Resume
O papel que a ciência tem cumprido em relação à pandemia da Covid-19 está em franca discussão no Brasil e no mundo. Considerando a necessidade de aprofundar o debate sobre as concepções de ciência no presente contexto, assim como suas consequências, o objetivo deste ensaio é discutir, a partir de referenciais da epistemologia, o problema da demarcação entre ciência e não ciência, os programas de pesquisa científica e o negacionismo na pandemia. Na primeira parte do texto, apresenta-se a discussão da demarcação entre ciência e não ciência, com destaque para a proposição do filósofo Imre Lakatos sobre os programas de pesquisa científica e sua relação com as pesquisas sobre a Covid-19. Na segunda parte, argumenta-se sobre o negacionismo na pandemia da Covid-19 e sua relação com a necropolítica e o neofascismo. Por fim, discute-se a necessidade de incorporação da interdisciplinaridade, participação ativa dos sujeitos e garantia dos direitos humanos em programas de pesquisa científica sobre a Covid-19, assim como em outros temas de saúde pública.
Palavras-Chave:
Covid-19; Epistemologia; Programa de Pesquisa Científica; Negacionismo; Interdisciplinaridade
Abstract
The role that science has played in relation to the Covid-19 pandemic is in frank discussion in Brazil and in the world. Considering the need to deepen the debate on the conceptions of science in the present context, as well as its consequences, this essay aims to discuss, from epistemological references, the problem of the demarcation between science and non-science, scientific research programs and denialism in the pandemic. In the first part of the text, the discussion of the demarcation between science and non-science is presented, with emphasis on the proposition of philosopher Imre Lakatos on scientific research programs and their relationship with research on Covid-19. In the second part, an argument is made about denialism in the Covid-19 pandemic and its relationship with necropolitics and neo-fascism. Finally, the need to incorporate interdisciplinarity, the active participation of subjects and the guarantee of human rights in scientific research programs on Covid-19, as well as in other public health topics, is discussed.Resumo: O papel que a ciência tem cumprido em relação à pandemia da Covid-19 está em franca discussão no Brasil e no mundo. Considerando a necessidade de aprofundar o debate sobre as concepções de ciência no presente contexto, assim como suas consequências, o objetivo deste ensaio é discutir, a partir de referenciais da epistemologia, o problema da demarcação entre ciência e não ciência, os programas de pesquisa científica e o negacionismo na pandemia. Na primeira parte do texto, apresenta-se a discussão da demarcação entre ciência e não ciência, com destaque para a proposição do filósofo Imre Lakatos sobre os programas de pesquisa científica e sua relação com as pesquisas sobre a Covid-19. Na segunda parte, argumenta-se sobre o negacionismo na pandemia da Covid-19 e sua relação com a necropolítica e o neofascismo. Por fim, discute-se a necessidade de incorporação da interdisciplinaridade, participação ativa dos sujeitos e garantia dos direitos humanos em programas de pesquisa científica sobre a Covid-19, assim como em outros temas de saúde pública.
Keywords:
Covid-19; Epistemology; Scientific Research Program; Interdisciplinarity
Introdução
A pandemia do coronavírus SARS-CoV-2 e da Covid-19 acentuou diversos problemas sociais, característicos da sociedade capitalista contemporânea, particularmente na sociedade brasileira: desigualdade social profunda, fome, desemprego, violência, autoritarismo, racismo, feminicídio, LGBTQIA+fobia, degradação do meio ambiente, entre outros. Surge um novo cenário social mais dramático e desafiador (CAPONI, 2021CAPONI, S. Biopolítica, necropolítica e racismo na gestão do covid-19. Porto das Letras, v. 7, n. 2, p. 22-43, 9 abr. 2021.; NEVES et al., 2021NEVES, J. A. et al. Unemployment, poverty, and hunger in Brazil in Covid-19 pandemic times. Revista de Nutrição, v. 34, 2 jun. 2021.; OLIVEIRA; CARVALHO; JESUS, 2020OLIVEIRA, F. A. G.; CARVALHO, H. R. DE; JESUS, J. G. DE. LGBTI+ em tempos de Pandemia da Covid-19. DIVERSITATES International Journal, v. 12, n. 1, p. 60-94, 21 jun. 2020.; SOUSA et al., 2020NEVES, J. A. et al. Unemployment, poverty, and hunger in Brazil in Covid-19 pandemic times. Revista de Nutrição, v. 34, 2 jun. 2021.; SUNDE; SUNDE; ESTEVES, 2021SOUSA, T. C. M. et al. Covid-19 e queimadas na Amazônia Legal e no Pantanal: aspectos cumulativos e vulnerabilidades. Rio de Janeiro: Observatório de Clima e Saúde do Icict/Fiocruz, 2020.).
Questionamentos impõem-se à comunidade científica sobre como lidar com a pandemia e suas consequências, entre eles, um dos elementos de reflexão é o papel da ciência em meio a essa tragédia sanitária mundial.
Na passagem do século XIX para o XX, com a emergência da epidemiologia e da microbiologia, a ciência, enquanto atividade social produtora de conhecimento e tecnologia, constituiu-se como um componente fundamental nas ações de saúde pública em diferentes escalas – regionais, nacionais e internacionais (ROSEN, 1994ROSEN, G. Uma história da saúde pública. São Paulo: Unesp, 1994.). Com a atual pandemia não foi diferente, desde o início da epidemia em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, a identificação do novo vírus e a certificação da pandemia em março de 2020, a ciência tem sido um campo central para a compreensão das características e comportamentos do vírus, assim como na formulação de medidas de controle da transmissão e no tratamento e prevenção da doença (CUCINOTTA; VANELLI, 2020CUCINOTTA, D.; VANELLI, M. WHO Declares COVID-19 a Pandemic. Acta Biomedica Atenei Parmensis, v. 91, n. 1, p. 157-160, 19 mar. 2020.).
As áreas das ciências tradicionalmente envolvidas em estudo de doenças e epidemias infecciosas (epidemiologia, infectologia, virologia e imunologia) ganharam maior notoriedade e investimento, por serem centrais na definição das medidas de contenção da transmissão do vírus, com destaque para a produção de vacinas.
O ineditismo do impacto socioeconômico sistêmico que esta pandemia provocou, fez instituições privadas e estatais, movimentos sociais, entre outros grupos sociais de todo o mundo acionarem o conjunto da comunidade acadêmica internacional. Ocorreu extraordinária mobilização global das diversas disciplinas e áreas do conhecimento, e de seus respectivos pesquisadores, para estudar e produzir conhecimentos e tecnologias relacionados ao contexto da pandemia (LORUSSO; INCHINGOLO; SCARANO, 2020LORUSSO, F.; INCHINGOLO, F.; SCARANO, A. The impact of Covid-19 on the scientific production spread: a five-month bibliometric report of the worldwide research community. Acta Medica Mediterranea, n. 6, p. 3357–3360, 1 dez. 2020.). Nesse universo da pesquisa científica, é possível identificar a multiplicidade de concepções científicas em ação, nos quais refletem na produção de conhecimentos e práticas diversificadas e interdisciplinares, que dependendo das áreas de conhecimento e das abordagens científicas adotadas, também podem se apresentar como divergentes (FORTALEZA, 2021FORTALEZA, C. M. C. B. Emergency science: Epistemological insights on the response to COVID-19 pandemics. Infection Control & Hospital Epidemiology, v. 42, n. 1, p. 120-121, jan. 2021.).
Nunca se viu tamanha cobertura midiática em torno da produção científica, a partir da pandemia (BARBOSA FILHO, 2020). Questões específicas do meio científico – como a relação da ciência com a política e a economia, a questão das patentes de vacinas e fármacos, as controvérsias e disputas de narrativas e as construções de consensos entre cientistas, entre outros – ficaram mais evidentes para o público. Ressalta-se o papel da internet e das redes sociais na circulação de informações científicas sobre a pandemia, com destaque para a problemática do grande volume de fake news produzidas e circuladas nestes meios, descrita como infodemia (GALLOTTI et al., 2020GALLOTTI, R. et al. Assessing the risks of ‘infodemics’ in response to COVID-19 epidemics. Nature Human Behaviour, v. 4, n. 12, p. 1285-1293, dez. 2020.).
Nas ações governamentais voltadas para o controle da pandemia e suas consequências, observou-se grande variedade de abordagens que, dependendo do regime político-econômico em cada região, aproximavam-se ou distanciavam-se das recomendações elaboradas pelas instituições sanitárias e de pesquisa (ESPERIDIÃO et al., 2021). No caso do Brasil, parte significativa dos(as) pesquisadores(as) foram totalmente ou parcialmente ignorados(as) por governantes, casas legislativas e judiciário. De modo a favorecer o enriquecimento de algumas corporações, em detrimento da vida da população do país, poderes do Estado utilizam discursos revestidos como “científicos” para justificar suas ações sobre a pandemia. Conceitos como “negacionismo” e “necropolítica”, por exemplo, foram utilizados para caracterizar o cenário político brasileiro em relação a pandemia (ALMEIDA-FILHO, 2021ALMEIDA-FILHO, N. Pandemia de Covid-19 no Brasil: equívocos estratégicos induzidos por retórica negacionista. In: Principais elementos. Coleção Covid-19. Brasília, DF: CONASS, 2021. v. 1.; CAPONI, 2021CAPONI, S. Biopolítica, necropolítica e racismo na gestão do covid-19. Porto das Letras, v. 7, n. 2, p. 22-43, 9 abr. 2021.).
A ciência e o papel que ela tem cumprido em relação à pandemia, portanto, está em franca discussão, de tal modo que se torna uma oportunidade para discutirmos com mais profundidade as concepções de ciência no presente contexto, assim como suas consequências. O objetivo deste ensaio é discutir, a partir de referenciais da epistemologia, o problema da demarcação entre ciência e não ciência, os programas de pesquisa científica e o negacionismo na pandemia.
O que é ciência? Um pouco de filosofia para aprofundar nosso debate
Dentre as diferentes disputas que se estabeleceram no campo científico e político, relacionado a pandemia da Covid-19, destacou-se a polarização entre setores, nomeados como “negacionistas”, que aplicaram medidas pouco ou nada fundamentadas em pesquisas científicas e os setores que defendem as pesquisas científicas e suas decorrentes ações de controle.
Em meio a esse embate de ciência e anticiência ou entre as próprias ciências, primeiro cabe perguntar: o que é ciência? Parte da sociedade brasileira, incluindo profissionais graduados(as) e pós-graduados(as), compartilham uma visão otimista, romântica e messiânica da ciência: uma prática intelectual neutra, isenta de ideologia, metódica, sistemática, superior a todas as outras formas de conhecimento e capaz de produzir infinidades tecnológicas para solucionar praticamente todos os problemas (CASTELFRANCHI et al., 2013CASTELFRANCHI, Y. et al. As opiniões dos brasileiros sobre ciência e tecnologia: o “paradoxo”da relação entre informação e atitudes. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 20, p. 1163-1183, 30 nov. 2013.). No entanto, a ciência não é assim, e não por falta de compromisso dos(as) cientistas, mas porque a ciência é uma atividade humana desenvolvida em um contexto histórico e social e, portanto, tem intencionalidade, possui influência ideológica e é suscetível a erros (ROSA, 2012aROSA, C. A. de P. História da ciência: da antiguidade ao renascimento científico. Brasília: FUNAG, 2012a.; 2012b). Um raciocínio a partir disso poderia ser então desacreditar na atividade científica, já que esta é falível e não se demonstra superior em relação as demais formas de conhecimento (posição presente no negacionismo, abordado adiante), mas não é este o caminho que seguiremos.
Não existe uma definição única de ciência. O termo ciência, do latim scientia, significa conhecimento. O exercício de construção do conhecimento pela humanidade é verificado em praticamente todas as sociedades já conhecidas (ROSA, 2012aROSA, C. A. de P. História da ciência: da antiguidade ao renascimento científico. Brasília: FUNAG, 2012a.). A imagem romântica e messiânica sobre o que é ciência e o cientista, hoje é apenas uma, e talvez a mais fraca, das diversas formas de compreender e fazer ciência.
A história mostra que o entendimento hoje existente sobre ciência é muito diferente do que se falava de ciência na Grécia antiga, na Idade Média ou no começo da revolução industrial. Conhecimentos considerados cientificamente verdadeiros em determinada época ou país, hoje passam longe de serem reconhecidos como válidos pela comunidade científica. Há muitos episódios na história da ciência, onde observa-se a atuação de grupos de poder defendendo teorias “científicas” de seu interesse como verdadeiras e por outro lado, perseguindo e até tirando a vida daqueles(as) que as contrapõe e apresentam teorias científicas alternativas (ROSA, 2012aROSA, C. A. de P. História da ciência: da antiguidade ao renascimento científico. Brasília: FUNAG, 2012a.).
No Brasil pandêmico, por exemplo, pesquisadores(as) e servidores(as) da saúde críticos à adoção de tratamentos ineficazes e defensores de medidas de isolamento e distanciamento social, uso de máscaras, testes e vacinação em massa, entre outras medidas, foram perseguidos(as), exonerados(as) de seus cargos, ameaçados(as) nas redes sociais e nos locais de trabalho, por governos das esferas federativas e setores da extrema-direita e neofascistas. Aliados a outros setores – econômicos, corporativos clientelísticos e “fisiológicos” – utilizaram argumentos aparentemente “científicos” emanados e respaldados por órgãos oficiais (CAPONI et al., 2021; SOUZA, 2021SOUZA, M. Entidades acusam governo federal de perseguir pesquisadores e de limitar atividade científica. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/772494-entidades-acusam-governo-federal-de-perseguir-pesquisadores-e-de-limitar-atividade-cientifica/>. Acesso em: 24 set. 2021.
https://www.camara.leg.br/noticias/77249... ).
Afinal, o que define então o que é conhecimento científico e não científico? É uma mera questão de poder, onde a classe dominante e seus governantes em determinado local definem por meio do Estado o que é conhecimento científico válido? Ou é uma decisão apenas dos(as) cientistas, que avaliam qual é o conhecimento mais verdadeiro?
O problema da demarcação no contexto da pandemia
A definição entre o que é conhecimento científico e não científico foi discutida pela epistemologia no século XX como o “problema da demarcação” (POPPER, 2013POPPER, K. R. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 2013.). O problema da demarcação se apresenta como pertinente no contexto da pandemia, na medida em que as ações do poder público visando a prevenção e o tratamento da doença tentam se justificar a partir do conhecimento científico. Dependendo do critério que se utiliza para definir o que é ou não é conhecimento científico, certos conhecimentos e práticas podem ser aplicados ou desconsiderados, e no caso da pandemia, estamos tratando de procedimentos que implicam na vida e morte de milhões de pessoas.
O filósofo da ciência que colocou a questão da demarcação em evidência, o austríaco Karl Popper, estava em desacordo com os modelos científicos dominantes em seu tempo, o positivismo e o neopositivismo (ou probabilismo) – ainda dominante nos tempos atuais –, assim como discordava da forma como estes modelos demarcavam a fronteira entre conhecimento científico e não científico (POPPER, 2013POPPER, K. R. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 2013.).
Para os positivistas, conhecimento científico é sinônimo de conhecimento provado e o meio para se determinar a verdade das teorias científicas é pela lógica indutiva. A lógica indutiva, em resumo, consiste em converter um ou mais enunciados singulares observacionais (exemplo: a Covid-19 é provocada pela infecção do vírus SARS-CoV-2) em um enunciado universal/teoria científica verdadeiro (exemplo: toda doença transmissível possui um agente patogênico). Essa conversão é induzida por meio do método científico – sobretudo testes experimentais sucessivos e controlados – que colocam a prova os enunciados singulares observacionais/experimentais e induzem a comprovação da teoria (enunciado universal). Desta forma, a teoria que não conseguir reunir evidências empíricas para sua comprovação, não passa pela lógica indutiva e, portanto, não é científica e é considerada mera especulação, metafísica, pseudociência etc. (POPPER, 2013POPPER, K. R. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 2013.).
De acordo com Popper (2018POPPER, K. Conjecturas e refutações. Lisboa: Edições 70, 2018.), o “problema da indução” está em estabelecer a experiência observacional como uma expressão da verdade da natureza, e este como critério único para demarcar o conhecimento científico. Os enunciados científicos derivados de observações experimentais não podem adquirir o significado de conhecimento verdadeiro, já que nossas observações, mesmo que controladas e sistematizadas, são determinadas pelas tecnologias e conhecimentos prévios, que possuem fundamentações teóricas, assim como sofrem influência de nossas ideologias/visões de mundo e, portanto, são falíveis (POPPER, 2018POPPER, K. Conjecturas e refutações. Lisboa: Edições 70, 2018.; 2013). O reconhecimento dessa afirmação significa o colapso do positivismo como teoria da racionalidade científica.
Uma forma de superar essa crítica foi elaborada pelo probabilismo ou neopositivismo, que apresentou um recuo no pensamento positivista ao admitir que as teorias não podem ser provadas, mas, por outro lado, acreditam que elas podem tornar-se sólidas em maior ou menor extensão – mais ou menos prováveis. Por meio de testes estatísticos de probabilidade, o neopositivismo atribui a categoria “verdadeiro” para aqueles enunciados mais prováveis e “falso” àqueles enunciados menos prováveis. A lógica probabilística no neopositivismo substitui, portanto, a lógica indutiva do positivismo, sendo este o método de demarcação entre conhecimento científico e não científico nessa vertente (POPPER, 2013POPPER, K. R. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 2013.).
Popper (2013POPPER, K. R. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 2013.) argumenta que tanto os positivistas, quanto os neopositivistas, estão equivocados ao defenderem a possibilidade de se obter, por meio de experimentos observacionais ou por meio de testes estatísticos, a verdade definitiva ou mais provável dos fenômenos, pois tal postura é dogmática e limitadora da criatividade científica. Popper (2018POPPER, K. Conjecturas e refutações. Lisboa: Edições 70, 2018.; 2013) busca defender a virtude da ciência empírica, afastando-a dos equívocos positivistas e neopositivistas, afirmando que a lógica da pesquisa científica nessa área consiste em, primeiramente, formular teorias (conjecturas) sobre determinados fenômenos e depois testá-los por meio do método científico (observações, experimentos, cálculos etc.). No entanto, tais testes podem apenas “corroborar” ou “falsear/refutar” a teoria, e nunca comprovar ou ser provável em definitivo.
As teorias que sobrevivem aos testes são “corroboradas” e aceitas temporariamente pela comunidade científica até que elas sejam falseadas/refutadas e substituídas por outras teorias. Este procedimento de “seleção científica de teorias”, Popper caracterizou como lógica hipotético-dedutiva (POPPER, 2013POPPER, K. R. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 2013.). Nesse sentido, sua proposta de critério de demarcação entre conhecimento científico e não científico, é o enunciado ser falseável, ou seja, só é científica aquela teoria capaz de ser testada e estar suscetível ao falseamento. Apenas enquanto a teoria não é contundentemente falseada, ela é convencionalmente aceita pela comunidade científica como “verdadeira” (sempre entre aspas). Esta proposta ficou conhecida como falseacionismo metodológico (LAKATOS, 1979LAKATOS, I. O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica. Em: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Eds.). A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento. São Paulo: Cultrix: Universidade de São Paulo, 1979.; POPPER, 2018POPPER, K. Conjecturas e refutações. Lisboa: Edições 70, 2018.).
A história da ciência demonstra diversos casos em que teorias novas, visando explicar pontos contraditórios que teorias dominantes no período não conseguiam explicar, mesmo apresentado poucas evidências de início, exigiram a criação de novos métodos observacionais e matemáticos para produzir novas evidências que os corroborem, de modo que ao passar dos anos superaram suas teorias concorrentes. Como exemplos clássicos temos a teoria copernicana versus a ptolomaica sobre o universo; teoria do contágio versus a do miasma para doenças infecciosas; mecânica quântica versus mecânica newtoniana nas micropartículas, entre outros (KUHN, 2018KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2018.; LAKATOS, 1979LAKATOS, I. O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica. Em: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Eds.). A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento. São Paulo: Cultrix: Universidade de São Paulo, 1979.; ROSEN, 1994ROSEN, G. Uma história da saúde pública. São Paulo: Unesp, 1994.).
Além disso, a partir de meados século XIX, com a formação dos Estados nacionais modernos e da expansão do sistema capitalista, houve a explosão da prática científica em todo o planeta, de modo que áreas tradicionais da ciência foram se transformando e várias novas áreas foram surgindo, se diversificando e ramificando-se. Em meados do século XX, a diversificação das práticas e conhecimentos científicos criou diferentes ciências, cada uma com objetos de estudo, teorias e métodos específicos. A crescente atividade industrial e comercial neste período também provocou uma tendência de atuação dos cientistas e formação profissional cada vez mais especializada (ROSA, 2012bROSA, C. A. de P. História da ciência: a ciência e o triunfo do pensamento científico no mundo contemporâneo. Brasília: FUNAG, 2012b.). Esse cenário tornou mais complicada a tarefa de estabelecer critérios gerais que definem o que é conhecimento científico e não científico em meio as diversas ciências existentes.
Nesse contexto, o estadunidense filósofo da ciência, Thomas Kuhn, apresentou a visão pluralista da competição entre teorias científicas, denominada como “concepção ampliada da natureza das revoluções científicas” (23, p. 67). Ele construiu um arcabouço de categorias teóricas para explicá-la, entre eles o conceito de “paradigma” e “ciência normal”. Os paradigmas atuam na influência (ou direcionamento) da formação de uma ciência normal, ou seja, na adesão de uma comunidade científica a um corpo teórico progressivo, por determinado tempo. Tais categorias kuhnianas remetem a interpretação sociológica e da psicologia social a respeito das revoluções científicas.
Analisando a complexidade do cenário científico do século XX e a visão pluralista do choque entre teorias descrito por Kuhn, o filósofo húngaro Imre Lakatos, reformula o problema da demarcação, definindo que a importância dessa questão na filosofia da ciência não está em distinguir conhecimento científico do não científico em geral, mas em distinguir o conhecimento científico do pseudocientífico. Ou seja, devemos buscar meios racionais de analisar entre os conhecimentos pretensamente científicos qual deles é de fato ciência ou pseudociência (LAKATOS, 1998aLAKATOS, I. Ciência e pseudociência. In: História da Ciência e suas Reconstruções Racionais. Lisboa: Didáctica Editora, 1998a. p. 11-20.).
Lakatos (1979LAKATOS, I. O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica. Em: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Eds.). A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento. São Paulo: Cultrix: Universidade de São Paulo, 1979.) admite a crítica ao positivismo e ao neopositivismo feita por Popper, porém discorda em partes com Popper quanto ao falseacionismo metodológico, justamente por compreender que na história da ciência uma teoria não é abandonada apenas por apresentar uma sequência de refutações empíricas, mas ela é abandonada principalmente por existir outras teorias concorrentes que explicam melhor o fenômeno em estudo. Deste modo, propõe compreendermos de forma mais ampla que ciência se desenvolve a partir do confronto entre séries de teorias ao longo da história. Quando uma série de teorias se apresentam articuladas em algum campo científico, passando a forjar determinada tradição neste meio e a constituir o que Kuhn (2018KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2018.) chamou de paradigma, na visão de Lakatos (1979LAKATOS, I. O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica. Em: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Eds.). A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento. São Paulo: Cultrix: Universidade de São Paulo, 1979.) estamos tratando de um programa de pesquisa científica. Lakatos faz essa diferenciação, pois acredita que a teoria de Kuhn, em certa medida, reduz a epistemologia a uma análise sociológica e psicológica da ciência, deixando de lado o aspecto racional presente nas decisões teórico-metodológicas das pesquisas científicas. Os programas de pesquisa científica (PPCs), para Lakatos, devido sua extensão de influência teórica e metodológica, passam a receber rótulos, por exemplo Darwinismo, Mecânica Clássica e Quântica, Marxismo, Funcionalismo, Modelo Biomédico, Medicina Social, entre outros (ALMEIDA; FALCÃO, 2005ALMEIDA, A. V. de; FALCÃO, J. T. da R. A estrutura histórico-conceitual dos programas de pesquisa de Darwin e Lamarck e sua transposição para o ambiente escolar. Ciência & Educação (Bauru), v. 11, n. 1, p. 17-32, abr. 2005.; LAKATOS, 1979LAKATOS, I. O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica. Em: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Eds.). A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento. São Paulo: Cultrix: Universidade de São Paulo, 1979.; SILVA, 2014SILVA, C. S. P. A produção do conhecimento em Paleoparasitologia: uma análise bibliométrica e epistêmica. Tese (Doutorado)—Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, 2014.).
Lakatos (1979LAKATOS, I. O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica. Em: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Eds.). A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento. São Paulo: Cultrix: Universidade de São Paulo, 1979.) propõe uma metodologia para examinarmos os PPCs, chamada Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica (MPPC), de modo a identificarmos se esses são progressivos ou regressivos, sendo que as pesquisas científicas inseridas em PPCs regressivos são passíveis de serem classificadas como pseudocientíficas.
Dentre vários aspectos a serem analisados nos PPCs, o principal critério que difere o PPC progressivo do regressivo é a descoberta de fatos novos. A descoberta de fatos novos em um PPC possui duas características: (1) as teorias de um PPC progressivo apresentam maior poder explicativo que o PPC concorrente, ou seja, elas predizem fatos novos, fatos improváveis à luz do PPC concorrente, ou mesmo proibidos por ele; e (2) as teorias do PPC com maior poder explicativo são corroboradas empiricamente. Um PPC é considerado “aceitável” ou “científico” se demonstrar a descoberta de fatos novos, ou nas palavras de Lakatos, se tiver “excesso corroborado de conteúdo empírico”. A primeira característica é designada como “excesso de conteúdo empírico (‘aceitabilidade1’)” e a segunda como “conteúdo empírico corroborado (‘aceitabilidade2’)” (LAKATOS, 1979LAKATOS, I. O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica. Em: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Eds.). A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento. São Paulo: Cultrix: Universidade de São Paulo, 1979., p. 142).
As pesquisas científicas inseridas em PPCs regressivos, que não apresentam a descoberta de fatos novos podem ser consideradas pseudocientíficas, porém tal caracterização precisa ser feita com cautela. A história da ciência demonstra que os(as) cientistas não trocam de PPC tão facilmente. Em geral, eles(elas) buscam insistentemente corroborar o PPC no qual estão inseridos, mesmo que este PPC apresente muitas refutações e anomalias. Deste modo, torna-se legítimo pesquisadores(as) insistirem em PPCs novos, que ainda possuem pouco conteúdo empírico verificado, ou mesmo em PPCs regressivos, pois há casos na história da ciência em que PPCs regressivos passam por transformações forjando novos PPCs progressivos. Neste sentido, Lakatos é altamente antidogmático na ciência, assim como Popper, e avança em reconhecer a necessidade da crítica permanente e da existência do contraditório em uma dialética concorrencial entre as teorias científicas (LAKATOS, 1979LAKATOS, I. O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica. Em: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Eds.). A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento. São Paulo: Cultrix: Universidade de São Paulo, 1979., 1998aLAKATOS, I. Ciência e pseudociência. In: História da Ciência e suas Reconstruções Racionais. Lisboa: Didáctica Editora, 1998a. p. 11-20., 1998bLAKATOS, I. La metodología de los programas de investigación científica. Madrid: Alianza, 1998b.).
Para exemplificar como utilizar a MPPC no caso da pandemia, podemos conceber que um elemento central do núcleo duro11O núcleo duro de um PPC consiste em teorias científicas irrefutáveis por decisão metodológica. O(a) cientista as toma como premissas inquestionáveis, básicas para o desenvolvimento da pesquisa. Pode-se considerar o núcleo duro como o paradigma, a metafísica ou a ideologia do programa de pesquisa (LAKATOS, 1979). de PPCs sobre a pandemia consista no enunciado “evitar o adoecimento e a morte da população por Covid-19”. Um PPC progressivo deverá primeiro, apresentar teorias com maior poder explicativo que os PPCs concorrentes (“aceitabilidade1”), neste caso, apresentar teorias que justifiquem como a sua aplicação irá contribuir para evitar mais adoecimentos e mortes por Covid-19; e segundo, as teorias desse PPC deverão ser corroboradas na prática (“aceitabilidade2”), nesse caso, quando aplicadas deverão objetivamente impedir o aumento de casos e mortes pela Covid-19. Os PPCs que não se apresentam progressivos nas fases de aceitabilidade1 e aceitabilidade2, são, portanto, regressivos e precisam ser modificados para tentarem se tornar progressivos.22Um programa progressivo precisa incorporar todo o conteúdo explicativo do programa rival e conseguir ir além, apresentando novas teorias que o programa rival não contempla (LAKATOS, 1979).
No caso da pandemia, tal procedimento de escolha de teorias é muito séria e delicada. Precisa ser realizada rapidamente, pois a troca de abordagens regressivas por progressivas, implica no impedimento do adoecimento e da morte de um número considerável de pessoas. Mas quem decide qual PPC é progressivo ou regressivo e quais teorias presentes nesses PPCs devem ser aplicadas? Este é um ponto importante ao pensarmos a aplicação da MPPC em contextos complexos, como a pandemia, e que exigem respostas científicas imediatas.
Lakatos teve sua formação inicial na área da matemática e física e sua obra teve foco nessas áreas. Não aplicou a MPPC para estudar as ciências biológicas, sociais ou da saúde. Nos casos estudados por Lakatos, a caracterização do PPC progressivo ou regressivo só pôde ser fortemente constatada a partir de uma análise histórica de longo período (décadas ou séculos), onde se reconstrói racionalmente os PPCs em disputa e se analisa como o PPC progressivo superou seus rivais. As reconstruções feitas por Lakatos, assim como a de outros autores que aplicaram a MPPC, demonstraram que, apesar de haver influências de processos sociopolíticos, a adesão aos PPCs progressivos, em detrimento dos PPCs regressivos, é, em última análise, uma decisão metodológica dos(as) cientistas (LAKATOS, 1978LAKATOS, I. A Lógica do Descobrimento Matemático - Provas e Refutações. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.; 1979; ORENSANZ; DENEGRI, 2017ORENSANZ, M.; DENEGRI, G. La helmintología según la filosofía de la ciencia de Imre Lakatos. Salud Colectiva, v. 13, n. 1, p. 139, 11 abr. 2017.; SILVA, 2014SILVA, C. S. P. A produção do conhecimento em Paleoparasitologia: uma análise bibliométrica e epistêmica. Tese (Doutorado)—Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, 2014.).
No caso da pandemia da Covid-19, dois aspectos devem ser considerados: (1) a exigência de respostas rápidas da ciência e do poder público, tanto na questão preventiva e terapêutica, quanto em relação às consequências socioeconômicas; (2) compreender os PPCs incorporando a perspectiva da interdisciplinaridade, pois as respostas científicas para problemas complexos, como a pandemia, exigem a integração de diversas áreas das ciências, que possuem teorias e métodos distintos e às vezes divergentes (ALMEIDA FILHO, 2020ALMEIDA FILHO, N. D. Modelagem da pandemia Covid-19 como objeto complexo (notas samajianas). Estudos Avançados, v. 34, n. 99, p. 97-118, ago. 2020.). Estes aspectos tornam a tarefa da decisão em relação a PPCs progressivos e regressivos mais complexa, porém não são impedimentos para o mesmo.
Três anos se passaram desde que o vírus SARS-CoV-2 foi identificado e que a pandemia se iniciou, de modo que é cedo para afirmarmos de forma conclusiva quais PPCs sobre a pandemia da Covid-19 são progressivos ou regressivos. Contudo, é possível fazer considerações preliminares, como trataremos nos tópicos seguintes.
A utilização de uma teoria ou PPC progressivo em políticas públicas não depende apenas da comunidade científica, mas também de processos histórico-sociais que atravessam a prática científica, necessitando trazer para o debate, além da dimensão epistemológica aqui colocada, também a dimensão ético-política da ciência para refletirmos, por exemplo, sobre o caso do negacionismo na pandemia.
Negacionismo e necropolítica no Brasil: manipulação do conhecimento científico na gestão da Covid-19
O conceito de negacionismo foi largamente utilizado durante a pandemia no Brasil, e em países com regimes político-econômicos semelhantes, caracterizado por uma ideologia política de negação do conhecimento científico produzido sobre a Covid-19 (ALMEIDA-FILHO, 2021ALMEIDA-FILHO, N. Pandemia de Covid-19 no Brasil: equívocos estratégicos induzidos por retórica negacionista. In: Principais elementos. Coleção Covid-19. Brasília, DF: CONASS, 2021. v. 1.).
O termo negacionismo passou a ser empregado com mais força no começo do século XXI, nas discussões sobre mudanças climáticas, como forma de identificar aqueles(as) que se recusam a admitir a existência de evidências científicas suficientes confirmando que as atividades produtivas humanas estão provocando as mudanças climáticas (MIGUEL, 2020MIGUEL, J. C. H. Negacionismo climático no Brasil. Coletiva, v. 277, 2020.). Porém, o uso do termo já vinha sendo utilizado para descrever cenários semelhantes de negação do conhecimento científico, em outros casos, como na relação entre HIV e Aids e nos efeitos do tabaco na saúde. O negacionismo foi caracterizado por apresentar alguns ou todos destes cinco elementos: i) teorias da conspiração; ii) falsos especialistas; iii) seletividade (uso apenas de parte do conhecimento científico que lhes interessa); iv) impor expectativas impossíveis sobre o que a pesquisa pode oferecer (ex. negação da vacina já que ela não é 100% eficaz); v) deturpações e falácias lógicas (DIETHELM; MCKEE, 2009DIETHELM, P.; MCKEE, M. Denialism: what is it and how should scientists respond? European Journal of Public Health, v. 19, n. 1, p. 2-4, 1 jan. 2009.).
No negacionismo vigente sob o governo J. M. Bolsonaro, observou-se a utilização dos cinco elementos característicos do negacionismo. Apesar de ter uma base no anticientificismo e no fundamentalismo religioso, não é negação da ciência em geral, mas sim negação dos conhecimentos científicos que vão contra suas ideias e projetos políticos. Além de expressar-se no caso da pandemia, o negacionismo é observado em outros temas: desmatamento da Amazônia, impacto dos agrotóxicos e mudanças climáticas (CLIMAINFO, 2020CLIMAINFO. Insistindo em negar o desmatamento, Bolsonaro enfraquece as já débeis ações de seu governo. ClimaInfo, 21 jul. 2020. Disponível em: <https://climainfo.org.br/2020/07/21/insistindo-em-negar-o-desmatamento-bolsonaro-enfraquece-as-ja-debeis-acoes-de-seu-governo/>. Acesso em: 25 out. 2021
https://climainfo.org.br/2020/07/21/insi... ; GRIORI, 2019GRIORI, P. Agricultores consomem agrotóxico porque fumam ao aplicar, diz ministra da Agricultura. Disponível em: <https://reporterbrasil.org.br/2019/04/agricultores-consomem-agrotoxico-porque-fumam-ao-aplicar-diz-ministra-da-agricultura/>. Acesso em: 15 out. 2021.
https://reporterbrasil.org.br/2019/04/ag... ; MIGUEL, 2020MIGUEL, J. C. H. Negacionismo climático no Brasil. Coletiva, v. 277, 2020.).
Para Carnut (2020CARNUT, L. Neofascismo como objeto de estudo: contribuições e caminhos para elucidar este fenômeno. Semina: Ciências Sociais e Humanas, v. 41, n. 1, p. 81-108, 2020.), a política do antigo governo se fundamentou no neofascismo, definido, em resumo, por um regime que possui elementos semelhantes ao fascismo histórico (autoritarismo, liderança populista, pensamento único, emprego sistemático da violência simbólica/psicológica/física, visão discriminatória racista, machista, LGBTQIA+fobia, exaltação a símbolos nacionais, entre outros) combinado com a defesa da política econômica neoliberal, de redução do papel do Estado nas políticas sociais e de saúde. O negacionismo governamental na ciência age a partir desta lógica neofascista, utilizando, quando necessário, uma estrutura de texto e discurso “técnico e científico” para justificar ações ou políticas pouco ou nada fundamentada em pesquisas científicas, como estratégia de poder com o objetivo de validar teorias que favoreçam interesses de grupos dominantes – geralmente com finalidades econômicas – e de convencer parte da população que tais teorias são respaldadas pela ciência.
No caso da pandemia no Brasil, temos como exemplos mais emblemáticos a recomendação de fármacos sem eficácia comprovada na fase inicial da infecção e a precoce flexibilização do isolamento social. O episódio dos fármacos sem eficácia comprovada, em especial a orientação do Ministério da Saúde para o uso da cloroquina e hidroxicloroquina na fase inicial da infecção (BRASIL, 2020BRASIL. Ministério da Saúde. Orientações do Ministério da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19. Brasília: MS, maio 2020.), exemplifica a estratégia negacionista, ao utilizar falsos especialistas e selecionar/manipular informações de pesquisas preliminares sobre o efeito destes medicamentos, para construir uma retórica pretensamente científica em defesa do uso destes como política de saúde pública (CAPONI ., 2021CAPONI, S. et al. O uso político da cloroquina: Covid-19, negacionismo e neoliberalismo. Revista Brasileira de Sociologia - RBS, v. 9, n. 21, p. 78–102, 20 jan. 2021.; FONSECA ., 2021FONSECA, E. M. DA et al. Political discourse, denialism and leadership failure in Brazil’s response to COVID-19. Global Public Health, v. 16, n. 8-9, p. 1251-1266, 2 set. 2021.). Mesmo após as refutações empíricas nos estudos sobre uso da cloroquina e hidroxicloroquina na fase inicial da doença (LIMA ., 2021LIMA, L. V. A. et al. Uso de aminoquinolinas (Cloroquina e Hidroxicloroquina) no tratamento da Covid-19: uma revisão sistemática. Research, Society and Development, v. 10, n. 12, p. e569101220907–e569101220907, 1 out. 2021.), a retórica negacionista continua sendo utilizada pelo bolsonarismo (MENDES, 2021MENDES, W. Bolsonaro tenta comprovar eficácia da Cloroquina e Ivermectina com enquete: “levanta o braço”. Disponível em: <https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/opiniao/colunistas/wagner-mendes/bolsonaro-tenta-comprovar-eficacia-da-cloroquina-e-ivermectina-com-enquete-levanta-o-braco-1.3150100>. Acesso em: 26 out. 2021.
https://diariodonordeste.verdesmares.com... ).
A flexibilização precoce do isolamento social seguiu a mesma lógica. Inclusive, em setores políticos que se opõem ao governo Bolsonaro (PEREIRA; OLIVEIRA; SAMPAIO, 2020PEREIRA, A. K.; OLIVEIRA, M. S.; SAMPAIO, T. DA S. Heterogeneidades das políticas estaduais de distanciamento social diante da Covid-19: aspectos políticos e técnico-administrativos. Revista de Administração Pública, v. 54, p. 678-696, 28 ago. 2020.), identificou-se a mesma distorção negacionista do discurso científico, para diminuir as medidas restritivas. Em grande parte do Brasil, as flexibilizações deliberadas pelos governos municipais e estaduais, com aval dos poderes judiciário e legislativo, ocorreram sem a realização de testes em massa e vigilância efetiva da Covid-19, desconsiderando o real número de casos e o risco de aumento da transmissão do vírus (ALMEIDA-FILHO, 2021ALMEIDA-FILHO, N. Pandemia de Covid-19 no Brasil: equívocos estratégicos induzidos por retórica negacionista. In: Principais elementos. Coleção Covid-19. Brasília, DF: CONASS, 2021. v. 1.). Essas flexibilizações, que aumentaram o número de mortes por Covid-19 no Brasil (sobretudo na população negra e pobre) e expressa a maneira deliberada como o poder público agiu com a intenção de deixar morrer parte da população, podendo ser definida como uma gestão necropolítica da pandemia (CAPONI, 2021CAPONI, S. Biopolítica, necropolítica e racismo na gestão do covid-19. Porto das Letras, v. 7, n. 2, p. 22-43, 9 abr. 2021.).
A justificativa foi a tentativa de garantir o crescimento econômico e a manutenção da renda e do emprego para os(as) trabalhadores(as). Contudo, diversas pesquisas apontaram, e experiências em alguns países demonstraram que, com suporte do Estado no provimento de políticas assistenciais robustas, é possível realizar medidas restritivas da mobilidade social, incluindo lockdowns, com alta efetividade na redução da circulação do vírus (reduzindo casos e mortes) sem grandes prejuízos econômicos (ESPERIDIÃO ., 2021ESPERIDIÃO, M. A. et al. Boletim. Acompanhamento da pandemia em países selecionados. OBSERVA COVID. set. 2021.; FELICIELLO; GAVA, 2020FELICIELLO, D.; GAVA, G. B. Economia e pandemia: lockdown, flexibilização e defesa da vida. Cadernos de Pesquisa do NEPP UNICAMP, v. 89, p. 21, set. 2020.).
No negacionismo de cunho neofacista observa-se, portanto, o uso constante de estratégias de distorção do discurso científico na tentativa de justificarem as ações necropolíticas neoliberais para garantir o processo de acumulação capitalista. Essas situações demonstram que vem se fortalecendo nas esferas políticas e acadêmicas, sobretudo no Brasil, um tipo de negacionismo científico que aceita e legitima a banalização da vida, da violência e das iniquidades promovidas pela necropolítica neoliberal (CAPONI ., 2021CAPONI, S. et al. O uso político da cloroquina: Covid-19, negacionismo e neoliberalismo. Revista Brasileira de Sociologia - RBS, v. 9, n. 21, p. 78–102, 20 jan. 2021.; CARBONARI, 2020CARBONARI, P. C. Reflexões sobre ética e ciência: ensaio no contexto de pandemia Covid-19. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, v. 8, n. 2, p. 55-69, 26 nov. 2020.).
O negacionismo científico é diferente da pseudociência que tratamos no tópico anterior. Apesar de parecerem semelhantes, no discurso negacionista prevalecem características, como descritas por Diethelm e Mckee (2009DIETHELM, P.; MCKEE, M. Denialism: what is it and how should scientists respond? European Journal of Public Health, v. 19, n. 1, p. 2-4, 1 jan. 2009.), que sequer se configuram como teoria ou pesquisa científica. Já no caso da pseudociência, na perspectiva de Lakatos, estamos tratando de programas de pesquisa científica – que possuem teorias e métodos formulados e testados por pesquisadores(as) e instituições de pesquisa – regressivos por não obterem maior poder explicativo e corroboração empírica. No caso do negacionismo, não há nenhuma intenção em fazer avançar o conhecimento sobre determinado fenômeno, ou seja, não há ciência ou pesquisa científica, há apenas a ação dogmática de manipulação e distorção de enunciados científicos ou pseudocientíficos para atender a determinada estratégia de poder. Na pseudociência, entretanto, existe a intenção de pesquisar e conhecer determinado fenômeno, porém as teorias (ou o PPC) que o(a) pesquisador(a) está utilizando são racionalmente inferiores em relação a outras teorias e PPCs progressivos que se aplicam ao fenômeno estudado.
Elementos mínimos para PPCs progressivos em Saúde Coletiva: interdisciplinaridade, participação dos sujeitos e defesa dos direitos humanos
A pandemia da Covid-19 ainda está em curso e há diversos programas de pesquisa científica atuando neste contexto. Não cabe para este ensaio analisá-los em sua totalidade e profundidade a partir da MPPC, de todo modo, faremos algumas considerações preliminares.
A pandemia revelou-se como um fenômeno totalizante e complexo, que têm atravessado e transformado as diversas esferas da sociedade em todo o globo. Neste sentido, qualquer PPC progressivo sobre a pandemia da Covid-19 necessita ser interdisciplinar ou transdisciplinar. A interdisciplinaridade remete à noção de diferentes disciplinas científicas articuladas considerando os seguintes elementos chave: interação, integração, convergência, mistura e ligação. A multidisciplinaridade, em comparação, tem também como característica a presença de diferentes disciplinas, porém elas estão apenas justapostas, em sequência, faltando a integração entre elas. Já a transdisciplinaridade, por outro lado, incorpora todos os elementos da interdisciplinaridade, e acrescenta a ideia de criatividade, síntese, transcendência, transgressão e transformação (KLEIN, 2017KLEIN, J. T. Tipology of Interdisciplinarity - the boundary work of definition. In: FRODEMAN, R.; KLEIN, J. T.; PACHECO, R. C. S. (Eds.). The Oxford handbook of interdisciplinarity. Oxford handbooks. Second edition ed. Oxford, United Kingdom: Oxford University Press, 2017. p. 21-34.).
Adentrando no conceito de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, em contextos de saúde pública, tal processo de articulação de conhecimentos ocorre geralmente a partir de uma situação problema que exige ações de transformação deste cenário visando a redução e eliminação dos processos degradantes à saúde. A situação problema é entendida como o objeto da ação, sendo que cada objeto específico demanda um tipo de equipe multiprofissional e interdisciplinar. Cada membro da equipe, em processo dinâmico e coletivo de discussão do objeto, contribui com seu conhecimento disciplinar, onde os múltiplos saberes são compartilhados buscando a apropriação coletiva destes conhecimentos. A conjugação desses saberes e as ações sobre o objeto a ser transformado origina novos saberes, novos conhecimentos: o conhecimento interdisciplinar ou transdisciplinar daquele objeto (MINAYO, 2010MINAYO, M. C. DE S. Disciplinaridade, interdisciplinaridade e complexidade. Emancipação, v. 10, n. 2, 2010.; VASCONCELLOS, 2011VASCONCELLOS, L. C. F. Interdisciplinaridade, intersetorialidade e controle social em Saúde do Trabalhador – o desafio de passar da teoria à prática. In: PROJETO DE CAPACITAÇÃO DE IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO SERVIDOR - SIASS. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011.)
Devido à grande extensão das causas e consequências da pandemia da Covid-19, o PPC para ser progressivo deverá buscar o máximo de interdisciplinaridade possível. Deste modo, nos PPCs sobre a pandemia não basta, por exemplo, colocar a epidemiologia, infectologia ou imunologia como disciplinas centrais, no topo da hierarquia dos conhecimentos, com as demais disciplinas apenas complementando-as (multidisciplinaridade). É necessário fazer a integração, mistura, ligação destas disciplinas com as demais disciplinas (ex. sociologia, antropologia, economia, psicologia, geografia, biologia, física, estatística, direito etc.), de modo a produzir trocas de métodos, conceitos e teorias entre elas (interdisciplinaridade), criando novas teorias e abordagens (transdisciplinaridade).
Associado a essa perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar descrita, acrescenta-se a necessidade do diálogo e da incorporação dos conhecimentos dos sujeitos envolvidos nas situações problema, sobretudo aqueles(as) mais atingidos(as). Trata-se de inserir de forma ativa estes sujeitos na dinâmica de construção do conhecimento interdisciplinar e transdisciplinar e incorporar seus saberes oriundos da experiência vivida (conhecimento empírico do cotidiano), visto que serão eles(as) os(as) principais agentes da transformação. Diversas abordagens, desenvolvidas nas últimas décadas, apontam estratégias teórico-metodológicas nesse sentido. Entre elas, podemos citar a comunidade científica ampliada (ODDONE, 2020ODDONE, I. Ambiente de trabalho: a luta dos trabalhadores pela saúde. São Paulo, SP: Hucitec Editora, 2020.), comunidade ampliada de pares (FUNTOWICZ; RAVETZ, 1997FUNTOWICZ, S.; RAVETZ, J. Ciência pós-normal e comunidades ampliadas de pares face aos desafios ambientais. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 4, n. 2, p. 219-230, out. 1997.), comunidade ampliada de pesquisa-ação (PORTO ., 2016PORTO, M. F. de S. et al. Comunidades ampliadas de pesquisa ação como dispositivos para uma promoção emancipatória da saúde: bases conceituais e metodológicas. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, p. 1747-1756, jun. 2016.), monitoramento participativo (BREILH, 2003BREILH, J. De la vigilancia convencional al monitoreo participativo. Ciência & Saúde Coletiva, v. 8, p. 937-951, 2003.) e ecologia de saberes (SANTOS, 2007SANTOS, B. DE S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Novos estudos CEBRAP, p. 71-94, nov. 2007.).
As pesquisas para a produção de imunizantes, sobretudo as que têm alcançado êxito, têm-se mostrado como uma das linhas de investigação científica de maior relevância para a redução de casos e mortes da Covid-19 em todo o mundo. Entretanto, se por um lado, têm se desenvolvido de forma extraordinária vacinas com tecnologias inovadoras e eficazes em tempo recorde, por outro lado, a produção, distribuição e a aplicação destas vacinas no mundo têm encontrado complexas barreiras econômicas, políticas e sociais, entre elas o insuficiente investimento global na produção de vacinas, as patentes e o interesse comercial da indústria farmacêutica, os protecionismos nacionalistas, as desigualdades econômicas entre os países e o negacionismo antivacina (SOUZA; BUSS, 2021SOUZA, L. E. P. F. de; BUSS, P. M. Desafios globais para o acesso equitativo à vacinação contra a Covid-19. Cadernos de Saúde Pública, v. 37, p. e00056521, 22 set. 2021.). Tal complexidade precisa ser encarada pelos PPCs sobre a pandemia, com vistas a produzir conhecimentos e estratégias de ações para a superação de desafios como estes, entendendo a necessidade de incorporar como elemento fundamental a perspectiva da garantia universal dos direitos humanos (OLIVEIRA ., 2017OLIVEIRA, M. H. B. DE et al. Direitos Humanos e saúde: construindo caminhos, viabilizando rumos. Rio de Janeiro: Cebes, 2017.).
Em síntese, considerando a complexidade do atual contexto sócio-sanitário-ambiental global, avaliamos que os PPCs sobre a pandemia, assim como os que atuam em outros temas de saúde pública, precisam minimamente incorporar no seu núcleo duro a perspectiva da interdisciplinaridade, da participação ativa dos sujeitos da pesquisa e a defesa dos direitos humanos, para se tornarem progressivos. PPCs em saúde pública que não busquem efetivamente incorporar esses elementos correm sério risco de serem compreendidos como regressivos e pseudocientíficos. Há temas emergentes que também podem ser considerados fundamentais no núcleo duro de PPCs progressivos em saúde pública, como as questões ambientais e climáticas e a geopolítica internacional visando a integração e a solidariedade entre as nações e os povos.
Sem buscar esgotar a lista de potenciais PPCs progressivos sobre a Covid-19, elencamos algumas abordagens, por demonstrarem, de diferentes formas, a incorporação da interdisciplinaridade, da participação dos sujeitos e defesa dos direitos humanos em suas propostas teórico-metodológicas. Estre elas, estão propostas nas áreas da Epidemiologia Social (ALMEIDA FILHO, 2020ALMEIDA FILHO, N. D. Modelagem da pandemia Covid-19 como objeto complexo (notas samajianas). Estudos Avançados, v. 34, n. 99, p. 97-118, ago. 2020.), Epidemiologia Crítica (BREILH, 2020BREILH, J. SARS-CoV2: rompiendo el cerco de la ciencia del poder. Escenario de asedio de la vida, los pueblos y la ciencia. Em: ALZUETA, E. R. et al. (Eds.). Posnormales. 1. ed. [s.l.] ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020.), Saúde do Trabalhador (SOUZA, 2020SOUZA, D. de O. A saúde dos trabalhadores e a pandemia de Covid-19: da revisão à crítica. Vigilância Sanitária em Debate: Sociedade, Ciência & Tecnologia, v. 8, n. 3, p. 125-131, 27 maio 2020.; VASCONCELLOS ., 2021VASCONCELLOS, L. C. F. et al. (Eds.). Saúde do trabalhador em tempos de desconstrução: caminhos de luta e resistência. Rio de Janeiro: Cebes, 2021.), Ecologia Política (ALVES; VIZZACCARO-AMARAL, 2021ALVES, G.; VIZZACCARO-AMARAL, A. L. (Eds.). Trabalho, saúde e barbárie social: pandemia, colapso ecológico e desenvolvimento humano. 1. ed. Marília, SP: Projeto Editoral Praxis, 2021.; WALLACE, 2020WALLACE, R. Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência. São Paulo: Elefante, 2020.), Saúde Coletiva (ABRASCO ., 2020ABRASCO, A. B. DE S. C. et al. Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia de Covid-19. Frente pela Vida. 1 dez. 2020.) e Saúde e Ambiente (FRIEDRICH ., 2021FRIEDRICH, K. et al. Agronegócio e pandemia no Brasil: uma sindemia está agravando a pandemia de Covid-19? IPEN/ABRASCO, 2021.). Tais exemplos apresentam características próprias, que merecem exames mais detalhados em outros estudos. Também consideramos que muitas publicações não elencadas aqui podem, da mesma forma, ser consideradas progressivas.
Considerações finais
A utilização da MPPC no contexto da pandemia representa um potente instrumento de análise de produções científicas, com o objetivo de identificar as que mais contribuem no avanço da redução dos casos e mortes pela Covid-19 e do controle efetivo da doença, assim como na mitigação das suas consequências.
Assim como a sociedade global, o campo científico não é mais o mesmo desde o início da pandemia. A pesquisa científica, mesmo com as restrições financeiras impostas pelos regimes neoliberais e das tentativas negacionistas e neofascistas de as sufocarem, têm ganhado maior relevância. Deste modo, é imprescindível que a permanente reflexão crítica sobre a ciência acompanhe o seu desenvolvimento, para que os conhecimentos em cada área de pesquisa continuem avançando e também para aproximá-los cada vez mais da democracia e dos direitos humanos.
No campo da Saúde Coletiva, área do conhecimento forjada no vínculo com as lutas sociais contra as iniquidades capitalistas, em defesa da democracia e por um sistema público e universal de saúde, é necessário estar em alerta quanto as abordagens neofacistas no campo científico, de modo a enfrentá-las. Devemos utilizar o arsenal de abordagens críticas já acumuladas pelo campo da Saúde Coletiva, assim como criar novas teorias e práticas, de modo a desenvolver programas de pesquisa científica progressivos que contribuam para as transformações sociais que almejamos.
- 1O núcleo duro de um PPC consiste em teorias científicas irrefutáveis por decisão metodológica. O(a) cientista as toma como premissas inquestionáveis, básicas para o desenvolvimento da pesquisa. Pode-se considerar o núcleo duro como o paradigma, a metafísica ou a ideologia do programa de pesquisa (LAKATOS, 1979).
- 2Um programa progressivo precisa incorporar todo o conteúdo explicativo do programa rival e conseguir ir além, apresentando novas teorias que o programa rival não contempla (LAKATOS, 1979).
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
13 Nov 2023 - Data do Fascículo
2023
Histórico
- Recebido
27 Set 2022 - Aceito
22 Dez 2022 - Revisado
05 Dez 2022