Desenvolvimento e validação de um índice de vulnerabilidade social aplicado a políticas públicas do SUS

Development and validation of a social vulnerability index applied to public policies of the Unified Health System (SUS)

Maria de Lourdes Drachler Marcos Antônio de Oliveira Lobato José Inácio Lermen Sandra Fagundes Alcindo Antonio Ferla Carlos Wietzke Drachler Luciana Barcellos Teixeira José Carlos de Carvalho Leite Sobre os autores

Resumos

O artigo apresenta o desenvolvimento e a validação inicial de um Índice de Vulnerabilidade Social - IVS-5, incluindo cinco determinantes sociais de risco à saúde, e exemplifica sua aplicação no financiamento da atenção básica pelo Sistema Único de Saúde no Rio Grande do Sul. Indicadores municipais de vulnerabilidade relativa à pobreza e dispersão populacional foram obtidos do Censo do IBGE-2010. A análise fatorial exploratória e a análise fatorial confirmatória sugerem que os cinco itens podem constituir uma escala de medida cuja confiabilidade é aceitável. O IVS-5 foi então gerado a partir do primeiro componente principal, medindo, em escores Z, desigualdades municipais na vulnerabilidade social relativa à pobreza e dispersão populacional no território. A validade externa do IVS-5 foi examinada em relação a desfechos de saúde, usando dados do Datasus 2007-2011, mostrando que a mortalidade infantil e as hospitalizações por condições sensíveis à atenção básica são maiores em municípios mais vulneráveis. Os resultados sugerem que o IVS-5 é medida válida de desigualdades na vulnerabilidade social entre municípios, aplicável a políticas de equidade social e em saúde.

Índice de vulnerabilidade social; Alocação de recursos; Financiamento da Saúde; Equidade em Saúde; Desigualdade social


The article outlines the development and initial validation of a Social Vulnerability Index (SVI) including five social determinants of risk to health and demonstrates its application in the financing of primary care by the Unified Health System (SUS) in the State of Rio Grande do Sul. Municipal indicators of vulnerability relating to poverty and population dispersion were obtained from the 2010 population census of the Brazilian Institute of Geography and Statistics. Both exploratory and confirmatory factor analysis suggests that the five items can constitute a reliable and acceptable measurement scale. The SVI-5 was then generated based on the first main component, measuring municipal inequalities in social vulnerability relating to poverty and population in the territory in Z-scores. The external validity of SVI-5 was examined in relation to health outcomes using DATASUS 2007-2011 data, revealing that infant mortality and hospitalizations for conditions treatable by primary care are greater in more vulnerable municipalities The results suggest that the SVI-5 is a valid measure of inequalities in social vulnerability between municipalities, applicable to socially equitable policies in health.

Social vulnerability index; Allocation of resources; Health equity; Health financing; Social inequality


Introdução

A distribuição de recursos para o financiamento da saúde e demais políticas sociais comprometida com a justiça social e a melhoria da qualidade de vida tem sido uma demanda populacional e um desafio para os gestores. Pobreza, definida por baixa renda, analfabetismo e baixa escolaridade, más condições de habitação e assistência inadequada à saúde descrevem as condições de vida de muitas famílias, mais frequentemente em zonas rurais e aglomerados urbanos irregulares no Rio Grande do Sul, no Brasil e internacionalmente1Drachler ML, Côrtes SMV, Castro JD, Leite JCC. Proposta de metodologia para selecionar indicadores de desigualdade em saúde visando definir prioridades de políticas públicas no Brasil. Cien Saude Colet 2003;8(2):461-470.,2Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde (OMS). Redução das desigualdades no período de uma geração: Igualdade na saúde através da ação sobre os seus determinantes sociais . Relatório Final da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. Lisboa: Organização Mundial da Saúde; 2010. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789248563706_por.pdf
http://whqlibdoc.who.int/publications/20...
. Tais condições inadequadas, a que essas populações estão submetidas por gerações, restringem suas opções de vida e influenciam suas práticas de saúde, expondo adultos e crianças a riscos para doenças e agravos à saúde, deficiências físicas, limitações da atividade e restrições à participação social3Organização Mundial da Saúde (OMS). International Classification of Functioning, Disability and Health-ICF; 2003. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://www3.who.int/icf/icftemplate.cfm?myurl=introduction.html%20&mytitle=introduction.
http://www3.who.int/icf/icftemplate.cfm?...
. Essas populações têm maior demanda de recursos e menor acesso aos serviços que necessitam1Drachler ML, Côrtes SMV, Castro JD, Leite JCC. Proposta de metodologia para selecionar indicadores de desigualdade em saúde visando definir prioridades de políticas públicas no Brasil. Cien Saude Colet 2003;8(2):461-470.,4Schmidtlein MC, Deutsch RC, Piegorsch WW, Cutter SL. A Sensitivity Analysis of the Social Vulnerability Index. Risk Analysis 2008;28(4).

Freitas PF, Drachler ML, Leite JCDC, Marshall T. Inequalities in cesarean delivery rates by ethnicity and hospital accessibility in Brazil. Int J Gynecol Obstet 2009;107(3):198-201.

Drachler ML, Leite JCDC, Hooper L, Hong CS, Pheby D, Nacul L, Lacerda E, Campion P, Killett A, McArthur M, Poland F. The self-expressed needs of people with Chronic Fatigue Syndrome/Myalgic Encephalomyelitis: A systematic review. BMC Public Health (Online) 2009; 9:458. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/9/458.
http://www.biomedcentral.com/1471-2458/9...
-7Drachler MLD, Marshall TM, Aerts DRGC, Leite JCC, Freitas PFFF. Housing infrastructure modifies the effect of social inequalities on child development: A multilevel analysis. Eur J Epidemiology 2006;21(Supl. S):147-147.. Assim, a Política Nacional de Atenção Básica à Saúde preconiza a territorialização da atenção à saúde, com programação e execução descentralizada de ações setoriais e intersetoriais potencialmente impactantes na situação de saúde e nos condicionantes e determinantes da saúde populacional visando à equidade8Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: MS; 2012.. Nesse artigo assume-se a perspectiva de que o financiamento da saúde e as políticas sociais e de equidade devem voltar-se para a melhoria geral dos níveis de saúde e da oferta de serviços, com ênfase na atenção às necessidades de saúde e diminuição das desigualdades na cobertura e qualidade da atenção a grupos populacionais e segmentos da sociedade1Drachler ML, Côrtes SMV, Castro JD, Leite JCC. Proposta de metodologia para selecionar indicadores de desigualdade em saúde visando definir prioridades de políticas públicas no Brasil. Cien Saude Colet 2003;8(2):461-470.,9Ribeiro P. Distribuição de recursos financeiros e equidade: uma relação delicada na saúde. Cien Saude Colet 2005;10(2):292-296.,1010 Mendes Á, Leite MG, Marques RM. Discutindo uma Metodologia para a Alocação Equitativa de Recursos Federais para o Sistema Único de Saúde. Saúde e Sociedade 2011;20(3):673-690., conforme legislação do Sistema Único de Saúde e as principais políticas vigentes.

O financiamento equitativo da saúde previsto na legislação brasileira requer indicadores de necessidades em saúde1Drachler ML, Côrtes SMV, Castro JD, Leite JCC. Proposta de metodologia para selecionar indicadores de desigualdade em saúde visando definir prioridades de políticas públicas no Brasil. Cien Saude Colet 2003;8(2):461-470.. Metodologias voltadas à equidade na alocação de recursos financeiros públicos em saúde no Brasil9Ribeiro P. Distribuição de recursos financeiros e equidade: uma relação delicada na saúde. Cien Saude Colet 2005;10(2):292-296.

10 Mendes Á, Leite MG, Marques RM. Discutindo uma Metodologia para a Alocação Equitativa de Recursos Federais para o Sistema Único de Saúde. Saúde e Sociedade 2011;20(3):673-690.

11 Castro JD. Análise da distribuição dos recursos financeiros para a assistência à saúde no Brasil e no Rio Grande do Sul - Proposta de operacionalização dos critérios para a sua distribuição. Saúde em Debate 1991;32(1):10-16.

12 Piola SF. O financiamento da descentralização dos serviços de saúde: critérios para a transferência de recursos federais para estados e municípios. Brasília: OPAS, WHO; 1990. (Série Economia e Financiamento 1).

13 Ferreira MP, Dini NP, Ferreira SP. Espaços e dimensões da pobreza nos municípios do estado de São Paulo. Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS). São Paulo em Perspec 2006;20(1):5-17.

14 Pelegrini MLM, Castro JD, Drachler ML. Equidade na alocação de recursos para a Saúde: a experiência do Rio Grande do Sul, Brasil. Cien Saude Colet 2005;10(2):275-286.
-1515 Brasil. Política de Incentivo Estadual à Qualificação da Atenção Básica em Saúde (PIES). Porto Alegre: Secretaria Estadual da Saúde, Governo do Estado do RGS; 2011. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://www.saude.rs.gov.br/conteudo/521/?Pol%C3%ADtica_de_Incentivo_Estadual_%C3%A0_Aten%C3%A7%C3%A3o_B%C3%A1sica.
http://www.saude.rs.gov.br/conteudo/521/...
têm sido influenciadas pelo método RAWP (Resource Allocation Working Party), desenvolvido na Grã-Bretanha1616 Department of Health and Social Security. Sharing resources for health in England. Report of the resources allocation working party. Londres: DHSS; 1976.

17 Department of Health and Social Security. Review of the RAWP formula. Final report by the NHS Mangement Board. Londres: DHSS; 1988.

18 Foster DP. Social class differences in sickness and general practitioner consultations. Health Trends 1976;8(4):18-34.
-1919 Ham C. Health policy in Britain. The politics and organization of national health sector. Hong Kong: Mac Millan; 1992., que estima as necessidades regionais a partir da população ponderada pela taxa nacional de utilização dos serviços, pela idade e sexo, e pela taxa de mortalidade regional padronizada.

No caso brasileiro, a implementação do financiamento equitativo da saúde torna-se complexa pelo arranjo interfederativo na saúde9Ribeiro P. Distribuição de recursos financeiros e equidade: uma relação delicada na saúde. Cien Saude Colet 2005;10(2):292-296., pelas transformações rápidas nos padrões sanitários, demográficos, econômicos e sociais e pela carência de análise de experiências de financiamento implementadas pelo SUS1010 Mendes Á, Leite MG, Marques RM. Discutindo uma Metodologia para a Alocação Equitativa de Recursos Federais para o Sistema Único de Saúde. Saúde e Sociedade 2011;20(3):673-690.. No Rio Grande do Sul, experiências de financiamento da saúde entre 1999 e 2002 foram descritas1414 Pelegrini MLM, Castro JD, Drachler ML. Equidade na alocação de recursos para a Saúde: a experiência do Rio Grande do Sul, Brasil. Cien Saude Colet 2005;10(2):275-286.,2020 Ferla AA, Fagundes SMS. Tempo de inovações: a experiência da gestão na saúde do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Da Casa; 2002.,2121 Ferla AA, Fagundes SMS. O fazer em Saúde Coletiva: inovações da atenção à saúde o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Da Casa; 2002.. Desde então, o processo de cofinanciamento com recursos estaduais vem sendo aprimorado pela busca de indicadores para subsidiar os gestores da saúde, visando padrões crescentes de integralidade. Nesse sentido, o Departamento de Ações em Saúde - Divisão de Atenção Básica, da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul, já incluia, na sua metodologia distributiva de recursos, vários indicadores de necessidades municipais, como o número de habitantes, a proporção de crianças e idosos na população, o inverso da renda tributária líquida per capita1414 Pelegrini MLM, Castro JD, Drachler ML. Equidade na alocação de recursos para a Saúde: a experiência do Rio Grande do Sul, Brasil. Cien Saude Colet 2005;10(2):275-286.,1515 Brasil. Política de Incentivo Estadual à Qualificação da Atenção Básica em Saúde (PIES). Porto Alegre: Secretaria Estadual da Saúde, Governo do Estado do RGS; 2011. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://www.saude.rs.gov.br/conteudo/521/?Pol%C3%ADtica_de_Incentivo_Estadual_%C3%A0_Aten%C3%A7%C3%A3o_B%C3%A1sica.
http://www.saude.rs.gov.br/conteudo/521/...
,2121 Ferla AA, Fagundes SMS. O fazer em Saúde Coletiva: inovações da atenção à saúde o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Da Casa; 2002., e buscava incluir também uma medida da vulnerabilidade social, indicada pela pobreza populacional e maior dificuldade na provisão dos serviços sociais e de saúde, relacionada à dispersão populacional no território. O objetivo era obter uma variável sumarizadora desse conjunto de indicadores da determinação social da saúde, visando auxiliar a distribuição dos recursos do Sistema Único de Saúde - SUS para os municípios do Rio Grande do Sul.

Este artigo descreve como foi construído e validado o Índice de Vulnerabilidade Social com os dados de municípios do Estado do Rio Grande do Sul, o qual será denominado IVS-5 por ser constituído por cinco itens. O artigo exemplifica a aplicação do IVS-5 pelo Governo Estadual, na Política de Incentivo Estadual à Qualificação da Atenção Básica em Saúde (PIES) e no Piso de Atenção Básica-Compensação de Especificidades Regionais. Essas políticas incluem diversas medidas articuladas a políticas federais e aumento de recursos estaduais cujos critérios distributivos devem basear-se nas necessidades populacionais e no princípio da equidade.

Método

Seleção dos indicadores de vulnerabilidade social e exame da validade aparente e de conteúdo

O objetivo era criar um indicador de vulnerabilidade social, constituído por poucos itens, obtidos de bancos de dados públicos e que representassem a relação entre a saúde e a sociedade. Seis itens indicadores de pobreza e dificuldade na provisão de serviços foram selecionados do Censo do IBGE de 20102222 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010; Rio de Janeiro: IBGE; 2011. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/.
http://www.censo2010.ibge.gov.br/...
, para constituir os indicadores de vulnerabilidade social dos 496 municípios do Rio Grande do Sul. Os itens são: (a) percentagem de domicílios com rendimento mensal per capita até meio salário mínimo; (b) percentagem de domicílios não ligados à rede de distribuição de água; (c) percentagem de domicílios sem coleta de lixo; (d) percentagem de domicílios sem banheiro ou sanitário ligado à rede geral de esgoto ou pluvial; (e) percentagem de analfabetismo entre pessoas com mais de 15 anos de idade; e (f) densidade demográfica. A validade aparente e de conteúdo desses itens como indicadores de vulnerabilidade social foi examinada por profissionais da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul, pela Comissão Intergestores Bipartite - CIB/RS e por especialistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Os cinco primeiros indicadores ('a' até 'e') são reconhecidos internacionalmente como os principais determinantes sociais de desfechos negativos na saúde populacional2323 Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS). As causas das iniquidades em saúde no Brasil. Relatório final. 2008. [acessado 2013 jul 13]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/causas_sociais_iniquidades.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. A baixa densidade populacional foi incluída como item de vulnerabilidade social, por representar uma dificuldade expressa pela CIB/RS, na provisão de atenção à saúde nos municípios com maior dispersão populacional.

Como a escala de medida diferia entre os indicadores (porcentagens e densidade demográfica), foi criada uma escala de medida comum a todos os itens. A escala de medida única foi calculada pela seguinte fórmula baseada em um índice GINI2424 Instituto de pesquisa econômica aplicada (IPEA). Índice de Gini. [acessado 2013 jul 13]. Disponível em: http://www.ipea.gov.br.
http://www.ipea.gov.br...
: Para cada indicador foi atribuído o valor 1,00 para o município em pior situação e 0,00 para o município em melhor situação. Para os demais municípios, foi calculado um valor entre zero e um usando a seguinte fórmula: diferença entre o valor do município de interesse e o valor do município em melhor situação, dividida pela diferença entre o pior e o melhor valor entre todos os municípios. Assim, para cada um dos indicadores de vulnerabilidade, foi criada uma medida de desigualdade municipal, cujos valores variaram de zero a um, sendo o valor mais alto atribuído ao município mais vulnerável e o valor mais baixo, ao menos vulnerável. Dessa forma, todos os itens da escala de vulnerabilidade social passaram a ter a mesma unidade de medida.

Criação do IVSA-5 e exame de sua validade interna

O objetivo era criar um índice capaz de sumarizar desigualdades entre os municípios, considerando o conjunto dos indicadores de vulnerabilidade. Análise fatorial exploratória, análise fatorial confirmatória e exame da consistência interna do conjunto de itens foram realizados para criar o índice de vulnerabilidade social e também examinar sua validade interna, através da análise da aceitabilidade dos itens, estrutura fatorial e confiabilidade da escala2525 Hair JR, Joseph F. Análise multivariada de dados. 6ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.

26 Tabachnick BG, Fidell LS. Using Multivariate Statistics. 4th ed. Boston: Allyn & Bacon; 2001.
-2727 Velicer WF, Jackson DN. Component analysis versus common factor analysis: some further observations. Multivar Behav Res 1990;25(1):97-114.. Todas as análises estatísticas foram realizadas usando o pacote estatístico SPSS 17.0.

A primeira etapa da análise fatorial exploratória consistiu em examinar se a amostra dos seis indicadores de vulnerabilidade social, medidos em escala GINI, era adequada para realização de técnicas de análise fatorial. A adequação da amostra foi indicada pelo Teste Kaiser-Meyer -Olkin - KMO, esperando-se KMO maior do que 0,50 e a significância estatística do Teste de Esfericidade de Bartlett - TEB menor que 1%.

Em sequência, foi examinado o desempenho de cada item para constituir uma medida sumarizadora. Os seguintes critérios de baixo desempenho foram usados: (a) baixa variabilidade em estatísticas descritivas; (b) baixa aceitabilidade, indicada pela incompletude dos dados em mais de 5% de municípios; (c) redundância, indicada por correlação entre itens > 0,70; (d) baixa contribuição para o total do índice de vulnerabilidade social, indicada por correlação item-total < 0,30; (e) item que ao entrar no modelo da análise de componentes principais diminua a confiabilidade da escala, medida pelo índice de consistência interna Chronbach-alfa; e (f) quando a carga fatorial no primeiro componente principal for < 0,30.

A confiabilidade do índice de vulnerabilidade social - como medida sumarizadora do conjunto de itens - foi indicada pelo índice de consistência interna Chronbach-alfa ≥ 0,65 e também por índices de ajuste estimados pela técnica de análise fatorial confirmatória, que são medidas mais robustas da confiabilidade de escalas. O Chronbach-alfa é uma medida frágil da confiabilidade de escalas com poucos itens, como o índice de vulnerabilidade social desenvolvido neste estudo, pois o Chronbach-alfa tende a aumentar com o maior número de itens da escala. A eliminação de itens da escala baseou-se no desempenho métrico do item e sua relevância para a validade de conteúdo do IVS.

A análise fatorial exploratória do conjunto de itens - incluindo (a) técnica de componentes principais e (b) análise fatorial com rotações ortogonal e oblíqua da matriz de correlação - foi utilizada para identificar a estrutura fatorial mais simples e explicativa da variabilidade do conjunto de itens entre os municípios. O critério utilizado para a seleção da estrutura fatorial simples e explicativa foi o conjunto de itens que fizesse sentido teórico e que apresentasse carga > 0,40 somente em um fator (condição verificada antes e após as rotações da matriz). A estrutura mais simples e explicativa foi encontrada no primeiro componente da análise de componentes principais (antes da rotação), sugerindo a possibilidade da criação de uma medida única a partir do conjunto dos itens.

A técnica de análise fatorial confirmatória foi realizada para examinar se a estrutura fatorial constituída por fator único (todos os itens do IVS formando uma única variável) se adequa aos dados dos municípios do Rio Grande do Sul. A medida da adequação foi indicada pelos seguintes índices de ajuste do modelo aos dados: significância estatística do teste qui-quadrado; qui-quadrado relativo (valor do qui-quadrado, dividido pelos graus de liberdade); erro de aproximação da raiz do quadrado médio2828 Browne MW, Cudeck R. Alternative ways of assessing model fit. In: Bollen KA, Long JS, editors. Testing structural equation models. Newsbury Park: Sage; 1993. p. 136-162.; índice de ajuste comparativo2929 Bollen KA. Structural equations with latent variables. New York: Wiley; 1989.; índice de ajuste normalizado3030 Bentler PM, Bonnet DG. Significance tests and goodness of fit in the analysis of covariance structures. Psychological Bulletin 1980;88(3):588-606. e índice de ajuste não normalizado (ou índice de ajuste Tucker-Lewis)3131 Sharma S, Mukherjee S, Kumar A, Dillon WR. A simulation study to investigate the use of cutoff values for assessing model fit in covariance structure models. J Bus Res 2005;58(1):935-943..

Como a estrutura mais simples explicativa foi encontrada no primeiro componente principal, um Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), medido em escores Z, foi então gerado a partir desse componente. Isso foi feito através de uma técnica estatística para extração de variáveis, medidas em escore Z, a partir de componentes principais. Escalas em escore Z são aquelas que apresentam distribuição normal com média igual a zero e desvio- padrão igual a um. Dessa forma, o valor do IVS municipal aqui desenvolvido indica a posição do município, em termos de vulnerabilidade social, medida em desvios-padrão acima ou abaixo da média dos 496 municípios do Estado. Valores de IVS positivos indicam que o município tem maior proporção de população vulnerável do que a média dos municípios do Estado, e valores negativos, menor proporção de população vulnerável do que a média, assim classificando os municípios em ordem crescente de vulnerabilidade.

Validade Externa IVS-5

A validade externa do IVS foi evidenciada pelas validades de construto e social. A validade de construto foi examinada investigando a relação do IVS com desfechos negativos de saúde: mortalidade infantil e hospitalização pelas 20 condições sensíveis à atenção primária, usando dados do DATA-SUS 2007-2011-RS e a lista brasileira de condições sensíveis à atenção primária3232 Alfradique ME, Bonolo PF, Dourado I, Lima-Costa MF, Macinko J, Mendonça CS, Oliveira VB, Sampaio LFR, De Simoni C, Turci MA. Internações por condições sensíveis à atenção primária: a construção da lista brasileira como ferramenta para medir o desempenho do sistema de saúde (Projeto ICSAP - Brasil). Cad Saude Publica 2009;25(6):1337-1349.. Foram testadas as hipóteses de que a mortalidade infantil e as hospitalizações por condições sensíveis à atenção básica eram maiores nos municípios mais vulneráveis. A validade social do índice foi demonstrada pela aprovação pela CIBS-RS do uso do IVS na distribuição de recursos sociais no Rio Grande do Sul, em 2012.

Resultados

Exame da validade aparente e de conteúdo dos itens do IVS-5

Essa validade foi examinada por profissionais de Atenção Básica em Saúde e membros da CIB/RS consideraram que a prevalência de baixa renda familiar, analfabetismo, ausência de água encanada, falta de esgotamento sanitário e ausência de coleta de lixo no domicílio são indicadores de pobreza populacional e determinantes sociais de desfechos negativos na saúde, e que a baixa densidade populacional dificulta a provisão de atenção à saúde. Assim, eles concluíram que esses itens são suficientes para identificar desigualdades municipais na vulnerabilidade social relacionada à pobreza e à dificuldade na provisão de serviços devido à dispersão populacional no território.

Análise estatística dos itens do IVS-5

Dados sobre os seis indicadores estavam disponíveis para todos os municípios do Estado, sugerindo que a cobertura dos itens é excelente. A Tabela 1 apresenta a ocorrência dos indicadores de vulnerabilidade e o índice GINI de desigualdade municipal, para cada indicador de vulnerabilidade social relacionado à pobreza e à dispersão populacional no território, Rio Grande do Sul, IBGE 2010. No índice GINI, para cada indicador, foi calculado tendo como referência municípios em menor vulnerabilidade. Os valores mínimo e máximo de cada indicador evidenciam grande variação na vulnerabilidade social entre municípios do Estado.

Tabela 1
Ocorrência dos indicadores de vulnerabilidade social e índice GINI de desigualdade municipal nesses indicadores, Rio Grande do Sul, 2010.

A correlação entre os indicadores de vulnerabilidade social medida em escala GINI foi examinada. Observou-se redundância entre o índice GINI da renda familiar per capita menor do que meio salário mínimo, e o índice GINI para analfabetismo em maiores de 15 anos (Coeficiente de correlação de Pearson = 0,79), havendo necessidade de exclusão de um desses itens da escala. A opção foi pela exclusão do analfabetismo, porque a renda familiar apresentou maior contribuição para a escala do IVS, indicada por maior correlação item-total e maior peso fatorial. Os cinco itens restantes não apresentaram redundância (média da correlação interítens de 0,09 a 0,57) e parecem contribuir para a escala do IVS (todos os cinco itens com correlação item-total > 0,33). Por constituir-se de cinco itens, o índice criado foi denominado IVS-5.

Identificação da estrutura fatorial e avaliação das propriedades métricas do IVS-5

A análise fatorial exploratória dos cinco itens mantidos no IVS-5 evidenciou cargas fatoriais altas (> 0,55) no primeiro componente principal e no primeiro fator da matriz após rotação ortogonal, sugerindo que os cinco índices GINI de desigualdades municipais são bons indicadores da variável latente IVS (Tabela 2). O quadrado da carga fatorial (r2 ou coeficiente de correlação múltipla ao quadrado) estima a percentagem da variância daqueles índices GINI que é explicada pelo IVS. Assim, o IVS-5, gerado a partir do primeiro componente principal, explica 67,2% da variância entre os municípios na ausência de coleta de lixo (0,822Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde (OMS). Redução das desigualdades no período de uma geração: Igualdade na saúde através da ação sobre os seus determinantes sociais . Relatório Final da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. Lisboa: Organização Mundial da Saúde; 2010. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789248563706_por.pdf
http://whqlibdoc.who.int/publications/20...
); 46,2% da variância da renda familiar per capita < 0,5 salários mínimos (0,682Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde (OMS). Redução das desigualdades no período de uma geração: Igualdade na saúde através da ação sobre os seus determinantes sociais . Relatório Final da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. Lisboa: Organização Mundial da Saúde; 2010. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789248563706_por.pdf
http://whqlibdoc.who.int/publications/20...
); 41% da variância da falta de esgotamento sanitário (0,642Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde (OMS). Redução das desigualdades no período de uma geração: Igualdade na saúde através da ação sobre os seus determinantes sociais . Relatório Final da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. Lisboa: Organização Mundial da Saúde; 2010. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789248563706_por.pdf
http://whqlibdoc.who.int/publications/20...
); e 30% da variância da ausência de água tratada encanada (0,552Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde (OMS). Redução das desigualdades no período de uma geração: Igualdade na saúde através da ação sobre os seus determinantes sociais . Relatório Final da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. Lisboa: Organização Mundial da Saúde; 2010. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789248563706_por.pdf
http://whqlibdoc.who.int/publications/20...
) e da variância na densidade demográfica (0,552Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde (OMS). Redução das desigualdades no período de uma geração: Igualdade na saúde através da ação sobre os seus determinantes sociais . Relatório Final da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. Lisboa: Organização Mundial da Saúde; 2010. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789248563706_por.pdf
http://whqlibdoc.who.int/publications/20...
). O IVS-5 explicou em média 43% da variância desses itens entre os municípios. A Consistência Interna, medida pelo índice alfa de Cronbach foi 0,66, sugerindo que a confiabilidade do IVS-5 é aceitável (Tabela 2). A análise fatorial confirmatória evidenciou que os cinco itens organizados em fator único apresentam ajuste adequado aos dados municipais do Rio Grande do Sul (Tabela 3).

Tabela 2
Estrutura fatorial exploratória dos índices GINI de desiguldade municipal e medida de confiabilidade do IVS-5.
Tabela 3
Índices de ajuste do IVS na análise fatorial confirmatória.

Validade externa do IVS -5

O IVS-5 municipal variou de -4,28 a 2,55, com média igual a zero e desvio padrão igual a 1,00. O IVS-5 ordena os municípios em ordem crescente de vulnerabilidade social. Valores de IVS-5 positivos indicam maior proporção de população em situação de vulnerabilidade, e valores negativos, menor proporção de população em vulnerabilidade, comparados à média de IVS-5 de todos os municípios do Estado.

A Secretaria Técnica da CIB/RS aprovou a utilização do IVS-5, para informar duas políticas de cofinanciamento equitativo da atenção básica a saúde pela Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul em 2012. Especificamente:

a) O IVS-5 foi o critério de seleção de municípios para alocação de recursos da Política de Atenção Básica-Compensação de Especificidades Regionais - PAB-CER, que em 2012, totalizou R$ 9.823.276,80, quantia suficiente para prover R$ 15,00 per capita a uma população de até 655.000 habitantes. Os municípios foram ordenados em ordem decrescente de vulnerabilidade social até que esse número de habitantes foi alcançado pelos 126 municípios mais vulneráveis do Estado (IVS-5 municipal > 0,63). A Tabela 4 mostra que os municípios selecionados para receber recursos do PAB-CER tinham menos de 100.000 habitantes e apresentavam maior proporção de hospitalizações por condições sensíveis à atenção básica, maior taxa de hospitalizações por essas condições e maior coeficiente de mortalidade infantil do que os municípios menos vulneráveis, sejam eles municípios com mais de 100.000 habitantes ou municípios menos populosos.

Tabela 4
Ocorrência de eventos de saúde e população de municípios selecionados e não selecionados para receber recursos da Política de Atenção Básica de Compensação de Especificidades Regionais (PAB-CER), Rio Grande do Sul, 2012.

b) O IVS-5 foi incluído a partir de 2012 entre os critérios na distribuição equitativa dos recursos da Política de Incentivo Estadual à Qualificação da Atenção Básica em Saúde (PIES). A Tabela 5 apresenta distribuição do repasse da PIES, conforme faixas do Índice de vulnerabilidade social - IVS-5.

Tabela 5
Repasse da Política de Incentivo Estadual à Qualificação da Atenção Básica em Saúde-PIES em 2012, conforme o Índice de Vulnerabilidade Social Municipal.

Discussão

O objetivo deste artigo foi descrever o desenvolvimento do índice de vulnerabilidade social (IVS-5) e sua validação inicial para os municípios do Rio Grande do Sul, exemplificando sua aplicação pela Secretaria de Estado da Saúde (SES/RS) na Política de Incentivo Estadual à Qualificação da Atenção Básica em Saúde (PIES) e no Piso de Atenção Básica-Compensação de Especificidades Regionais (PAB-CER), que incluem diversas medidas articuladas a políticas federais e aumento de recursos com critérios distributivos baseados nas necessidades populacionais e no princípio da equidade, cujo embasamento teórico originou-se na década de 70, na Grã Bretanha, pelo trabalho do grupo RAWP-Resource Allocation Working Party.

O IVS-5 foi criado como uma medida comparativa da vulnerabilidade social entre municípios, relacionada à pobreza da população e à dificuldade em prover serviços sociais e de saúde a populações com baixa densidade populacional. Dessa forma, o IVS-5 é uma medida relativa, pois mensura as desigualdades entre os municípios em termos de vulnerabilidade, e não constitui uma medida de nível absoluto de vulnerabilidade. O desenvolvimento do IVS-5 visou auxiliar os gestores estaduais de saúde a estabelecerem critérios de alocação de recursos financeiros, materiais e humanos em diferentes áreas do território baseados no princípio de equidade, cumprindo as disposições legais que normatizam o funcionamento do SUS.

A criação do IVS-5 envolveu equipes técnicas da SES/RS, especialistas do campo da Saúde Coletiva e gestores e técnicos dos sistemas municipais e regionais de saúde, além de representantes do controle social e, portanto, mobilizou a aprendizagem para a gestão equitativa, como um primeiro resultado obtido. A validade aparente e de conteúdo dos itens como indicadores de vulnerabilidade social relacionada à pobreza e à baixa densidade populacional foi examinada por profissionais da Secretaria Estadual da Saúde, por especialistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e pela CIB/RS. Os cinco indicadores que compõe o IVS-5 podem ser facilmente obtidos do site do IBGE, censo populacional de 2010. A escolha dos indicadores de vulnerabilidade baseou-se na determinação social da saúde, na facilidade de interpretação dos indicadores e na disponibilidade de dados confiáveis para todos os municípios em site de domínio público. A exclusão do item medindo prevalência de analfabetismo não parece ter afetado a validade de conteúdo do IVS-5, porque o item analfabetismo mostrou-se redundante, pela alta correlação com a baixa renda familiar per capita, um dos desfechos da baixa escolaridade no Brasil. O conteúdo do IVS-5 foi validado em instâncias de controle social no Estado (CIB/RS).

O exame da validade interna do IVS-5 inclui análise exploratória de componentes principais e análise fatorial exploratória, complementadas por análise fatorial confirmatória. As correlações moderadas entre cada item e o total do IVS-5 mostram que os cinco itens contribuem para a medida do IVS-5. O índice de consistência interna aceitável (Chronbach-α = 0,66) sugere que os cinco itens constituem uma escala de medida confiável. Na análise fatorial confirmatória, os índices de ajuste do modelo, em que os cinco itens constituem um índice único - o IVS-5, sugerem que esse modelo é adequado aos dados censitários municipais do Rio Grande do Sul, em 2010 (Tabela 3). Tais índices de ajuste têm sido considerados indicadores robustos da validade de variáveis latentes3333 Pett MA, Nancy RL, Sullivan JJ. Making sense of factor analysis: The use of factor analysis for instrument development in health care research. Thousand Oaks: Sage Publications; 2003., como o IVS-5.

O IVS-5 explica cerca de 43% da variância dos cinco indicadores de vulnerabilidade social entre os municípios (soma das cargas fatoriais ao quadrado na Tabela 2, dividido por cinco). Por ser um índice padronizado medido em escores Z, o IVS-5 permite identificar a posição do município em desvios-padrão acima ou abaixo da média, referente à vulnerabilidade social devido à pobreza e a dispersão populacional no território. Para avaliações de desigualdades populacionais, o escore-Z é considerado mais adequado do que outras medidas, como percentis, quartis ou percentagens da mediana, porque as diferenças em torno da média são semelhantes, facilitando comparações entre os grupos populacionais3434 Erreygers G. Beyond the health concentration index: an Atkinson alternative to the measurement of socioeconomic inequality of health. Antwerpen: University of Antwerpen; 2006. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/cd56/erreygers-170806.pdf
http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/cd56/er...
,3535 Bambas L, Braveman P, Dachs JNW, Delgado I, Gakidou E, Moser K, Rolfe L, Vega J, Zarowsky C. Strengthening health information systems to address health equity challenges. B World Health Organ 2005;83(8):561-640..

A criação do IVS-5 permitiu mostrar a grande variação na vulnerabilidade social entre os municípios do Rio Grande do Sul, pois a amplitude de variação do IVS-5 foi de 6,83 desvios-padrão entre o município menos vulnerável (IVS-5 = -4,28) e o mais vulnerável (IVS-5 = 2,55).

A validade externa do IVS-5 foi sugerida por sua relação com a ocorrência de desfechos negativos de saúde no município. Por exemplo, os municípios mais vulneráveis apresentaram maiores taxas de hospitalização por condições sensíveis à atenção básica e maior coeficiente de mortalidade infantil, do que os municípios menos vulneráveis, sugerindo que o IVS-5 pode indicar municípios com maiores necessidades em saúde.

Instancias de controle social no Rio Grande do Sul aprovaram o uso do IVS-5 para informar políticas de cofinanciamento equitativo da atenção básica a saúde a partir de 2012. Assim, o IVS5 tem sido o único critério da alocação de recursos da PAB-CER e um dos critérios da distribuição equitativa de recursos da PIES (juntamente com o tamanho da população, o inverso da renda tributaria líquida per capita e a proporção de idosos e crianças, já utilizados em anos anteriores a 2012). Esses recursos financeiros visam o custeio de ações e serviços de atenção básica, registrados nos Planos de Saúde Municipais vigentes e aprovados pelos Conselhos Municipais de Saúde. Esses Planos baseiam-se em prioridades informadas por indicadores de saúde pactuados, visando a melhoria da saúde populacional e a redução de internações hospitalares por condições sensíveis à atenção básica. Para receber os recursos do PAB-CER, o município deve apresentar um plano de utilização dos recursos na atenção básica à saúde e também um plano de atuação intersetorial para minimizar a vulnerabilidade social relativa à pobreza no município, sendo um incentivo à mudança nessa situação de saúde.

Esses resultados sugerem que o IVS-5 é uma medida concisa, confiável e válida das desigualdades entre os municípios, na vulnerabilidade relacionada à pobreza e à menor densidade populacional, potencialmente útil para instrumentalizar o cofinanciamento equitativo da atenção básica à saúde no Rio Grande do Sul. De modo semelhante o IVS-5 poderá ser utilizado na alocação de recursos para qualificação da atenção de média e alta complexidade em saúde e para informar políticas e programas setoriais ou intersetoriais envolvendo também as seguintes áreas: cultura, educação, habitação e saneamento, obras públicas, irrigação e desenvolvimento urbano, segurança pública, justiça e direitos humanos, trabalho, turismo, esporte e lazer, planejamento, gestão e participação cidadã, ciência, inovação e desenvolvimento tecnológico. O IVS-5 poderá ser ampliado para incluir outros indicadores sociais (constituindo IVS-n), conforme a realidade e necessidades de cada região. Futuros estudos devem analisar a validade do IVS-5 para o país, outros estados brasileiros e distritos ou bairros das grandes metrópoles.

  • Colaboradores
    ML Drachler, MAO Lobato, JI Lermen, S Fagundes e AA Ferla participaram da concepção do índice de vulnerabilidade social; ML Drachler, JI Lermen, CW Drachler, LB Teixeira e JCC Leite realizaram a análise de dados. Todos os autores participaram da redação do artigo.

Referências

  • 1
    Drachler ML, Côrtes SMV, Castro JD, Leite JCC. Proposta de metodologia para selecionar indicadores de desigualdade em saúde visando definir prioridades de políticas públicas no Brasil. Cien Saude Colet 2003;8(2):461-470.
  • 2
    Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde (OMS). Redução das desigualdades no período de uma geração: Igualdade na saúde através da ação sobre os seus determinantes sociais . Relatório Final da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde Lisboa: Organização Mundial da Saúde; 2010. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789248563706_por.pdf
    » http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789248563706_por.pdf
  • 3
    Organização Mundial da Saúde (OMS). International Classification of Functioning, Disability and Health-ICF; 2003. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://www3.who.int/icf/icftemplate.cfm?myurl=introduction.html%20&mytitle=introduction.
    » http://www3.who.int/icf/icftemplate.cfm?myurl=introduction.html%20&mytitle=introduction
  • 4
    Schmidtlein MC, Deutsch RC, Piegorsch WW, Cutter SL. A Sensitivity Analysis of the Social Vulnerability Index. Risk Analysis 2008;28(4).
  • 5
    Freitas PF, Drachler ML, Leite JCDC, Marshall T. Inequalities in cesarean delivery rates by ethnicity and hospital accessibility in Brazil. Int J Gynecol Obstet 2009;107(3):198-201.
  • 6
    Drachler ML, Leite JCDC, Hooper L, Hong CS, Pheby D, Nacul L, Lacerda E, Campion P, Killett A, McArthur M, Poland F. The self-expressed needs of people with Chronic Fatigue Syndrome/Myalgic Encephalomyelitis: A systematic review. BMC Public Health (Online) 2009; 9:458. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/9/458.
    » http://www.biomedcentral.com/1471-2458/9/458
  • 7
    Drachler MLD, Marshall TM, Aerts DRGC, Leite JCC, Freitas PFFF. Housing infrastructure modifies the effect of social inequalities on child development: A multilevel analysis. Eur J Epidemiology 2006;21(Supl. S):147-147.
  • 8
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica Brasília: MS; 2012.
  • 9
    Ribeiro P. Distribuição de recursos financeiros e equidade: uma relação delicada na saúde. Cien Saude Colet 2005;10(2):292-296.
  • 10
    Mendes Á, Leite MG, Marques RM. Discutindo uma Metodologia para a Alocação Equitativa de Recursos Federais para o Sistema Único de Saúde. Saúde e Sociedade 2011;20(3):673-690.
  • 11
    Castro JD. Análise da distribuição dos recursos financeiros para a assistência à saúde no Brasil e no Rio Grande do Sul - Proposta de operacionalização dos critérios para a sua distribuição. Saúde em Debate 1991;32(1):10-16.
  • 12
    Piola SF. O financiamento da descentralização dos serviços de saúde: critérios para a transferência de recursos federais para estados e municípios Brasília: OPAS, WHO; 1990. (Série Economia e Financiamento 1).
  • 13
    Ferreira MP, Dini NP, Ferreira SP. Espaços e dimensões da pobreza nos municípios do estado de São Paulo. Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS). São Paulo em Perspec 2006;20(1):5-17.
  • 14
    Pelegrini MLM, Castro JD, Drachler ML. Equidade na alocação de recursos para a Saúde: a experiência do Rio Grande do Sul, Brasil. Cien Saude Colet 2005;10(2):275-286.
  • 15
    Brasil. Política de Incentivo Estadual à Qualificação da Atenção Básica em Saúde (PIES) Porto Alegre: Secretaria Estadual da Saúde, Governo do Estado do RGS; 2011. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://www.saude.rs.gov.br/conteudo/521/?Pol%C3%ADtica_de_Incentivo_Estadual_%C3%A0_Aten%C3%A7%C3%A3o_B%C3%A1sica.
    » http://www.saude.rs.gov.br/conteudo/521/?Pol%C3%ADtica_de_Incentivo_Estadual_%C3%A0_Aten%C3%A7%C3%A3o_B%C3%A1sica
  • 16
    Department of Health and Social Security. Sharing resources for health in England. Report of the resources allocation working party Londres: DHSS; 1976.
  • 17
    Department of Health and Social Security. Review of the RAWP formula. Final report by the NHS Mangement Board Londres: DHSS; 1988.
  • 18
    Foster DP. Social class differences in sickness and general practitioner consultations. Health Trends 1976;8(4):18-34.
  • 19
    Ham C. Health policy in Britain. The politics and organization of national health sector Hong Kong: Mac Millan; 1992.
  • 20
    Ferla AA, Fagundes SMS. Tempo de inovações: a experiência da gestão na saúde do Rio Grande do Sul Porto Alegre: Editora Da Casa; 2002.
  • 21
    Ferla AA, Fagundes SMS. O fazer em Saúde Coletiva: inovações da atenção à saúde o Rio Grande do Sul Porto Alegre: Editora Da Casa; 2002.
  • 22
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010; Rio de Janeiro: IBGE; 2011. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/.
    » http://www.censo2010.ibge.gov.br/
  • 23
    Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS). As causas das iniquidades em saúde no Brasil. Relatório final 2008. [acessado 2013 jul 13]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/causas_sociais_iniquidades.pdf.
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/causas_sociais_iniquidades.pdf
  • 24
    Instituto de pesquisa econômica aplicada (IPEA). Índice de Gini [acessado 2013 jul 13]. Disponível em: http://www.ipea.gov.br.
    » http://www.ipea.gov.br
  • 25
    Hair JR, Joseph F. Análise multivariada de dados 6ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.
  • 26
    Tabachnick BG, Fidell LS. Using Multivariate Statistics 4th ed. Boston: Allyn & Bacon; 2001.
  • 27
    Velicer WF, Jackson DN. Component analysis versus common factor analysis: some further observations. Multivar Behav Res 1990;25(1):97-114.
  • 28
    Browne MW, Cudeck R. Alternative ways of assessing model fit. In: Bollen KA, Long JS, editors. Testing structural equation models Newsbury Park: Sage; 1993. p. 136-162.
  • 29
    Bollen KA. Structural equations with latent variables New York: Wiley; 1989.
  • 30
    Bentler PM, Bonnet DG. Significance tests and goodness of fit in the analysis of covariance structures. Psychological Bulletin 1980;88(3):588-606.
  • 31
    Sharma S, Mukherjee S, Kumar A, Dillon WR. A simulation study to investigate the use of cutoff values for assessing model fit in covariance structure models. J Bus Res 2005;58(1):935-943.
  • 32
    Alfradique ME, Bonolo PF, Dourado I, Lima-Costa MF, Macinko J, Mendonça CS, Oliveira VB, Sampaio LFR, De Simoni C, Turci MA. Internações por condições sensíveis à atenção primária: a construção da lista brasileira como ferramenta para medir o desempenho do sistema de saúde (Projeto ICSAP - Brasil). Cad Saude Publica 2009;25(6):1337-1349.
  • 33
    Pett MA, Nancy RL, Sullivan JJ. Making sense of factor analysis: The use of factor analysis for instrument development in health care research Thousand Oaks: Sage Publications; 2003.
  • 34
    Erreygers G. Beyond the health concentration index: an Atkinson alternative to the measurement of socioeconomic inequality of health Antwerpen: University of Antwerpen; 2006. [acessado 2012 maio 24]. Disponível em: http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/cd56/erreygers-170806.pdf
    » http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/cd56/erreygers-170806.pdf
  • 35
    Bambas L, Braveman P, Dachs JNW, Delgado I, Gakidou E, Moser K, Rolfe L, Vega J, Zarowsky C. Strengthening health information systems to address health equity challenges. B World Health Organ 2005;83(8):561-640.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2013
  • Aceito
    31 Out 2013
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br