Regionalização e Rede de Atenção à Saúde em Mato Grosso

Regionalization and Health Care Network in Mato Grosso, Brazil

Nereide Lúcia Martinelli Alane Andréa Souza Costa João Henrique G. Scatena Nina Rosa Ferreira Soares Simone Carvalho Charbel Marta de Lima Castro Maria Angelica dos Santos Spinelli Virgínia de Albuquerque Mota Lidiane Mara de Ávila e Silva Sobre os autores

Resumo

Este estudo analisa a estruturação da Rede de Atenção à Saúde nas regiões de saúde do estado de Mato Grosso, considerando as ações planejadas nos instrumentos de gestão do governo do estado e da Secretaria de Estado de Saúde (SES), nos anos de 2012 a 2017, em conformidade com as diretrizes da Portaria MS/GM nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, que orienta o processo de conformação das redes de atenção à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de estudo qualitativo, de natureza exploratório-descritiva, do tipo documental, que analisou os documentos públicos referentes ao planejamento do governo na especificidade do setor de saúde, o que inclui o Plano Plurianual, o Plano Estadual de Saúde e o Plano Estratégico da SES. Os achados do estudo mostram que, embora algumas ações/atividades relacionadas às diretrizes da portaria estivessem contempladas nos documentos pesquisados, ainda não foram suficientes para o estabelecimento de uma rede de atenção regionalizada de qualidade e para o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS) com capacidade de ser coordenadora do cuidado e ordenadora da rede no estado de Mato Grosso.

Palavras-chave:
Regionalização; Política Pública; Sistema Único de Saúde

Abstract

This study analyzes the structuring of the Health Care Network in the health regions of the state of Mato Grosso, considering the actions planned in the management instruments of the State government and the State Department of Health (SES), in the years of 2012 to 2017, in accordance with the guidelines of Ordinance MS/GM No 4.279, of December 30, 2010, which guides the process of conformation of Health Care Networks within the scope of the Brazilian National Health System (SUS). This is a qualitative, exploratory-descriptive study, of documentary type, which analyzed the public documents related to government planning on the specificity of the health sector, which includes the Pluriannual Plan, the State Health Plan and the Strategic Plan of the SES. The findings of the study show that, although some actions/activities related to the guidelines of the Ordinance were included in the researched documents, they were not yet sufficient for establishing a quality regionalized care network and for strengthening the Primary Health Care (PHC) with the capacity to coordinate care and order the network in the state of Mato Grosso.

Keywords:
Regionalization; Public Policy; Brazilian National Health System

Introdução

A configuração de regiões de saúde é um princípio organizativo do sistema de saúde brasileiro desde a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, que em seu art. 198 diz que “as ações e os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, e constituem um sistema único […]” cuja organização deve considerar as diretrizes de descentralização, integralidade e participação da comunidade (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; Centro Gráfico, 1988.). A organização do sistema de saúde por meio de redes é conhecida pelas organizações internacionais como redes integradas, redes regionalizadas ou cuidado integrado, e estudos indicam que este tipo de organização propicia a construção de sistemas integrados de saúde (Viana et al., 2018VIANA, A. L. D. et al. Regionalização e redes de saúde. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro , v. 23, n. 6, p. 1791-1798, 2018. DOI: 10.1590/1413-81232018236.05502018
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).

Marcada pela municipalização, pela indefinição do papel dos estados e pela forte indução do governo federal, por meio de normas e incentivos financeiros, a descentralização político-administrativa do Sistema Único de Saúde (SUS) resultou em situações diversificadas, entre elas, as diferentes capacidades financeiras e organizacionais na estruturação e oferta de serviços, a desintegração da atuação regional junto às instituições municipais e muitas dificuldades para estabelecer arranjos cooperativos entre os entes federativos (Lima et al., 2017LIMA, L. D. et al. Arranjos de governança regional da assistência especializada nas regiões de saúde do Brasil. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 17, p. 121-133, 2017. DOI: 10.1590/1806-9304201700S100006
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).

A partir dos anos 2000, a descentralização se fortalece por meio de normativas operacionais do SUS, destacando-se a Norma Operacional de Assistência à Saúde e o Pacto pela Saúde. Neste último, a descentralização e a busca por maior integração interfederativa ganham ênfase, o território regional é pensado na lógica de sistema (Viana et al., 2008VIANA, A. L. D. et al. Novas Perspectivas para a Regionalização da Saúde. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 22, n. 1, p. 92-106, 2008.) e a sua organização passa a ser pautada pela formação de redes, com gestão compartilhada que preserva a autonomia e os direitos dos pactuantes (Abrucio, 2002ABRUCIO, F. L. Descentralização e coordenação federativa no Brasil: lições dos anos FHC. In: ABRUCIO, F. L.; LOUREIRO, M. R. (Org.). O Estado numa era de reformas: os anos FHC - Parte 2. Brasília, DF: MP/SEGES, 2002. p. 143-246.).

Neste contexto, a conformação de regiões e de redes regionalizadas e integradas de atenção à saúde ganha relevância e se fortalece como estratégia que pode facilitar o acesso aos diferentes níveis de complexidade, superar a fragmentação das ações, qualificar a gestão do SUS e efetivar a construção de sistemas integrados de saúde (Viana et al., 2018VIANA, A. L. D. et al. Regionalização e redes de saúde. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro , v. 23, n. 6, p. 1791-1798, 2018. DOI: 10.1590/1413-81232018236.05502018
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).

O pacto federativo exigido pelo arcabouço trino do SUS requer arranjos para a operacionalização do sistema e envolve uma multiplicidade de atores na gestão e na condução da rede de prestação de serviços de atenção à saúde. Além disso, impõe desafios frente às diversidades e às desigualdades regionais que fazem da regionalização instituída no país uma diretriz complexa (Viana; Lima, 2011VIANA, A. L. D.; LIMA, L. D. O processo de regionalização na saúde: contextos, condicionantes e papel das Comissões Intergestores Bipartite. In: VIANA, A. L. D.; LIMA, L. D. (Org.). Regionalização e relações federativas na política de saúde do Brasil . Rio de Janeiro: Contra Capa , 2011. p. 11-24.; Viana et al., 2015VIANA, A. L. D. et al. Tipologia das regiões de saúde: condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 413-422, 2015. DOI: 10.1590/S0104-12902015000200002
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).

Reestruturar o sistema de saúde e organizá-lo regionalmente é uma necessidade e uma premissa prevista no Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que propõe a conformação de uma rede de atenção regionalizada com capacidade para garantir o direito à saúde e o acesso resolutivo, com qualidade, tempo oportuno e ordenada pela Atenção Primária à Saúde (APS) (Brasil, 2011BRASIL. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7508.htm >. Acesso em: 8 jul. 2020.
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).

No formato de arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, a Rede de Atenção à Saúde (RAS) tem o objetivo de promover a integração do sistema de saúde. Sua conformação deve considerar as diferentes densidades tecnológicas e os sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, como meios para garantir a integralidade do cuidado de maneira responsável e humanizada (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Saúde.. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html >. Acesso em: 8 jul. 2020.
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).

Desde 2008, a Organização Pan-Americana da Saúde vem empreendendo esforços no sentido de que sejam organizadas “Redes Integradas de Serviços de Saúde Baseadas na Atenção Primária” (Kuschnir; Chorny, 2010KUSCHNIR, R.; CHORNY, A. H. Redes de atenção à saúde: contextualizando o debate. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 15, n. 5, p. 2307-2316, 2010. DOI: 10.1590/S1413-81232010000500006
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). A conformação da RAS contempla o acesso ao cuidado integral e resolutivo, e demanda a existência de uma APS organizada para que, de fato, assuma o seu papel como porta de entrada preferencial ao sistema, aberta, articulada e ordenadora da rede de atenção à saúde (Opas, 2011OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde. A atenção à saúde coordenada pela APS: construindo as redes de atenção no SUS: contribuições para o debate. Brasília, DF, 2011.; Bousquat et al., 2019BOUSQUAT, A. et al. A atenção primária em regiões de saúde: política, estrutura e organização. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 35, 2019. Suplemento 2. DOI: 10.1590/0102-311X00099118
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).

O perfil epidemiológico mato-grossense é caracterizado por problemas relacionados à morte materna e uma tripla carga de doenças, que envolve a persistência de doenças parasitárias, infecciosas e desnutrição (Scatena et al., 2014SCATENA, J. H. G. et al. Caracterização das regiões de saúde de Mato Grosso. In: SCATENA, J. H. G.; KEHRIG, R. T.; SPINELLI, M. A. (Org.). Regiões de saúde: diversidade e processo de regionalização em Mato Grosso . São Paulo: Hucitec , 2014. p. 135-167.), características semelhantes aos indicadores de outros estados do Brasil (Mendes, 2015MENDES, E. V. A Construção Social da Atenção Primária à Saúde. Brasília, DF: Conselho Nacional de Secretários de Saúde,2015.). Esse perfil mostra que, no estado, as mortes maternas, os óbitos infantis por causas evitáveis e as doenças crônicas e seus fatores de risco, bem como o aumento dos óbitos por causas externas devido ao crescimento da violência e dos acidentes de trânsito, constituem desafios aos gestores e requerem que o foco da atenção seja ampliado.

Este artigo analisa e discute a conformação da Rede de Atenção à Saúde nas regiões de saúde do estado de Mato Grosso, considerando as diretrizes da Portaria MS/GM nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, e as ações planejadas nos instrumentos de gestão do governo do estado e da Secretaria de Estado de Saúde (SES), no período de 2012 a 2017.

Presume-se que a institucionalização dos instrumentos de gestão para as distintas esferas federativas contribui para a definição de um padrão sistêmico de planejamento, e que a conformação das redes de atenção à saúde no estado pode impactar positivamente na organização do sistema e contribuir para a qualidade da atenção prestada. No entanto, isto requer intervenções diferenciadas frente à relevante desigualdade socioeconômica e à capacidade de oferta de serviços de saúde entre as 16 regiões constituídas para coordenar o processo de regionalização no estado.

Nesse sentido, questiona-se: as ações/atividades expressas em tais documentos são suficientes para estruturar as redes de atenção à saúde de forma regionalizada e fortalecer a APS como coordenadora do cuidado e ordenadora da rede? As ações planejadas são suficientes para capacitar os profissionais, fortalecer a governança, estruturar a rede de atenção e minimizar as diversidades e desigualdades das regiões de saúde do estado e garantir o acesso da população ao sistema de saúde com qualidade e em tempo oportuno?

Metodologia

Trata-se de estudo qualitativo, de natureza exploratório-descritiva, do tipo documental, que analisa os documentos públicos referentes ao planejamento do governo do estado de Mato Grosso na especificidade do setor de saúde. Foram analisados: os Planos Plurianuais (PPA 2012-2015 e 2016-2019), o Plano Estadual de Saúde (2012-2015) e o Plano Estratégico da SES (2012-2019), que consolidam as metas dos dois PPA em um plano único. Tais documentos foram coletados em sítios da internet. Este estudo foca as informações referentes ao período de 2012 a 2017 que enunciam as políticas públicas e as respectivas prioridades para o exercício referido.

A busca pelo registro dos dados contidos em tais documentos se deu pelo objetivo de gerar informações, considerações e estabelecer relações entre o que está previsto na Portaria nº 4.279/2010 e o que foi planejado pelo governo do estado e a SES. A análise ocorreu com base nas diretrizes e estratégias definidas nesta portaria, normativa do Ministério da Saúde, que orienta o processo de conformação das redes de atenção à saúde.

O estado de Mato Grosso conta com uma estimativa populacional de 3.344.544 habitantes (IBGE, 2020IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/ >. Acesso em: 8 jul. 2020.
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) e está dividido em 16 regiões de saúde, que abarcam 141 municípios. Cada região de saúde dispõe de Escritório Regional de Saúde (ERS) vinculado à SES, localizado no município polo da região.

A diversidade das regiões de saúde é dada pelas características sociodemográficas e pelos indicadores socioeconômicos dos municípios que as integram. Há desigualdades na capacidade instalada e nos investimentos públicos e privados, sobretudo nas regiões com baixo dinamismo econômico (Martinelli; Viana; Scatena, 2015MARTINELLI, N. L.; VIANA, A. L. D.; SCATENA, J. H. G. O Pacto pela Saúde e o processo de regionalização no estado de Mato Grosso. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 39, p. 76-90, 2015. Número especial. DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005239
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; Scatena et al., 2014SCATENA, J. H. G. et al. Caracterização das regiões de saúde de Mato Grosso. In: SCATENA, J. H. G.; KEHRIG, R. T.; SPINELLI, M. A. (Org.). Regiões de saúde: diversidade e processo de regionalização em Mato Grosso . São Paulo: Hucitec , 2014. p. 135-167.). Mesmo com tais desigualdades, as regiões têm conseguido manter uma organização minimamente estruturada de seus serviços de saúde e uma regulação interligada ao nível central da SES.

O Quadro 1 apresenta a matriz de análise que estabelece para cada diretriz os respectivos indicadores. A discussão foi pautada pela Portaria nº 4.279/2010, cujas ações propostas devem ser inseridas no planejamento das instituições de saúde a fim de garantir recursos para a sua implantação e assim atender às necessidades da população. Essa normativa propõe sete diretrizes para organizar as redes de atenção de forma regionalizada, com integração entre os diversos pontos de atenção. Para cada diretriz foram selecionados indicadores com o objetivo de reunir elementos que possam responder aos questionamentos do estudo.

Quadro 1
Matriz de análise das informações, segundo as diretrizes para organização das redes de atenção à saúde preconizadas pela Portaria MS/GM noº 4.279/2010

Os dados apresentados são parciais e integram o Projeto de Pesquisa “Análise da governança nas regiões de saúde de Mato Grosso”, vinculado ao Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller (CEP-HUJM), sob parecer no 1.867.560/2016. Faz parte, também, do Projeto “Gestão regional: APS e rede de atenção à saúde (RAS) nas regiões do Estado de Mato Grosso”, que conta com financiamento aprovado pelo edital nº 003/2017/PPSUS/FAPEMAT.

Resultados e discussão

O processo de regionalização da saúde no estado de Mato Grosso, antes de 1995, tinha um caráter mais administrativo e municipalizado, com significativa influência política (Kehrig et al., 2014KEHRIG, R. T. et al. Antecedentes históricos da regionalização da saúde em Mato Grosso. In: SCATENA, J. H. G.; KEHRIG, R. T.; SPINELLI, M. A. (Org.). Regiões de saúde: diversidade e processo de regionalização em Mato Grosso. São Paulo: Hucitec, 2014. p. 111-133.; Mato Grosso, 1995MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Saúde. Política de Saúde em Mato Grosso: diretrizes, estratégias e projetos prioritários. Cuiabá: SES, 1995.).

A partir de 1995, modifica-se o cenário estadual com o novo governo e a consequente mudança na equipe de condução da SES, que assume a prioridade de fortalecer o setor público no SUS. Com base no planejamento, são identificadas as necessidades das regiões de saúde do estado e instituída uma política de saúde regionalizada, que prioriza o fortalecimento da municipalização e insere a SES como protagonista na regionalização da saúde por meio da reestruturação técnica e operacional dos denominados Polos Regionais de Saúde (Martinelli, 2014MARTINELLI, N. L. A regionalização da saúde no Estado de Mato Grosso: o processo de implementação e a relação público-privada na região de saúde do Médio Norte Mato-Grossense. 2014. Tese (Doutorado em Ciências) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.).

Compreende-se que a institucionalidade da regionalização naquele período foi construída em decorrência de uma organização interna da SES, que adotou o planejamento integrado entre o nível central e regional, favorecendo uma reestruturação embasada em instrumentos de gestão e articulação institucional com municípios, distribuição de poder e incentivos financeiros (Kehrig et al., 2014KEHRIG, R. T. et al. Antecedentes históricos da regionalização da saúde em Mato Grosso. In: SCATENA, J. H. G.; KEHRIG, R. T.; SPINELLI, M. A. (Org.). Regiões de saúde: diversidade e processo de regionalização em Mato Grosso. São Paulo: Hucitec, 2014. p. 111-133.; Mato Grosso, 1995MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Saúde. Política de Saúde em Mato Grosso: diretrizes, estratégias e projetos prioritários. Cuiabá: SES, 1995.).

O perfil e a trajetória dos atores políticos, a cultura de negociação intergovernamental e a prioridade na agenda do governo, somados à existência do Plano Estadual de Saúde da SES e do Plano de Desenvolvimento Regional (PDR) que contemplam a organização dos serviços de forma regionalizada, foram determinantes para o avanço da regionalização, entre 1995 e 2002, conforme aponta estudo realizado por Lima et al. (2012LIMA, L. D. et al. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 17, n. 11, p. 2881-2892, 2012. DOI: 10.1590/S1413-81232012001100005
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).

Na vigência do Pacto pela Saúde estavam instituídas em Mato Grosso 14 microrregiões de saúde, cada uma delas contando com um ERS. A regionalização do SUS já era reconhecida e institucionalizada e se trabalhava com fóruns de discussões nas Comissões Intergestores Bipartite (CIB) regionais, criadas a partir de 1995. No entanto, quando se iniciaram os debates para sua implantação, muitas ações regionalizadas estavam enfraquecidas, e tal normativa, naquele momento, representava a oportunidade de retomar as estratégias de fortalecimento da região (Martinelli, 2014MARTINELLI, N. L. A regionalização da saúde no Estado de Mato Grosso: o processo de implementação e a relação público-privada na região de saúde do Médio Norte Mato-Grossense. 2014. Tese (Doutorado em Ciências) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.).

Em 2011, a SES buscou parcerias para aperfeiçoar o processo de planejamento. Para isso, aderiu ao Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (Gespública), que teve por objetivo apoiar órgãos públicos e implementar medidas que pudessem fortalecer a gestão interna. Com base nos instrumentos recomendados e na realização de oficinas de planejamento, a SES/MT identificou as necessidades de saúde da população, definiu prioridades, diretrizes e metas estratégicas (Mato Grosso, 2013MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Saúde. Plano Estratégico da Saúde 2012-2019 & Plano Estadual de Saúde de Mato Grosso 2012-2015. Cuiabá: KCM, 2013.).

Em 2013, a SES/MT aderiu ao Programa de Desenvolvimento Institucional Integrado (PDI), vinculado ao Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE/MT), que foca o referido desenvolvimento, do TCE e de todas as instituições públicas fiscalizadas, fomenta a cultura do planejamento, da transparência, da educação continuada e a adoção de um modelo de administração pública eficiente e inovador (Mato Grosso, 2013MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Saúde. Plano Estratégico da Saúde 2012-2019 & Plano Estadual de Saúde de Mato Grosso 2012-2015. Cuiabá: KCM, 2013.).

Os achados oriundos dos documentos analisados são apresentados por diretrizes (Quadro 2). A primeira delas define ações para fortalecer a APS, torná-la capaz de coordenar o cuidado e ordenar a rede de atenção. Normativas foram editadas pelo Ministério da Saúde no sentido de reorientar o modelo de atenção a partir da APS, entre elas, a criação do Pacs e do PSF/ESF, a formulação da Política Nacional de Atenção Básica em 2006, reformulada em 2011 e 2017, os projetos de incentivo de melhoria da atenção básica, entre outros (Almeida et al., 2018ALMEIDA, P. F. et al. Coordenação do cuidado e atenção primária à saúde no Sistema Único de Saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 42, p. 244-260, 2018.Número especial. DOI: 10.1590/0103-11042018S116
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; Brasil, 2015BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.645, de 2 de outubro de 2015. Dispõe sobre o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1645_01_10_2015.html >. Acesso em: 20 jun. 2022.
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). No entanto, reconhece-se que ainda não foram suficientes para superar a fragmentação dos serviços e reorganizar a rede de atenção por meio da APS neste estado.

Quadro 2
Objetivos/metas extraídas dos Planos Plurianuais do governo, Plano Estadual de Saúde e Plano Estratégico da SES/MT para o período de 2012 a 2017, segundo diretrizes da Portaria MS/GM noº 4.279/2010

Os documentos analisados mostram que foram planejadas metas para ampliar a oferta de serviços, inclusive com cofinanciamento da APS, mas não se pode afirmar que tais incentivos visem a construção, reforma e ampliação da rede de APS. Além disso, também não apresentam ações/metas para implementar a prática da gestão da clínica e organização das linhas de cuidado. Essas práticas são consideradas viabilizadoras, pois permitem integrar os pontos de atenção em redes e ampliar a intervenção para além das doenças, o foco da ação passa a ser o sujeito que participa ativamente na decisão do projeto terapêutico (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Saúde.. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html >. Acesso em: 8 jul. 2020.
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). A falta de planejamento dessas ações pode comprometer o fortalecimento da APS e a qualidade dos serviços contemplados na primeira diretriz, que requerem uma nova concepção de cuidados integrados e multiprofissionais.

O fortalecimento do papel dos Colegiados de Gestão Regional (CGR) no processo de governança da RAS está descrito na diretriz II (Quadro 2). Com a edição do Decreto nº 7.508/2011, os CGR das regiões de saúde foram renomeados como Comissão Intergestores Regional (CIR) que, mantendo a composição dos CGR, fazem a governança nas regiões e são fundamentais para organizar a rede de atenção. É prioridade na organização das redes de atenção qualificar os gestores para a gestão colegiada e a governança, com capacidade deliberativa para desenvolver ações estratégicas que assegurem a resolutividade na rede de atenção regionalizada.

É neste espaço colegiado que a governança das regiões de saúde acontece, considerando os cenários e as diversidades locorregionais. Na CIR, as relações institucionais que ocorrem entre os gestores permitem viabilizar a definição dos objetivos e a pactuação de metas e prazos para operacionalizar as redes de atenção na região e na macrorregião de saúde (Albuquerque et al., 2018ALBUQUERQUE, M. V. et al. Governança regional do sistema de saúde no Brasil: configurações de atores e papel das Comissões Intergovernamentais. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 23, n. 10, p. 3151-3161, 2018. DOI: 10.1590/1413-812320182310.13032018
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).

De forma ampliada, esses instrumentos de gestão mostram a existência de ações/atividades planejadas que podem fortalecer os espaços colegiados, como também ações para qualificar os gestores para a ação cooperada. Embora não se afirme que esta qualificação seja para o processo de governança ou para a organização da RAS, presume-se que, em função das normativas indutoras do Ministério da Saúde, a qualificação programada pode estar relacionada à diretriz citada.

A diretriz III considera que, para organizar as redes de atenção, é fundamental fortalecer a integração das ações de âmbito coletivo da vigilância em saúde com as da assistência, gerenciando o conhecimento necessário à implantação e acompanhamento da RAS e o gerenciamento de risco e de agravos à saúde.

Nos documentos analisados, as ações planejadas contemplam atividades que podem facilitar a articulação da APS com a vigilância em saúde, como também ações intersetoriais (Quadro 2). No entanto, há necessidade de compartilhar tarefas interfederativas que promovam a cooperação e o fortalecimento da APS com condições de operacionalizar, de fato, a vigilância em saúde com a execução de atividades que atendam às necessidades da população.

A diretriz IV apresenta estratégias a serem desenvolvidas com o intuito de fortalecer a política de gestão do trabalho e da educação na saúde na RAS. Entende-se por gestão do trabalho todas as ações de prestação de cuidado direto aos usuários do sistema, bem como aquelas necessárias ao desenvolvimento do trabalhador do SUS.

Desde a criação do SUS, a gestão de um novo processo de trabalho em saúde tem sido discutida e apontada como um instrumento essencial para que esse sistema se efetive como política pública de acesso universal e equânime (Merhy et al., 2020MERHY, E. E. et al. Rede Básica, campo de forças e micropolítica: implicações para a gestão e cuidado em saúde. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 43, p. 70-83, 2020. Número especial 6. DOI: 10.1590/0103-11042019S606
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). Nesse sentido, várias medidas foram adotadas e estabelecidas diretrizes norteadoras para implementar tal gestão nas esferas federativas, entre elas: as recomendações para a instalação da Mesa de Negociação, a implantação do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) e a Política de Educação Permanente (Brasil, 2005BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Princípios e diretrizes para a gestão do trabalho no SUS (NOB/RH-SUS). 3. ed. rev. e atual. Brasília, DF, 2005.; Vieira et al., 2017VIEIRA, S. P. et al. Planos de carreira, cargos e salários no âmbito do Sistema Único de Saúde: além dos limites e testando possibilidades. Saúde em Debate , Rio de Janeiro , v. 41, n. 112, p. 110-121, 2017. DOI: 10.1590/0103-1104201711209
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).

No Quadro 2, destacam-se ações/atividades de capacitação dos trabalhadores, sem que se pudesse qualificá-las, uma vez que a exploração dos Pareps não foi contemplada neste estudo. Também não se observa, nos planejamentos, citações de ações que contemplem a telemedicina, uma ferramenta que oportuniza a capacitação de vários profissionais, sobretudo aqueles de regiões distantes das cidades-polo de regiões e da capital do estado. Fato positivo é o Pareps ter sido citado no plano de trabalho e a proposta de promover a integração entre a gestão, vigilância e atenção à saúde. As atividades planejadas, ainda que ampliadas e não detalhadas, podem criar as condições e facilitar o acesso dos profissionais à educação permanente e resultar em melhorias na qualidade da atenção à saúde oferecida.

Planejar ações para viabilizar a desprecarização da força de trabalho para o SUS e estimular os gestores municipais a implantarem espaços de negociação é relevante, pois pode contribuir e resultar em menor rotatividade de profissionais, uma vez que facilita sua fixação, sobretudo em locais distantes da capital, e gerar benefícios na conformação das redes de atenção. A articulação prevista no Pareps, entre entes federativos e voltadas à gestão, pode, dependendo das capacitações realizadas, contribuir para a implementação da rede de atenção, qualificar a formação de profissionais, além de fomentar mudanças em suas práticas, principalmente relacionadas à APS (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Saúde.. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html >. Acesso em: 8 jul. 2020.
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).

O planejamento da RAS, diretriz V, por ser um instrumento gerencial importante para a gestão e a governança da rede de atenção na região, deve ser discutido e desenvolvido na CIR. Além disso, deve considerar as necessidades e ser pautado por objetivos comuns com definição de prioridades de intervenção na região. O produto desse processo é expresso no PDRI, instrumento que contribui para ordenar os fluxos e contrafluxos dos usuários do sistema, das informações e dos produtos, e permite a definição dos recursos financeiros para cobrir as necessidades, monitoramento e avaliação dos objetivos e metas pactuadas entre os gestores (Mendes, 2011MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011.; Casanova et al., 2017CASANOVA, A. O. Et al. A implementação de redes de atenção e os desafios da governança regional em saúde na Amazônia Legal: uma análise do Projeto QualiSUS-Rede. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 22, n. 4, p. 1209-1224, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017224.26562016
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).

Observa-se nas informações extraídas dos instrumentos de gestão que eles contemplam objetivos/ações para fortalecer o sistema de planejamento com monitoramento, análise e avaliação junto aos municípios (Quadro 2). O apoio descrito aos municípios no processo de planejamento pressupõe a articulação entre os entes federativos e pode contribuir para inserir na agenda governamental do estado as necessidades e as diversidades locorregionais. A PPI, cuja pactuação deve ocorrer de maneira ascendente e espelhar as necessidades dos municípios, requer a condução do estado e a definição de responsabilidades para a conformação de redes regionalizadas com capacidade de efetivar a equidade e a qualidade da atenção de serviços. A modalidade de planejamento estratégico adotado pelo estado pode contribuir para implementar a rede de atenção na região e fortalecer a sua governança.

A organização das redes de atenção à saúde regionalizada, citada na diretriz VI, requer a estruturação da regulação assistencial, tendo como base um território definido com população vinculada a unidades de APS e pontos de atenção especializada. A inter-relação entre profissionais generalistas e especializados deve estar pautada pela clara definição de papéis da APS e pontos de atenção, e apoiada por sistemas logísticos (Mendes, 2015MENDES, E. V. A Construção Social da Atenção Primária à Saúde. Brasília, DF: Conselho Nacional de Secretários de Saúde,2015.).

Os sistemas logísticos, também citados nesta diretriz, promovem a integração dos pontos de atenção à saúde por meio de uma estrutura organizada com sistemas de referência e contrarreferência, sistemas de identificação e acompanhamento dos usuários, centrais de regulação, registro eletrônico dos prontuários clínicos e transporte sanitário. Além disso, é necessário dispor de sistema de apoio e diagnóstico, assistência farmacêutica e informações de saúde (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Saúde.. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html >. Acesso em: 8 jul. 2020.
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).

Os documentos analisados contemplam ações para organizar a oferta e demanda, inclusive com ampliação dos serviços prioritários a serem pactuados entre gestores por meio da PPI (Quadro 2). A proposta de implementação dos complexos reguladores estaduais, regionais e municipais demonstra a intenção de melhorar a função reguladora com reestruturação da gestão da informação em saúde, mas não há registros quanto a ações/atividades referentes ao transporte sanitário, ao prontuário eletrônico e aos medicamentos. A ausência de tais ações pode comprometer a implementação das redes, a comunicação entre os pontos de atenção e não assegurar o acesso do usuário ao sistema. Por outro lado, se programadas, podem melhorar a comunicação em rede e os processos de gestão e governança na região.

De acordo com o modelo federativo brasileiro, a organização da rede de atenção regionalizada de qualidade a partir da APS deve ocorrer por meio do financiamento tripartite que conjugue a autonomia dos três entes federativos (Lima et al., 2012LIMA, L. D. et al. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 17, n. 11, p. 2881-2892, 2012. DOI: 10.1590/S1413-81232012001100005
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). A organização proposta na diretriz VII requer a atuação articulada entre entes federativos e a definição de ações/estratégias que considerem as especificidades de cada região. Tais ações são essenciais para oferecer as condições básicas para que a APS possa ser, de fato, a coordenadora do cuidado e a ordenadora da rede (Opas, 2011OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde. A atenção à saúde coordenada pela APS: construindo as redes de atenção no SUS: contribuições para o debate. Brasília, DF, 2011.).

A diretriz VII define as ações estratégicas em relação ao financiamento do sistema na perspectiva da RAS. Observa-se nos documentos analisados que existem ações planejadas para organizar a rede de atenção e ampliar e diversificar serviços de atenção de média e alta complexidade e hospitalares (Quadro 2). Além disso, é referida uma ação para monitorar a execução financeira, mas não se observam ações/estratégias de incentivo e financiamento para uma política de saúde regionalizada e diferenciada para minimizar as diversidades regionais.

Na década de 2010, uma pesquisa nacional multicêntrica investigou as RAS nas regiões de saúde brasileiras, propondo uma tipologia nacional para estes territórios (Ferreira; Dini, 2011FERREIRA, M. P.; DINI, N. P. Tipologia nacional dos colegiados de gestão regional. In: VIANA, A. L. D.; LIMA, L. D. (Org.). Regionalização e relações federativas na política de saúde do Brasil. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011. p. 67-80.; Viana et al., 2015VIANA, A. L. D. et al. Tipologia das regiões de saúde: condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 413-422, 2015. DOI: 10.1590/S0104-12902015000200002
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): grupo 1 (baixo desenvolvimento socioeconômico e baixa oferta de serviços); grupo 2 (médio/alto desenvolvimento socioeconômico e baixa oferta de serviços); grupo 3 (médio desenvolvimento socioeconômico e média oferta de serviços); grupo 4 (alto desenvolvimento socioeconômico e média oferta de serviços); e grupo 5 (alto desenvolvimento socioeconômico e alta oferta de serviços).

Dentro da tipologia proposta, as 16 regiões de saúde do estado de Mato Grosso enquadram-se nos tipos 1, 2 e 4, ou seja, há escassez de serviços em todas as regiões de saúde, exceto na tipologia 4, em que a oferta de serviços é média (Albuquerque et al., 2017ALBUQUERQUE, M. V. et al. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 4, p. 1055-1064, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017224.26862016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017224...
; Viana et al., 2015VIANA, A. L. D. et al. Tipologia das regiões de saúde: condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 413-422, 2015. DOI: 10.1590/S0104-12902015000200002
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). Outras publicações oriundas da mesma pesquisa ratificam tal escassez, além da concentração de serviços de média e alta complexidade na capital do estado e da diversidade de arranjos de governança da saúde entre as regiões (Lima et al., 2017LIMA, L. D. et al. Arranjos de governança regional da assistência especializada nas regiões de saúde do Brasil. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 17, p. 121-133, 2017. DOI: 10.1590/1806-9304201700S100006
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, 2019LIMA, L. D. et al. Arranjos regionais de governança do Sistema Único de Saúde: diversidade de prestadores e desigualdade espacial na provisão de serviços. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 35, 2019. DOI: 10.1590/0102-311X00094618
https://doi.org/10.1590/0102-311X0009461...
). A escassez de serviços nas regiões de saúde de Mato Grosso requer da SES prioridade no sentido de garantir uma política de financiamento que atenda às necessidades assistenciais, considerando as desigualdades e os vazios assistenciais existentes. Se priorizada, a rede de atenção pública pode ser fortalecida e corresponder ao preconizado no Decreto nº 7.508/2011 quanto à organização de uma região de saúde.

Considerações finais

Os instrumentos de gestão PPA, do governo de estado, e o Plano Estratégico e Plano Estadual de Saúde, da SES/MT, referente ao período de 2012 a 2017, analisados com base nas diretrizes da Portaria nº 4.279/2010, que cria as condições normativas para a gestão regional das redes do SUS, mostraram que nem todas as ações estratégicas recomendadas estão planejadas e podem comprometer a conformação de redes regionalizadas de atenção à saúde neste estado.

Desde a sua implementação, o SUS tem contribuído para a melhoria dos níveis de saúde da população brasileira, como também em Mato Grosso, mas é preciso avançar e viabilizar ações/atividades que possam contribuir com a reestruturação das redes de atenção à saúde regionalizada, fortalecer a APS como coordenadora do cuidado e ordenadora da rede. É preciso não apenas aumentar a cobertura da APS, como foi planejado, mas investir na construção, na reforma e na ampliação da estrutura física da rede pública do SUS, qualificar a assistência e melhorar a qualidade da atenção à saúde, implantando a prática da gestão da clínica e organizando as linhas de cuidado.

Foram planejadas ações/atividades de educação permanente para os profissionais do SUS, mas são amplas e não especificam se os profissionais da rede municipal estão contemplados. Não se pode dizer se impactarão de forma positiva na implementação da APS e da rede de atenção à saúde. Há que se intensificar as relações interfederativas para discutir o PCCS condizente com a carreira pública do SUS, desprecarizar o trabalho, investir em educação permanente e apoio logístico, interligar a rede de atenção, apoiar os municípios na expansão da telemedicina, facilitar o acesso dos profissionais às informações e assim melhorar a qualidade da atenção.

Para a constituição de redes de atenção à saúde coordenadas pela APS, é imperativo que os integrantes da CIR também sejam qualificados e fortalecidos para enfrentar os desafios da governança da RAS com decisões consensuadas e harmônicas entre estados e municípios, com maior clareza quanto ao papel dos municípios e da gestão estadual do SUS frente às necessidades populacionais locorregionais.

A estruturação de redes de atenção à saúde requer o estabelecimento de uma política de financiamento e de investimentos para atender às necessidades assistenciais nas regiões, praticamente não contemplada nos instrumentos de planejamento do governo e da SES, o que compromete a implementação da RAS e intensifica ainda mais as desigualdades regionais.

Por fim, pode-se dizer que as ações planejadas nos documentos analisados contemplam as diretrizes da regionalização da saúde e de fortalecimento da APS, mas não são suficientes para dotar a APS com capacidade de ser coordenadora do cuidado e ordenadora da rede. É preciso interligar os níveis de atenção, alinhar o modelo de gestão e de atenção à saúde às diretrizes orientadoras da RAS, fortalecer a relação entre os entes federativos para esse novo modelo de gestão, que contempla a governança compartilhada dos pontos de atenção respeitando sua autonomia.

A transição demográfica acelerada e de tripla carga de doenças impõe aos gestores desafios urgentes no sentido de implementar políticas públicas articuladas entre entes federativos, baseadas na lógica da cooperação e complementaridade, caso contrário, as diversidades e desigualdades entre as regiões de saúde do estado podem aumentar e não garantir o acesso da população ao sistema de saúde com qualidade e tempo oportuno.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2022
  • Aceito
    12 Ago 2022
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br