Mortalidade por covid-19 no interior e em regiões metropolitanas do Brasil, 2020 a 2021

COVID-19 mortality in metropolitan areas vs. other regions of Brazil, 2020 to 2021

Mortalidad por COVID-19 en las regiones metropolitanas y en el interior de Brasil, 2020-2021

Mayra Sharlenne Moraes Araújo Maria dos Remédios Freitas Carvalho Branco Silmery da Silva Brito Costa Daniel Cavalcante de Oliveira Rejane Christine de Sousa Queiroz Bruno Luciano Carneiro Alves de Oliveira Amanda Namíbia Pereira Pasklan Alcione Miranda dos Santos Sobre os autores

RESUMO

Objetivo.

Comparar as taxas de mortalidade hospitalar (TMH) por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) associada à covid-19 registradas em regiões metropolitanas e no interior do Brasil em 2020 e 2021.

Método.

Trata-se de um estudo ecológico com dados públicos disponíveis no OpenDataSUS. As informações foram acessadas em maio de 2022. Consideraram-se as seguintes variáveis: idade, sexo, internação hospitalar, presença de fator de risco, internação em UTI, uso de suporte ventilatório e classificação final na ficha de registro individual de casos de SRAG por covid-19. Os casos e óbitos foram estratificados em cinco faixas etárias (0-19 anos, 20-39 anos, 40-59 anos, 60-79 anos e ≥80 anos) e por localização do município de residência (região metropolitana ou interior). A TMH teve como numerador o número absoluto de óbitos por SRAG associada à covid-19; e, como denominador, o número absoluto de casos de SRAG por covid-19 segundo ano de ocorrência, residência em região metropolitana ou interior, faixa etária, sexo, internação hospitalar, presença de fator de risco, internação em unidade de terapia intensiva (UTI) e uso de suporte ventilatório.

Resultados.

Verificou-se aumento significativo da TMH por SRAG associada à covid-19 em 2021 em todos os grupos etários, exceto 0-19 anos e ≥80 anos, assim como entre indivíduos internados em UTI e que utilizaram suporte ventilatório invasivo, tanto nas regiões metropolitanas quanto no interior.

Conclusões.

Houve piora do cenário epidemiológico em 2021 com o aumento da TMH, mas não foram identificadas diferenças entre as regiões metropolitanas e o interior do país.

Palavras-chave
Covid-19; síndrome respiratória aguda grave; mortalidade hospitalar; vigilância em saúde pública; Brasil

ABSTRACT

Objective.

To compare hospital mortality rates (HMR) due to severe acute respiratory syndrome (SARS) associated with COVID-19 recorded in metropolitan areas and other regions (interior) of Brazil in 2020 and 2021.

Method.

This ecological study used public data available on OpenDataSUS. The information was accessed in May 2022. The following variables were considered: age, sex, hospitalization, presence of a risk factor, ICU stay, use of ventilatory support, and final classification in the individual registration form of SARS cases due to COVID-19. Cases and deaths were stratified into five age groups (0-19 years, 20-39 years, 40-59 years, 60-79 years, and ≥80 years) and by place of residence (metropolitan area or interior). The HMR had as numerator the absolute number of deaths by SARS associated with covid-19; and, as a denominator, the absolute number of cases of SARS due to covid-19 according to the year of occurrence, area of residence, age bracket, sex, hospitalization, presence of a risk factor, ICU admission, and use of ventilatory support.

Results.

There was a significant increase in HMR due to SARS associated with COVID-19 in 2021 in all age groups, except 0-19 years and ≥80 years, as well as among individuals admitted to an ICU and who used invasive ventilatory support, both in metropolitan areas as well as in the interior.

Conclusions.

There was a worsening of the epidemiological scenario in 2021 with an increase in HMR. However, no differences were identified between the metropolitan regions and the interior of the country.

Keywords
Covid-19; severe acute respiratory syndrome; hospital mortality; public health surveillance; Brazil

RESUMEN

Objetivo.

Comparar las tasas de mortalidad hospitalaria por el síndrome respiratorio agudo grave relacionado con la COVID-19 registradas en las regiones metropolitanas y el interior de Brasil en el período 2020-2021.

Método.

Se realizó un estudio ecológico con datos públicos disponibles en el sistema OpenDataSUS. La información se consultó en mayo del 2022. Se tomaron en cuenta las siguientes variables: edad, sexo, hospitalización, presencia de factores de riesgo, ingreso en la unidad de cuidados intensivos, uso de apoyo ventilatorio y clasificación final en la hoja de registro individual de casos del síndrome respiratorio agudo grave por COVID-19. Los casos y las defunciones se estratificaron en cinco grupos etarios (0-19 años, 20-39 años, 40-59 años, 60-79 años y ≥80 años) y por ubicación del municipio de residencia (región metropolitana o interior). El numerador de la tasa de mortalidad hospitalaria fue el número absoluto de defunciones por el síndrome respiratorio agudo grave relacionado con la COVID-19, y el denominador, el número absoluto de casos del mismo síndrome relacionado con la COVID-19 según el año de aparición, la residencia en una región metropolitana o en el interior, el grupo etario, el sexo, la hospitalización, la presencia de factores de riesgo, el ingreso en la unidad de cuidados intensivos y el uso de apoyo ventilatorio.

Resultados.

Se comprobó un aumento significativo de la tasa de mortalidad hospitalaria por el síndrome respiratorio agudo grave relacionado con la COVID-19 en el 2021 en todos los grupos etarios, excepto en los grupos de 0-19 años y ≥80 años, así como entre las personas internadas en la unidad de cuidados intensivos que recibieron apoyo respiratorio invasivo, tanto en las regiones metropolitanas como en el interior.

Conclusiones.

La situación epidemiológica empeoró en el 2021 con el aumento de la tasa de mortalidad hospitalaria, pero no se observaron diferencias entre las regiones metropolitanas y el interior del país.

Palabras clave
Covid-19; síndrome respiratorio agudo grave; mortalidad hospitalaria; vigilancia en salud pública; Brasil

A síndrome respiratória aguda grave (SRAG) é uma síndrome infecciosa causada pelo vírus da influenza e por outros agentes etiológicos, como o vírus sincicial respiratório, parainfluenza e adenovírus, que infectam o trato respiratório superior (11. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Protocolo de tratamento de influenza. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. [Acessado em 28 de maio de 2023]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_tratamento_influenza_2017.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
). Desde 2019, após o surgimento do SARS-CoV-2, têm sido registrados casos de SRAG por covid-19 (22. World Health Organization. World conference on social determinants of health: Covid-19. Rio de Janeiro: WHO; 2020. [Acessado em junho de 2023]. Disponível em: https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB148/B148_24-en.pdf
https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/...
).

No Brasil, como em outros países, a covid-19 tem maior incidência na população adulta, porém com maior mortalidade na população idosa (33. Ferreira CM, Almeida DDC, Mattos MLAD, Oliveira TKDB. COVID 19: relationship of the epidemiological pattern of COVID-19 between China and Italy. Res Soc Dev. 2020;9(7):e754974840. doi: 10.33448/rsd-v9i7.4840
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). A presença de morbidades associadas contribui significativamente para o aumento da taxa de mortalidade pela covid-19 (44. Parohan M, Yaghoubi S, Seraji A, Javanbakht MH, Sarraf P, Djalali M. Risk factors for mortality in patients with coronavirus disease 2019 (COVID-19) infection: a systematic review and meta-analysis of observational studies. Aging Male. 2020;23(5):1416-24. doi: 10.1080/13685538.2020.1774748
https://doi.org/10.1080/13685538.2020.17...

5. Fang X, Li S, Yu H, Wang P, Zhang Y, Chen Z, et al. Epidemiological, comorbidity factors with severity and prognosis of COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Aging (Albany NY). 2020 Jul 13;12(13):12493-503. doi: 10.18632/aging.103579.
https://doi.org/10.18632/aging.103579...

6. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-18. doi: 10.1016/S2213-2600(20)30560-9
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-77. Orellana JDY, Cunha GMD, Marrero L, Moreira RI, Leite IDC, Horta BL. Excesso de mortes durante a pandemia de COVID-19: subnotificação e desigualdades regionais no Brasil. Cad Saude Publica. 2021;37(1):e00259120. doi: 10.1590/0102-311X00259120
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). A internação em unidades de terapia intensiva (UTI) e o uso de suporte ventilatório invasivo foram fatores associados à mortalidade por covid-19 no Japão, na China e no Brasil (44. Parohan M, Yaghoubi S, Seraji A, Javanbakht MH, Sarraf P, Djalali M. Risk factors for mortality in patients with coronavirus disease 2019 (COVID-19) infection: a systematic review and meta-analysis of observational studies. Aging Male. 2020;23(5):1416-24. doi: 10.1080/13685538.2020.1774748
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5. Fang X, Li S, Yu H, Wang P, Zhang Y, Chen Z, et al. Epidemiological, comorbidity factors with severity and prognosis of COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Aging (Albany NY). 2020 Jul 13;12(13):12493-503. doi: 10.18632/aging.103579.
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6. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-18. doi: 10.1016/S2213-2600(20)30560-9
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-77. Orellana JDY, Cunha GMD, Marrero L, Moreira RI, Leite IDC, Horta BL. Excesso de mortes durante a pandemia de COVID-19: subnotificação e desigualdades regionais no Brasil. Cad Saude Publica. 2021;37(1):e00259120. doi: 10.1590/0102-311X00259120
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), indicando a gravidade da doença, que requer tratamentos mais complexos.

Estudos ecológicos auxiliam na compreensão de como uma doença pode afetar de maneiras diferentes as pessoas a partir dos contextos social e ambiental. Diversos estudos investigaram a mortalidade por covid-19 por faixa etária, comorbidades e regiões do Brasil (88. Silva GA, Jardim BC, Lotufo PA. Mortalidade por COVID-19 padronizada por idade nas capitais das diferentes regiões do Brasil. Cad Saude Publica. 2021;37(6):e00039221. doi: 10.11606/s1518-8787.2022056004040
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2022...

9. Dos Santos IL, Mendes EDT, Franciosi RB. Comorbidades pediátricas, raça e faixa etária em covid-19 no Brasil: um estudo coorte retrospectivo. Braz J Infect Dis. 2022;26:e102021. doi: 10.1016/j.bjid.2021.102021
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10. Reis CMJ, Vannier MM, Franklin VTS. Análise epidemiológica da incidência da covid-19 nas regiões brasileiras. Braz J Infect Dis. 2022;26:101782. doi: 10.1016/j.bjid.2021.101782
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11. Cavalcante LR. Regiões metropolitanas e regiões integradas de desenvolvimento: em busca de uma delimitação conceitual. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado; 2020. (Texto para Discussão nº273). [Acessado em junho de 2023]. Disponível em: https://alesfe.org.br/regioes-metropolitanas-e-regioes-integradas-de-desenvolvimento-em-busca-de-uma-delimitacao-conceitual/
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-1212. Fernandes E. Urbanização e planejamento no Brasil. Em: Gouvea RGA. Questão metropolitana no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2005. Pp. 11-6.), mas não foram encontrados estudos que investigassem diferenças na taxa de mortalidade por covid-19 conforme uma divisão político-administrativa importante no Brasil: a divisão entre interior e região metropolitana. As regiões metropolitanas são recortes político-espaciais complexos, tendo ao centro uma grande cidade “que polariza e dinamiza as demais cidades ao redor, influenciando-as econômica, social e politicamente”, sendo que o conjunto dessas cidades forma uma conurbação, onde cidades perdem seus limites (1111. Cavalcante LR. Regiões metropolitanas e regiões integradas de desenvolvimento: em busca de uma delimitação conceitual. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado; 2020. (Texto para Discussão nº273). [Acessado em junho de 2023]. Disponível em: https://alesfe.org.br/regioes-metropolitanas-e-regioes-integradas-de-desenvolvimento-em-busca-de-uma-delimitacao-conceitual/
https://alesfe.org.br/regioes-metropolit...
). As regiões metropolitanas foram efetivamente criadas no Brasil em 1973 pela lei complementar nº 14, tendo natureza atribuída de região de serviços comuns, região de planejamento territorial e região de desenvolvimento econômico (1212. Fernandes E. Urbanização e planejamento no Brasil. Em: Gouvea RGA. Questão metropolitana no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2005. Pp. 11-6.). A listagem das regiões metropolitanas no país é disponibilizada e atualizada a cada década pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e regiões integradas de desenvolvimento. Rio de Janeiro: IBGE; 2020. [Acessado em 31 de maio de 22]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/divisao-regional/18354-regioes-metropolitanas-aglomeracoes-urbanas-e-regioes-integradas-de-desenvolvimento.html?=&t=downloads
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). Apesar da possível influência positiva das cidades centrais da região metropolitana sobre as outras que compõem essa área, o conceito é debatido e criticado por não existirem arranjos estáveis efetivamente institucionalizados no país para a formulação e implementação de políticas públicas que atendam aos interesses comuns de todos os municípios, inclusive os do interior, ou seja, que ficam fora das regiões metropolitanas — que podem enfrentar extrema desigualdade social e de riqueza, déficits em saúde e degradação ambiental (1212. Fernandes E. Urbanização e planejamento no Brasil. Em: Gouvea RGA. Questão metropolitana no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2005. Pp. 11-6.).

Neste estudo, levantou-se a hipótese de que o interior do Brasil apresentaria maior mortalidade hospitalar por SRAG associada à covid-19 do que a região metropolitana, devido às desigualdades socioeconômicas e de acesso aos serviços de saúde. Assim, o objetivo deste artigo foi comparar as taxas de mortalidade hospitalar (TMH) por SRAG associada à covid-19 registradas no Brasil em 2020 e 2021 nas regiões metropolitanas e no interior, explorando as variáveis demográficas, clínicas e epidemiológicas associadas à ocorrência desses óbitos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico de casos e óbitos de SRAG associada à covid-19 registrados no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe). Foram considerados os casos e óbitos registrados no SIVEP-Gripe no período de março de 2020 a dezembro de 2021 cuja classificação final foi de SRAG por covid-19. Foram excluídos os casos classificados como descartados ou como SRAG por outra causa.

As variáveis em estudo foram obtidas a partir da base de dados do SIVEP-Gripe, disponível no endereço https://opendatasus.saude.gov.br/dataset. As informações foram acessadas em 10 de maio de 2022. Consideraram-se as seguintes variáveis demográficas, clínicas e epidemiológicas: idade em anos, sexo (feminino ou masculino), internação hospitalar (sim ou não), presença de fator de risco (doença cardiovascular, diabetes melito, obesidade, doença renal crônica, doença neurológica, pneumopatia crônica, imunodeficiência, asma, doença hematológica, doença hepática crônica, síndrome de Down, puérpera ou parturiente), internação em UTI (sim ou não), uso de suporte ventilatório (invasivo, não invasivo, não utilizou suporte ventilatório), evolução (cura, óbito ou óbito por outra causa) e classificação final na ficha de registro individual de casos de SRAG por covid-19. Para apresentação dos resultados, os casos e óbitos foram estratificados em cinco faixas etárias (0 a 19 anos, 20 a 39 anos, 40 a 59 anos, 60 a 79 anos e 80 anos ou mais) e por localização do município de residência (região metropolitana ou interior), de acordo com a classificação do IBGE (1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e regiões integradas de desenvolvimento. Rio de Janeiro: IBGE; 2020. [Acessado em 31 de maio de 22]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/divisao-regional/18354-regioes-metropolitanas-aglomeracoes-urbanas-e-regioes-integradas-de-desenvolvimento.html?=&t=downloads
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).

Para calcular a TMH, considerou-se como numerador o número absoluto de óbitos por SRAG associada à covid-19; e, como denominador, o número absoluto de casos de SRAG por covid-19 segundo ano de ocorrência, residência em região metropolitana ou interior, faixa etária, sexo, internação hospitalar, presença de fator de risco, internação em UTI e uso de suporte ventilatório. Para o estudo, foram consideradas 81 regiões metropolitanas (1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e regiões integradas de desenvolvimento. Rio de Janeiro: IBGE; 2020. [Acessado em 31 de maio de 22]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/divisao-regional/18354-regioes-metropolitanas-aglomeracoes-urbanas-e-regioes-integradas-de-desenvolvimento.html?=&t=downloads
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).

Para a análise dos dados, utilizou-se o software de acesso livre R versão 4.0.4. Para avaliar as diferenças entre os grupos quanto a características demográficas, clínicas e epidemiológicas, foi utilizado o teste do qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher, considerando um nível de significância estatística de 5%. Os scripts utilizados nas análises podem ser acessados em https://drive.google.com/file/d/1JjjORsHpMV_fRAL5niKnqWQNFTSjBrkc/view?usp=sharing.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) sob o parecer 4.098.427 (CAAE: 32206620.0.0000.5086).

RESULTADOS

De fevereiro de 2020 a dezembro de 2021, foram registrados no SIVEP-Gripe 1 777 232 casos e 603 339 óbitos por SRAG associada à covid-19, sendo 398 110 nas regiões metropolitanas e 205 229 no interior (dados atualizados em 9 de maio de 2022). Nesse período, 68% de todos os óbitos corresponderam a pessoas com 60 anos ou mais.

Em 2021, tanto no interior como nas regiões metropolitanas, houve aumento da TMH entre as pessoas de 20 a 79 anos e redução no grupo de 0 a 19 anos e 80 anos ou mais (P < 0,001) (tabela 1). Nas regiões metropolitanas, houve aumento significativo da TMH em ambos os sexos naqueles com 60 a 79 anos, mas redução naqueles com 80 anos ou mais. No interior, houve aumento da TMH entre as pessoas de 60 a 79 anos de ambos os sexos e entre as mulheres com 80 anos ou mais (P > 0,001) (tabela 2).

Em 2021, verificou-se aumento significativo da TMH entre as pessoas com fator de risco nos grupos de 0 a 19 anos, 20 a 39 anos, 40 a 59 anos e 60 a 79 anos nas regiões metropolitanas. No interior, houve aumento da TMH nos indivíduos de 20 a 39 anos, 40 a 59 anos e 60 a 79 anos, e redução naqueles de 0 a 19 anos e com 80 anos ou mais (P < 0,001) (tabela 2).

Em relação à necessidade de internação em UTI, tanto na região metropolitana quanto no interior, houve aumento da TMH em 2021 nos grupos de 20 a 39 anos, 40 a 59 anos, 60 a 79 anos e 80 anos ou mais (P < 0,001) (tabela 3). A respeito do uso de suporte ventilatório invasivo e não invasivo, tanto na região metropolitana quanto no interior, verificou-se aumento da TMH em 2021 nos grupos de 20-39 anos, 40-59 anos, 60-79 anos e 80 anos ou mais (P < 0,001) (tabela 3).

TABELA 1.
Taxa de mortalidade hospitalar total por síndrome respiratória aguda grave associada à covid-19 segundo grupo etário e localização, Brasil, 2020 e 2021

Ao se comparar a TMH nas regiões metropolitanas e interior conforme ano de ocorrência, sexo, fator de risco, internação em UTI e uso de suporte ventilatório, encontraram-se poucas diferenças (tabelas 1, 2 e 3). Os resultados refutam a hipótese de que há uma diferença na TMH entre a região metropolitana e o interior.

DISCUSSÃO

Nos 2 anos do estudo, os resultados indicam que não há uma diferença na TMH entre as regiões metropolitanas e o interior. Por sua vez, em termos de idade, a TMH pela covid-19 foi maior em adultos e idosos. As revisões sistemáticas encontraram forte associação entre idade avançada, sexo masculino e presença de comorbidades com a gravidade e o pior prognóstico da covid-19 (44. Parohan M, Yaghoubi S, Seraji A, Javanbakht MH, Sarraf P, Djalali M. Risk factors for mortality in patients with coronavirus disease 2019 (COVID-19) infection: a systematic review and meta-analysis of observational studies. Aging Male. 2020;23(5):1416-24. doi: 10.1080/13685538.2020.1774748
https://doi.org/10.1080/13685538.2020.17...
, 55. Fang X, Li S, Yu H, Wang P, Zhang Y, Chen Z, et al. Epidemiological, comorbidity factors with severity and prognosis of COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Aging (Albany NY). 2020 Jul 13;12(13):12493-503. doi: 10.18632/aging.103579.
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). No entanto, de 2020 para 2021, houve uma redução da TMH entre os idosos, possivelmente devido ao início da vacinação para idosos com 60 anos ou mais em janeiro de 2021 no Brasil.

O início da vacinação contra a covid-19 no Brasil trouxe uma mudança nos perfis de internações e óbitos pela doença. O risco de internação e óbito aumentou entre os mais jovens não vacinados, enquanto houve importante redução da mortalidade entre os idosos vacinados, além de uma redução geral nas taxas de internação e nos óbitos (1414. Orellana JDY, Cunha GMD, Marrero L, Leite IDC, Domingues CMAS, Horta BL. Mudanças no padrão de internações e óbitos por COVID-19 após substancial vacinação de idosos em Manaus, Amazonas, Brasil. Cad Saude Publica. 2022;38(5):PT192321. doi: 10.1590/0102-311XPT192321
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).

O sexo masculino tende a ser mais afetado pela covid-19 por causa de fatores biológicos como as diferenças de respostas imunológicas e de composição celular entre os sexos, além de fatores comportamentais (1515. Wenham C, Smith J, Morgan R, Gender and COVID-19 Working Group. COVID-19: the gendered impacts of the outbreak. Lancet. 2020;395(10227):846-8. doi: 10.1016/S0140-6736(20)30526-2
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), como a menor procura por serviços de saúde, ficando mais propenso a complicações e diagnósticos tardios, além de apresentar déficit em relação ao autocuidado (1616. Martins ERC, Medeiros AS, Oliveira KL, Fassarella LG, Moraes PCD, Spíndola T. Vulnerabilidade de homens jovens e suas necessidades de saúde. Esc Anna Nery. 2020;24(1):e20190203. doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2019-0203
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).

Este estudo corrobora estudos internacionais realizados nos Estados Unidos e na China e estudos nacionais que apontaram para uma maior mortalidade hospitalar por covid-19 entre aqueles que apresentavam fatores de risco, principalmente em caso de multimorbidades (1818. Guan WJ, Liang W-H, Zhao Y, Liang H-R, Chen Z-S, Li Y-M, et al. Comorbidity and its impact on 1590 patients with Covid-19 in China: a nationwide analysis. Eur Respir J. 2020;55(5):2000547. doi: https://doi.org/10.1183/13993003.00547-2020
https://doi.org/10.1183/13993003.00547-2...

19. Niquini RP, Lana RM, Pacheco AG, Cruz OG, Coelho FC, Carvalho LM, et al. Description and comparison of demographic characteristics and comorbidities in SARI from COVID-19, SARI from influenza, and the Brazilian general population. Cad Saude Publica. 2020;36(7):e00149420. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00149420
https://doi.org/10.1590/0102-311x0014942...
-2020. Yang J, Zheng Y, Gou X, Pu K, Chen Z, Guo Q, et al. Prevalence of comorbidities and its effects in patients infected with SARS-CoV-2: a systematic review and meta-analysis. Int J Infect Dis. 2020;94:91-5. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.03.017
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). A covid-19 pode afetar doenças crônicas até então controladas, tornando a pessoa propensa às complicações da infecção devido ao desequilíbrio causado, entre outros fatores, pela oferta e demanda de oxigênio, demanda metabólica e baixa reserva cardíaca ocasionada pelo vírus (2020. Yang J, Zheng Y, Gou X, Pu K, Chen Z, Guo Q, et al. Prevalence of comorbidities and its effects in patients infected with SARS-CoV-2: a systematic review and meta-analysis. Int J Infect Dis. 2020;94:91-5. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.03.017
https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.03.0...
, 2121. Driggin E, Madhavan MV, Bikdeli B, Chuich T, Laracy J, Biondi-Zoccais G, et al. Cardiovascular considerations for patients, health care workers, and health systems during the COVID-19 Pandemic. J Am Coll Cardiol. 2020;75(18):2352-71. doi: 10.1016/j.jacc.2020.03.031
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2020.03.0...
).

Em relação aos grupos etários e à região de residência (metropolitana ou interior), a TMH na UTI variou de 17,7% a 78,3%; e, para aqueles que necessitaram de suporte ventilatório invasivo, variou de 40,2% a 91,8%. A covid-19 pode causar lesão severa do parênquima pulmonar nos casos mais graves, com hipoxemia intensa e, muitas vezes, refratária a intervenções habituais, como oxigenioterapia não invasiva. A ventilação mecânica auxilia na troca gasosa para preservar o bom funcionamento do organismo e proteger os órgãos-alvos até a resolução da doença subjacente (2222. Berlin DA, Gulick RM, Martinez FJ. Severe Covid-19. N Engl J Med. 2020;383(25):2451-60. doi: 10.1056/NEJMcp2009575
https://doi.org/10.1056/NEJMcp2009575...
). Em um estudo realizado no Brasil por macrorregião, nos primeiros 250 000 casos de SRAG pela covid-19, 59% dos internados em UTI e 80% dos que estavam em suporte ventilatório invasivo evoluíram para óbito, respectivamente (66. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-18. doi: 10.1016/S2213-2600(20)30560-9
https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30...
).

A microbiota pulmonar saudável apresenta uma elevada diversidade de bactérias, determinada pela associação de vários fatores, como fatores ambientais, características genéticas e resposta imune do hospedeiro. As pessoas que utilizam suporte ventilatório invasivo podem desenvolver pneumonia associada a ventilação mecânica (PAV) (2323. Dhar D, Mohanty A. Gut microbiota and Covid-19- possible link and implications. Virus Res. 2020;285:198018. doi: 10.1016/j.virusres.2020.198018
https://doi.org/10.1016/j.virusres.2020....
), que pode servir como porta de entrada para outras bactérias (2424. Cabral BG, Matos ECO, Santana ME, Ferreira Jr AC. Cuidados preventivos para pneumonia associada a ventilação mecânica: revisão integrativa. Rev Enferm Atual In Derme. 2020;91(29):131-40. doi: 10.31011/reaid-2020-v.91-n.29-art.542
https://doi.org/10.31011/reaid-2020-v.91...
). No entanto, o seu desenvolvimento pode estar relacionado a algum fator predisponente, como disbiose pulmonar prévia, que leva a quadros infecciosos mais severos (2525. Monsoresi ACC, Alves GGB, Rovetta IL, Ramos KKS, Rocha VO, Martins LCA. Desenvolvimento de pneumonia associada à ventilação mecânica no contexto da Covid-19: uma análise centrada na microbiota pulmonar. Sinapse Multipla. 2022;10(2):325-7.). A chance de uma pessoa com covid-19 desenvolver PAV é duas vezes maior do que em pessoas sem covid-19, assim como o risco de evolução desfavorável é bem maior em pessoas com PAV e covid-19 (2626. Sá PKO, Silva SA, Araújo CL, Cavalca GVS, Lira CAG, Silva EKR, et al. Pneumonia associada à ventilação mecânica em pacientes com covid-19: avaliação das culturas de aspirados traqueais. Braz J Infect Dis. 2021;25:101089. doi: 10.1016/j.bjid.2020.101089
https://doi.org/10.1016/j.bjid.2020.1010...
). Muitos fatores podem estar relacionados a isso. Neste estudo, não foi analisado o tempo de suporte ventilatório invasivo para relacioná-lo diretamente à mortalidade observada.

No Brasil, existem diferenças de um município para o outro em relação a desenvolvimento econômico, distribuição de renda, desemprego e serviços de saúde, fatores que influenciam diretamente na prevenção e no tratamento de doenças (2727. Marmot M, Allen J. COVID-19: exposing and amplifying inequalities. J Epidemiol Community Health. 2020;74(9):681-2. doi: 10.1136/jech-2020-214720
https://doi.org/10.1136/jech-2020-214720...
). Um estudo realizado com dados do Registro Civil de janeiro de 2020 a fevereiro de 2021 (2828. Sanchez MN, Moura E, Moreira J, Lima R, Barreto I, Pereira C, et al. Mortalidade por COVID-19 no Brasil: uma análise do Registro Civil de óbitos de janeiro de 2020 a fevereiro de 2021. 2021. SciELO Preprints. doi: 10.1590/SciELOPreprints
https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints...
) mostra que a mortalidade por covid-19 no país já se apresentava alta em 2020, principalmente em adultos e idosos, sendo agravada pelas disparidades regionais existentes no sistema de saúde e permanecendo alta em 2021, independentemente da faixa etária.

TABELA 2.
Taxa de mortalidade hospitalar por síndrome respiratória aguda grave associada à covid-19 de acordo com sexo e presença de fator de risco, segundo grupo etário e localização, Brasil, 2020 e 2021

Vieram à tona durante a epidemia da covid-19 as grandes desigualdades na assistência em saúde em todo Brasil, situações já existentes, porém agravadas pelo exponencial aumento da demanda (2929. Brizzi A, Whittaker C, Servo LM, Hawryluk I, Prete Jr CA, Souza WM, et al. Fatores que determinam grandes flutuações espaciais e temporais nas taxas de mortalidade do COVID-19 em hospitais brasileiros. Imperial College London; 2021. [Acessado em 02 de junho de 2022]. Disponível em: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/mrc-gida/2021-10-06-COVID19-Report-46.pdf
https://www.imperial.ac.uk/media/imperia...
). Em março de 2020, logo no início da pandemia, o número de ventiladores mecânicos disponíveis no Brasil variava de 21,7 a 102,2 a cada 100 mil habitantes (2929. Brizzi A, Whittaker C, Servo LM, Hawryluk I, Prete Jr CA, Souza WM, et al. Fatores que determinam grandes flutuações espaciais e temporais nas taxas de mortalidade do COVID-19 em hospitais brasileiros. Imperial College London; 2021. [Acessado em 02 de junho de 2022]. Disponível em: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/mrc-gida/2021-10-06-COVID19-Report-46.pdf
https://www.imperial.ac.uk/media/imperia...
), reafirmando o despreparo e as diferenças vistas entre e dentro das regiões do país, considerando os recursos físicos-estruturais, financeiros e humanos. Isso influenciou diretamente o cuidado em saúde e a possibilidade de sobrevida naqueles acometidos pela covid-19.

Santos et al. (3030. Santos AM, Souza BF, Carvalho CA, Campos MAG, Oliveira BLCA, Diniz EM, et al. Excess deaths from all causes and by COVID-19 in Brazil in 2020. Rev Saude Publica. 2021;55:71.), em um estudo sobre o excesso de mortalidade por diversas causas e pela covid-19 no Brasil, em 2020, apontaram os diversos fatores que influenciaram o desfecho de mortalidade pela covid-19 e concluíram que as diferenças demográficas, socioeconômicas e raciais expõem as pessoas de forma distinta. Caso não houvesse as limitações orçamentárias e as iniquidades em saúde, a taxa de mortalidade por covid-19 no Brasil poderia ter sido menor (3131. Hallal PC. Uma análise epidemiológica sobre o manejo da pandemia de Covid-19 no Brasil. Em: Carbonari PC, Peruzzo NA, Rosa E, editores. Violações dos direitos humanos no Brasil: denúncias e análises no contexto da Covid-19. Passo Fundo: Saluz; 2021. Pp. 7-22.). No Brasil, as pessoas com melhores condições financeiras que dispõem de planos privados de saúde ou que têm capacidade de arcar com os custos têm acesso a uma assistência à saúde diferente das pessoas mais pobres, que dependem unicamente do SUS. Sem o SUS, a situação durante e após a pandemia seria bem pior em razão das disparidades econômicas e sociais (3232. Braga JCS, Oliveira GC. Dinâmica do capitalismo financeirizado e o sistema de saúde no Brasil: reflexões sob as sombras da pandemia de COVID-19. Cad Saude Publica. 2022;38(Suppl 2):e00325020.). Entretanto, a implantação de um novo modelo de alocação de recursos financeiros na saúde em 2019 fragilizou a saúde no país. Esse modelo, descrito como Programa Previne Brasil (instituído através da portaria 2 979/2019 do Ministério da Saúde), alterou as regras para financiamento da atenção primária à saúde, que é a principal porta de entrada do SUS. O processo burocrático não só dificultou a distribuição orçamentária para a operacionalização do SUS, como também levantou a possibilidade de privatização, com a justificativa de uma crise sanitária e financeira no país. Esse “desfinanciamento” do SUS trouxe efeitos negativos durante a pandemia e, ainda, ratificou as iniquidades sociais já existentes (3333. Mendes A, Melo MA, Carnut L. Análise crítica sobre a implantação do novo modelo de alocação dos recursos federais para atenção primária à saúde: operacionalismo e improvisos. Cad Saude Publica. 2022;38(2): e00164621. doi: 10.1590/0102-311X00164621
https://doi.org/10.1590/0102-311X0016462...
).

TABELA 3.
Taxa de mortalidade hospitalar por síndrome respiratória aguda grave associada à covid-19 de acordo com internação em unidade de terapia intensiva e uso de ventilação mecânica, segundo grupo etário e localização, Brasil, 2021 e 2022

Em cálculo de projeção de óbitos, Hallal (3131. Hallal PC. Uma análise epidemiológica sobre o manejo da pandemia de Covid-19 no Brasil. Em: Carbonari PC, Peruzzo NA, Rosa E, editores. Violações dos direitos humanos no Brasil: denúncias e análises no contexto da Covid-19. Passo Fundo: Saluz; 2021. Pp. 7-22.) estima que o número de óbitos por covid-19 no Brasil pode ter sido 4,6 vezes maior do que o registrado, de acordo com o tamanho da população. Ainda, afirma que quatro em cada cinco mortes ocorridas pela covid-19 no país poderiam ter sido evitadas caso medidas eficazes tivessem sido tomadas em tempo hábil. O enfrentamento das doenças infecciosas baseia-se em testagem, rastreamento de contatos e isolamento. No Brasil, não houve testagem em massa para identificação de casos nem isolamento para diminuição da transmissão. Pelo contrário, adotou-se uma abordagem clínica individual em detrimento de uma epidemiológica, com desestímulo à utilização de máscaras, atraso na compra de vacinas e falta de liderança governamental e comunicação unificada, o que levou a um resultado desastroso (3131. Hallal PC. Uma análise epidemiológica sobre o manejo da pandemia de Covid-19 no Brasil. Em: Carbonari PC, Peruzzo NA, Rosa E, editores. Violações dos direitos humanos no Brasil: denúncias e análises no contexto da Covid-19. Passo Fundo: Saluz; 2021. Pp. 7-22.).

Segundo Branco (3434. Branco MRFC. Excesso de mortes no Brasil durante a pandemia de Covid-19. Em: Carbonari PC, Peruzzo NA, Rosa E, editores. Violações dos direitos humanos no Brasil: denúncias e análises no contexto da COVID-19. Passo Fundo: Saluz; 2021. Pp. 23-33.), o excesso de óbitos em 2020 deveu-se à pandemia de covid-19, mesmo que, em muitas declarações de óbito, constassem outras causas. Dados de estudos de excesso de óbito mostram que a compreensão e a interpretação da mortalidade vai muito além da simples contagem de óbitos (3434. Branco MRFC. Excesso de mortes no Brasil durante a pandemia de Covid-19. Em: Carbonari PC, Peruzzo NA, Rosa E, editores. Violações dos direitos humanos no Brasil: denúncias e análises no contexto da COVID-19. Passo Fundo: Saluz; 2021. Pp. 23-33.). Os problemas de desigualdades sociais e iniquidades em saúde, dificuldade de acesso e baixa qualidade dos serviços de saúde, além da má gestão e as fragilidades dos sistemas de vigilância em saúde, podem ser revelados pelos óbitos (3535. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. 7ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. [Acessado em 28 de maio de 2023]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_epidemiologica_7ed.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
).

A vigilância da SRAG foi iniciada no país em 2009 na pandemia de H1N1 (3535. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. 7ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. [Acessado em 28 de maio de 2023]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_epidemiologica_7ed.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
). Entretanto, até 2020, não estava implantada em todos os municípios do país. Um estudo realizado em São Luís, capital do estado Maranhão, de março a dezembro de 2020 com dados do SIVEP-Gripe mostrou que havia um atraso de até 126 dias para a notificação dos óbitos, além das subnotificações, mostrando a necessidade de melhorias e de investimentos nos sistemas de vigilância epidemiológica (3636. Carvalho CA, Carvalho VA, Campos MAG, Oliveira BLCA, Diniz EM, Santos AM, et al. O atraso na notificação de óbitos afeta o monitoramento oportuno e modelagem da pandemia da COVID-19. Cad Saude Pública. 2021;37(7): e00292320. doi: 10.1590/0102-311X00292320
https://doi.org/10.1590/0102-311X0029232...
).

Um estudo nacional sobre o excesso de óbitos com dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) e da Central de Informações do Registro Civil apontou para um elevado número de subnotificações e grande dispersão dos casos de SRAG (77. Orellana JDY, Cunha GMD, Marrero L, Moreira RI, Leite IDC, Horta BL. Excesso de mortes durante a pandemia de COVID-19: subnotificação e desigualdades regionais no Brasil. Cad Saude Publica. 2021;37(1):e00259120. doi: 10.1590/0102-311X00259120
https://doi.org/10.1590/0102-311X0025912...
). Números ocultos (propositalmente ou não), atrasos em notificações para diminuir as estatísticas e falta de profissionais, treinamentos ou sistemas adequados e eficientes atrasaram por meses a quantificação real da pandemia (77. Orellana JDY, Cunha GMD, Marrero L, Moreira RI, Leite IDC, Horta BL. Excesso de mortes durante a pandemia de COVID-19: subnotificação e desigualdades regionais no Brasil. Cad Saude Publica. 2021;37(1):e00259120. doi: 10.1590/0102-311X00259120
https://doi.org/10.1590/0102-311X0025912...
). Ao se considerar a baixa disponibilidade de testagem em massa para covid-19 no Brasil, a taxa de incidência tende a ser subestimada e a taxa de mortalidade, superestimada, ainda mais ao se considerarem as diferenças regionais em relação aos serviços de saúde existentes (77. Orellana JDY, Cunha GMD, Marrero L, Moreira RI, Leite IDC, Horta BL. Excesso de mortes durante a pandemia de COVID-19: subnotificação e desigualdades regionais no Brasil. Cad Saude Publica. 2021;37(1):e00259120. doi: 10.1590/0102-311X00259120
https://doi.org/10.1590/0102-311X0025912...
).

Este estudo apresenta como limitação a utilização de dados secundários, que podem não ter sido preenchidos corretamente. Já os pontos fortes incluem o relevante número de casos analisados, o período do estudo, que vai desde o início da pandemia até dezembro de 2021, e a comparação da mortalidade hospitalar entre as regiões metropolitanas e o interior, assim como entre ano de ocorrência.

Destaca-se, ainda, que a taxa de mortalidade pela covid-19, além de ser influenciada pela subnotificação e pelo sub-registro dos casos e óbitos, apresentou diferenças entre a região metropolitana e o interior, o que pode refletir nas desigualdades sociais, econômicas, culturais e estruturais. As persistentes desigualdades sociais e geográficas no acesso e na utilização dos serviços do SUS tendem a impactar os desfechos de saúde nas populações mais vulneráveis, principalmente em situações de pandemia (3232. Braga JCS, Oliveira GC. Dinâmica do capitalismo financeirizado e o sistema de saúde no Brasil: reflexões sob as sombras da pandemia de COVID-19. Cad Saude Publica. 2022;38(Suppl 2):e00325020.). Nesse sentido, não há uma solução única para todo o país, mas as políticas devem observar as singularidades de cada região e seus perfis.

Neste estudo, verificou-se, em 2021, aumento significativo da TMH em todos os grupos etários no interior e nas regiões metropolitanas, com exceção dos grupos com menos de 19 anos e com 80 anos ou mais. No caso deste último grupo, isso se deve, possivelmente, ao fato de ter sido este o primeiro grupo a ser vacinado no país. Houve aumento da TMH na UTI e nos indivíduos que utilizaram suporte ventilatório invasivo tanto na região metropolitana quanto no interior, mostrando que não houve diferenças significativas quanto à região.

Logo, a hipótese de que haveria uma diferença na TMH entre as regiões metropolitanas e o interior do Brasil foi refutada pelo fato de os resultados apresentados serem semelhantes. Entretanto, ratifica-se que pesquisas que considerem outros aspectos, como condições socioeconômicas e laborais e acesso aos serviços em saúde, são necessárias para uma melhor compreensão e análise do contexto social da mortalidade pela covid-19 em diferentes regiões do país.

Declaração.

As opiniões expressas no manuscrito são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem necessariamente a opinião ou política da RPSP/PAJPH ou da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Agradecimentos.

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) pelo programa de apoio à publicação de artigos e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) (código de financiamento nº 001).

  • Contribuições dos autores.
    MSMA e MRFCB conceberam a ideia original, planejaram as etapas, interpretaram os dados e escreveram o artigo. DCO, ANPP e SSBC coletaram e analisaram os dados. RCSQ, BLCAO e AMS interpretaram os dados, verificaram as ferramentas de análise e revisaram o artigo. Todos os autores revisaram e aprovaram a versão final.
  • Financiamento.
    Este estudo foi financiado pela chamada MCTIC/CNPq/FNDCT/MS/SCTIE/Decit nº 07/2020 – Pesquisas para enfrentamento da Covid-19, suas consequências e outras síndromes respiratórias agudas graves (termo de outorga: 401734/2020-0) – e pelo edital FAPEMA n.06/2020 - Fomento à pesquisa no enfrentamento à pandemia e pós-pandemia da Covid-19 (termo de outorga: 003299/2020).
  • Conflitos de interesse.
    Nada declarado pelos autores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2022
  • Aceito
    21 Abr 2023
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