Mapa de evidências sobre intervenções para redução do consumo de bebidas alcoólicas

Evidence Map of Interventions to Reduce Alcohol Consumption

Mapa de la evidencia sobre intervenciones para reducir el consumo de alcohol

Paula Aballo Nunes Machado Gabriela Vasconcellos de Barros Vianna Luciana Grucci Maya Moreira Maria Eduarda Leão Diogenes Fabio Fortunato Brasil de Carvalho Carmen Verônica Mendes Abdala Camila Belo Tavares Ferreira Mayara Rodrigues Batista Raphael Duarte Chança Thainá Alves Malhão Sobre os autores

RESUMO

Objetivo.

Sistematizar evidências sobre o efeito de intervenções mundiais para a redução do consumo e/ou venda de bebidas alcoólicas.

Método.

Mapa de evidências que, a partir de buscas em nove bases bibliográficas, incluiu 182 estudos de revisões sistemáticas com ou sem metanálises, revisões de intervenções e revisões de revisões. Os estudos avaliaram o efeito de intervenções - agrupadas em conjuntos abrangentes de ações: comunicação para mudança de comportamento; ambientes promotores da saúde e mudanças dos sistemas - sobre dois desfechos de interesse: redução de consumo e redução da compra e/ou venda de álcool.

Resultados.

Foram registradas 207 associações entre diferentes intervenções e desfechos, com destaque para intervenções de comunicação para mudança de comportamento (81,64%) e para o desfecho de redução de consumo (98,55%). A maioria das associações apresentou efeito positivo (40,58%), inconclusivo (28,99%) ou potencialmente positivo (26,57%). Das intervenções com resultado positivo ou potencialmente positivo, destacam-se o monopólio de vendas de bebidas alcoólicas pelo governo, controle de densidade de pontos de venda, cobrança de preço mínimo por unidade, advertências sanitárias em rótulo de bebidas alcoólicas e múltiplas intervenções integradas.

Conclusão.

Espera-se que o presente mapa auxilie formuladores de políticas públicas e profissionais de saúde na adaptação de experiências para seus contextos de atuação, estimulando ações intersetoriais para reduzir o consumo de álcool.

Palavras-chave
bebidas alcoólicas; consumo de bebidas alcoólicas; comercialização de produtos; avaliação de eficácia-efetividade de intervenções; políticas públicas; política informada por evidências; revisão

ABSTRACT

Objective.

Systematize evidence on the effect of global interventions to reduce the consumption and/or sale of alcoholic beverages.

Method.

Evidence map based on searches in nine bibliographic databases, including 182 studies of systematic reviews with or without meta-analysis, reviews of interventions, and reviews of reviews. The studies evaluated the effect of interventions grouped into comprehensive sets of actions: communication for behavior change; health-promoting environments; and systemic changes. Two outcomes of interest were considered: reduction in alcohol consumption and reduction in its purchase/sale.

Results.

A total of 207 associations between different interventions and outcomes were recorded, with emphasis on communication for behavior change (81.64%) and reduction of consumption (98.55%). Most of the associations showed a positive (40.58%), inconclusive (28.99%), or potentially positive (26.57%) effect. The main interventions with positive or potentially positive results were: a government monopoly on the sale of alcoholic beverages, control of the density of points of sale, charging a minimum price per unit, health warnings on alcoholic beverage labels, and multiple integrated interventions.

Conclusion.

It is hoped that this map will help public policy makers and healthcare professionals adapt experiences to their own contexts, stimulating intersectoral actions to reduce alcohol consumption.

Keywords
alcohol; alcohol drinking; products commerce; evaluation of the efficacy-effectiveness of interventions; public policy; evidence-informed policy

RESUMEN

Objetivo.

Sistematizar la evidencia sobre el efecto de las intervenciones mundiales para reducir el consumo o la venta de bebidas alcohólicas.

Método.

A partir de búsquedas en nueve bases de datos bibliográficas, se elaboró un mapa de la evidencia que incluyó 182 estudios de revisión sistemática sola o con metaanálisis, revisión de intervenciones o revisión de revisiones. En estos estudios se evaluó el efecto de las intervenciones, agrupadas en conjuntos completos de acciones (es decir, comunicación para el cambio de comportamiento, entornos promotores de la salud y cambios en los sistemas) sobre dos desenlaces de interés: la reducción del consumo y la reducción de la compra o la venta de alcohol.

Resultados.

Se registraron 207 asociaciones entre diferentes intervenciones y desenlaces. Entre las intervenciones destacan las de comunicación para el cambio de comportamiento (81,64%) y entre los desenlaces el de reducción del consumo (98,55%). En su mayoría, las asociaciones mostraron un efecto favorable (40,58%), no concluyente (28,99%) o posiblemente favorable (26,57%). Entre las intervenciones con resultados favorables o posiblemente favorables destacan las siguientes: el establecimiento de un monopolio gubernamental de la venta de bebidas alcohólicas, el control de la densidad de puntos de venta, el cobro de un precio mínimo por unidad, las advertencias de salud en las etiquetas de las bebidas alcohólicas y varias intervenciones integradas.

Conclusión.

Se espera que este mapa ayude a los responsables de las políticas públicas y a los profesionales de la salud a adaptar las experiencias a sus ámbitos de actuación, fomentando la introducción de medidas intersectoriales para reducir el consumo de alcohol.

Palabras clave
bebidas alcohólicas; consumo de bebidas alcohólicas; comercialización de productos; evaluación de eficacia-efectividad de intervenciones; política pública; política informada por la evidencia

INTRODUÇÃO

O consumo de bebidas alcoólicas é um dos principais fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), traumatismos, incapacidade e morte em todo o mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou em 2019 que o consumo de álcool contribui para 3 milhões de mortes a cada ano, além de representar 5,1% da carga global de doença, em países de baixa, média e alta renda (11. World Health Organization (WHO). The SAFER technical package: five areas of intervention at national and subnational levels. Geneva: WHO; 2019. Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/330053/9789241516419-eng.pdf?sequence=1
https://iris.who.int/bitstream/handle/10...
).

Apesar de não existir dose segura para o seu consumo (22. World Cancer Research Fund (WCRF), American Institute for Cancer Research (AICR). Diet, Nutrition, Physical Activity and Cancer: a global Perspective. Continuous Update Project Expert Report; 2018. Disponível em: https://www.wcrf.org/wp-content/uploads/2021/02/Summary-of-Third-Expert-Report-2018.pdf
https://www.wcrf.org/wp-content/uploads/...
), em 2016, mais da metade de pessoas com idade igual ou superior a 15 anos no mundo já havia consumido bebidas alcoólicas (33. World Health Organization (WHO). Global status report on alcohol and health. Geneva: WHO; 2018. Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/274603/9789241565639-eng.pdf?sequence=1
https://iris.who.int/bitstream/handle/10...
).

De acordo com a OMS, o consumo mundial total de álcool puro per capita é de 5,5 litros (44. World Health Organization (WHO). World health statistic 2023: monitoring health for the SDGs, sustainable development goals. Geneva: WHO; 2023a. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240074323 .
https://www.who.int/publications/i/item/...
) e na Região das Américas e no Brasil, de 7,5 e 7,7 litros por ano, respectivamente, sendo 30% mais elevado que a média mundial (44. World Health Organization (WHO). World health statistic 2023: monitoring health for the SDGs, sustainable development goals. Geneva: WHO; 2023a. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240074323 .
https://www.who.int/publications/i/item/...
).

A exposição ao consumo de álcool é impulsionada pela sua disponibilidade, que pode ser física, como por exemplo, a conveniência e o acesso; econômica social, como as normas sociais que impulsionam o consumo; e psicológica (55. Anderson P, Jané-Llopis E, Hasan OSM, Rehm J. Changing Collective Social Norms in Favour of Reduced Harmful Use of Alcohol: A Review of Reviews. Alcohol Alcohol. 2018; 53(3):326-332. https://doi.org/10.1093/alcalc/agx121
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).

As reduções e renúncias fiscais, deduções em marketing e subsídios para produção, além de incentivos de acordos comerciais internacionais concedidos por governos e agências de desenvolvimento à indústria do álcool também vêm estimulando o aumento do consumo (66. Vital Strategies. The Sobering Truth: Incentivizing Alcohol Death and Disability, An NCD Policy Report. New York (NY): Vital Strategies; 2021. Disponível em: https://www.vitalstrategies.org/wp-content/uploads/The-Sobering-Truth-Incentivizing-Alcohol-Death-and-Disability.pdf.
https://www.vitalstrategies.org/wp-conte...
).

Considerando que o consumo de bebidas alcoólicas é um problema de saúde pública mundial, vários compromissos políticos internacionais pedem a redução do consumo de álcool, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos em 2015 pela Organização das Nações Unidas (77. United Nations (UN). Transforming our world: the 2030 Agenda for SDG. New York (NY): UN; 2015. Disponível em: https://sdgs.un.org/publications/transforming-our-world-2030-agenda-sustainable-development-17981.
https://sdgs.un.org/publications/transfo...
); e o Plano de Ação Global para a Prevenção e Controle de DCNT, que foi revisto em 2023 pela OMS, estendendo a meta de reduzir em pelo menos 10% o uso nocivo de álcool dentro de cada contexto nacional até 2025 para uma redução relativa de 20% até 2030 (88. World Health Organization (WHO). Advancing the global agenda on prevention and control of noncommunicable diseases 2000 to 2020: looking forwards to 2030. Geneva: WHO; 2023b. Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/370425/9789240072695-eng.pdf?sequence=1.
https://iris.who.int/bitstream/handle/10...
).

A Organização Pan-Americana de Saúde, ao abordar a dimensão comercial dos determinantes sociais da saúde na agenda de enfrentamento das DCNT, também trata da importância da redução do consumo de álcool (99. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Marco de Referência sobre a Dimensão Comercial dos Determinantes Sociais da Saúde na Agenda de Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis. Brasília (DF): OPAS; 2020. Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/52975
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). O Fundo Mundial para Pesquisa em Câncer (WCRF)/Instituto Americano para Pesquisa em Câncer (AICR) e o Instituto Nacional de Câncer (INCA) do Ministério da Saúde brasileiro apontam o consumo de bebidas alcóolicas como causa de muitos tipos de cânceres e recomendam que a população evite o consumo de bebidas alcóolicas para a prevenção da doença (22. World Cancer Research Fund (WCRF), American Institute for Cancer Research (AICR). Diet, Nutrition, Physical Activity and Cancer: a global Perspective. Continuous Update Project Expert Report; 2018. Disponível em: https://www.wcrf.org/wp-content/uploads/2021/02/Summary-of-Third-Expert-Report-2018.pdf
https://www.wcrf.org/wp-content/uploads/...
,1010. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Dieta, nutrição, atividade física e câncer: uma perspectiva global: um resumo do terceiro relatório de especialistas com uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2020. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//dieta_nutricao_atividade_fisica_e_cancer_resumo_do_terceiro_relatorio_de_especialistas_com_uma_perspectiva_brasileira.pdf.
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in...
).

Embora o Brasil tenha publicado em 2007 a Política Nacional sobre o álcool com princípios fundamentais para a sustentação de estratégias para o enfrentamento dos problemas relacionados ao seu consumo (1111. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 6.117, de 22 de maio de 2007. Aprova a Política Nacional sobre o Álcool, dispõe sobre as medidas para redução do uso indevido de álcool e sua associação com a violência e criminalidade, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6117.htm.
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), tendo suas diretrizes reforçadas por outros documentos regulatórios que preveem e reforçam a necessidade de intervenções de prevenção e tratamento (1212. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.190, de 4 de junho de 2009. Institui o Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no Sistema Único de Saúde - SUS (PEAD 2009-2010) e define suas diretrizes gerais, ações e metas. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt1190_04_06_2009.html.
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13. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: PNPS: Anexo I da Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de setembro de 2017, que consolida as normas sobre as políticas nacionais de saúde do SUS. Brasília (DF): Ministério da Saúde. 2018. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_promocao_saude.pdf.
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14. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019. Aprova a Política Nacional sobre Drogas. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/d9761.htm.
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15. Brasil. Ministério da Saúde. Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não Transmissíveis no Brasil 2021-2030. Brasília (DF): Ministério da Saúde. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/doencas-cronicas-nao-transmissiveis-dcnt/09-plano-de-dant-2022_2030.pdf/view.
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...

16. Brasil. Ministério do Planejamento e Orçamento. Plano plurianual 2024-2027: mensagem presidencial. Brasília (DF): Ministério do Planejamento e Orçamento. 2023a. Disponível em: https://www.gov.br/planejamento/pt-br/assuntos/plano-plurianual/arquivos/mensagem-presidencial-ppa-2024-2027/2_mensagem_presidencial_web-1-1.pdf.
https://www.gov.br/planejamento/pt-br/as...
-1717. Brasil. Presidência da República. Lei nº 14.758, de 19 de dezembro de 2023b. Institui a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e o Programa Nacional de Navegação da Pessoa com Diagnóstico de Câncer; e altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde). Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.758-de-19-de-dezembro-de-2023-532172581.
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), pouco se avançou na temática do álcool no país.

Oliveira e colaboradores (2021) (1818. Oliveira CWL, Mendes CV, Kiepper A, Monteiro MG, Wagner GA, Sanchez ZM. Analysis of gaps in alcohol policies in Brazil using the Pan American Health Organization’s Alcohol Policy Scoring. Int J Drug Policy. 2021; 97:103322. https://doi.org/10.1016/j.drugpo.2021.103322
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), a partir de uma análise de documentos nacionais e estaduais, observaram lacunas consideráveis nas políticas de regulação, o que compromete o impacto potencial que as políticas nacionais e estaduais poderiam ter na redução da morbimortalidade atribuível ao álcool no país.

Levando em consideração o alto impacto potencial de ações para redução do consumo de bebidas alcoólicas como estratégia efetiva para o controle das DCNT e outros agravos à saúde, a caracterização da evidência acerca das intervenções mundiais para redução do consumo de bebidas alcoólicas tem grande potencial para orientar formuladores de políticas públicas, entidades não governamentais e profissionais de saúde na adaptação de experiências exitosas para seus contextos de atuação.

Assim, com o intuito de fornecer subsídios técnicos para a gestão estratégica no Sistema Único de Saúde (SUS) que auxiliem na priorização de intervenções, foi desenvolvido o presente mapa de evidências com o objetivo de sistematizar as intervenções para a redução do consumo e/ou da venda de bebidas alcoólicas.

MÉTODO

O presente estudo é um Mapa de Evidências, uma metodologia de pesquisa que permite a sistematização e representação gráfica da evidência analisada por estudos de revisão em uma determinada temática, permitindo que gestores, profissionais de saúde e pesquisadores consigam acessar rapidamente as evidências sobre o impacto de intervenções em saúde (1919. Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde. Mapa de Evidências - Conceito e Metodologia [Internet]. São Paulo (SP): BIREME/OPAS/OMS. Disponível em: http://red.bvsalud.org/mapasdeevidencias-2/.
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).

A metodologia aplicada tem como principal referência o Evidence Gap Map da 3iE – International Initiative for Impact Evaluation (2020. Snilstveit B, Vojtkovab M, Bhavsara A, Stevensona J, Gaarderc M. Evidence & gap maps: a tool for promoting evidence informed policy and strategic research agendas. J Clin Epidemiol. 2016; 79:120–9. https://doi.org/10.1016/j.jclinepi.2016.05.015.
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), adaptado pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME/OPAS/OMS) com a colaboração do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) (1919. Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde. Mapa de Evidências - Conceito e Metodologia [Internet]. São Paulo (SP): BIREME/OPAS/OMS. Disponível em: http://red.bvsalud.org/mapasdeevidencias-2/.
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).

O protocolo e o material suplementar deste estudo se encontram publicados no repositório Open Science Framework11Open Science Framework (https://osf.io/wbtg7/?view_only=9205442683a74ea9b692c0777808f3af) (2121. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Protocolo do mapa de evidências sobre intervenções mundiais para redução do consumo de bebidas alcoólicas [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2022. Disponível em: https://osf.io/wbtg7/?view_only=9205442683a74ea9b692c0777808f3af.
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) e o Mapa de Evidências, na Plataforma Tableau Public BIREME22Plataforma Tableau Public BIREME (https://public.tableau.com/app/profile/bireme/viz/consumo-bebidas-alcoolicas-pt/evidence-map) (2222. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Mapa de evidências sobre intervenções mundiais para redução do consumo de bebidas alcoólicas [Internet]. São Paulo (SP): BIREME/OPAS/OMS; 2023. Disponível em: https://public.tableau.com/app/profile/bireme/viz/consumo-bebidas-alcoolicas-pt/evidence-map.
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).

Critérios de inclusão e exclusão

O mapa teve a seguinte pergunta norteadora: Quais são as intervenções mundiais no âmbito populacional para reduzir o consumo e/ou a venda/compra de bebidas alcoólicas?

A partir desta pergunta, adotou-se a estratégia PICOT (P: Population/População; I: Intervention/Intervenção; C: Control/Comparador; O: Outcome/Desfecho; T: Type of study/Tipo de estudo) para guiar a construção dos critérios de inclusão (Quadro 1).

Quadro 1.
Estratégia PICOT (População; Intervenção; Comparador; Desfecho; Tipo de Estudo) para a pergunta de interesse.

Assim, ficou estabelecido que seriam elegíveis para inclusão no mapa os estudos de revisão sistemática, com ou sem metanálise, revisões de intervenções, e revisões de revisões sobre os efeitos de intervenções no âmbito populacional para reduzir o consumo e/ou a compra/venda de bebidas alcoólicas, sendo excluídos estudos em animais ou aqueles que se referem ao tratamento do alcoolismo. Também foram excluídos os artigos cujo acesso não era aberto, após tentativas de acesso por meio de contato com o autor correspondente. Restrições de data de publicação ou idioma não foram aplicadas.

Busca bibliográfica

As buscas foram realizadas em setembro de 2022 em nove bases bibliográficas: PubMed/MEDLINE, LILACS, EMBASE, Scopus, Web of Science, Cochrane Database of Systematic Reviews, FSTA, PsycINFO e Health System Evidence. As estratégias de busca incluíram descritores e palavras-chaves que se referiam aos elementos do acrônimo PICOT e foram desenvolvidas para cada base bibliográfica, podendo ser consultadas no Apêndice 1 do material suplementar.

Triagem e seleção de evidências

Para avaliação da elegibilidade dos estudos, as referências recuperadas nas bases eletrônicas foram exportadas para o Endnote para remoção das duplicatas. Em seguida, foram exportadas para a plataforma Rayyan (2323. Ouzzani M, Hammady H, Fedorowicz Z, Elmagarmid A. Rayyan-a web and mobile app for systematic reviews. Syst Rev. 2016; 5(210). https://doi.org/10.1186/s13643-016-0384-4.
https://doi.org/10.1186/s13643-016-0384-...
) onde foi realizada a gestão das referências, uma segunda etapa de remoção de duplicatas e realizados os processos de triagem e seleção dos estudos.

A triagem foi realizada a partir da leitura do título e resumo, aplicando os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos em protocolo. Os artigos não excluídos seguiram para o processo de seleção, realizado a partir da sua leitura na íntegra.

Na etapa de seleção, as exclusões foram registradas em planilha com descrição do motivo para exclusão de cada artigo (Apêndice 2 do material suplementar) e resumidas em um fluxograma do processo de seleção adaptado do The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews (2424. Page MJ, McKenzie JE, Bossuyt PM, Boutron I, Hoffmann TC, Mulrow CD et al. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. BMJ. 2021; 372(71). https://doi.org/10.1136/bmj.n71
https://doi.org/10.1136/bmj.n71...
).

As etapas de triagem e seleção foram realizadas por duas pesquisadoras, de forma independente. As divergências foram resolvidas por consenso e, quando necessário, um terceiro revisor foi consultado.

Extração e análise dos dados

A etapa de extração de dados também foi realizada por duas pesquisadoras de forma independente, utilizando a planilha de extração disponível no Apêndice 3 do material suplementar.

Para classificação das intervenções foi utilizada como referência a nova estrutura política para abordar dieta, atividade física, amamentação e consumo de álcool desenvolvida pelo WCRF/AICR (22. World Cancer Research Fund (WCRF), American Institute for Cancer Research (AICR). Diet, Nutrition, Physical Activity and Cancer: a global Perspective. Continuous Update Project Expert Report; 2018. Disponível em: https://www.wcrf.org/wp-content/uploads/2021/02/Summary-of-Third-Expert-Report-2018.pdf
https://www.wcrf.org/wp-content/uploads/...
), adaptada para o português (Brasil) pelo INCA (1010. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Dieta, nutrição, atividade física e câncer: uma perspectiva global: um resumo do terceiro relatório de especialistas com uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2020. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//dieta_nutricao_atividade_fisica_e_cancer_resumo_do_terceiro_relatorio_de_especialistas_com_uma_perspectiva_brasileira.pdf.
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in...
), cujo objetivo é identificar um conjunto abrangente de ações necessárias para criar ambientes para pessoas e comunidades que atendam às recomendações de prevenção do câncer (Quadro 2). As intervenções foram associadas a dois desfechos de interesse: redução de consumo; e redução da compra e/ou venda.

Quadro 2.
Distribuição de intervenções em grupos e seus respectivos conjuntos de ação, 2024.

O efeito das intervenções foi classificado como positivo, potencialmente positivo, sem efeito, inconclusivo, negativo, potencialmente negativo, ou não informado, conforme metodologia de desenvolvimento de Mapas de Evidências (1919. Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde. Mapa de Evidências - Conceito e Metodologia [Internet]. São Paulo (SP): BIREME/OPAS/OMS. Disponível em: http://red.bvsalud.org/mapasdeevidencias-2/.
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).

Um estudo era classificado como “potencialmente positivo” se apresentasse uma medida resumo de efeito positivo, mas efeito inconclusivo em alguma análise de subgrupo. Paralelamente, um estudo era classificado como “potencialmente negativo” se apresentasse uma medida resumo de efeito negativo, mas efeito inconclusivo em alguma análise de subgrupo. Em contrapartida, um estudo poderia ser classificado como “inconclusivo” se apresentasse uma medida resumo de efeito inconclusivo por não ter alcançado significância estatística na avaliação da intervenção ou por ter incluído tanto estudos com resultados positivos quanto estudos com resultados negativos.

A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada por meio da aplicação da ferramenta AMSTAR-2 (2525. Shea BJ, Reeves BC, Wells G, Thuku M, Hamel C, Moran J et al. AMSTAR 2: a critical appraisal tool for systematic reviews that include randomised or non-randomised studies of healthcare interventions, or both. BMJ. 2017; 358:1–9. https://doi.org/10.1136/bmj.j4008.
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) (Anexo 1 do material suplementar).

Síntese das evidências

O mapa propriamente dito é resultado do processamento dos dados de caracterização dos estudos, representados em uma matriz que permite a visualização gráfica da evidência mapeada, relacionando as intervenções e os desfechos. Cada relação foi plotada no mapa com um círculo que varia de tamanho (de acordo com a quantidade de estudos que fundamentou aquela associação) e de cor (de acordo com o efeito ou o nível de confiança da evidência reportada). O Tableau Public BIREME foi a ferramenta utilizada para geração e publicação do mapa de evidências (2222. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Mapa de evidências sobre intervenções mundiais para redução do consumo de bebidas alcoólicas [Internet]. São Paulo (SP): BIREME/OPAS/OMS; 2023. Disponível em: https://public.tableau.com/app/profile/bireme/viz/consumo-bebidas-alcoolicas-pt/evidence-map.
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).

Filtros foram disponibilizados e podem ser selecionados pelo usuário para visualização das seguintes informações: Intervenção segundo estratégia SAFER, Local de intervenção, Intervenções, População, e País/Região Foco.

RESULTADOS

A partir de uma ampla busca em bases bibliográficas, foram incluídos 182 estudos, sendo 80 (43,96%) revisões sistemáticas, 72 (39,56%) revisões sistemáticas com metanálises, 17 (9,34%) revisões de intervenções, e 13 (7,14%) revisões de revisões.

Os processos de identificação, triagem e seleção foram detalhados em forma de fluxograma (Figura 1) e as exclusões na etapa de seleção foram detalhadas no Apêndice 2.

Figura 1.
Fluxograma PRISMA que descreve o processo de pesquisa bibliográfica, 2024.

Os estudos avaliaram o impacto das intervenções em diferentes fases do ciclo de vida e apresentam a seguinte distribuição: adultos (13,0%); adolescentes (7,7%); e aquelas nas quais havia mais de um ciclo de vida: adolescentes e adultos (25,1%); crianças, adolescentes, adultos e idosos (20,3%); adolescentes, adultos e idosos (19,3%); crianças e adolescentes (7,2%); adultos e idosos (3,4%); e crianças, adolescentes e adultos (1,9%).

Os principais países enfocados nos estudos primários incluídos nas revisões foram Estados Unidos da América (n = 138), Austrália (n = 98), Reino Unido (n = 65), Suécia (n = 56), Canadá (n = 55) e Países Baixos (n = 55) (Apêndice 4 do material suplementar). O Brasil foi o país-foco em estudos primários de 16 revisões.

O mapa, que se encontra na Plataforma Tableau Public BIREME33Plataforma Tableau Public BIREME (https://public.tableau.com/app/profile/bireme/viz/consumo-bebidas-alcoolicas-pt/evidence-map) registrou 207 associações entre as diferentes intervenções e seus desfechos, com destaque para o desfecho de redução de consumo (n = 204 associações; 98,55%). O conjunto de ações mais investigado foi o da comunicação para mudança de comportamento (n = 169 associações; 81,64%), seguido de ambientes promotores de saúde (n = 34 associações; 16,43%) e mudanças dos sistemas (n = 4 associações; 1,93%) (Tabela 1).

Tabela 1.
Número de intervenções para diminuição do consumo e/ou compra de bebidas alcoólicas.

As principais intervenções incluídas no mapa diziam respeito às ações de aconselhamento em saúde (n = 109; 52,66% das associações estudadas) e ações de educação em saúde (n = 51; 24,64%) (Tabela 1). Destaca-se que todas estas intervenções eram voltadas para indivíduos ou pequenos grupos constituídos por pessoas não dependentes de álcool e, mesmo aquelas direcionadas a grandes grupos, eram voltadas para ambientes específicos (escolas, ambientes de trabalho, serviços de saúde), evidenciando uma escassez de estudos sobre políticas públicas a nível populacional.

Não foram encontrados estudos de revisão que tratassem exclusivamente das intervenções de criação de ambientes seguros e saudáveis e de aprimoramento do fornecimento de bebidas.

A Tabela 2 descreve o efeito das intervenções para a diminuição do consumo e/ou compra de bebidas alcoólicas. A maioria das associações apresentou efeito positivo (n = 84; 40,58%), seguidas das associações com efeito inconclusivo (n = 60; 28,99%), potencialmente positivo (n = 55; 26,57%), sem efeito (n = 5; 2,42%), efeito negativo (n = 2; 0,97%) e potencialmente negativo (n = 1; 0,48%).

Tabela 2.
Efeito das intervenções para redução do consumo e/ou compra de bebidas alcoólicas.

Mesmo com um pequeno número de estudos que as avaliassem, as intervenções que apresentaram 100% dos resultados classificados como de efeito positivo ou potencialmente positivo para a redução do consumo ou venda de bebidas alcoólicas incluem o monopólio de vendas de bebidas alcoólicas pelo governo (n = 2), controle de densidade de pontos de venda (n = 3), cobrança de preço mínimo por unidade (n = 1), advertências sanitárias em rótulos de bebidas alcoólicas (n = 1) e múltiplas intervenções integradas (n = 3).

Em relação ao nível de confiança dos estudos, de acordo com a classificação AMSTAR 2, foram encontrados estudos com níveis de confiança alto (n = 14; 6,76%), moderado (n = 1; 0,48%), baixo (n = 25; 12,08%) e criticamente baixo (n = 167; 80,68%) (Apêndice 5 do material suplementar).

DISCUSSÃO

Na construção deste mapa de evidências foram verificadas intervenções que vêm sendo adotadas internacionalmente para diminuir o consumo e/ou a compra de bebidas alcoólicas e seus efeitos.

O conjunto de ações mais investigado pelos estudos incluídos foi o da comunicação para mudança de comportamento e, entre as principais intervenções relacionadas à comunicação para mudança de comportamento, se destacaram as ações de aconselhamento em saúde e as ações de educação em saúde.

As intervenções de aconselhamento em saúde, particularmente as de modalidade triagem e intervenção breve, foram aquelas investigadas pelo maior número de estudos incluídos no mapa, sendo classificadas como de efeito positivo ou potencialmente positivo por 75% deles. As referências podem ser visualizadas no mapa disponível na Plataforma Tableau Public BIREME3.

Embora seja pouco provável que esta intervenção, por si só, resulte em benefícios para a saúde pública sem a implementação de outras medidas de controle, ela ainda representa um papel importante no enfrentamento do consumo de álcool (2626. Heather, N. Can screening and brief intervention lead to population-level reductions in alcohol-related harm?. Addict Sci Clin Pract. 2012; 7(15). https://doi.org/10.1186/1940-0640-7-15.
https://doi.org/10.1186/1940-0640-7-15...
). Trata-se de um conjunto de procedimentos simples e breves, que podem ser aplicados por diferentes profissionais da saúde, desde que capacitados, e considerada de boa relação custo-efetividade (2727. World Health Organization (WHO). The ASSIST-linked brief intervention for hazardous and harmful substance use: manual for use in primary care. Geneva: WHO; 2010. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/978924159938-2.
https://www.who.int/publications/i/item/...

28. World Health Organization (WHO). More ways to save more lives, for less money: World Health Assembly adopts more Best Buys to tackle noncommunicable diseases. Geneva: WHO; 2023c. Disponível em: https://www.who.int/news/item/26-05-2023-more-ways--to-save-more-lives--for-less-money----world-health-assembly-adopts-more-best-buys--to-tackle-noncommunicable-diseases.
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-2929. Solovei, A. Rovira P, Anderson P, Jané-Llopis E, Rey GN, Arroyo M, et al. Improving alcohol management in primary health care in Mexico: A return-on-investment analysis. Drug Alcohol Rev. 2023; 42(3):680–690. https://doi.org/10.1111/dar.13598
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). Um estudo realizado no México projetou que a ampliação de um programa de triagem e intervenção breve ao longo de um período de 10 anos poderia evitar até 16 000 mortes relacionadas ao álcool (2929. Solovei, A. Rovira P, Anderson P, Jané-Llopis E, Rey GN, Arroyo M, et al. Improving alcohol management in primary health care in Mexico: A return-on-investment analysis. Drug Alcohol Rev. 2023; 42(3):680–690. https://doi.org/10.1111/dar.13598
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).

A educação sobre o álcool também parece ser uma medida popular dentro de instituições de saúde, educação e ambientes de trabalho, sendo avaliada por 51 estudos incluídos no mapa. Mais da metade destes estudos (n = 30) encontraram resultados positivos ou potencialmente positivos. Embora não estejam entre as alavancas mais influentes para reduzir o consumo e os danos relacionados ao álcool, as ações educacionais continuam a formar um componente importante de múltiplas iniciativas que visam mudanças no conhecimento, atitudes e crenças sobre o álcool (3030. Young B, Lewis S, Katikireddi SV, Bauld L, Stead M, Angus K. et al. Effectiveness of Mass Media Campaigns to Reduce Alcohol Consumption and Harm: A Systematic Review. Alcohol Alcohol. 2018; 53(3):302–316. https://doi.org/10.1093/alcalc/agx094.
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).

As campanhas informativas, que visam atingir um público-alvo mais amplo, e que são ferramentas políticas utilizadas para comunicar mensagens sobre os malefícios do álcool, só foram abordadas em quatro estudos de revisão incluídos no mapa.

Apesar do efeito pouco duradouro na mudança comportamental, elas têm o potencial de afetar diretamente o comportamento de indivíduos que apresentam uma resposta emocional ou cognitiva quando se tornam conscientes dos riscos à saúde associados ao consumo de álcool (3131. Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). Preventing Harmful Alcohol Use. Paris: OECD Publishing; 2021. https://doi.org/10.1787/6e4b4ffb-en.
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). Indiretamente, as campanhas informativas têm o potencial de estimular a mudança de normas sociais em relação ao comportamento de beber e de aumentar o apoio da população às políticas destinadas a reduzir o consumo de álcool (3131. Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). Preventing Harmful Alcohol Use. Paris: OECD Publishing; 2021. https://doi.org/10.1787/6e4b4ffb-en.
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). No entanto, quase não há evidências de mudanças comportamentais sustentadas utilizando apenas campanhas de sensibilização (3232. Janssen MM, Mathijssen JJP, van Bon–Martens MJH, van Oers HAM, Garretsen HFL et al. Effectiveness of alcohol prevention interventions based on the principles of social marketing: a systematic review. Subst Abuse Treat Prev Policy. 2013; 8(18). https://doi.org/10.1186/1747-597X-8-18.
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).

Nos artigos que avaliavam o efeito deste tipo de intervenção foram encontrados efeitos inconclusivos (n = 3) e potencialmente negativo (n = 1) sobre a redução da compra/venda ou consumo de bebidas alcoólicas, demonstrando que estas políticas parecem ser úteis quando associadas a políticas mais eficazes, como restrição de marketing e restrição do acesso às bebidas alcoólicas, nas múltiplas intervenções integradas, que apresentaram resultados potencialmente positivos (n = 3).

Quanto às intervenções voltadas para ambientes promotores de saúde, se observou no mapa estudos relacionados principalmente às políticas fiscais de taxação. De acordo com a Força-Tarefa de Política Fiscal de Saúde (2019) (3333. Força-Tarefa de Política Fiscal de Saúde. Impostos a Favor da Saúde Para Salvar Vidas: Adoção de eficazes impostos sobre consumo de tabaco, álcool e bebidas açucaradas. 2019. Disponível em: https://actbr.org.br/uploads/arquivos/TaskForceOnFiscalPolicy_Booklet_Portuguese26May2020.pdf.
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), os impostos sobre consumo bem projetados são altamente eficazes na redução do consumo de álcool, com ganhos para a saúde e alto poder para salvar vidas. No entanto, os governos enfrentam grande oposição à elevação de impostos por parte dos produtores e seus aliados, que utilizam como argumentos o impacto dos aumentos fiscais nas receitas, emprego, comércio ilícito e sobre a população de baixa renda (66. Vital Strategies. The Sobering Truth: Incentivizing Alcohol Death and Disability, An NCD Policy Report. New York (NY): Vital Strategies; 2021. Disponível em: https://www.vitalstrategies.org/wp-content/uploads/The-Sobering-Truth-Incentivizing-Alcohol-Death-and-Disability.pdf.
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). No presente estudo foram incluídos 13 artigos que avaliaram o impacto da taxação no consumo e/ou compra de bebidas alcóolicas, sendo que a maioria (n = 9) encontrou resultados positivos.

O preço mínimo também é uma opção de política de preços importante e direcionada para reduzir as compras de álcool. Ele define um preço limite para produtos, abaixo do qual eles não podem ser vendidos legalmente. Como os bebedores com maior risco de consumo nocivo tendem a consumir a bebida alcoólica mais barata, principalmente de lojas e supermercados, onde os preços são mais baixos, o preço mínimo visa especificamente atingir este segmento (3434. Anderson P, O’Donnell A, Kaner E, Jané Llopis E, Manthey J, Rehm J. Impact of minimum unit pricing on alcohol purchases in Scotland and Wales: controlled interrupted time series analyses. Lancet Public Health. 2021; 6(8):e557-e565. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(21)00052-9.
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). Esta estratégia só foi avaliada em um único estudo incluído no mapa com resultado inconclusivo.

Ainda entre as ações voltadas para os ambientes promotores de saúde, foi identificada no mapa a ausência de estudos que tratassem exclusivamente da avaliação de intervenções sobre a criação de ambientes seguros e saudáveis e de aprimoramento do fornecimento de bebidas, como por exemplo, redução do teor alcoólico ou redução de aditivos estimulantes. Mas vale ressaltar que a criação de ambientes seguros e saudáveis é um dos componentes mais presentes em ações integradas intersetoriais. Além disso, entende-se que ações de educação em saúde também contribuem para esta finalidade.

Em relação às ações de mudanças dos sistemas, que compreendem múltiplas intervenções integradas, foram incluídos três artigos, que combinavam aconselhamento em saúde, controle da disponibilidade e restrição à publicidade de álcool, tendo apresentado resultado potencialmente positivo.

O WCRF/AICR (22. World Cancer Research Fund (WCRF), American Institute for Cancer Research (AICR). Diet, Nutrition, Physical Activity and Cancer: a global Perspective. Continuous Update Project Expert Report; 2018. Disponível em: https://www.wcrf.org/wp-content/uploads/2021/02/Summary-of-Third-Expert-Report-2018.pdf
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) ressalta que nenhuma ação isolada é capaz de promover uma mudança duradoura nas atitudes e nos comportamentos de pessoas e populações. Assim, sugere-se que os investimentos para a redução do consumo de álcool devem ser feitos em um conjunto abrangente de ações integradas intersetoriais.

A OMS recomenda medidas para auxiliar na prevenção e controle das DCNT (2828. World Health Organization (WHO). More ways to save more lives, for less money: World Health Assembly adopts more Best Buys to tackle noncommunicable diseases. Geneva: WHO; 2023c. Disponível em: https://www.who.int/news/item/26-05-2023-more-ways--to-save-more-lives--for-less-money----world-health-assembly-adopts-more-best-buys--to-tackle-noncommunicable-diseases.
https://www.who.int/news/item/26-05-2023...
). Especificamente para o álcool, recomenda a Estratégia SAFER (11. World Health Organization (WHO). The SAFER technical package: five areas of intervention at national and subnational levels. Geneva: WHO; 2019. Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/330053/9789241516419-eng.pdf?sequence=1
https://iris.who.int/bitstream/handle/10...
), um pacote de orientação técnica que propõe as cinco melhores estratégias para redução de danos relacionados ao álcool, que inclui fortalecer as restrições à disponibilidade física do álcool no varejo (por exemplo, por meio de horas reduzidas de venda); avançar e impor medidas contra a direção sob efeito do álcool (por exemplo, postos de controle de sobriedade, como a Lei Seca no Brasil); facilitar o acesso a triagem, intervenção breve e tratamento para pessoas que consomem bebidas alcoólicas; executar proibição ou restrição abrangente à publicidade, patrocínio e promoção de bebidas alcoólicas (em vários tipos de mídia); e aumentar o preço do álcool por meio de impostos específicos e políticas de preços.

Entre os domínios políticos considerados mais rentáveis para o enfrentamento ao consumo de bebidas alcoólicas estão incluídas as políticas de preços, o controle de disponibilidade física e a regulamentação de marketing, pois apresentam maior impacto potencial na redução da morbimortalidade atribuível ao álcool (3535. Pan American Health Organization (PAHO). Regional Status Report on Alcohol and Health 2020. Washington, D.C.: PAHO; 2020. Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/52705.
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). Entretanto, foram encontrados no mapa poucos estudos de revisão que avaliavam estas intervenções, o que pode ser reflexo da influência dos interesses comerciais conflitantes com os interesses públicos e com os de saúde pública.

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional no 132, de 20 de dezembro de 2023, que altera o Sistema Tributário Brasileiro e prevê um imposto seletivo cobrado sobre produtos que geram danos à saúde ou ao meio ambiente (3636. Brasil. Presidência da República. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
), o que pode ser uma oportunidade para avançar no enfrentamento ao consumo de bebidas alcoólicas que gera elevados custos econômicos, sociais e à saúde da população brasileira.

O Ministério da Saúde do Brasil recomenda a adoção de tributos específicos para produtos nocivos à saúde como as bebidas alcoólicas, aumentando o preço em valores suficientes para a diminuição do seu consumo, destacando que esta é uma medida de fácil implementação, recomendada pela OMS como estratégia para redução do consumo, das doenças e mortes relacionadas, principalmente para a população de média e baixa renda, além de poder ser utilizada como uma fonte de arrecadação de recursos públicos que podem ser fontes alternativas de financiamento do SUS (3737. Brasil. Ministério da Saúde. Nota Técnica nº 25/2023c. Trata-se de documento que formaliza a recomendação do Ministério da Saúde para adoção, no âmbito da discussão da nova política tributária nacional, de tributos específicos para produtos nocivos à saúde, como medida de correção das externalidades negativas geradas pelo tabaco e bebidas alcoólicas. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-tecnicas/2023/nota-tecnica-no-25-2023-cgdant-daent-svsa-ms#:~:text=Trata%2Dse%20de%20documento%20que,pelo%20tabaco%20e%20bebidas%20alco%C3%B3licas.
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
).

Na mesma perspectiva de contribuir para a redução da morbimortalidade por agravos à saúde relacionados ao consumo do álcool, o INCA também publicou um posicionamento oficial (3838. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Posicionamento do Instituto Nacional de Câncer acerca das Bebidas Alcoólicas. Rio de Janeiro: INCA; 2024. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//posicionamento_do_inca_acerca_das_bebidas_alcoolicas.pdfoi.
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in...
) em que apoia intervenções alinhadas às diretrizes da OMS como as propostas na iniciativa SAFER (11. World Health Organization (WHO). The SAFER technical package: five areas of intervention at national and subnational levels. Geneva: WHO; 2019. Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/330053/9789241516419-eng.pdf?sequence=1
https://iris.who.int/bitstream/handle/10...
) e na lista de intervenções prioritárias mais custo-efetivas (2828. World Health Organization (WHO). More ways to save more lives, for less money: World Health Assembly adopts more Best Buys to tackle noncommunicable diseases. Geneva: WHO; 2023c. Disponível em: https://www.who.int/news/item/26-05-2023-more-ways--to-save-more-lives--for-less-money----world-health-assembly-adopts-more-best-buys--to-tackle-noncommunicable-diseases.
https://www.who.int/news/item/26-05-2023...
).

Conclusão

O mapa mostra que diversos países vêm implementando estratégias para enfrentar o consumo de álcool, com ênfase nas estratégias adotadas em nível individual ou direcionada para pequenos grupos. Entretanto, observa-se uma lacuna importante na avaliação de intervenções integradas intersetoriais, apontadas pela OMS e pelo WCRF/AICR, como as de maior impacto potencial na redução da morbimortalidade atribuível ao álcool, demonstrando a necessidade de investimento na implementação e avaliação de ações de enfrentamento do consumo de álcool mais abrangentes, que integrem diversos setores da sociedade.

A identificação das intervenções indicadas na literatura pode orientar formuladores de políticas públicas, entidades não governamentais e profissionais de saúde na adaptação de experiências a seus contextos de atuação e na escolha de ações mais efetivas e eficazes para a redução do consumo de álcool.

Declaração de conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflitos de interesses.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Jun 2024
  • Aceito
    12 Set 2024
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