoramento da Situação Indígena na Pandemia de Covid-19 no Brasil apresenta uma linha do tempo com todas as ações e omissões do governo federal. A plataforma mostra como, desde o início da pandemia em 6 de março, quando se suspendem as ações assistenciais em TIs, as autoridades não só deixaram de agir para proteger os indígenas na pandemia, mas também tiveram colaboração direta e ativa na exposição a riscos de contaminação e ao aumento de casos de mortes evitáveis ocorridas nessas populações, chegando hoje (24/03/2022) ao número de 1.295 mortes evitáveis por Covid-19 notificadas e 70.102 casos confirmados (ISA, 2022INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL . Plataforma de monitoramento da situação indígena na pandemia do novo coronavirus (Covid-19) no Brasil. Disponível em: Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/ Acesso em: 23 mar. 2022.
https://covid19.socioambiental.org/... ).
A ação de grileiros e desmatadores, somada à devastação provocada pelos incêndios e a omissão de ações efetivas do governo federal para conter a epidemia, caracterizam a situação alarmante das comunidades indígenas como um verdadeiro genocídio perpetrado pelo Estado brasileiro (SURVIVAL INTERNATIONAL, 2020SURVIVAL INTERNATIONAL , 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.survivalinternational.org/ . Acesso em: 15 set. 2020.
https://www.survivalinternational.org/... ). Santos (2020SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020., p. 14) adverte que face a excepcionalidade que a pandemia representa, há dificuldades no presente e no futuro de distinguir entre “Estado democrático e Estado de exceção, mas também entre Estado de exceção democrático e Estado de exceção antidemocrático”.
É necessário refletir que, nesse caos pandêmico, não há salvação individual. Além do fato de que pudemos obter lições dos países asiáticos e europeus nos quais a epidemia se manifestou nos primeiros meses de 2020, centros de pesquisa nacionais e internacionais divulgaram estudos sobre o impacto da pandemia no Brasil. Tais estudos objetivaram contribuir para a construção de políticas públicas a partir de análises multicritério de vulnerabilidade à Covid-19.
O estudo de Benevenuto e Brandão (2020BENEVENUTO, R.; BRANDÃO, R. Análise multicritério da vulnerabilidade à pandemia de Covid-19 na Região Nordeste do Brasil. Recife, PE: Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, 2020.Disponível em: Disponível em: http://sudene.gov.br/images/arquivos/planejamento/odne/documentos/vulnerabilidade-covid19-2020-NE-benevenuto-brandao.pdf Acesso em: 17 jul. 2020.
http://sudene.gov.br/images/arquivos/pla... , p. 4) abordou “quatro dimensões de vulnerabilidade a pandemia de Covid-19 na região nordeste: grupos de risco; vulnerabilidade social; acesso a equipamentos de saúde e proximidade a focos de contágio”. Os resultados indicaram haver, em agrupamentos territoriais de larga extensão ao redor dos arranjos de Fortaleza-CE, Mossoró-RN, Recife-PE, João Pessoa-PB, Juazeiro-BA-Petrolina-PE e São Luís-MA, forte tendência de vulnerabilidade multidimensional a Covid-19 em curto prazo.
Segundo esses autores, os estudos epidemiológicos baseados na experiência de endemias e epidemias pelos vírus das arboviroses (dengue, zika vírus e o vírus da febre chikungunya) e pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), publicados nos últimos oito anos no Brasil, já haviam esclarecido que fatores relacionados à vulnerabilidade social (renda, saneamento básico, escolaridade, moradia) são fortes determinantes na velocidade de propagação desses vírus (BENEVENUTO; BRANDÃO, 2020BENEVENUTO, R.; BRANDÃO, R. Análise multicritério da vulnerabilidade à pandemia de Covid-19 na Região Nordeste do Brasil. Recife, PE: Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, 2020.Disponível em: Disponível em: http://sudene.gov.br/images/arquivos/planejamento/odne/documentos/vulnerabilidade-covid19-2020-NE-benevenuto-brandao.pdf Acesso em: 17 jul. 2020.
http://sudene.gov.br/images/arquivos/pla... ).
É irrefutável que a comunidade científica brasileira tem oferecido subsídios para que, em curto, médio e longo prazos, as medidas e os recursos para o enfrentamento dessa e de outras emergências de saúde pública “sejam aplicados de maneira assertiva e otimizada, baseando-se em evidências e em análises sistêmicas dos dados” através, por exemplo, de políticas públicas sociais e sanitárias (BENEVENUTO; BRANDÃO, 2020BENEVENUTO, R.; BRANDÃO, R. Análise multicritério da vulnerabilidade à pandemia de Covid-19 na Região Nordeste do Brasil. Recife, PE: Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, 2020.Disponível em: Disponível em: http://sudene.gov.br/images/arquivos/planejamento/odne/documentos/vulnerabilidade-covid19-2020-NE-benevenuto-brandao.pdf Acesso em: 17 jul. 2020.
http://sudene.gov.br/images/arquivos/pla... , p. 13).
Ante o exposto, faz-se necessário indagar a quem interessam a produção da vulneração e a persistência das vulnerabilidades que interpõem cada vez maiores obstáculos à superação das condições históricas de injustiça socioambiental, violência institucional, exclusão e invisibilidade política e social dos povos indígenas do Brasil?
Vulnerabilidade e vulneração dos povos indígenas na pandemia da Covid-19
A vulnerabilidade é um termo do vocabulário filosófico que se refere ao caráter perecível de todo o vivente. Para Hans Jonas (apudNEVES, 2006NEVES, P. M. Sentidos da vulnerabilidade: característica, condição, princípio. Revista Brasileira de Bioética, v. 2, n. 2, p.157-172, 2006. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/rbb/article/view/7966 Acesso em: 22 jul. 2020.
https://periodicos.unb.br/index.php/rbb/... , p. 164), uma vez que no plano ético o ser humano é o único capaz tanto de preservar como de destruir os recursos naturais, a condição universal de vulnerabilidade implica uma responsabilidade do e pelo outro. A ameaça de perecimento do existente se estende “a todos os viventes e seus habitats, num irrecusável alargamento da reflexão ética ao plano animal, vegetal e ambiental”. Ao mesmo tempo, não seria possível ao ser humano eximir-se de sua vulnerabilidade por lhe ser constitutiva e, portanto, substantiva.
Numa outra apropriação semântica, o termo vulnerabilidade passa a ter uma função adjetiva qualificadora de alguns grupos e pessoas que apresentam contextos contingentes e que se supõe provisórios (NEVES, 2006NEVES, P. M. Sentidos da vulnerabilidade: característica, condição, princípio. Revista Brasileira de Bioética, v. 2, n. 2, p.157-172, 2006. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/rbb/article/view/7966 Acesso em: 22 jul. 2020.
https://periodicos.unb.br/index.php/rbb/... ).
Ambas as perspectivas da noção de vulnerabilidade articulam-se de forma magistral no artigo 8º da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO, 2005, p. 1UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION . Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. 2005. Disponível em: Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/ Acesso em: 20 jul. 2020.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/... ), que toma por princípio o “Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade Individual” e garante que “[...] indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica devem ser protegidos e a integridade individual de cada um deve ser respeitada”.
No âmbito das políticas de saúde e de investigação, o princípio da vulnerabilidade exige, tanto no plano social interno como no internacional, que o benefício de alguns não seja alcançado pela exploração da fraqueza de outros, bem como a compreensão de que a melhoria do bem-estar de apenas alguns torna os restantes, marginalizados, ainda mais vulneráveis. Exige-se, então, que as políticas [...] e poderes econômicos multinacionais [...] não agravem a vulnerabilidade humana, mas, antes, procurem eliminá-la na medida do possível e respeitar no que escapa ao seu alcance (NEVES, 2006NEVES, P. M. Sentidos da vulnerabilidade: característica, condição, princípio. Revista Brasileira de Bioética, v. 2, n. 2, p.157-172, 2006. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/rbb/article/view/7966 Acesso em: 22 jul. 2020.
https://periodicos.unb.br/index.php/rbb/... , p. 169-170).
Por sua vez, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas assegura em seu artigo 7º que “1 - Os indígenas têm direito à vida, à integridade física e mental, à liberdade e à segurança pessoal” e ainda que “2 - Os povos indígenas têm o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como povos distintos, e não serão submetidos a qualquer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência[...]” (UNESCO, 2009, p. 17-18UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION . Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas: edição especial com perguntas e respostas. 2009. Disponível em: Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf Acesso em: 20 jul. 2020.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf... ).
Com base nesses princípios fundamentais da bioética e dos direitos humanos, é que se pretende contribuir para uma análise da vulnerabilidade e vulneração dos povos indígenas no Brasil à contaminação pelo coronavírus. Para tanto, é preciso considerar que, em diferentes regiões do país, podemos encontrar, segundo o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, cerca de 896 mil pessoas autodeclaradas indígenas. Os indígenas que residem em zona urbana perfazem 324.834 (36,2%) e em área rural 572 mil (63,8%). Entre os indígenas que residem em zona rural, 517 mil moravam em terras indígenas oficialmente reconhecidas (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA . Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: Disponível em: https://indigenas.ibge.gov.br/video-2.html. Acesso em: 16 fev. 2019.
https://indigenas.ibge.gov.br/video-2.ht... ).
Cada povo indígena caracteriza-se por relações diferenciadas com o território e a sociedade. A Funai (BRASIL, 2020, p. 1BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 14 jul. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con... ) define como "povos indígenas isolados", especificamente, “os grupos indígenas com ausência de relações permanentes com as sociedades nacionais ou com pouca frequência de interação, seja com não-índios, seja com outros povos indígenas”, a exemplo de muitos povos indígenas da Amazônia.
Há ainda povos indígenas que mantêm contato recente com as sociedades, os que vivem em contato antigo e intenso com os não-índios, além dos indígenas em contexto urbano, que buscam a reafirmação de seus direitos nesses “contextos ampliados de interação social indígena” (PAULA, 2017PAULA, L. R. de. Afirmação de direitos indígenas em contextos ampliados de interação social: referências bibliográficas e alguns problemas de investigação. Aracê - Direitos Humanos em Revista, São Paulo, v. 5, n. 4, p.295-322, fev. 2017.Disponível em: Disponível em: https://arace.emnuvens.com.br/arace/article/view/146 Acesso em: 05 jun. 2017.
https://arace.emnuvens.com.br/arace/arti... , 4). Em todos esses contextos, é dever do Estado brasileiro a sua proteção.
Para os indígenas isolados ou de contato recente, sua experiência de autossuficiência social e econômica os permite suprir de forma autônoma suas necessidades sociais, materiais ou simbólicas, levando-os a optar pelo não contato com outros grupos de indígenas ou não indígenas. A Funai não tem a obrigatoriedade de contatá-los, mas deve garantir sua proteção, inclusive por meio da restrição de ingresso de terceiros nessas áreas. Essas e outras ações protetivas devem estar integradas a outras medidas socioambientais de proteção das florestas, prevenção do desmatamento, queimadas e exploração extrativista (FUNAI, 2020FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO . Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato. 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/povos-indigenas-isolados-e-de-recente-contato Acesso em: 15 jul. 2020.
http://www.funai.gov.br/index.php/nossas... ).
Desde o mês de março, quando teve início a transmissão comunitária de Covid-19 no Brasil, as autoridades sanitárias, lideranças indígenas e entidades indigenistas alertaram o governo federal e a Funai sobre a inexistência de medidas de combate ao avanço da contaminação em territórios tradicionais nos planos de contingência. Em paralelo ao avanço da pandemia da Covid-19 no Brasil, seguiram-se os escândalos de repercussão internacional sobre o abandono das medidas de proteção ambiental (até então implantadas, em andamento e até certo limite bem-sucedidas) e a abertura do governo federal, no discurso e na prática, para a invasão e exploração de territórios de reservas florestais e indígenas.
Em consequência, com o avanço do contágio pelo interior dos estados, no mês de maio de 2020, constatou-se a entrada do vírus em comunidades tradicionais do norte ao sul do país, resultando na morte de muitos indígenas, dentre os quais, grandes lideranças e detentores de conhecimento tradicional. Esse crime contra os direitos humanos resultou na perda irreparável de seu patrimônio imaterial, natural e cultural (SCHREIBER, 2020SCHREIBER, M. Por que Bolsonaro está sendo acusado de colocar indígenas em risco em meio à pandemia de Covid-19. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53375095 Acesso em: 16 jul. 2020.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53... ).
No dia 8 de julho, quatro meses após a notificação do primeiro caso da Covid-19 no Brasil, as lideranças indígenas conseguiram vitória no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso Nacional em favor da adoção imediata de ações emergenciais. Por sua vez, o STF determinou que fossem tomadas medidas específicas para conter invasões em TI, criação de barreiras sanitárias para proteger indígenas isolados e que a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), ligada ao MS, atenda a todos os indígenas, incluindo os que estão em cidades e em terras não demarcadas (MADEIRO, 2020MADEIRO, C. Curada, primeira indígena com Covid ajuda seu povo em área crítica no AM. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/05/16/primeira-indigena-com-covid-ajuda-povo-kokama-etnia-com-mais-mortes-no-am Acesso em: 13 jul. 2020.
https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noti... ).
Em contrapartida, nessa mesma data, Bolsonaro uma vez mais violou as recomendações da CIDH e vetou trechos de uma nova lei que prevê medidas de proteção às comunidades indígenas, como a obrigação de garantir acesso à água potável, a itens de higiene e a oferta emergencial de leitos hospitalares e de unidade de terapia intensiva (UTI). O presidente também vetou a elaboração de planos de contingência voltados especificamente para os povos isolados ou de recente contato com a sociedade (MADEIRO, 2020MADEIRO, C. Curada, primeira indígena com Covid ajuda seu povo em área crítica no AM. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/05/16/primeira-indigena-com-covid-ajuda-povo-kokama-etnia-com-mais-mortes-no-am Acesso em: 13 jul. 2020.
https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noti... ).
Tais circunstâncias levaram Ferrante e Fearnside (2020FERRANTE, L.; FEARNSIDE, P. M. Protect Indigenous peoples from Covid-19. Science, v.368, n. 6.488, p. 251, 2020. doi: https://doi.org/10.1126/science.abc0073
https://doi.org/10.1126/science.abc0073... ) a considerar que, embora os grupos de risco para a Covid-19 sejam os idosos e as pessoas com comorbidades, no Brasil, faz-se necessário expandir a designação de grupo de risco para os povos indígenas. Os autores consideram que, além do fato de que o contato com os agentes patógenos tenha sido um dos mais impactantes fatores de risco que levaram povos indígenas da América do Sul a serem dizimados, o coronavírus ameaça essas comunidades de maneira específica, uma vez que o governo brasileiro as tem marginalizado e negligenciado.
O conjunto das práticas sanitárias, “entendidas como o conjunto de ações e de dispositivos específicos com os quais a sociedade responde aos problemas de saúde dos indivíduos e das populações humanas que a constituem”, deve ser concebido com base no princípio moral universal “de evitar o sofrimento evitável” (SCHRAMM, 2017SCHRAMM, F. R. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc. Saúde Colet ., v. 22, n.5, p. 1531-38, 2017.doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017225.04532017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017225... , p. 1.539).
No entanto, no contexto do capitalismo neoliberal, as políticas públicas de prevenção não têm alcançado aplicabilidade universal, uma vez que, apenas de forma efetiva e seletiva, garantem “a sobrevivência dos corpos socialmente mais valorizados, os mais aptos e os mais necessários para a economia. Outras vezes, limitam-se a esquecer ou negligenciar os corpos desvalorizados” (SANTOS, 2020SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020., p. 27).
Os povos indígenas, uma vez que habitam, em sua maioria, em regiões rurais, onde há baixas densidade e oferta de recursos tecnológicos em saúde, além do difícil acesso pela malha rodoviária e aquaviária, não apenas estão expostos à condição de vulnerabilidade, mas desprovidos das condições mínimas para cuidarem sozinhos das próprias vidas no cenário epidêmico. Nesse sentido, estão em situação de vulneração pois, segundo advoga Schramm (2020), os vulnerados são “os feridos”, no amplo sentido da palavra.
O líder indígena Eladio Kokama, da etnia Kokama no Alto Rio Solimões, Estado do Amazonas, em entrevista ao portal Universo on-line (UOL), explica que essa região é composta por sete municípios, que não dispõem de nenhum leito de UTI para tratar casos graves.
Nós aqui em Tabatinga estamos sentindo isso na pele. Só da minha aldeia já foram seis ou sete óbitos, mais os Kokama que moram nas cidades. Ninguém faz nada com isso. Até 2019 a gente tinha uma UTI. E hoje nós não estamos tendo isso pela burocracia do governo, pela burocracia da Justiça (MADEIRO, 2020MADEIRO, C. Curada, primeira indígena com Covid ajuda seu povo em área crítica no AM. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/05/16/primeira-indigena-com-covid-ajuda-povo-kokama-etnia-com-mais-mortes-no-am Acesso em: 13 jul. 2020.
https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noti... , p. 1).
Segundo a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI) detém a responsabilidade pela oferta da atenção básica (AB) à saúde através dos polo base nas TI. A rede de serviços de atenção à saúde indígena deve estar integrada, hierarquizada e articulada com a rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Cabe ao SUS a responsabilidade pela oferta dos serviços de saúde da média e alta complexidade, a exemplo de exames radiológicos, procedimentos cirúrgicos, internações hospitalares e em UTIs (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2 ed. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2002.40 p.).
Quando determinada demanda não puder ser atendida no grau de resolutividade do polo base, a exemplo dos internamentos para tratamento da Covid-19, deverá ser referenciada para a rede SUS, de acordo com a realidade de cada DSEI. Para que essa complementaridade entre o SASI e a rede SUS se estabeleça, faz-se imprescindível o planejamento de procedimentos de “referência, contrarreferência e incentivo a unidades de saúde pela oferta de serviços diferenciados com influência sobre o processo de recuperação e cura dos indígenas” (BRASIL, 2002, p.16BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2 ed. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2002.40 p.).
No entanto, o relato do líder Kokama acima apresentado evidencia que os povos indígenas brasileiros estão expostos a uma modalidade de vulnerabilidade definida como programática (ou institucional), que não opera isoladamente, mas de forma integrada e interdependente da individual e social, traduzindo-se em aspectos da vida das pessoas e de comunidades que as identifica com maior ou menor grau de susceptibilidade às morbimortalidades (AYRES , 2006AYRES, J. R. de C. M. et al. Risco, Vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: Tratado de saúde coletiva [S.l: s.n.], 2009. Disponível em: Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/347426/mod_resource/content/1/risco_vulnearabilidade%20Ayres%20e%20cols.pdf Acesso em: 21 jul. 2020.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p... ).
No dia 17 de maio de 2020, data de abertura da Assembleia Anual do povo Xukuru de Pesqueira, Pernambuco (PE), o Cacique Marcos Luidson e a enfermeira indígena Jaqueline Cordeiro Lopes, em entrevista ao Jornal do Comércio, discutiram outros aspectos da dimensão programática da vulnerabilidade dos povos tradicionais, expondo questões relacionadas a saúde, educação, bem-estar social e cultura, que atuam como elementos que reproduzem e aprofundam as condições de vulnerabilidade (GUARDA, 2020GUARDA, A. Índios fazem o seu próprio lockdown em Pernambuco. Jornal do Comércio. Caderno Economia de 17 de maio de 2020. Disponível em: Disponível em: https://jc.ne10.uol.com.br/economia/2020/05/5609516-indios-fazem-o-seu-proprio-lockdown-em-pernambuco.html Acesso em: 17 maio 2020.
https://jc.ne10.uol.com.br/economia/2020... ; AYRES , 2006AYRES, J. R. de C. M. et al. Risco, Vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: Tratado de saúde coletiva [S.l: s.n.], 2009. Disponível em: Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/347426/mod_resource/content/1/risco_vulnearabilidade%20Ayres%20e%20cols.pdf Acesso em: 21 jul. 2020.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p... ).
As dificuldades geradas pelo distanciamento geográfico entre as comunidades originárias e os centros urbanos onde se situam os serviços de saúde de referência; a necessidade de adequação dos hospitais e unidades de saúde do interior, segundo os novos protocolos técnicos para atendimento aos casos da Covid-19; a insuficiência de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para os profissionais de saúde dos polos base, assim como da rede SUS; a morosidade da Funai na transferência aos DSEIs dos R$ 11 milhões destinados às ações de prevenção e combate à Covid-19 e a ineficiência da SESAI, foram algumas lacunas institucionais destacadas (GUARDA, 2020GUARDA, A. Índios fazem o seu próprio lockdown em Pernambuco. Jornal do Comércio. Caderno Economia de 17 de maio de 2020. Disponível em: Disponível em: https://jc.ne10.uol.com.br/economia/2020/05/5609516-indios-fazem-o-seu-proprio-lockdown-em-pernambuco.html Acesso em: 17 maio 2020.
https://jc.ne10.uol.com.br/economia/2020... ).
Embora alguns veículos jornalísticos ponham em destaque a vulnerabilidade imunológica dos indígenas isolados e de recente contato ao coronavírus, há que se ter cautela para que essa forma de apresentar a questão do risco de contaminação não naturalize as múltiplas vulnerabilidades e os processos de vulneração que atingem os indígenas no Brasil, reduzindo uma questão ampla e complexa ao domínio biológico.
Uma parceria entre o ISA e a Universidade Federal de Minas Gerais tem se desenvolvido com o objetivo de composição de um indicador de vulnerabilidade das Terras Indígenas em relação à Covid-19. Trata-se de uma análise ampliada, composta por dados de vulnerabilidade social, disponibilidade de leitos hospitalares, números de casos por município, número de óbitos, perfil etário da população indígena, vias de acesso, mobilidade territorial e outros fatores relacionados ao SASI (APIB, 2020APIB. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Abril Vermelho. Programação capitaneada pela APIB para visibilizar as ameaças aos povos indígenas. 2020. Disponível em: Disponível em: http://emergenciaindigena.apib.info/abril-vermelho/ Acesso em: 13 jul. 2020.
http://emergenciaindigena.apib.info/abri... ).
Para Fagundes (2015FAGUNDES, V. F. Vulnerabilidade programática da atenção à saúde da criança Xavante no polo base Marãiwatsédé. 2015. 161 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva), Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, Mato Grosso, 2015. Disponível em: Disponível em: https://amazonianativa.org.br/wp-content/uploads/2016/05/Vulnerabilidade-programatica-da-atencao-saude-da-crianca-Xavante-no-polo-base-de-Maraiwatsede.pdf Acesso em: 17 jul. 2020.
https://amazonianativa.org.br/wp-content... , p. 14), “o conceito de vulnerabilidade, no campo da saúde, necessariamente deve ser respaldado por um conjunto de fatores [...] (complementares), de modo a subjetivar a saúde como um processo além do fazer técnico”. Dessa forma, a análise acurada desse conjunto de fatores que impõe aos povos indígenas uma vulnerabilidade ampliada poderá contribuir à superação dos problemas e dificuldades encontrados no âmbito do processo saúde-doença e de seus determinantes.
A agente indígena de saúde Suzane da Silva Pereira, da etnia Kokama, primeira indígena brasileira com exame positivo para a Covid-19, declarou em entrevista ao Portal UOL: “Meu povo me preocupava bastante, até porque não estava tendo informações” pois, no período em que esteve isolada para tratamento da infecção, os indígenas visitados por ela não receberam informações sobre as formas de contaminação e prevenção da Covid-19. Ressaltou a dificuldade de acesso a sinal de telefonia e internet na região onde vive, o que faz parte do dia a dia das populações indígenas, quilombolas e rurais (MADEIRO, 2020MADEIRO, C. Curada, primeira indígena com Covid ajuda seu povo em área crítica no AM. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/05/16/primeira-indigena-com-covid-ajuda-povo-kokama-etnia-com-mais-mortes-no-am Acesso em: 13 jul. 2020.
https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noti... , p.1).
Na análise da dimensão individual da vulnerabilidade, considera-se que todos os indivíduos são susceptíveis ao adoecimento e à exposição a agentes infecciosos, a depender do quanto ou como seu modo de vida favoreça se expor ou não ao agente causador. Para seu enfrentamento, destaca-se a importância de que as pessoas tenham acesso a informações em qualidade e quantidade suficientes para que possam, “elaborar e incorporar aos seus interesses, possibilidades efetivas de transformar essas preocupações em práticas de prevenção” (AYRES ., 2006, p.5AYRES, J. R. de C. M. et al. Risco, Vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: Tratado de saúde coletiva [S.l: s.n.], 2009. Disponível em: Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/347426/mod_resource/content/1/risco_vulnearabilidade%20Ayres%20e%20cols.pdf Acesso em: 21 jul. 2020.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p... ).
A educação indígena destaca-se por seu papel emancipatório, ao proporcionar a construção de uma consciência crítica e cidadã que permita a percepção dos contextos desfavoráveis, a construção de trajetórias pessoais e grupais que resultem na transformação de suas relações e no interesse em buscar alternativas de superação das condições de vulnerabilidade (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2 ed. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2002.40 p.; AYRES ., 2006AYRES, J. R. de C. M. et al. Risco, Vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: Tratado de saúde coletiva [S.l: s.n.], 2009. Disponível em: Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/347426/mod_resource/content/1/risco_vulnearabilidade%20Ayres%20e%20cols.pdf Acesso em: 21 jul. 2020.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p... ).
A dimensão social da vulnerabilidade, por sua vez, transcende os espaços individuais para os aspectos materiais, culturais, políticos, morais e ambientais que dizem respeito à vida em sociedade. Nakamura et al. (2009 apudFAGUNDES, 2015FAGUNDES, V. F. Vulnerabilidade programática da atenção à saúde da criança Xavante no polo base Marãiwatsédé. 2015. 161 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva), Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, Mato Grosso, 2015. Disponível em: Disponível em: https://amazonianativa.org.br/wp-content/uploads/2016/05/Vulnerabilidade-programatica-da-atencao-saude-da-crianca-Xavante-no-polo-base-de-Maraiwatsede.pdf Acesso em: 17 jul. 2020.
https://amazonianativa.org.br/wp-content... ) assinalam que a vulnerabilidade social pode ser entendida como uma dimensão oriunda de processos de exclusão, discriminação, invisibilidade, violência ou do enfraquecimento dos grupos sociais no que se refere à capacidade de enfrentamento dessas condições.
A América é um território de grandes disparidades e de profundas inequidades sociais, caracterizado por pobreza e riqueza extremas, por dificuldades de acesso a um sistema de saúde universal, como também por deficiências em relação a saneamento básico, acesso a água potável, precariedade laboral, entre outros (CIDH, 2020COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados Americanos . Resolução nº 01 de 2020. Pandemia y Derechos Humanos en las Américas. Disponível em: Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/Resolucion-1-20-es.pdf Acesso em: 21 jul. 2020.
http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pd... ).
Em estudo sobre o papel dos AIS entre os Kaingang da TI Xapecó e da TI Laklãnõ, situadas no âmbito do DSEI Interior Sul, Estado de Santa Catarina, Langdon e Diehl (2007LANGDON, E. J.; DIEHL, E. E. Participation and Autonomy in the Intercultural Contexts of Indian Health: reflections from southern Brazil. Saúde Soc. São Paulo, v.16, n.2, p.19-36, 2007.) retratam que esses indígenas tiveram contato intenso com a sociedade não indígena subjacente, de forma que se apropriaram de valores, do uso de objetos e de práticas da cultura popular (de alimentação, saúde e religião). Mesmo assim, na convivência com colonos e fazendeiros de origem alemã e italiana, preservaram sua identidade étnica e cosmovisão com raízes na cultura autóctone.
Sua vulnerabilidade social é comum a muitas outras comunidades indígenas que têm suas TI próximas às cidades, como também aos indígenas em contexto urbano, que passaram por processos de desterritorialização. Ao deixar sua TI, os indígenas de modo geral vão viver nas periferias das cidades onde se sobrepõe um conjunto de lacunas programáticas, compondo um ciclo vicioso de determinantes e condicionantes de saúde, somados à exclusão e invisibilidade de ser indígena em contexto urbano. Marginalizados e pobres, é comum sofrerem com doenças endêmicas e carenciais devido a condições sanitárias insatisfatórias. De acordo com Santos (2020SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020., p. 18), somam-se aos que “habitam na cidade sem direito à cidade, já que vivem em espaços desurbanizados, sem acesso às condições urbanas pressupostas pelo direito à cidade”.
Para os povos que habitam as cidades ou que vivem em TIs contíguas às cidades, o contágio pela Covid-19 tem se dado pelos deslocamentos às e nas cidades para o atendimento a suas necessidades básicas, como a compra de alimentos e medicamentos, trabalho, atendimentos de saúde e acesso a agências bancárias para recebimento de benefícios sociais. Em Pernambuco, a situação mais crítica foi a do povo Fulni-ô, do município de Águas Belas. Esse município está situado na região agreste do Estado e a cidade se desenvolveu no entorno da TI Fulni-ô, de forma que é difícil estabelecer um limite de circulação de pessoas entre a TI e a cidade.
Para o povo Xukuru, o avanço do contágio ocorreu através de um grupo de indígenas que trabalha num mesmo abatedouro no município de Pesqueira, também no agreste de PE. Face à omissão das autoridades públicas, as lideranças do povo Xukuru estabeleceram seu próprio lockdown, a fim de conter o avanço da Covid-19 em seu território tradicional. Essa medida de enfrentamento também foi adotada por lideranças de outras TI brasileiras (GUARDA, 2020GUARDA, A. Índios fazem o seu próprio lockdown em Pernambuco. Jornal do Comércio. Caderno Economia de 17 de maio de 2020. Disponível em: Disponível em: https://jc.ne10.uol.com.br/economia/2020/05/5609516-indios-fazem-o-seu-proprio-lockdown-em-pernambuco.html Acesso em: 17 maio 2020.
https://jc.ne10.uol.com.br/economia/2020... ).
O deslocamento dos indígenas de suas TI para as cidades é motivado pela supervalorização do trabalho urbano face a subvalorização do trabalho rural, cada vez menos rentável. Entre as causas para essa decisão, estão esbulhos das terras, perseguições, violências e/ou condições climáticas relacionadas a longas estiagens e secas (SIMONI; DAGNINO, 2016SIMONI, A. T. S.; DAGNINO, R. de S. Dinâmica demográfica da população indígena em áreas urbanas: o caso da cidade de Altamira, Pará. R. bras. Est. Pop. Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, p. 303-326, 2016 doi: http://dx.doi.org/10.20947/s0102-30982016a0020.
https://doi.org/10.20947/s0102-30982016a... ).
Os estudos de Rocha e Porto (2020) com a etnia Munduruku, no médio Tapajós, Estado do Pará, discutem a dimensão socioambiental das vulnerabilidades produzidas pelo extrativismo mineral, agronegócio e hidrelétricas em TI. O garimpo e a mineração impactam de forma direta e indireta as TI. Os impactos diretos são a perda do território, o desmatamento, a diminuição das terras agricultáveis e a redução na variedade e disponibilidade de caça e outros frutos da floresta. No caso do garimpo, o uso de mercúrio nos processos de concentração do ouro contamina rios, peixes e as águas, importantes para sua alimentação e autocuidado à saúde.
De forma indireta, essas atividades abrem caminho para economias informais, marginais e ilegais que intensificam os processos de vulneração e violência, a exemplo do comércio de ouro, armas, drogas e a prostituição. Para que as atividades extrativistas se desenvolvam, é necessária a instalação de uma cadeia produtiva complexa que vai da extração à exportação, o que tem gerado uma rede de conflitos ambientais que vulnerabiliza vários povos e territórios simultaneamente (ROCHA; PORTO, 2020).
Ante a inexistência de condições equânimes de proteção contra o coronavírus, as comunidades vulneráveis de favelas, indígenas, quilombolas, imigrantes, sem teto, entre outras, desenvolveram suas próprias estratégias de gestão social que estimulam o Bem Viver, a defesa do direto à vida, do direito à saúde e do direito a uma morte digna (ORTEGA; ORSINI, 2020ORTEGA, F.; ORSINI, M. Governing Covid-19 without government in Brazil: Ignorance, neoliberal authoritarianism, and the collapse of public health leadership. Global Public Health, s.n. p .1-21, 2020. Doi: https://doi.org/10.1080/17441692.2020.1795223
https://doi.org/10.1080/17441692.2020.17... ). Têm emergido em diferentes contextos do heterogêneo tecido social brasileiro, novas formas de solidariedade e ajuda mútua que buscam aplacar a ausência e negligência deliberada dos atores governamentais.
Em face à urgência no estabelecimento de estratégias de enfrentamento à pandemia do coronavírus, os povos indígenas brasileiros, marcadamente os que vivem em territórios tradicionais, têm implementado barreiras sanitárias e lockdowns, monitorado o acesso às TIs e o número de casos de indígenas contaminados de forma complementar aos órgãos de vigilância sanitária, além de criar seus próprios “hospitais de campanha”. Tem havido também a mobilização junto a sociedade civil para doação de valores em dinheiro ou mantimentos, e a distribuição de kits de higiene, água potável e alimentos para famílias indígenas. A APIB tem atuado como coordenadora dessas ações estratégicas (ORTEGA; ORSINI, 2020ORTEGA, F.; ORSINI, M. Governing Covid-19 without government in Brazil: Ignorance, neoliberal authoritarianism, and the collapse of public health leadership. Global Public Health, s.n. p .1-21, 2020. Doi: https://doi.org/10.1080/17441692.2020.1795223
https://doi.org/10.1080/17441692.2020.17... ).
Apesar da importância dessas estratégias de mobilização comunitária que de fato reduziram o impacto da ausência das políticas públicas protetivas estatais nos indicadores sanitários, essas ações são pontuais e não sistemáticas.
Face à complexidade desse fenômeno da insuficiência das políticas públicas ante a amplificação das condições de vulnerabilidade e de vulneração dos povos indígenas, uma perspectiva promissora é a da Bioética da Proteção (BP). Essa proposição foi construída na América Latina para poder pensar os conteúdos e práticas das políticas públicas de saúde. Em seu horizonte, a BP aponta para a necessidade de desenvolver
[...] um pensamento moral para o estado de desigualdade em que a humanidade sempre tem vivido e devendo-se reconhecer a proteção como uma ética para a desigualdade, o que implicaria uma agenda moral consciente de que os anelos de igualdade e autonomia passam por um apoio que permita empreender o caminho até a equanimidade (SCHRAMM, 2017SCHRAMM, F. R. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc. Saúde Colet ., v. 22, n.5, p. 1531-38, 2017.doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017225.04532017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017225... , p. 1.536).
Segundo o autor, não se trata de reforçar o paternalismo, mas de compreender a proteção em seu duplo sentido negativo e positivo, isto é, proteção contra ameaças e proteção em prol do autodesenvolvimento das possibilidades de cada sujeito autônomo em assumir sua vida e seu destino.
À guisa de conclusão
As mortes por Covid-19 no Brasil atingiram na data da revisão final deste texto, segundo o MS, 657.998 pessoas na população geral. Segundo a APIB, houve 1295 mortes de indígenas em 162 povos afetados (até 23 de março de 2022).
Sobre os povos indígenas incidem múltiplas vulnerabilidades relacionadas a seus contextos sócio-históricos e culturais que, no enfrentamento da Covid-19, são agravadas, ampliadas e aprofundadas por um contexto político neocolonialista e autoritário. Essas vulnerabilidades apresentam-se nas dimensões individual, social, programática (institucional) e socioambiental e operam em interdependência.
A vulneração dos indígenas se caracteriza pela intensificação de invasões e crimes cometidos por madeireiros, garimpeiros e grileiros em territórios tradicionais, pela devastação provocada pelos incêndios e desmatamento das florestas, pela insuficiência ou inexistência de políticas públicas sociais protetivas e pela omissão do governo federal em implementar ações efetivas de contenção da epidemia.
O enfrentamento ao contexto de crise face a pandemia da Covid-19 poderá oportunizar o realinhamento de políticas sociais e econômicas de proteção aos grupos vulneráveis. No entanto, até o presente, o governo federal brasileiro tem sido negligente em estabelecê-las. Em contrário, tem reafirmado sua opção por uma política anti-indígenas, racista, genocida e etnocida que está alinhada a políticas neoliberais, às ideologias ultraconservadoras e ao negacionismo científico.
Na arena dos movimentos indigenistas, têm crescido as mobilizações e lutas em favor da proteção de seus direitos que indicam alternativas viáveis para o futuro do país sob a égide de uma ética planetária.
Nessa direção, o paradigma da Bioética da Proteção contribui para pensar caminhos de superação da noção de cidadania igualitária e universal dos povos indígenas que compõe o escopo dos direitos constitucionais no Brasil e que não tem efetivamente sanado os conflitos de interesses entre o Estado brasileiro e seus povos originários, nem tampouco permitido o alcance de uma cidadania diferenciada.11V. F. B. Barbosa e S. Caponi: elaboração do ensaio teórico, redação e revisão final do manuscrito.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), pelo apoio através do Programa de Cooperação Internacional CAPES COFECUB.
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- 1V. F. B. Barbosa e S. Caponi: elaboração do ensaio teórico, redação e revisão final do manuscrito.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
06 Jul 2022 - Data do Fascículo
2022
Histórico
- Recebido
03 Nov 2020 - Revisado
13 Maio 2021 - Aceito
09 Jul 2021