Construções de masculinidades entre pessoas moradoras de rua: uma revisão de escopo

Constructions of masculinity among homeless persons: a scoping review

Matheus de Abreu Dalvan Antônio de Campos Heitor Mondardo Cardoso Mônica Machado Cunha e Mello Rodrigo Otávio Moretti-Pires Sobre os autores

Resumo

Nesta revisão objetivou-se investigar e sintetizar o que há na literatura científica sobre as relações entre as masculinidades e as pessoas moradoras de rua, com enfoque em relações sociais, trajetória e processo saúde-doença. Foi feita uma busca sistemática em dez bases de dados com os descritores: “Masculinities”, “Hegemonic Masculinities”, “Gender Identity” e “Homeless Persons”, “Homeless, Roofless” e “Houseless”. Obteve-se 2.459 resultados, com 25 referências finais após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, compostas em grande parte por estudos internacionais. Identificou-se seis temas-chave: Masculinidade enquanto prática performativa nas ruas, Masculinidades e relações de violência nas ruas, Masculinidades entre homens moradores de rua: percepções de liberdade e encarceramento, Paternidade dos homens moradores de rua, Estigmas e deságios no processo de busca pela masculinidade hegemônica nas ruas e Masculinidades como determinante social de saúde nas ruas. A revisão aborda as influências das masculinidades entre a População Moradora de Rua (PMR), destacando sua transversalidade nas vivências e atitudes do grupo, e explora a relação entre masculinidades e violência, os desafios na paternidade e os estigmas ligados à condição de vida nas ruas e impactos na saúde. Conclui-se que as normas sociais relacionadas ao masculino atuam como uma forma de se adaptar as vidas nas ruas, mas influenciam negativamente no processo saúde-doença da PMR, em especial dos homens.

Palavras-chave:
Masculinidades; Pessoas em Situação de Rua; Revisão de Escopo

Abstract

This study aimed to investigate and synthesize the scientific literature regarding the relationships between masculinities and individuals experiencing homelessness by focusing on social relationships, life trajectories, and the health-disease process. A systematic search was conducted in 10 databases using the following descriptors: “Masculinities,” “Hegemonic Masculinities,” “Gender Identity,” “Homeless Persons,” “Homeless, Roofless,” and “Houseless.” In total, 2459 results were retrieved. Overall, 25 studies remained after the application of inclusion and exclusion criteria, most of which were international studies. This study identified six key themes: 1) Masculinity as a performative practice on the streets, 2) Masculinities and relationships of violence on the streets, 3) Masculinities among men experiencing homelessness: perceptions of freedom and imprisonment, 4) Fatherhood among men experiencing homelessness, 5) Stigmas and challenges in the pursuit of hegemonic masculinity on the streets, and 6) Masculinities as a social determinant of health on the streets. This review addresses the influences of masculinities on individuals experiencing homelessness, emphasizing the cross-cutting nature of these ideals in the experiences and attitudes of this group. It explores the relationship between masculinities and violence, as well as addressing challenges in fatherhood. It highlights stigmas linked to the condition of being homeless that impact health and quality of life. It is concluded that social norms related to masculinity act negatively as social determinants of health for the homeless population, especially men.

Keywords:
Masculinities; Homeless Persons; Scoping Review

Introdução

Os estudos de gênero propõem a reflexão para o campo da saúde de que as categorias masculino e feminino são construções sociais instáveis que se reificam na reiteração das práticas cotidianas, uma crítica em contraposição à noção biológica, que faz uma associação direta entre sexo e gênero (Butler, 2013BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. 236 p. Tradução de Renato Aguiar.). Assim, passa-se a pensar gênero como um determinante social de saúde, sendo que as características e práticas de masculinidades passam a ser observadas como determinantes do processo saúde-doença. Tal relação vem sendo observada em diversos grupos de homens, inclusive em populações vulneráveis, como as pessoas moradoras de rua (Campos; Cardoso; Moretti-Pires, 2020CAMPOS, D. A.; CARDOSO, H. M.; MORETTI-PIRES, R. O. Vivências de pessoas LGBT em situação de rua e as relações com a atenção e o cuidado em saúde em Florianópolis, SC. Saúde em Debate, Florianópolis, v. 43, p. 79-90, 2020. DOI: 10.1590/0103-11042019S806
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; Campos; Moretti-Pires, 2018CAMPOS, D. A.; MORETTI-PIRES, R. O. Trajetórias sociais de gays e lésbicas moradores de rua de Florianópolis (SC), 2016. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 26, n. 2, p. e45995, 2018. DOI: 10.1590/1806-9584-2018v26n245995
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).

Preciado (2017PRECIADO, P. B. Manifesto Contrassexual. 2. ed. São Paulo: Zahar, 2017.) aponta, a partir de estudos de Donna Haraway, a noção de que o homem é o ordenador social, aquele que é o detentor do poder e das tecnologias, ocupando um lugar hegemônico na sociedade. Assim, as construções de masculinidades envolvem atributos, comportamentos e práticas relacionadas ao “ser homem”, construídos dentro de um sistema de gênero. Conforme Connell (1995CONNEL, R. W. Políticas da masculinidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 185-206, 1995., p. 188), as masculinidades são “uma configuração de prática em torno da posição dos homens na estrutura das relações de gênero”, ou seja, não são identidades, mas sim práticas mais ou menos estáveis que se apresentam em formas hegemônicas, cúmplices e subalternas (Connell, 1995CONNEL, R. W. Políticas da masculinidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 185-206, 1995.).

A proposta teórica de Connell (1995CONNEL, R. W. Políticas da masculinidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 185-206, 1995.) despertou críticas pós-estruturalistas por seu caráter hierárquico e estático, sendo articulada posteriormente com a performatividade de gênero para ampliar sua aplicação (Thürler; Medrado, 2020THÜRLER, D.; MEDRADO, B. Masculinidades contemporâneas em disputa//Contemporary masculinities in dispute. Revista Periódicus, Salvador, v. 1, n. 13, p. 1-8, 2020. DOI: 10.9771/peri.v1i13.38036
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). A própria autora reconhece algumas dessas limitações e propõe o uso de uma perspectiva mais complexa da hierarquia de gênero, com ênfase na agência das mulheres, bem como no reconhecimento das interseccionalidades e na abordagem mais dinâmica e fluida das construções de masculinidades, em especial as hegemônicas, compreendendo e reconhecendo suas contradições internas (Connell; Messerschmidt, 2013CONNELL, R. W.; MESSERSCHMIDT, J. W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013. DOI: 10.1590/S0104-026X2013000100014
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).

Apesar disso, o conceito de masculinidades fez emergir uma série de estudos com grupos específicos de homens, considerando a pluralidade das masculinidades e sua influência pelo contexto e normas da sociedade, da cultura e da economia (Connell; Messerschmidt, 2013CONNELL, R. W.; MESSERSCHMIDT, J. W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013. DOI: 10.1590/S0104-026X2013000100014
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). Entre esses grupos de homens, destaca-se a existência de pesquisas direcionadas aos que vivem nas ruas (Allison; Klein, 2021ALLISON, K.; KLEIN, B. R. Pursuing hegemonic masculinity through violence: an examination of anti-homeless bias homicides. Journal of Interpersonal Violence, Beverly Hills, v. 36, n. 13-14, p. 6859-6882, 2021. DOI: 10.1177/0886260518821459
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; Genuchi, 2019GENUCHI, M. C. Masculinity and suicidal desire in a community sample of homeless men: bringing together masculinity and the interpersonal theory of suicide. Journal of Men’s Studies , Londres, v. 27, n. 3, p. 329-342, 2019. DOI: 10.1177/1060826519846428
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; Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
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; Nonn, 1995NONN, T. Hitting bottom: homelessness, poverty and masculinities. Theology and Sexuality, v. 3, n. 1, p. 11-26, 1995. DOI: 10.1177/135583589500300102
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; Rice et al., 2017RICE, A. et al. Perceptions of masculinity and fatherhood among men experiencing homelessness. Psychological Services, Washington, DC, v. 14, n. 2, p. 257-268, 2017. DOI: 10.1037/ser0000134
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), enfoque deste trabalho.

Conforme a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua (Brasil, 2009BRASIL. Política Nacional para inclusão Social da População em situação de Rua. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009.), este é um grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. Neste trabalho, faz-se o uso do termo “moradores de rua” com suas variações, alinhando-se a autores que valorizam o uso de termo nativo, ou seja, a forma como esse grupo se identifica e não como são identificados pelo Estado (Campos, 2021CAMPOS, D. A. Homens de atitude: uma etnografia das construções de masculinidades, suas relações com a vida nas ruas e a saúde de homens moradores de rua de Florianópolis - SC. 2021. 240 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.).

A População Moradora de Rua (PMR) apresenta franco crescimento no Brasil (Brasil, 2023BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. População em Situação de Rua: diagnóstico com base nos dados e informações disponíveis em registros administrativos e sistemas do governo federal. Brasília, DF: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 2023.) e em outros países do mundo, como Inglaterra, Espanha, Irlanda, Alemanha, Portugal, EUA e Austrália (OECD, 2017OECD - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Social Policy Division: Directorate of Employment, Labour and Social Affairs. Homeless Population. Paris: OECD, 2017.; Fitzpatrick et al., 2017FITZPATRICK, S. et al. The homelessness monitor: England 2017. London: Crisis Head Office, 2017.; Henry et al., 2017HENRY, M. et al. The 2017 Annual Homeless Assessment Report (AHAR) to Congress. USA: The U.S. Department of Housing And Urban Development, 2017.; Homeleness in Australia, 2016HOMELENESS IN AUSTRALIA. 2014-15 Annual Report. Homeleness in Australia: Lyneham, 2016.), representando um fenômeno global relacionado às desigualdades sociais e à falta e ineficiência de políticas públicas voltadas para esse grupo (Tojal, 2022TOJAL, A. População em situação de rua no Brasil e no mundo: invisíveis ou indesejáveis?. In: ABRANTES, P.; LECHNER, E (coord.). Nós Globais: Investigações em curso sobre Questões da Globalização. Lisboa: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2022. p. 171-196.). Destaca-se que essa população é formada majoritariamente por homens (Homeleness in Australia, 2016HOMELENESS IN AUSTRALIA. 2014-15 Annual Report. Homeleness in Australia: Lyneham, 2016.; Brasil, 2023BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. População em Situação de Rua: diagnóstico com base nos dados e informações disponíveis em registros administrativos e sistemas do governo federal. Brasília, DF: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 2023.; Henry et al., 2017HENRY, M. et al. The 2017 Annual Homeless Assessment Report (AHAR) to Congress. USA: The U.S. Department of Housing And Urban Development, 2017.). No Brasil, cerca de 82% da PMR é composta por homens (Brasil, 2023BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. População em Situação de Rua: diagnóstico com base nos dados e informações disponíveis em registros administrativos e sistemas do governo federal. Brasília, DF: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 2023.), na Austrália, cerca de 70% (Homeleness in Australia, 2016HOMELENESS IN AUSTRALIA. 2014-15 Annual Report. Homeleness in Australia: Lyneham, 2016.) e nos EUA, 61% (Henry et al., 2017HENRY, M. et al. The 2017 Annual Homeless Assessment Report (AHAR) to Congress. USA: The U.S. Department of Housing And Urban Development, 2017.).

Assim, aspectos das construções de masculinidades atravessam as vivências e experiências da PMR e estão relacionados às suas práticas cotidianas e saúde (Campos, 2021CAMPOS, D. A. Homens de atitude: uma etnografia das construções de masculinidades, suas relações com a vida nas ruas e a saúde de homens moradores de rua de Florianópolis - SC. 2021. 240 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.). Entre os Homens Moradores de Rua (HMR) há uma multiplicidade na forma de performar as masculinidades, todavia pesquisas apontam que a relação do masculino com o espaço público, atitudes de autossuficientes, força e violência são mobilizadas no processo de ida para as ruas, bem como no enfrentamento às situações de vulnerabilidade nesse contexto (Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
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; Powell, 2005POWELL, K. J. M. Homeless manhood. San Jose, CA, USA: San Jose State University, 2005.).

Neste sentido, observa-se que os HMR integram um grupo em extrema vulnerabilidade, visto que, além das condições de privações materiais, são desprovidos de meios que lhes permitam o exercício de práticas de masculinidades prescritas socialmente (Nonn, 1995NONN, T. Hitting bottom: homelessness, poverty and masculinities. Theology and Sexuality, v. 3, n. 1, p. 11-26, 1995. DOI: 10.1177/135583589500300102
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). Entretanto, no contexto das ruas, percebe-se que há produção e reprodução de práticas de masculinidades específicas às condições de vida dos HMR (Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
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; Campos, 2021CAMPOS, D. A. Homens de atitude: uma etnografia das construções de masculinidades, suas relações com a vida nas ruas e a saúde de homens moradores de rua de Florianópolis - SC. 2021. 240 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.; Nonn, 1995NONN, T. Hitting bottom: homelessness, poverty and masculinities. Theology and Sexuality, v. 3, n. 1, p. 11-26, 1995. DOI: 10.1177/135583589500300102
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; Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
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). Apesar dessas evidências, ainda não se identifica na literatura uma revisão dos principais estudos sobre masculinidades e PMR, com enfoque na relação gênero e processo saúde-doença.

Mediante isso, esta revisão objetiva analisar os usos das masculinidades em estudos feitos com pessoas moradoras de rua e que foram publicados na literatura internacional, com enfoque nas relações sociais, trajetória e processo saúde-doença.

Métodos

Trata-se de uma revisão de escopo na qual se utilizou o manual do Joanna Briggs Institute (Peters et al., 2020PETERS, M. D. J. et al. Scoping reviews. In: AROMATARIS, E.; MUNN, Z. (Ed.). JBI manual for evidence synthesis. Adelaide: JBI, 2020.), que propõe a síntese de resultados e temáticas amplas ou em desenvolvimento. O enfoque foi examinar e mapear o que há publicado na literatura sobre a relação entre as masculinidades e a PMR. A questão da pesquisa foi: “O que se sabe na literatura científica sobre masculinidades entre pessoas moradoras de rua?”.

Para sistematizar a escrita do trabalho, optou-se pela utilização das recomendações do PRISMA-SrC, um checklist com 21 itens específicos para melhorar a qualidade das revisões de escopo (Tricco et al., 2018TRICCO, A. C. et al. PRISMA extension for scoping reviews (PRISMA-ScR): checklist and explanation. Annals of internal medicine, Philadelphia, v. 169, n. 7, p. 467-473, 2018. DOI: 10.7326/M18-0850
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).

As buscas foram realizadas em inglês, espanhol e português, entre os dias 4 e 20 de maio de 2022. Utilizaram-se sete bases de dados: PubMed, Scielo, CINAHL, Web of Science, Scopus, LILACS e PsycInfo; e mapeamento na literatura cinza: Google Scholar, ProQuest e Open Grey. No PubMed foi utilizada a chave de busca, que foi adaptada para as buscas nas demais: “Masculinity”[MeSH] OR “Masculinity” OR “Hegemonic Masculinities” OR “Hegemonic Masculinity” OR “Masculinities” OR “Gender Identity”[MeSH] OR “Gender Identity” OR “Gender”.

Nesta revisão não houve recortes de tempo, local, faixa etária ou gênero. Dois membros da equipe de pesquisa realizaram todas as etapas de maneira independente, incluindo as buscas nas bases. A seleção dos artigos começou pela leitura dos títulos; em seguida, os trabalhos, selecionados por título, foram avaliados pelo resumo; e, por fim, foi realizada a leitura na íntegra para compor o corpus final de artigos para análise na revisão. Mediante o processo duplo-cego de seleção, em caso de divergências entre os revisores na etapa, um terceiro avaliador deliberou sobre a inclusão ou não em caráter final.

Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: ser artigo ou trabalhos originais de abordagem quantitativa ou qualitativa; ter enfoque teórico na temática das masculinidades; ter população do estudo composta por moradores de rua; e abordar na pesquisa aspectos das relações sociais, trajetória e saúde. Foram adotados como critérios de exclusão: ser artigo teórico, revisão de literatura, ensaio e intervenção clínica ou relato de experiência; trabalhos que utilizam a categoria sexo ou gênero somente para estratificar a população do estudo; e artigos que somente compararam quantitativamente as características específicas de homens, mulheres, e LGBTQIA+ moradores de rua, sem aprofundamento teórico.

Para extrair dados, foram lidos na íntegra os artigos incluídos; os metadados autores, ano, país, palavras-chave e tipo de artigo e as informações sobre os principais resultados foram inseridos em planilha de Microsoft Excel para posterior análise. Foi feita uma análise temática (Braun; Clarke; Rance, 2014BRAUN, V.; CLARKE, V.; RANCE, N. How to use thematic analysis with interview data. In: VOSSLER, A.; MOLLER, N. (Org.). The counselling and psychotherapy research handbook. London: Sage, 2014. p. 183-197.) para organizar e categorizar os resultados dos artigos incluídos. O agrupamento de artigos nos temas-chave encontrados na etapa de categorização consistiu na identificação de vínculos entre os pontos e na síntese dos estudos, com o intuito de classificar e reclassificar o material produzido de acordo com a pergunta estabelecida para esta revisão de escopo.

Resultados e discussão

Através da busca realizada obteve-se um total de 2.495 artigos. Destes, 25 foram incluídos, após seleção pelos critérios de inclusão e exclusão, nesta revisão de escopo, conforme Figura 1.

Figura 1
Fluxograma da revisão

Identificou-se que 60% dos artigos incluídos são oriundos de pesquisas dos Estados Unidos, seguindo de estudos no Canadá (16%) e no Reino Unido (12%). Em relação ao período das pesquisas, identificou-se estudos desde 1995, sendo que a grande concentração e aumento da produção ocorreu entre os anos de 2017 e 2022.

Os periódicos das publicações são das áreas de gênero, masculinidades, sociologia, psicologia e estudos de família, sendo que em grande parte os estudos são interdisciplinares, analisando aspectos da saúde dos HMR, ou ainda abordando os determinantes sociais de saúde dessa população. O Quadro 1 apresenta os dados bibliométricos desses estudos.

Quadro 1
Características dos estudos incluídos

A partir da análise temática foram identificados seis temas-chaves: 1) Masculinidade enquanto prática performativa nas ruas, 2) Masculinidades e relações de violência nas ruas, 3) Masculinidades entre homens moradores de rua: percepções de liberdade e encarceramento, 4) Paternidade entre homens moradores de rua, 5) Estigmas e deságios no processo de busca pela masculinidade hegemônica nas ruas e 6) Masculinidades como determinante social de saúde nas ruas.

Masculinidade enquanto prática performativa nas ruas

As masculinidades se apresentam enquanto ferramenta para que os HMR possam lidar e se contrapor às violências institucionais e interpessoais sofridas (Higate, 2000HIGATE, P. Ex-servicemen on the road: travel and homelessness. The Sociological Review, Londres, v. 48, n. 3, p. 331-348, 2000. DOI: 10.1111/1467-954X.002
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; Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
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; Powell, 2005POWELL, K. J. M. Homeless manhood. San Jose, CA, USA: San Jose State University, 2005.; Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
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). Assim, o masculino é sinônimo de força e de agressão, e se torna referência para sobrevivência em um cenário de desigualdade social (Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
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). Aliada à situação de vulnerabilidade no contexto da rua, esse referencial do que é “ser homem” se vincula a práticas de crime e violência nas relações interpessoais, trazendo situações conflitantes e prejudiciais aos HMR (Powell, 2005POWELL, K. J. M. Homeless manhood. San Jose, CA, USA: San Jose State University, 2005.).

Alguns trabalhos destacam que práticas violentas estão mais presentes quando a masculinidade é posta à prova por meio de situações que são compreendidas como “desafios” (Higate, 2000HIGATE, P. Ex-servicemen on the road: travel and homelessness. The Sociological Review, Londres, v. 48, n. 3, p. 331-348, 2000. DOI: 10.1111/1467-954X.002
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; Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
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). Esses desafios envolvem tanto a noção de corpo masculino, que deve demonstrar seus atributos de força física, quanto a capacidade de resolução de problemas. O masculino está relacionado à defesa da honra e à disputa física das capacidades pessoais, culminando em impactos negativos na sociabilidade dos HMR, na dificuldade de relacionamento e na relutância em buscar/aceitar auxílio (Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
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). Dessa forma, a população masculina maximiza sua permanência e relação com as ruas, o que pode ocasionar, em alguns casos, uma romantização do contexto em que vivem (Higate, 2000HIGATE, P. Ex-servicemen on the road: travel and homelessness. The Sociological Review, Londres, v. 48, n. 3, p. 331-348, 2000. DOI: 10.1111/1467-954X.002
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; Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
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).

As práticas de masculinidades não se limitam aos corpos masculinos no contexto das ruas, pois mulheres cisgêneros moradoras de rua criam estratégias a partir dessas práticas como forma de proteção e segurança, tais como: simulacro de masculinidade, ausência de gênero e “butch”/“femme”. Essa adaptação acontece principalmente pela linguagem de sobrevivência e proteção nas ruas, que prioriza a agressão física e verbal, ligadas ao masculino (Huey; Berndt, 2008HUEY, L.; BERNDT, E. ‘You’ve Gotta Learn how to Play the Game’: Homeless Women’s Use of Gender Performance as a Tool for Preventing Victimization. The Sociological Review , Londres, v. 56, n. 2, p. 177-194, 2008. DOI: 10.1111/j.1467-954X.2008.00783
https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.2008...
; Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
https://doi.org/10.22456/1982-8918.10675...
).

Masculinidades e relações de violência nas ruas

Identificou-se a relação entre violência e masculinidade, sendo que no contexto da rua os homens são atores e alvos de atos violentos, sejam estes físicos ou de outras naturezas (Allison; Klein, 2021ALLISON, K.; KLEIN, B. R. Pursuing hegemonic masculinity through violence: an examination of anti-homeless bias homicides. Journal of Interpersonal Violence, Beverly Hills, v. 36, n. 13-14, p. 6859-6882, 2021. DOI: 10.1177/0886260518821459
https://doi.org/10.1177/0886260518821459...
; Kennelly, 2020KENNELLY, J. Urban masculinity, contested spaces, and classed subcultures: young homeless men navigating downtown Ottawa, Canada. Gender, Place and Culture, Abingdon, v. 27, n. 2, p. 281-300, 2020. DOI: 10.1080/0966369X.2019.1650724
https://doi.org/10.1080/0966369X.2019.16...
; Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
https://doi.org/10.22456/1982-8918.10675...
). Tratando-se dos HMR como alvos de violência, pode-se identificar duas situações: o próprio autor da cena é uma pessoa moradora de rua (Kennelly, 2020KENNELLY, J. Urban masculinity, contested spaces, and classed subcultures: young homeless men navigating downtown Ottawa, Canada. Gender, Place and Culture, Abingdon, v. 27, n. 2, p. 281-300, 2020. DOI: 10.1080/0966369X.2019.1650724
https://doi.org/10.1080/0966369X.2019.16...
; Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
https://doi.org/10.22456/1982-8918.10675...
); e o autor é um sujeito pertencente a outro grupo social (Allison; Klein, 2021ALLISON, K.; KLEIN, B. R. Pursuing hegemonic masculinity through violence: an examination of anti-homeless bias homicides. Journal of Interpersonal Violence, Beverly Hills, v. 36, n. 13-14, p. 6859-6882, 2021. DOI: 10.1177/0886260518821459
https://doi.org/10.1177/0886260518821459...
; Kennelly, 2020KENNELLY, J. Urban masculinity, contested spaces, and classed subcultures: young homeless men navigating downtown Ottawa, Canada. Gender, Place and Culture, Abingdon, v. 27, n. 2, p. 281-300, 2020. DOI: 10.1080/0966369X.2019.1650724
https://doi.org/10.1080/0966369X.2019.16...
).

A vivência na rua é ditada pelo controle dos espaços e pelas lutas por territórios, formas de resistência e estratégias de sobrevivência (Allison; Klein, 2021ALLISON, K.; KLEIN, B. R. Pursuing hegemonic masculinity through violence: an examination of anti-homeless bias homicides. Journal of Interpersonal Violence, Beverly Hills, v. 36, n. 13-14, p. 6859-6882, 2021. DOI: 10.1177/0886260518821459
https://doi.org/10.1177/0886260518821459...
). As experiências dos HMR são moldadas por aspectos de gênero e classe, aliadas a uma demonstração da masculinidade no espaço urbano sob condições de extrema vulnerabilidade (Kennelly, 2020KENNELLY, J. Urban masculinity, contested spaces, and classed subcultures: young homeless men navigating downtown Ottawa, Canada. Gender, Place and Culture, Abingdon, v. 27, n. 2, p. 281-300, 2020. DOI: 10.1080/0966369X.2019.1650724
https://doi.org/10.1080/0966369X.2019.16...
). Assim, os homens buscam estratégias como “atacar para se defender”, bem como desempenham atributos entendidos como valentia e coragem, sustentados nas violências físicas e/ou verbais (Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
https://doi.org/10.22456/1982-8918.10675...
). Entretanto, alguns trabalhos apontam que HMR desafiam e contrapõem os ideais masculinos hegemônicos, com manifestação de cuidado e solidariedade (Allison; Klein, 2021ALLISON, K.; KLEIN, B. R. Pursuing hegemonic masculinity through violence: an examination of anti-homeless bias homicides. Journal of Interpersonal Violence, Beverly Hills, v. 36, n. 13-14, p. 6859-6882, 2021. DOI: 10.1177/0886260518821459
https://doi.org/10.1177/0886260518821459...
; Kennelly, 2020KENNELLY, J. Urban masculinity, contested spaces, and classed subcultures: young homeless men navigating downtown Ottawa, Canada. Gender, Place and Culture, Abingdon, v. 27, n. 2, p. 281-300, 2020. DOI: 10.1080/0966369X.2019.1650724
https://doi.org/10.1080/0966369X.2019.16...
).

Em relação às violências sofridas pelos HMR, outros grupos sociais tendem a manifestá-las por meio de violência discriminatória como forma de “ação corretiva” a esse grupo vulnerável, para se diferenciar e reforçar os seus ideais de masculinidade (Allison; Klein, 2021ALLISON, K.; KLEIN, B. R. Pursuing hegemonic masculinity through violence: an examination of anti-homeless bias homicides. Journal of Interpersonal Violence, Beverly Hills, v. 36, n. 13-14, p. 6859-6882, 2021. DOI: 10.1177/0886260518821459
https://doi.org/10.1177/0886260518821459...
). O comportamento agressivo direcionado aos HMR também é perpetrado por agentes de segurança (Kennelly, 2020KENNELLY, J. Urban masculinity, contested spaces, and classed subcultures: young homeless men navigating downtown Ottawa, Canada. Gender, Place and Culture, Abingdon, v. 27, n. 2, p. 281-300, 2020. DOI: 10.1080/0966369X.2019.1650724
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), pelo poder de controle ao acesso e permanência em espaços considerados impróprios para homens cujo comportamento e existência são percebidos como desafiantes aos ideais de masculinidades vigentes na sociedade (Allison; Klein, 2021ALLISON, K.; KLEIN, B. R. Pursuing hegemonic masculinity through violence: an examination of anti-homeless bias homicides. Journal of Interpersonal Violence, Beverly Hills, v. 36, n. 13-14, p. 6859-6882, 2021. DOI: 10.1177/0886260518821459
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).

Por outro lado, entre a PMR, as masculinidades também são reafirmadas por meio de atos violentos praticados como uma afirmação da honra masculina, já ferida e ameaçada pela condição atual (Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
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). Ainda nesse contexto, a “dureza” masculina, como técnica de violência para o controle corporal, muitas vezes se demonstra necessária para a sobrevivência desses sujeitos nas ruas (Kennelly, 2020KENNELLY, J. Urban masculinity, contested spaces, and classed subcultures: young homeless men navigating downtown Ottawa, Canada. Gender, Place and Culture, Abingdon, v. 27, n. 2, p. 281-300, 2020. DOI: 10.1080/0966369X.2019.1650724
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). Dessa maneira, pode-se perceber como o corpo, através da exacerbação de atributos de força física, reforça e cria valores associados ao masculino nas ruas (Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
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). Além disso, a territorialidade, compreendida como o controle do espaço público, perpetua essas violências internas, pois os espaços mais “confortáveis” e valorizados são disputados pelos grupos formados entre a PMR como afirmação de poder, controle e para sobrevivência (Kennelly, 2020KENNELLY, J. Urban masculinity, contested spaces, and classed subcultures: young homeless men navigating downtown Ottawa, Canada. Gender, Place and Culture, Abingdon, v. 27, n. 2, p. 281-300, 2020. DOI: 10.1080/0966369X.2019.1650724
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).

Destaca-se que o contexto de vulnerabilidade social contribui para o agravamento dos códigos violentos entres os HMR. Tais lógicas podem servir para reinscrever e reforçar a posição marginalizada dessa população, expondo-a a extremos de violência e deixando-a suscetível à criminalização (Kennelly, 2020KENNELLY, J. Urban masculinity, contested spaces, and classed subcultures: young homeless men navigating downtown Ottawa, Canada. Gender, Place and Culture, Abingdon, v. 27, n. 2, p. 281-300, 2020. DOI: 10.1080/0966369X.2019.1650724
https://doi.org/10.1080/0966369X.2019.16...
).

Masculinidades entre homens moradores de rua: percepções de liberdade e encarceramento

A vivência nas ruas está fortemente atrelada às trajetórias do encarceramento. Identificou-se uma relação entre as experiências vividas, contexto familiar e condições sociais da PMR com o encarceramento (Adler, 2021ADLER, R. H. The nexus of homelessness and incarceration: the case of homeless men in Trenton, NJ. Journal of Men’s Studies, Londres, v. 29, n. 3, p. 335-353, 2021. DOI: 10.1177/1060826521100508
https://doi.org/10.1177/1060826521100508...
; Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
https://doi.org/10.1080/07418825.2020.18...
). No que se refere aos HMR dos estudos, aponta-se para uma infância e adolescência marcadas por reprodução precoce dos ideais de masculinidade em decorrência de vivências traumáticas, abusivas e conflitos familiares, além de ausência de uma figura paterna. Diante desses fatores, eles encontram nas ruas e na reprodução de ideais de masculinidade formas de “bem-estar”, de sentir-se “homens” e livres (Adler, 2021ADLER, R. H. The nexus of homelessness and incarceration: the case of homeless men in Trenton, NJ. Journal of Men’s Studies, Londres, v. 29, n. 3, p. 335-353, 2021. DOI: 10.1177/1060826521100508
https://doi.org/10.1177/1060826521100508...
; Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
https://doi.org/10.1080/07418825.2020.18...
).

Observou-se que há relação entre masculinidades, ida para as ruas e encarceramento quando os homens jovens que não alcançam ideais de provedor e chefe de família ou ainda têm orientação sexual homossexual são expulsos de casa, ficando em situação de rua e suscetíveis à prática criminosa de forma reiterada para seu sustento (Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
https://doi.org/10.1080/07418825.2020.18...
). Esse contexto é nomeado como “instabilidade libertadora”, pois os homens jovens encontram na prática de infrações legais um refúgio que permite a sobrevivência e sustento, além de se reconhecerem em um ideal de masculinidade. Embora as infrações legais permitam o alcance de independência e do ideal masculino, também os deixam susceptíveis ao encarceramento (Adler, 2021ADLER, R. H. The nexus of homelessness and incarceration: the case of homeless men in Trenton, NJ. Journal of Men’s Studies, Londres, v. 29, n. 3, p. 335-353, 2021. DOI: 10.1177/1060826521100508
https://doi.org/10.1177/1060826521100508...
; Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
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).

A falta de autonomia no cárcere e a imposição de regras limitam a liberdade e a manutenção do ideal de masculinidade, uma vez que esta é associada à detenção de poder. Para os homens, a construção da masculinidade libertadora justifica sua escolha à rua em detrimento aos abrigos, relacionado ao cárcere, visto que nas ruas eles podem ser “livres” e “ser homens” (Adler, 2021ADLER, R. H. The nexus of homelessness and incarceration: the case of homeless men in Trenton, NJ. Journal of Men’s Studies, Londres, v. 29, n. 3, p. 335-353, 2021. DOI: 10.1177/1060826521100508
https://doi.org/10.1177/1060826521100508...
; Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
https://doi.org/10.1080/07418825.2020.18...
). Entretanto, a ida para as ruas também está vinculada ao estigma da condição de ex-presidiário no contexto social amplo e familiar (Adler, 2021ADLER, R. H. The nexus of homelessness and incarceration: the case of homeless men in Trenton, NJ. Journal of Men’s Studies, Londres, v. 29, n. 3, p. 335-353, 2021. DOI: 10.1177/1060826521100508
https://doi.org/10.1177/1060826521100508...
).

Masculinidades e paternidade entre homens moradores de rua

O exercício da paternidade se caracteriza como um dos grandes obstáculos vivenciados por HMR. A forte tensão de gênero envolvida nesse contexto aliada à incapacidade de cumprir as normas sociais prescritivas de paternidade afetam, diretamente, o bem-estar psicológico e as relações familiares e sociais desses sujeitos (Roche; Barker; Mcarthur, 2018ROCHE, S.; BARKER, J.; MCARTHUR, M. “Performing” fathering while homeless: utilising a critical social work perspective. British Journal of Social Work, Oxford, v. 48, n. 2, p. 283-301, 2018.; Schindler; Coley, 2007SCHINDLER, H. S.; COLEY, R. L. A qualitative study of homeless fathers: exploring parenting and gender role transitions. National Council on Family Relations, Saint Paul, v. 56, n. 1, p. 40-51, 2007.; Stokes; Cryer-Coupet; Tall, 2020STOKES, M. N.; CRYER-COUPET, Q. R.; TALL, K. G. “You get more training to drive a car”: Examining the parenting experiences and service needs of nonresident fathers who are experiencing homelessness. Psychology of Men & Masculinities, Washington, DC, v. 21, n. 4, p. 558-569, 2020. DOI: 10.1037/men0000255
https://doi.org/10.1037/men0000255...
).

A paternidade entre os HMR está relacionada e influenciada pelos ideais de masculinidades vigentes na sociedade, com a figura paterna representando o “provedor da família”, “líder”, “exemplo para os filhos”, “trabalhador” (Liu et al., 2009LIU, W. M. et al. A qualitative examination of masculinity, homelessness, and social class among men in a transitional shelter. Psychology of Men and Masculinity , Washington, DC, v. 10, n. 2, p. 131-148, 2009. DOI: 10.1037/a0014999
https://doi.org/10.1037/a0014999...
; Roche; Barker; McArthur, 2018ROCHE, S.; BARKER, J.; MCARTHUR, M. “Performing” fathering while homeless: utilising a critical social work perspective. British Journal of Social Work, Oxford, v. 48, n. 2, p. 283-301, 2018.; Schindler; Coley, 2007SCHINDLER, H. S.; COLEY, R. L. A qualitative study of homeless fathers: exploring parenting and gender role transitions. National Council on Family Relations, Saint Paul, v. 56, n. 1, p. 40-51, 2007.; Stokes; Cryer-Coupet; Tall, 2020STOKES, M. N.; CRYER-COUPET, Q. R.; TALL, K. G. “You get more training to drive a car”: Examining the parenting experiences and service needs of nonresident fathers who are experiencing homelessness. Psychology of Men & Masculinities, Washington, DC, v. 21, n. 4, p. 558-569, 2020. DOI: 10.1037/men0000255
https://doi.org/10.1037/men0000255...
). Mediante as vulnerabilidades dos HMR, esse exercício da paternidade é algo intangível, gerando sofrimento (Alschech; Begun, 2020ALSCHECH, J.; BEGUN, S. Fatherhood among youth experiencing homelessness. Families in Society, Londres, v. 101, n. 4, p. 484-497, 2020. DOI: 10.1177/104438941989618
https://doi.org/10.1177/104438941989618...
; Rice et al., 2017RICE, A. et al. Perceptions of masculinity and fatherhood among men experiencing homelessness. Psychological Services, Washington, DC, v. 14, n. 2, p. 257-268, 2017. DOI: 10.1037/ser0000134
https://doi.org/10.1037/ser0000134...
; Schindler; Coley, 2007SCHINDLER, H. S.; COLEY, R. L. A qualitative study of homeless fathers: exploring parenting and gender role transitions. National Council on Family Relations, Saint Paul, v. 56, n. 1, p. 40-51, 2007.).

Nesse sentido, os HMR sentem-se inferiorizados, desprezados e incapazes, tendendo a se distanciar do envolvimento familiar com seus filhos, bloqueando o acesso à sua vida como forma de ocultar suas dificuldades de sustentação do ideal de masculinidade (Liu et al., 2009LIU, W. M. et al. A qualitative examination of masculinity, homelessness, and social class among men in a transitional shelter. Psychology of Men and Masculinity , Washington, DC, v. 10, n. 2, p. 131-148, 2009. DOI: 10.1037/a0014999
https://doi.org/10.1037/a0014999...
; Roche; Barker; McArthur, 2018ROCHE, S.; BARKER, J.; MCARTHUR, M. “Performing” fathering while homeless: utilising a critical social work perspective. British Journal of Social Work, Oxford, v. 48, n. 2, p. 283-301, 2018.; Schindler; Coley, 2007SCHINDLER, H. S.; COLEY, R. L. A qualitative study of homeless fathers: exploring parenting and gender role transitions. National Council on Family Relations, Saint Paul, v. 56, n. 1, p. 40-51, 2007.; Stokes; Cryer-Coupet; Tall, 2020STOKES, M. N.; CRYER-COUPET, Q. R.; TALL, K. G. “You get more training to drive a car”: Examining the parenting experiences and service needs of nonresident fathers who are experiencing homelessness. Psychology of Men & Masculinities, Washington, DC, v. 21, n. 4, p. 558-569, 2020. DOI: 10.1037/men0000255
https://doi.org/10.1037/men0000255...
). Por outro lado, ocorre a reconstrução dos ideais de paternidade entre alguns HMR, atribuindo-se a novas funções como: passar tempo de qualidade e prover apoio emocional aos filhos. Entretanto, essa mudança não cessa a sensação de falha como “provedor”, sendo a paternidade “adaptada” vista como menos valiosa, pois não supre as expectativas sociais associadas aos ideais de masculinidade (Rice et al., 2017RICE, A. et al. Perceptions of masculinity and fatherhood among men experiencing homelessness. Psychological Services, Washington, DC, v. 14, n. 2, p. 257-268, 2017. DOI: 10.1037/ser0000134
https://doi.org/10.1037/ser0000134...
; Stokes; Cryer-Coupet; Tall, 2020STOKES, M. N.; CRYER-COUPET, Q. R.; TALL, K. G. “You get more training to drive a car”: Examining the parenting experiences and service needs of nonresident fathers who are experiencing homelessness. Psychology of Men & Masculinities, Washington, DC, v. 21, n. 4, p. 558-569, 2020. DOI: 10.1037/men0000255
https://doi.org/10.1037/men0000255...
).

Estigmas e desafios no processo de busca pela masculinidade hegemônica nas ruas

Identificou-se nos estudos que os HMR passam por um processo de auto descrédito sobre sua condição masculina, o que os coloca numa posição de hostilidade nas relações sociais para compensar essa percepção e sobreviver nas ruas (Dej, 2018DEJ, E. When a Man’s Home Isn’t a Castle: Hegemonic Masculinity Among Men Experiencing Homelessness and Mental Illness. In: KILTY J. M.; DEJ E. (Ed.). Containing Madness. Cham: Springer International Publishing, 2018. p. 215-239.; Docka-Filipek, 2017DOCKA-FILIPEK, D. Masculinity and “generational poverty” in a faith-based homelessness advocacy program: race and class viewed through the “lenses of gender”. Advances in Gender Research, Bingley, v. 23, p. 129-157, 2017.; Nonn, 1995NONN, T. Hitting bottom: homelessness, poverty and masculinities. Theology and Sexuality, v. 3, n. 1, p. 11-26, 1995. DOI: 10.1177/135583589500300102
https://doi.org/10.1177/1355835895003001...
; Rose; Johnson, 2017ROSE, J.; JOHNSON, C. Homelessness, nature, and health: toward a feminist political ecology of masculinities. Gender, Place and Culture , Abingdon, v. 24, n. 7, p. 991-1010, 2017. DOI: 10.1080/0966369X.2017.1347559
https://doi.org/10.1080/0966369X.2017.13...
). A luta por uma identificação ao ideal de masculinidade revela uma significativa tensão na saúde física e mental desses homens. Percebeu-se duas vias: a tentativa de aproximação da masculinidade hegemônica (agudização da violência, autossuficiência e poder); e a busca por uma masculinidade versátil ou compensatória (estratégias de justiça de gênero) (Dej, 2018DEJ, E. When a Man’s Home Isn’t a Castle: Hegemonic Masculinity Among Men Experiencing Homelessness and Mental Illness. In: KILTY J. M.; DEJ E. (Ed.). Containing Madness. Cham: Springer International Publishing, 2018. p. 215-239.; Koch; Scherer; Holt, 2018KOCH, J.; SCHERER, J.; HOLT, N. Slap Shot! Sport, Masculinities, and Homelessness in the Downtown Core of a Divided Western Canadian Inner City. Journal of Sport and Social Issues, Londres, v. 42, n. 4, p. 270-294, 2018. DOI: 10.1177/0193723518773
https://doi.org/10.1177/0193723518773...
; Lorentzen, 2017LORENTZEN, J. M. Power and resistance: homeless men negotiating masculinity. Qualitative Sociology Review, Lodz, v. 13, n. 2, p. 100-120, 2017. DOI: 10.18778/1733-8077.13.2.04
https://doi.org/10.18778/1733-8077.13.2....
; Nonn, 1995NONN, T. Hitting bottom: homelessness, poverty and masculinities. Theology and Sexuality, v. 3, n. 1, p. 11-26, 1995. DOI: 10.1177/135583589500300102
https://doi.org/10.1177/1355835895003001...
; Rose; Johnson, 2017ROSE, J.; JOHNSON, C. Homelessness, nature, and health: toward a feminist political ecology of masculinities. Gender, Place and Culture , Abingdon, v. 24, n. 7, p. 991-1010, 2017. DOI: 10.1080/0966369X.2017.1347559
https://doi.org/10.1080/0966369X.2017.13...
).

Alguns trabalhos apontam que os HMR buscam alinhar-se a valores e comportamentos hiper masculinos para compensar suas vulnerabilidades. Assim, as relações passam a ser pautadas em uma “masculinidade exacerbada” e violenta e, em alguns casos, reiteram e reforçam a posição marginalizada desses sujeitos (Kennelly, 2020KENNELLY, J. Urban masculinity, contested spaces, and classed subcultures: young homeless men navigating downtown Ottawa, Canada. Gender, Place and Culture, Abingdon, v. 27, n. 2, p. 281-300, 2020. DOI: 10.1080/0966369X.2019.1650724
https://doi.org/10.1080/0966369X.2019.16...
; Dej, 2018DEJ, E. When a Man’s Home Isn’t a Castle: Hegemonic Masculinity Among Men Experiencing Homelessness and Mental Illness. In: KILTY J. M.; DEJ E. (Ed.). Containing Madness. Cham: Springer International Publishing, 2018. p. 215-239.; Koch; Scherer; Holt, 2018KOCH, J.; SCHERER, J.; HOLT, N. Slap Shot! Sport, Masculinities, and Homelessness in the Downtown Core of a Divided Western Canadian Inner City. Journal of Sport and Social Issues, Londres, v. 42, n. 4, p. 270-294, 2018. DOI: 10.1177/0193723518773
https://doi.org/10.1177/0193723518773...
).

Por outro lado, observou-se uma negociação frente aos ideais vigentes, com menor ênfase na violência física e necessidade de poder, caracterizada por uma “masculinidade compensatória”. Entretanto, são mantidos alguns comportamentos que reforçam aspectos tradicionais para manter um mínimo senso de “ser homem”, tais como: culpabilização de mulheres pelo sofrimento mental vivenciado, negação da necessidade de cuidado, objetificação das mulheres no contexto da rua, em especial as trabalhadoras do sexo (Koch; Scherer; Holt, 2018KOCH, J.; SCHERER, J.; HOLT, N. Slap Shot! Sport, Masculinities, and Homelessness in the Downtown Core of a Divided Western Canadian Inner City. Journal of Sport and Social Issues, Londres, v. 42, n. 4, p. 270-294, 2018. DOI: 10.1177/0193723518773
https://doi.org/10.1177/0193723518773...
; Lorentzen, 2017LORENTZEN, J. M. Power and resistance: homeless men negotiating masculinity. Qualitative Sociology Review, Lodz, v. 13, n. 2, p. 100-120, 2017. DOI: 10.18778/1733-8077.13.2.04
https://doi.org/10.18778/1733-8077.13.2....
; Rose; Johnson, 2017ROSE, J.; JOHNSON, C. Homelessness, nature, and health: toward a feminist political ecology of masculinities. Gender, Place and Culture , Abingdon, v. 24, n. 7, p. 991-1010, 2017. DOI: 10.1080/0966369X.2017.1347559
https://doi.org/10.1080/0966369X.2017.13...
).

Masculinidades como determinante social de saúde nas ruas

Notou-se que aspectos relacionados às masculinidades são agravantes da situação de saúde dos HMR, principalmente os que são baseados em masculinidades hegemônicas (Garapich, 2011GARAPICH, M. P. Of alcohol and men - survival, masculinities and anti-institutionalism of polish homeless men in a global city. Studia Migracyjne - Przegląd Polonijny, Kraków, v. 37, n. 1, p. 309-330, 2011.; Genuchi, 2019GENUCHI, M. C. Masculinity and suicidal desire in a community sample of homeless men: bringing together masculinity and the interpersonal theory of suicide. Journal of Men’s Studies , Londres, v. 27, n. 3, p. 329-342, 2019. DOI: 10.1177/1060826519846428
https://doi.org/10.1177/1060826519846428...
; Kennedy et al., 2013KENNEDY, D. P. et al. Masculinity and hiv risk among homeless men in los angeles. Psychology of Men and Masculinity, Washington, DC, v. 14, n. 2, p. 156-167, 2013. DOI: 10.1037/a0027570
https://doi.org/10.1037/a0027570...
; Ordóñez, 2005ORDÓÑEZ, A. H. Representación social del género masculino en un grupo de niños y jóvenes que viven en la calle, en la ciudad de México. primera parte. Salud Mental, v. 28, n. 6, p. 59-62, 2005.; Rose; Johnson, 2017ROSE, J.; JOHNSON, C. Homelessness, nature, and health: toward a feminist political ecology of masculinities. Gender, Place and Culture , Abingdon, v. 24, n. 7, p. 991-1010, 2017. DOI: 10.1080/0966369X.2017.1347559
https://doi.org/10.1080/0966369X.2017.13...
). Práticas que endossam masculinidades têm como percepção a representação de força e capacidade física como condição inerente ao “homem”, fazendo com que eles se sintam, de certa forma, imunes e invulneráveis a doenças e enfermidades (Kennedy ., 2013KENNEDY, D. P. et al. Masculinity and hiv risk among homeless men in los angeles. Psychology of Men and Masculinity, Washington, DC, v. 14, n. 2, p. 156-167, 2013. DOI: 10.1037/a0027570
https://doi.org/10.1037/a0027570...
; Ordóñez, 2005ORDÓÑEZ, A. H. Representación social del género masculino en un grupo de niños y jóvenes que viven en la calle, en la ciudad de México. primera parte. Salud Mental, v. 28, n. 6, p. 59-62, 2005.).

Identificou-se que há frequentes brigas, agressões, explosões de raiva, com impacto na saúde física desses homens (Garapich, 2011GARAPICH, M. P. Of alcohol and men - survival, masculinities and anti-institutionalism of polish homeless men in a global city. Studia Migracyjne - Przegląd Polonijny, Kraków, v. 37, n. 1, p. 309-330, 2011.). Além disso, eles estão mais suscetíveis a comportamentos de risco em saúde, como: uso abusivo de álcool e inalantes, comportamento sexual de risco e ideias suicidas (Brown et al., 2013BROWN, R. A. et al. Monogamy on the street: a mixed-methods study of homeless men. Journal of Mixed Methods Research, Thousand Oaks, v. 7, n. 4, p. 328-346, 2013. DOI: 10.1177/1558689813480000.
https://doi.org/10.1177/1558689813480000...
; Garapich, 2011GARAPICH, M. P. Of alcohol and men - survival, masculinities and anti-institutionalism of polish homeless men in a global city. Studia Migracyjne - Przegląd Polonijny, Kraków, v. 37, n. 1, p. 309-330, 2011.; Kennedy et al., 2013KENNEDY, D. P. et al. Masculinity and hiv risk among homeless men in los angeles. Psychology of Men and Masculinity, Washington, DC, v. 14, n. 2, p. 156-167, 2013. DOI: 10.1037/a0027570
https://doi.org/10.1037/a0027570...
; Kennelly, 2020KENNELLY, J. Urban masculinity, contested spaces, and classed subcultures: young homeless men navigating downtown Ottawa, Canada. Gender, Place and Culture, Abingdon, v. 27, n. 2, p. 281-300, 2020. DOI: 10.1080/0966369X.2019.1650724
https://doi.org/10.1080/0966369X.2019.16...
; Ordóñez, 2005ORDÓÑEZ, A. H. Representación social del género masculino en un grupo de niños y jóvenes que viven en la calle, en la ciudad de México. primera parte. Salud Mental, v. 28, n. 6, p. 59-62, 2005.).

Os HMR mais identificados com os ideais de masculinidade hegemônicas tendem a ter um comportamento sexual de maior risco, estando mais suscetíveis a infecção por HIV em detrimento daqueles com menor identificação às referências da masculinidade (Brown et al., 2013BROWN, R. A. et al. Monogamy on the street: a mixed-methods study of homeless men. Journal of Mixed Methods Research, Thousand Oaks, v. 7, n. 4, p. 328-346, 2013. DOI: 10.1177/1558689813480000.
https://doi.org/10.1177/1558689813480000...
; Kennedy et al., 2013KENNEDY, D. P. et al. Masculinity and hiv risk among homeless men in los angeles. Psychology of Men and Masculinity, Washington, DC, v. 14, n. 2, p. 156-167, 2013. DOI: 10.1037/a0027570
https://doi.org/10.1037/a0027570...
; Ordóñez, 2005ORDÓÑEZ, A. H. Representación social del género masculino en un grupo de niños y jóvenes que viven en la calle, en la ciudad de México. primera parte. Salud Mental, v. 28, n. 6, p. 59-62, 2005.). As construções de masculinidades também reforçam a noção de que os HMR são capazes de resolver todos os seus problemas sozinhos, culminando em agravamentos dos problemas de saúde e atos suicidas, visto a dificuldade para buscar auxílio (Genuchi, 2019GENUCHI, M. C. Masculinity and suicidal desire in a community sample of homeless men: bringing together masculinity and the interpersonal theory of suicide. Journal of Men’s Studies , Londres, v. 27, n. 3, p. 329-342, 2019. DOI: 10.1177/1060826519846428
https://doi.org/10.1177/1060826519846428...
; Higate, 2000HIGATE, P. Ex-servicemen on the road: travel and homelessness. The Sociological Review, Londres, v. 48, n. 3, p. 331-348, 2000. DOI: 10.1111/1467-954X.002
https://doi.org/10.1111/1467-954X.002...
).

Podemos associar todos esses pontos críticos da saúde desses indivíduos com o grande agravo circunstancial: ao verem seus corpos masculinos como “inabaláveis”, esses homens hesitam em procurar auxílio de profissionais da saúde, gerando possível acúmulo de enfermidades que seriam tratadas com mais tranquilidade ou o aparecimento de problemas de saúde mais graves (Higate, 2000HIGATE, P. Ex-servicemen on the road: travel and homelessness. The Sociological Review, Londres, v. 48, n. 3, p. 331-348, 2000. DOI: 10.1111/1467-954X.002
https://doi.org/10.1111/1467-954X.002...
; Kennedy et al., 2013KENNEDY, D. P. et al. Masculinity and hiv risk among homeless men in los angeles. Psychology of Men and Masculinity, Washington, DC, v. 14, n. 2, p. 156-167, 2013. DOI: 10.1037/a0027570
https://doi.org/10.1037/a0027570...
; Ordóñez, 2005ORDÓÑEZ, A. H. Representación social del género masculino en un grupo de niños y jóvenes que viven en la calle, en la ciudad de México. primera parte. Salud Mental, v. 28, n. 6, p. 59-62, 2005.). Os HMR reconhecem tais práticas e pensamentos como um estilo de vida das ruas, ignorando suas susceptibilidades e arriscando-se em um contexto violento e insalubre que, pelas condições estruturais, são condicionados a viver (Garapich, 2011GARAPICH, M. P. Of alcohol and men - survival, masculinities and anti-institutionalism of polish homeless men in a global city. Studia Migracyjne - Przegląd Polonijny, Kraków, v. 37, n. 1, p. 309-330, 2011.).

É importante ressaltar que os estudos incluídos na presente revisão de escopo, em relação aos determinantes sociais de saúde, indicam de maneira tímida os marcadores sociais da diferença em relação às questões étnico-raciais, o que aponta para uma lacuna das mais importantes, tendo em vista como essa dimensão da vida social tem relações diretas com as experiências de exclusões e desigualdades, não apenas no campo da saúde. Conforme os efeitos desses marcadores tornam-se mais complexos e as nuances da temática da masculinidade entre a PMR ficam mais compreensíveis, indica-se a necessidade de atenção especial referente a esse ponto nos estudos com essa população.

DISCUSSÃO

Populações vulneráveis são grupos de pessoas que enfrentam maior risco de sofrer danos, discriminação ou exclusão social devido a fatores como idade, gênero, etnia, orientação sexual, condição socioeconômica, deficiência, entre outros (Siqueira; Hollanda; Motta, 2017SIQUEIRA, S. A. V,; HOLLANDA, E.; MOTTA, J. I. J. Políticas de Promoção de Equidade em Saúde para grupos vulneráveis: o papel do Ministério da Saúde. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 22, p. 1397-1397, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017225.33552016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017225...
). A PMR é um exemplo de população vulnerável, sendo que, ao mobilizarmos a temática das masculinidades, nota-se que, além das condições estruturais e econômicas que geralmente mobilizam os debates acerca desse grupo, aspectos específicos impactam as condições de vida e o processo de saúde-doença (Couto et al., 2023COUTO, J. G. A. et al. Saúde da população em situação de rua: reflexões a partir da determinação social da saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 32, n. 2, e220531pt, 2023. DOI: 10.1590/S0104-12902023220531pt
https://doi.org/10.1590/S0104-1290202322...
).

A PMR vem crescendo no Brasil e no mundo, devido às crises econômicas e sociais. Isso ocorre em países do norte e do sul global, entretanto, percebe-se que na literatura científica o segundo fica invisibilizado no cenário internacional de publicação. Nota-se que Austrália, Estados Unidos e Reino Unido e outros países desenvolvidos apresentam relatórios frequentes de monitoramento da população (OECD, 2017OECD - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Social Policy Division: Directorate of Employment, Labour and Social Affairs. Homeless Population. Paris: OECD, 2017.; Fitzpatrick et al., 2017FITZPATRICK, S. et al. The homelessness monitor: England 2017. London: Crisis Head Office, 2017.; Henry, 2017HENRY, M. et al. The 2017 Annual Homeless Assessment Report (AHAR) to Congress. USA: The U.S. Department of Housing And Urban Development, 2017.; Homeleness in Australia; 2016HOMELENESS IN AUSTRALIA. 2014-15 Annual Report. Homeleness in Australia: Lyneham, 2016.). No Brasil, a iniciativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que faz uma estimativa anual da PMR, é uma importante ferramenta, mas ainda muito incipiente, visto que os dados não permitem um diagnóstico preciso para intervenção por meio de políticas públicas (Natalino, 2022NATALINO, M. Estimativa da população em situação de rua no Brasil (2012-2022). Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2022.).

Conforme identificado nesta revisão, as práticas relacionadas às masculinidades são utilizadas como ferramentas de adaptação e sobrevivência no contexto da rua tanto por homens quanto por mulheres. Enquanto construção de gênero, tem-se uma divisão entre espaço público e privado, sendo o primeiro atrelado ao masculino (Okin, 2008OKIN, S. M. Gênero, o público e o privado. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 305-332, 2008. DOI: 10.1590/S0104-026X2008000200002
https://doi.org/10.1590/S0104-026X200800...
). A vida na rua, mediante a precariedade de condições estruturais, bem como a falta de amparo do Estado na manutenção das necessidades básicas e na resolução de conflitos, faz com que integrantes dessa população tenham que resolver por conta própria suas necessidades (Campos, 2021CAMPOS, D. A. Homens de atitude: uma etnografia das construções de masculinidades, suas relações com a vida nas ruas e a saúde de homens moradores de rua de Florianópolis - SC. 2021. 240 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.).

Nota-se que tais mobilizações das práticas relacionadas às masculinidades, a depender do contexto e condições sociais, colocam em questionamento a existência delas enquanto categorias estáveis de homens e mulheres, ou seja, ao invés de características inatas, são construções sociais e localizadas, retiradas do cotidiano. Percebe-se que as práticas de masculinidades se alinham com a ideia da performatividade de gênero (Butler, 2013BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. 236 p. Tradução de Renato Aguiar.).

Apesar da existência de políticas públicas de saúde e assistência social voltadas para a PMR, percebe-se a ineficiência na abordagem desse grupo, principalmente na compreensão de fatores e necessidades cotidianas que estão atreladas a essas interações entre as pessoas que compõem a PMR, bem como na sua relação com pessoas que não estão nas ruas. Assim, acabam atuando somente em problemas agudos, como o atendimento de pessoas vítimas de violência e em situações graves de saúde (Couto et al., 2023COUTO, J. G. A. et al. Saúde da população em situação de rua: reflexões a partir da determinação social da saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 32, n. 2, e220531pt, 2023. DOI: 10.1590/S0104-12902023220531pt
https://doi.org/10.1590/S0104-1290202322...
)

Assim, a afirmação da masculinidade por meio de práticas violentas se configura como caminho alternativo quando vias compreendidas como mais legítimas para afirmação do masculino estão bloqueadas ou inacessíveis (Allison; Klein, 2021ALLISON, K.; KLEIN, B. R. Pursuing hegemonic masculinity through violence: an examination of anti-homeless bias homicides. Journal of Interpersonal Violence, Beverly Hills, v. 36, n. 13-14, p. 6859-6882, 2021. DOI: 10.1177/0886260518821459
https://doi.org/10.1177/0886260518821459...
; Leal, 2010LEAL, E. M. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 229-247, 2010. DOI: 10.22456/1982-8918.10675
https://doi.org/10.22456/1982-8918.10675...
). Uma das principais questões enfrentadas nas ruas é a violência presente nesse espaço. São incontáveis os danos à integridade física, moral e social dos HMR (Garapich, 2011GARAPICH, M. P. Of alcohol and men - survival, masculinities and anti-institutionalism of polish homeless men in a global city. Studia Migracyjne - Przegląd Polonijny, Kraków, v. 37, n. 1, p. 309-330, 2011.; Genuchi, 2019GENUCHI, M. C. Masculinity and suicidal desire in a community sample of homeless men: bringing together masculinity and the interpersonal theory of suicide. Journal of Men’s Studies , Londres, v. 27, n. 3, p. 329-342, 2019. DOI: 10.1177/1060826519846428
https://doi.org/10.1177/1060826519846428...
; Kennedy et al., 2013KENNEDY, D. P. et al. Masculinity and hiv risk among homeless men in los angeles. Psychology of Men and Masculinity, Washington, DC, v. 14, n. 2, p. 156-167, 2013. DOI: 10.1037/a0027570
https://doi.org/10.1037/a0027570...
; Liu et al., 2009LIU, W. M. et al. A qualitative examination of masculinity, homelessness, and social class among men in a transitional shelter. Psychology of Men and Masculinity , Washington, DC, v. 10, n. 2, p. 131-148, 2009. DOI: 10.1037/a0014999
https://doi.org/10.1037/a0014999...
; Rose; Johnson, 2017ROSE, J.; JOHNSON, C. Homelessness, nature, and health: toward a feminist political ecology of masculinities. Gender, Place and Culture , Abingdon, v. 24, n. 7, p. 991-1010, 2017. DOI: 10.1080/0966369X.2017.1347559
https://doi.org/10.1080/0966369X.2017.13...
).

Identificou-se a relação entre a PMR e a população privada de liberdade, com trânsito de homens entre esses grupos vulneráveis e a necessidade de serem provedores da família e responsáveis pelo sustento desse núcleo. Isso, associado com as faltas de oportunidades, crises sociais e ausência de políticas sociais efetivas, foi apontado como fator determinante para o envolvimento em atividades ilícitas (Adler, 2021ADLER, R. H. The nexus of homelessness and incarceration: the case of homeless men in Trenton, NJ. Journal of Men’s Studies, Londres, v. 29, n. 3, p. 335-353, 2021. DOI: 10.1177/1060826521100508
https://doi.org/10.1177/1060826521100508...
; Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
https://doi.org/10.1080/07418825.2020.18...
).

Nesse sentido, tem-se uma situação dupla, identificada na literatura: 1. Os padrões de gênero e discriminações fazem com muitas pessoas sejam direcionadas para as ruas e nelas cometam crimes, sendo encarcerados (Campos; Moretti-Pires, 2018CAMPOS, D. A.; MORETTI-PIRES, R. O. Trajetórias sociais de gays e lésbicas moradores de rua de Florianópolis (SC), 2016. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 26, n. 2, p. e45995, 2018. DOI: 10.1590/1806-9584-2018v26n245995
https://doi.org/10.1590/1806-9584-2018v2...
; Adler, 2021ADLER, R. H. The nexus of homelessness and incarceration: the case of homeless men in Trenton, NJ. Journal of Men’s Studies, Londres, v. 29, n. 3, p. 335-353, 2021. DOI: 10.1177/1060826521100508
https://doi.org/10.1177/1060826521100508...
; Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
https://doi.org/10.1080/07418825.2020.18...
); 2. Homens encarcerados, ao saírem da prisão, são estigmatizados e têm dificuldades de reintegrar-se na sociedade e vão para as ruas por falta de recursos ou incapacidade de voltar a ser provedor das suas famílias (Adler, 2021ADLER, R. H. The nexus of homelessness and incarceration: the case of homeless men in Trenton, NJ. Journal of Men’s Studies, Londres, v. 29, n. 3, p. 335-353, 2021. DOI: 10.1177/1060826521100508
https://doi.org/10.1177/1060826521100508...
; Umamaheswar, 2022UMAMAHESWAR, J. “On the street, the only person you gotta bow down to is yourself”: masculinity, homelessness, and incarceration. Justice Quarterly, Abingdon, v. 39, n. 2, p. 379-401, 2022. DOI: 10.1080/07418825.2020.1869288
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). Assim, para os HMR, apesar das vulnerabilidades, a rua, em alguns momentos, tem um caráter de libertação das amarras sociais e padrões de masculinidades, apesar da exacerbação das violências (Campos, 2021CAMPOS, D. A. Homens de atitude: uma etnografia das construções de masculinidades, suas relações com a vida nas ruas e a saúde de homens moradores de rua de Florianópolis - SC. 2021. 240 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.; Andrade; Costa, Marquetti, 2014ANDRADE, L. P.; COSTA, S. L.; MARQUETTI, F. C. A rua tem um ímã, acho que é a liberdade: potência, sofrimento e estratégias de vida entre moradores de rua na cidade de Santos, no litoral do Estado de São Paulo. Saúde e sociedade, São Paulo, v. 23, n. 4, p. 1248-1261, 2014. DOI: 10.1590/S0104-12902014000400011
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).

Outro aspecto identificado foi a relação HMR e paternidade. Estudos do campo da saúde debatem profundamente a necessidade de mudança do olhar dos homens acerca do processo de cuidado dos filhos por meio de uma paternidade ativa, com benefícios na saúde das crianças, famílias e para os próprios homens (Silva, 2019SILVA, M. L. A paternidade em rede: subsídios para o exercício da paternidade ativa dos pais/parceiros com base na Pesquisa Nacional Saúde do Homem-Paternidade e Cuidado-Etapa III no Distrito Federal. 2019.120 f. Dissertação (Mestrado Profissionalizante em Saúde Coletiva) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2019.). No caso dos HMR, esse debate toma outra dimensão, visto que a situação atual de vulnerabilidade e pobreza coloca em questão o papel do provedor, sendo necessário negociar com as normas sociais. Nota-se que, em trabalho internacional, foi possível identificar que a situação vulnerável também mobilizou outras formas de paternar, pensando no cuidado e apoio ao desenvolvimento dos filhos. A paternidade para esses HMR surge como resposta ao estigma de incapacidade e pode dar um lugar de referência e poder para o(a) filho(a), ressignificando, assim, a perda de identificação com o masculino (Alschech; Begun, 2020ALSCHECH, J.; BEGUN, S. Fatherhood among youth experiencing homelessness. Families in Society, Londres, v. 101, n. 4, p. 484-497, 2020. DOI: 10.1177/104438941989618
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).

No contexto brasileiro, os estudos e as políticas de saúde dos homens com ênfase na paternidade ainda invisibilizam essas especificidades em populações vulneráveis, em especial na população em situação de rua. Pode-se observar tal invisibilização na ausência de debate específico na literatura, bem como em materiais oficiais do Ministério da Saúde, como a “Cartilha para pais: como exercer uma paternidade ativa”, que trata da paternidade a partir de um “homem/pai médio” que não apresenta vulnerabilidades sociais (Brasil, 2018BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Cartilha para pais: como exercer uma paternidade ativa. Brasília, DF: Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, 2018.).

Por fim, identificou-se que os HMR se mobilizam para atingir ideais de masculinidade hegemônica, mesmo em situação de extrema vulnerabilidade. Apesar da precariedade desses movimentos dos HMR, eles permitem refletir sobre a profundidade das construções de gênero e do machismo em nossa sociedade enquanto aspectos transversais e constitutivos dos homens (Campos, 2021CAMPOS, D. A. Homens de atitude: uma etnografia das construções de masculinidades, suas relações com a vida nas ruas e a saúde de homens moradores de rua de Florianópolis - SC. 2021. 240 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.). Assim, essa masculinidade exerce uma função coercitiva também sobre os homens nos diversos contextos sociais.

Numa sociedade na qual o poder aquisitivo, a classe social e a cor da pele são marcadores que impactam nas vulnerabilidades sociais, observa-se que, quando se trata de discutir masculinidade, tanto pobres quanto ricos têm medo de ser “menos homem” ou “homem fracassado” (Silva Junior, 2022SILVA JUNIOR, P. M. Masculinidades negras em disputa: Um olhar sob masculinidades, raça e classe social no cotidiano escolar. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, Cuiabá, v. 5, n. 16, p. 43-69, 2022. DOI: 10.31560/2595-3206.2022.16.13648
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). Entretanto, homens marginalizados e moradores de rua, por serem compreendidos como desprovidos de masculinidades, não são reconhecidos como homens ideais. Assim, não raro, reproduzem comportamentos hiper masculinos como forma de compensação (Campos, 2021CAMPOS, D. A. Homens de atitude: uma etnografia das construções de masculinidades, suas relações com a vida nas ruas e a saúde de homens moradores de rua de Florianópolis - SC. 2021. 240 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.), o que gera impactos no processo saúde-doença desse grupo.

É amplamente reconhecido que a PMR enfrenta diversos problemas relacionados à sua saúde física e mental devido às vulnerabilidades que está submetida em seu cotidiano (Couto et al., 2023COUTO, J. G. A. et al. Saúde da população em situação de rua: reflexões a partir da determinação social da saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 32, n. 2, e220531pt, 2023. DOI: 10.1590/S0104-12902023220531pt
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), embora políticas como os Consultórios na Rua, ou ainda o manual “Saúde da população em situação de rua: um direito humano”, reconheçam a necessidade de uma abordagem diferenciada, com ênfase no princípio da equidade, para um cuidado de saúde adequado e focada nos determinantes sociais de saúde, ainda que enfrentem desafios na sua implementação (Hallais; Barros, 2015HALLAIS, J. A. S.; BARROS, N. F. Consultório na Rua: visibilidades, invisibilidades e hipervisibilidade. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 7, 1497-1504, 2015. DOI: 10.1590/0102-311X00143114
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; Brasil, 2014BRASIL. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Saúde da população em situação de rua: um direito humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014..).

Apesar de não ser abordado nos artigos da revisão, destaca-se que a PMR é majoritariamente formada por homens negros e enfrenta uma série de desafios de saúde, incluindo a vulnerabilidade a doenças infectocontagiosas devido às condições precárias de higiene e moradia. Além disso, problemas na pele e nos pés são comuns devido à exposição constante ao ambiente urbano. A falta de acesso regular a cuidados odontológicos contribui para problemas bucais graves. Altos índices de adoecimento mental, muitas vezes relacionados ao estresse, traumas e falta de suporte social, também são prevalentes nessa população. O uso significativo de álcool e outras drogas adiciona complexidade aos problemas de saúde física e mental enfrentados por aqueles que vivem nas ruas. Esses desafios ressaltam a necessidade de intervenções abrangentes que abordem não apenas as condições de moradia, mas também forneçam serviços de saúde adaptados e suporte psicossocial (Couto et al., 2023COUTO, J. G. A. et al. Saúde da população em situação de rua: reflexões a partir da determinação social da saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 32, n. 2, e220531pt, 2023. DOI: 10.1590/S0104-12902023220531pt
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).

No que tange às especificidades de saúde relacionadas às masculinidades, nota-se que os HMR compartilham as vulnerabilidades dos homens da população em geral, principalmente as relacionadas aos comportamentos de risco (Couto et al., 2023COUTO, J. G. A. et al. Saúde da população em situação de rua: reflexões a partir da determinação social da saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 32, n. 2, e220531pt, 2023. DOI: 10.1590/S0104-12902023220531pt
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). Entretanto, as condições precárias de habitação, alimentação, acesso à água, acesso a cuidados de saúde, bem como o envolvimento e conflitos violentos por disputas nas ruas faz com que esse grupo tenha problemas mais graves e maior dificuldade de realizar cuidados em saúde (Campos, 2021CAMPOS, D. A. Homens de atitude: uma etnografia das construções de masculinidades, suas relações com a vida nas ruas e a saúde de homens moradores de rua de Florianópolis - SC. 2021. 240 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.).

No que tange ao comportamento sexual de risco desses homens, é necessário considerar as múltiplas restrições sociais, estruturais e culturais que estes apresentam ao se relacionar. A dificuldade de um relacionamento romântico nesse contexto se apresenta como um ponto-chave para justificar tais comportamentos. Embora exista uma idealização de um relacionamento fixo e estável, muitos desses sujeitos são incapazes de sustentar esse ideal, o que pode levá-los a ter um comportamento sexual de risco (Brown et al., 2013BROWN, R. A. et al. Monogamy on the street: a mixed-methods study of homeless men. Journal of Mixed Methods Research, Thousand Oaks, v. 7, n. 4, p. 328-346, 2013. DOI: 10.1177/1558689813480000.
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; Kennedy et al., 2013KENNEDY, D. P. et al. Masculinity and hiv risk among homeless men in los angeles. Psychology of Men and Masculinity, Washington, DC, v. 14, n. 2, p. 156-167, 2013. DOI: 10.1037/a0027570
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).

Por fim, as referências da masculinidade também impactam a saúde mental dos HMR. Sabe-se que as questões relacionadas a ida para a rua, bem como os processos vivenciados durante a vida nas ruas pelos homens, principalmente as que estão associadas às disputas nesse contexto, têm impacto direto na saúde mental (Campos, 2021CAMPOS, D. A. Homens de atitude: uma etnografia das construções de masculinidades, suas relações com a vida nas ruas e a saúde de homens moradores de rua de Florianópolis - SC. 2021. 240 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.). O fato de estarem em situação de vulnerabilidade, sujos e com mau cheiro, afeta a autoimagem, que, ao ser confrontada com ideias de masculinidade, provoca episódios de depressão e ideações suicidas (Mossato et al., 2022MOSSATO, P. et al. Transtornos mentais e pessoas em situação de rua: do abuso de substâncias as tentativas de suicídio a suas percepções sobre as redes de apoio. Saúde Coletiva, Osasco, v. 12, n. 73, 2022. DOI: 10.36489/saudecoletiva.2022v12i73p9691-9703
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). Além disso, esse contexto de vulnerabilidade está associado a uma maior utilização de drogas lícitas e ilícitas entre os HMR (Fragoso, 2020FRAGOSO, B. M. M. A. Saúde da população em situação de rua com foco em homens que usam drogas. 2020. 23 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Enfermagem) - Faculdade de Ciências da Educação e da Saúde, Centro Universitário de Brasília, Brasília, DF, 2020.; Campos, 2021CAMPOS, D. A. Homens de atitude: uma etnografia das construções de masculinidades, suas relações com a vida nas ruas e a saúde de homens moradores de rua de Florianópolis - SC. 2021. 240 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta revisão de escopo, que teve como objetivo investigar os usos das masculinidades em estudos com as pessoas moradoras de rua, foi possível perceber que os ideais e práticas de masculinidade entre homens e mulheres nesse contexto atuam de forma transversal nas vivências, percepções e atitudes desse grupo populacional.

Verificou-se que os estudos abordam as masculinidades enquanto prática performativa nesse contexto, relacionando-as com atitudes e práticas de violência, em especial entre os homens. Além disso, constatou-se uma relação entre a vida na rua e a privação de liberdade, atravessado pelas construções de masculinidades, bem como dificuldades no exercício da paternidade entre esses homens.

Percebeu-se que há estigmas relacionados à condição atual de vida nas ruas que impossibilita a adequação a determinadas práticas de masculinidades, afetando a qualidade de vida e saúde dos HMR, pela exposição às violências, situações diversas de vulnerabilidade, negação da necessidade de atenção e cuidados em saúde, bem como a impossibilidade de exercício da paternidade ativa e do papel de provedor. Por fim, constatou-se que as normas sociais e as construções subjetivas ligadas ao masculino atuam como determinante social de saúde, trazendo prejuízos para a saúde os HMR.

No entanto, limitações e lacunas ainda são percebidas nessa temática. A presença de poucos estudos focados em abordar os impactos diretos das práticas de masculinidades com a saúde e possíveis agravos é um dos pontos críticos. Além disso, a concentração da produção em países do norte global e a pouca produção de trabalhos na América Latina e em outras regiões do sul global desperta alerta, visto que os ideais de masculinidade, bem como as características da PMR, variam mediante a situação socioeconômica e cultural.

Dessa forma, encoraja-se a realização de novas pesquisas, principalmente para compreensão das construções de masculinidades no contexto das ruas e suas influências nas trajetórias de vida e no processo de saúde e doença dessa população no contexto brasileiro e do sul global. Além da necessidade de mais estudos, faz-se urgente a criação de estratégias e políticas públicas como tentativa de minimizar os prejuízos das masculinidades na vida desses homens e mulheres moradores de rua.

Por fim, aponta-se como limitações da presente revisão a circunscrição das bases de dados, visto que pesquisas de outros contextos, principalmente do sul global, podem estar disponíveis em outros repositórios. Além disso, o enfoque em aspectos amplos das masculinidades como um primeiro passo para incluir a temática no debate científico nacional, pode ser limitador no olhar das especificidades dos homens da PMR brasileira, bem como a relação masculinidades e saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2023
  • Revisado
    18 Jan 2024
  • Aceito
    15 Fev 2024
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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