A contribuição do CEPEDOC para a construção da Política de Promoção da Saúde no Brasil

Márcia Faria Westphal Maria Cristina Trousdell Franceschini Sobre os autores

Resumo

A Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), institucionalizada no Sistema Único de Saúde em 2006, e revista em 2014, contou com a contribuição de vários núcleos existentes no país, entre eles o Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação em Promoção da Saúde e Cidades Saudáveis (CEPEDOC), uma Organização não Governamental ligada à Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, hoje Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde. Esta colaboração iniciou-se antes da Política ser institucionalizada: houve participação na criação de subsídios teóricos e práticos que justificassem a sua existência e participação na mobilização e advocacia para sua criação. O objetivo deste artigo é demonstrar a participação independente do CEPEDOC, como uma ONG, na aplicação e revisão das teorias e princípios da Promoção da Saúde através projetos realizados, das produções científicas resultantes e dos relatos da participação em mobilizações que contribuíram para efetivação da PNPS como política e prática importante para a produção social da saúde com equidade.

Promoção da saúde; Cidades saudáveis; Equidade; Determinantes sociais da saúde; Participação social e parceria

Introdução

A Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), revista e publicada em 2014, que assume o objetivo geral de promover a equidade e a melhoria das condições e dos modos de viver, ampliando a potencialidade de saúde individual e coletiva e reduzindo a vulnerabilidade e riscos a saúde decorrentes dos determinantes sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais está sendo operacionalizada para colaborar, agora oficialmente, no enfrentamento da questão da exclusão, ou melhor, das iniquidades em saúde no Brasil11. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: PNPS: Revisão da Portaria MS/GM no 687, de 30 de março de 2006/ Ministério da Saúde. Brasília: MS; 2015..

São necessários, entretanto, amplos recursos para realizar a sua missão, que extrapola os limites do Sistema Único de Saúde (SUS); se destacam a necessidade de integração com outras políticas públicas e o apoio da sociedade, na impossibilidade de que o setor público de saúde responda sozinho pela ação sobre os determinantes e os condicionantes sociais, culturais, econômicos e ambientais da saúde. Uma nova proposta da Organização Mundial de Saúde (OMS) neste sentido – Saúde em Todas as Políticas – desde 2013 está sendo discutida e adaptada às necessidades e possibilidades dos países membros e analisada pelos seus Centros Colaboradores22. Westphal MF. Promoção da Saúde e qualidade de vida. In: Fernandez JC, Mendes R, organizadores. Promoção da Saúde e Gestão Local. 2ª ed. São Paulo: Hucitec Cepedoc Cidades Saudáveis; 2010. p. 17-58.,33. Organização Mundial de Saúde (OMS). Salud en todas las políticas- Marco para la Acción de los países. Geneva: OMS; 2013.. Entre os vários colaboradores nacionais e internacionais está o Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação em Cidades Saudáveis (CEPEDOC), que participou ativamente do processo de revisão da PNPS.

O CEPEDOC, criado no ano 2000 busca compartilhar com as instituições do setor saúde a tarefa de estimular a “produção social da saúde” e a equidade social com estratégias inovadoras, participativas e capazes de estimular a cidadania e a participação social.

Este artigo objetiva, através do resgate histórico das ações desenvolvidas pelo CEPEDOC demonstrar a participação de uma ONG ligada à Universidade de São Paulo (USP), na consecução dos objetivos da PNPS através de projetos, produções científicas, participação em eventos e mobilizações que contribuíram para sua efetivação como política e prática para a produção social da saúde com equidade.

CEPEDOC: criação e primeiros projetos

Em 1984, um grupo multidisciplinar de profissionais estudiosos de saúde pública, urbanismo e sustentabilidade, insatisfeitos com as abordagens verticais e normativas que caracterizavam o setor naquela época, constituíram um grupo e organizaram o Congresso Canadense de Saúde Pública denominado “Para além da assistência à saúde”. Nesse evento, realizado para avaliar os progressos em termos de saúde da população canadense, firmaram-se os princípios de uma nova proposta de promoção da saúde orientada pela participação social no processo de tomada de decisão sobre as ações de saúde, pela sustentabilidade ambiental e por objetivos de busca da equidade; foi formulado também o ideário de Cidades Saudáveis na tentativa de propor mudanças em valores e estratégias, orientando-as para a produção social da saúde e melhoria da qualidade de vida e da saúde urbana44. Duhl LJ. The Healthy city: its function and its future. Health Promotion 1986; 1(1):55-60..

No mesmo período sanitaristas/urbanistas canadenses envolvidos com a proposta de Cidades Saudáveis, se dispuseram a divulgar a proposta nas cidades canadenses e na América Latina, algumas vezes em conjunto com a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS), conseguindo adesão de algumas cidades brasileiras55. Secretaria do Estado da Saúde do Paraná (SESP), Organização Pan Americana de Saúde (OPAS). Município Saudável: iniciativas de implantação. Curitiba: SESP; 1996.

6. Akerman M, Massei W, Cabral S, Broch A, Cremomese A, Alves TS, Frichenbruder MTM. A concepção de um projeto de Observatório de Qualidade de Vida: relato de uma experiência realizada em Campinas, SP. Saúde Soc 1997; 6(2):83-99.

7. Westphal MF, Motta RMM, Bogus CM. Cidades Saudáveis: a formação de uma rede brasileira. Jornal do Conasems 1998; (Ed Esp):16-19.

8. Adriano JR, Werneck GAF, Santos MA, Souza RC. A construção de cidades saudáveis: uma estratégia viável para a melhoria da qualidade de vida. Cien Saude Colet 2000; 5(1):53-62.
-99. Mendes R. Cidades Saudáveis no Brasil e os processos participativos: os casos de Jundiaí e Maceió [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2000..

Este movimento foi reforçado pelos resultados da I Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, Canadá em 1987, que estabeleceu as bases conceituais da Promoção da Saúde e assumiu compromissos para sua implementação que extrapolam o setor e exigem parcerias com outros setores do governo e da sociedade1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Promoção da Saúde: Carta de Ottawa, Declaração de Adelaide, Sundsval e Santa Fé de Bogotá. Brasília: MS; 2002..

Quase dez anos depois, em 1995, o Brasil, representado pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) reunido no Congresso dos Secretários Municipais de Saúde das Américas, em Fortaleza, Ceará, elaborou a Carta de Fortaleza, expressando publicamente o interesse da sociedade representativa dos Secretários Municipais de Saúde nas propostas de Promoção da Saúde, que deslocavam o foco do sistema de saúde da doença para a produção da qualidade de vida, priorizando o papel ativo dos sujeitos sociais. Consideraram que a municipalização da saúde poderia se fortalecer a partir da experiência integradora, participativa e criativa de construção de Cidades Saudáveis77. Westphal MF, Motta RMM, Bogus CM. Cidades Saudáveis: a formação de uma rede brasileira. Jornal do Conasems 1998; (Ed Esp):16-19..

Com este ambiente favorável, a partir de 1997, e com a força dos resultados de quatro Conferências Internacionais de Promoção da Saúde1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Promoção da Saúde: Carta de Ottawa, Declaração de Adelaide, Sundsval e Santa Fé de Bogotá. Brasília: MS; 2002., fortaleceu-se o movimento ideológico da Promoção da Saúde relacionada com autonomia, emancipação e políticas públicas intersetoriais. Isso permitiu aos professores, estudiosos e profissionais ligados à saúde pública brasileira constituir, na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, a “Oficina Permanente de Estudos e Programas sobre Cidades Saudáveis”, onde poderiam apresentar e discutir suas experiências em andamento. Esta entidade funcionou até o ano 2000 promovendo momentos de discussão para definir um referencial teórico orientador da proposta brasileira de Cidades Saudáveis.

Essa ação teve dois desdobramentos: 1) a criação oficial do Centro de Estudos Pesquisa e Documentação sobre Cidades saudáveis (CEPEDOC), no ano 2000, e cuja missão primeira seria atuar na pesquisa e na documentação sobre cidades saudáveis, identificando e/ou propondo intervenções locais para promover qualidade de vida de forma intersetorial com participação social e buscando a equidade social e em saúde; e 2) a criação de um projeto de Promoção da Saúde no Ministério da Saúde, denominado projeto “BRA 98/006 – Promoção da Saúde um novo modelo de atenção”, como resultado da cooperação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e o Ministério da Saúde e que objetivava entre outras coisas o estabelecimento de uma Política Nacional de Promoção da Saúde1111. Castro AM, Sperandio AMG, Gosch CS, Rocha DG, Cruz DKA, Malta DC, Albuqyerque GM, Zancan L, Westphal M, Neto OLM, Durán PRF, de Sá RF, Mendes R, Moysés ST, Marcondes W,, organizadores. Curso de Extensão para gestores do SUS em Promoção da Saúde. Brasília: CEAD/FUB; 2010.. Estas duas iniciativas agregaram outros parceiros como a Organização Pan-Americana de Saúde, Universidades e centros de pesquisa de muitas regiões do país que juntos caminharam para estabelecer os compromissos assumidos com o PNUD.

O Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação em Cidades Saudáveis (CEPEDOC), uma organização não governamental (ONG), sediada na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, destaca-se por sua atuação em pesquisas e projetos de avaliação e sua abordagem participante e problematizadora em projetos de formação, capacitação e educação continuada de profissionais para atuarem na linha da Promoção da Saúde e Cidades Saudáveis1212. Akerman M, Mendes R, Bógus CM, Westphal MF, Bichir A, Pedroso ML. Avaliação em promoção da saúde: foco no “município saudável”. Rev Saude Publica 2002; 36(5):638-646..

O CEPEDOC e a política nacional de promoção da saúde

Os sócios fundadores do CEPEDOC construíram uma história a partir de experiências com a estratégia de Cidades Saudáveis. Ser uma ONG, possibilitou ao CEPEDOC liberdade para consolidar a parceria com o Ministério da Saúde, com o escritório regional da OPAS e com outras instituições brasileiras também inseridas na construção da Promoção da Saúde no Brasil.

O primeiro projeto de Cidades Saudáveis, realizado em Bertioga, cidade litorânea do Estado de São Paulo, contou com o apoio financeiro da OPAS e do Ministério da Saúde para seu desenvolvimento, e da Fundação de Amparo a Pesquisa (FAPESP) para o teste do modelo de avaliação participativa1313. Westphal MF. III Conferência Regional Latino Americana de Promoção da Saúde e Educação em Saúde. São Paulo: Zero onze e produções; 2002..

Em 2002, ao término do ciclo de gestão do governo em todos os níveis, o CEPEDOC, com o apoio do Ministério da Saúde, OPAS, e profissionais ativos em todo continente, realizou a 6ª Conferência Latino Americana de Promoção da Saúde da União Internacional de Promoção da Saúde, onde se discutiram os pressupostos da Promoção da Saúde, na perspectiva emancipadora e promotora de equidade social e apoiada no referencial dos determinantes sociais da saúde1414. Westphal MF. Violencia e criança. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 2002..

A primeira proposta da Política Nacional de Promoção da Saúde fez parte das discussões, porém com a mudança de governo esta foi descartada. Realizou-se também o Primeiro Seminário “Violência e Criança”, assumindo o CEPEDOC a liderança de um movimento pela autonomia dos sujeitos, neste caso a criança, com vários parceiros, e que teve o mérito de definir a Violência no Brasil como uma epidemia social e que influenciou o Ministério da Saúde a planejar ações de controle e mais tarde inserir o tema em documentos e ações do que seria em futuro próximo a Política Nacional de Promoção da Saúde1414. Westphal MF. Violencia e criança. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 2002..

O projeto Bertioga Município Saudável e a realização da Conferência e do Seminário, marcaram o início da trajetória do CEPEDOC e ajudaram a fortalecer um grupo nacional para o enfrentamento das pressões que a área da promoção da saúde sofria em sua inserção na Secretaria Executiva do Ministério da Saúde. Em 2002, vários parceiros entre eles o CEPEDOC, programaram o I Seminário Brasileiro de Avaliação da Efetividade da Promoção da Saúde, patrocinado pela Abrasco, ENSP/Fiocruz, Escritório Regional e a Oficina da Sub-região Brasil da União Internacional de Promoção da Saúde, entidades naquele momento muito envolvidas com avaliação da efetividade da Promoção da Saúde, um instrumento importante de legitimação de sua abordagem inovadora e ampliada das questões relacionadas à qualidade de vida. O Seminário realizou-se em maio de 2003 com a presença de parceiros internacionais, valorizando a visão interdisciplinar, intersetorial da Promoção da saúde e a capacidade dos técnicos da área para aprofundar o diálogo democrático e participativo entre várias forças – Universidades, ONGS e Ministério da Saúde – envolvidas na reflexão crítica sobre o contexto e os determinantes econômicos, culturais e ambientais da qualidade de vida1515. Pereira Lima VL, organizador. Inclusão Social, equidade e qualidade de vida: resgate histórico (1995-2015). Rio de Janeiro: Letra Capital; 2016..

A área fortalecida reiniciou o processo de construção da PNPS, concluído em 2005 com a aprovação oficial da Política em 2006. Nesse momento a Promoção da Saúde já havia migrado para a Secretaria de Vigilância à Saúde. Como forma de operar a transversalidade da PNPS no SUS e construir mecanismos de corresponsabilização e cogestão, o Ministério da Saúde criou em 2005 o Comitê Gestor da PNPS, envolvendo representantes de diferentes áreas do Ministério da Saúde (Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Secretaria Executiva e INCA) com a tarefa de propor a política e consolidar a Agenda Nacional de Promoção da Saúde. Posteriormente se incorporaram também representantes do Conselho Nacional de Secretários de Saúde – CONASS, do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco1616. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.409, de 13 de junho de 2007. Institui Comitê Gestor da Política Nacional de Promoção da Saúde. Diário Oficial da União 2007; 14 jun.. Assim garantiu-se a transversalidade da Promoção da Saúde na gestão da Política, porém, na sua implementação foram privilegiadas ações específicas relacionadas à alimentação, atividade física, tabagismo e violência, sendo relegado a segundo plano o desenvolvimento sustentado, que se associa à questão dos determinantes sociais da saúde, da participação social e da autonomia dos sujeitos, aspectos relacionado à missão do CEPEDOC1111. Castro AM, Sperandio AMG, Gosch CS, Rocha DG, Cruz DKA, Malta DC, Albuqyerque GM, Zancan L, Westphal M, Neto OLM, Durán PRF, de Sá RF, Mendes R, Moysés ST, Marcondes W,, organizadores. Curso de Extensão para gestores do SUS em Promoção da Saúde. Brasília: CEAD/FUB; 2010.. Os profissionais da Promoção da Saúde ligados a esta ONG mantiveram uma proximidade e ao mesmo tempo um distanciamento desta mudança paradigmática da Promoção da Saúde, como área de conhecimento e práticas. A tensão paradigmática foi administrada com o envolvimento da instituição em outros projetos relacionados ao desenvolvimento da estratégia de Cidades Saudáveis, sempre procurando uma associação com o Ministério da Saúde e a OPAS.

O Projeto de “Apoio à Ampliação do movimento por Municípios Saudáveis no Estado de São Paulo”, financiado pelo Ministério da Saúde, no governo de 1998 a 2002, realizou-se entre março de 2003 e dezembro de 2005. Envolveu as cidades de Bertioga, Lins, Motuca, Itaóca e Ribeira1717. Mendes R. Relatório do projeto de Ampliação dos Municípios Saudáveis. São Paulo: Documento interno do CEPEDOC; 1996.,1818. Comaru FA, Westphal MF. Housing, urban development and health in Latin América: contrasts, inequalities and challenges. Reviews on Environmental Health 2004; 19(3-4):329-345.. Esperava-se produzir saúde socialmente através de uma ação ética e técnica concertada com governos municipais nestes cinco municípios.

As ideias-força orientadoras das ações relacionavam-se ao pressuposto de que a melhoria das condições de saúde e da qualidade de vida em um território vão além de curar as doenças e requer atuar sobre as condições sociais que são determinantes da saúde e instituir uma nova ordem governativa na cidade que tivesse como meta o desenvolvimento local com equidade. O prefeito, como gestor social, seria o ator político condutor do desenvolvimento de políticas públicas na cidade e capaz de modificar a qualidade de vida da população, promovendo a unidade do fazer através da intersetorialidade e o protagonismo da sociedade civil com equidade.

As ações nos municípios representaram um grande esforço dos técnicos e da população. Avanços ocorreram em termos téoricos, conceituais e estratégicos, mas a experiência não sobreviveu à mudança de governo em 2005, nem ao final do financiamento. A transformação dos atores e seu empoderamento foram um resultado importante. O tempo de desenvolvimento do projeto não foi suficiente para que uma nova forma de gestão fosse estabelecida e nem a autonomia das sociedades locais fosse efetivada. A ideia de forjar uma rede de municípios foi dificultada pela grande distância entre os participantes. Ainda assim foi uma experiência positiva e empoderadora para o CEPEDOC e seus pesquisadores e um incremento para as estratégias de implementação da PNPS, destacando a força da determinação social da saúde e em contraponto com a vertente da Promoção da Saúde que só valoriza a adoção de estilos de vida saudáveis.

A ação específica da PNPS de desenvolvimento sustentável continuou em outro projeto junto a uma subprefeitura da Cidade de São Paulo, a Capela do Socorro, que iniciava em seu território um projeto denominado “Capela Saudável”. As ações de planejamento e a dinâmica do grupo diretor desse Projeto, e uma avaliação participante final, foram registradas em um livro com apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa da Universidade de São Paulo (FAPESP). A técnica de avaliação denominada “sistematização da experiência”, foi incluída em um livro internacional de avaliação e em outro publicado pelo Conselho Nacional dos Secretários de Saúde – CONASS1919. Westphal MF, Pais TD, organizadores. Capela saudável: Gestão de Políticas integradas e participativas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 2006.

20. Westphal MF, Fernandez JCA. The contribution of a systematization evaluative approach to implement a health promotion project in Capela do Socorro, Sao Paulo, Brazil. In: Potvin L, Mcqueen D, editors. Health Promotion Evaluation. Petrópolis: Vozes Editorial; 2007. p. 269-284.
-2121. Mendes R, Bógus CM, Westphal MF, Fernandez JCA. Promoção da saúde e redes de lideranças. Physics 2013; 23(1):209-226.. Terminada a gestão em 2005, mesmo com a mudança do subprefeito, a proposta continuou com outra denominação – “Capela em ação e a gestão integrada e participativa de políticas públicas” – ainda apoiada pela FAPESP. Buscava-se avaliar o modelo de gestão na subprefeitura da Capela do Socorro, localizada ao sul da cidade de São Paulo. Construiu-se com a equipe gestora local um modelo conceitual e operacional da experiência e realizaram-se avaliações participativas. Além disto, identificou-se a rede de lideranças – grupos, movimentos e entidades atuantes em uma parte do território da Subprefeitura, analisou-se as relações estabelecidas e o quanto estas facilitavam ações pela melhoria da qualidade de vida na região. Foi um grande aprendizado, novamente, da realidade da gestão e das possibilidade de sustentabilidade de projetos contra-hegemônicos nos espaços municipais. Possibilitou entender mais dos recônditos da política municipal, da gestão partidária e dos interesses que a motivam. Assim, continuamos a influenciar o direcionamento da PNPS e seus projetos prioritários, advogando para que o desenvolvimento sustentado entrasse como um aspecto da gestão intersetorial em um território2121. Mendes R, Bógus CM, Westphal MF, Fernandez JCA. Promoção da saúde e redes de lideranças. Physics 2013; 23(1):209-226.,2222. Fernandez JCA, Westphal MF, Bogus CM, Mendes R. Gestão intersetorial e participativa: análise de modelo de uma subprefeitura de São Paulo. Planejamento e Políticas Publicas 2014; 42:21924..

A área da PNPS que o CEPEDOC colaborou diretamente no primeiro momento foi a prevenção da violência e o estímulo à cultura de paz; servindo estes temas de base para outro Seminário regional sobre o tema Violência e Juventude. O evento mobilizou intelectuais e representantes de movimentos e da sociedade em geral e resultou em um livro que trouxe ao conhecimento do público as estatísticas que definiam a gravidade do problema e os temas sociais e políticos decorrentes do mesmo. Foram rediscutidas e ampliadas as estratégias de atuação sobre o problema aproximando-as das relacionadas à Justiça restaurativa e à mediação de conflitos2323. Westphal MF, Bydlowski CR, organizadores. Violência & juventude. São Paulo: Hucitec; 2010..

O objetivo da PNPS de “promoção do desenvolvimento sustentado” recebeu outro tipo de apoio do CEPEDOC, a partir da coordenação de um grupo designado pelo Ministério da Saúde para a formação de uma Rede Nacional de Cidades Saudáveis. O documento produzido elaborava uma proposta de fortalecimento deste objetivo específico da Política, mas novamente os esforços não resultaram em uma ação concreta2020. Westphal MF, Fernandez JCA. The contribution of a systematization evaluative approach to implement a health promotion project in Capela do Socorro, Sao Paulo, Brazil. In: Potvin L, Mcqueen D, editors. Health Promotion Evaluation. Petrópolis: Vozes Editorial; 2007. p. 269-284..

O desafio da avaliação da efetividade da promoção da saúde

As oportunidades para o CEPEDOC contribuir para o avanço e a consolidação da PNPS estavam no seu papel de realizar e sistematizar experiências contra-hegemônicas em locais próximos, mas distantes em termos de referencial teórico orientador de propostas, que foi o caso de projetos realizados junto à Prefeitura Municipal de São Paulo e posteriormente junto à Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Era a PNPS e sua concretização na prática, justamente em locais próximos à sede desta do CEPEDOC. Realizaram-se dois projetos: um de avaliação em Promoção da Saúde junto à Prefeitura de São Paulo, que visava colaborar na capacitação e avaliação de propostas para a cidade em Promoção da Saúde, focalizando Doenças e Agravos Não Transmissíveis e outro – multicêntrico – que objetivava a avaliação das ações desenvolvidas pelas agendas sociais em funcionamento nas diferentes regiões do país, utilizando como indicadores os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e com participação de universidades de todas as regiões do país.

O projeto com a Prefeitura Municipal de São Paulo foi desafiador. A equipe responsável pelo controle de doenças e agravos não transmissíveis (DANT) escolheu dois focos para a capacitação em Promoção da Saúde: técnicos de Unidades Básicas e outros que prestavam serviços relacionados ao controle da violência. O planejamento participante – equipe de DANT e equipe do CEPEDOC – concentrou-se na construção de uma agenda; na fase 1 elaborar curso teórico e prático de Promoção da Saúde e na fase 2 acompanhar a elaboração de projetos de avaliação desta. Uma avaliação final demonstrou que os técnicos da Secretaria Municipal de Saúde assumiram um novo discurso em relação à Promoção da Saúde, mais próximo dos fundamentos propostos pela PNPS em vigência e obtiveram os instrumentos teórico e práticos para realizar atividades com vistas aos determinantes sociais da saúde e se envolver em atividades relacionadas a politicas de produção social da saúde em ações de atividade física e sobre os determinantes sociais da violência doméstica e de problemas relacionados ao meio ambiente2424. Caderno Técnico CAEPS – DANT: Capacitação em avaliação da efetividade das ações de Promoção da Saúde em doenças e agravos não transmissíveis. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo; 2009..

Os resultados do projeto multicêntrico Saúde e desenvolvimento local: análise dos progressos em relação aos objetivos do milênio relacionados à saúde, nas cidades brasileiras que desenvolvem agendas sociais, no qual participaram sete universidades de todas as regiões do país, mostraram que agendas do tipo Agenda 21 e Cidades Saudáveis vêm se desenvolvendo no país nos últimos 20 anos, principalmente na região sul e sudeste impactando as condições de vida e saúde dos municípios brasileiros. A criação de uma rede de universidades que trabalham em Promoção da Saúde, as técnicas de avaliação da efetividade e o uso de indicadores foram pontos altos desta iniciativa, que privilegiou os determinantes sociais da saúde e utilizou os indicadores de desenvolvimento dos ODM, pactuados pelo Brasil com a Organização das Nações Unidas. Parte dos resultados se encontram nos artigos publicados desta pesquisa2525. Westphal MF, Fernandez JCA, Nascimento PR, Zioni F, André LM, Mendes R, Noronha GP, Moreira RS. Práticas democráticas participativas na construção de agendas sociais de desenvolvimento em municípios do sudeste brasileiro. Ambiente & Sociedade 2013; 16(2):103-128..

Outro importante projeto foi o de Avaliação e monitoramento do Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis (PAVS): construindo políticas públicas integradas na cidade de São Paulo, realizado entre 2005 e 2008, e que desde a sua concepção se caracterizou como uma articulação intersetorial. Aconteceu em todo o território da cidade de São Paulo por meio de um processo de formação e qualificação de cerca de 6 mil agentes comunitários de saúde e de agentes de proteção social vinculados, respectivamente, à Secretaria Municipal de Saúde e à Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. Coube aos sete pesquisadores do CEPEDOC monitorar e avaliar o PAVS na cidade de São Paulo, em tempo real e de forma participativa. Obteve resultados bastante positivos, pois os agentes comunitários ao receberem feedbacks constantes das atividades realizadas se sentiram valorizados e motivados. Foi uma oportunidade importante de produção de conhecimentos na área de avaliação da efetividade.

O CEPEDOC também realizou nos últimos anos projetos que objetivaram a inclusão social, assim como experiencias com modelos e métodos de avaliação, produzindo conhecimentos e realizando experiências na estratégia de “construir ambientes de apoio à Promoção da Saúde”, para promover a paz e a não violência, como contribuição estratégica à PNPS. Um exemplo foi a parceira com a Prefeitura de Osasco, São Paulo, que objetivava atender a uma solicitação dos funcionários envolvidos com Projetos Sociais para avaliar suas ações2626. Fernandez JCA, Campos M, Cazzuni DH, organizadores. Avaliar para compreender - Uma experiência na gestão de Programa Social com jovens de Osasco. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, Cepedoc Cidades Saudáveis; 2008.. Em uma segunda fase, atendeu-se a uma iniciativa do Ministério da Justiça que lançou aos municípios uma licitação para a apresentação de propostas de projetos para a formação de jovens em territórios vulneráveis. Cerca de 400 jovens de 15 a 24 anos participaram no período de fevereiro de 2009 a janeiro de 2010 de três encontros semanais com educadores, nos quais eram estimulados a desenvolver o pensamento crítico, a autoestima e a autonomia. Por meio de linguagens como o teatro, o vídeo, a literatura e a música, entre outras, os jovens discutiram temas inerentes à cidadania, incluindo a identidade, a diversidade, a tolerância e a solidariedade, o direito, a cultura e a história, os movimentos sociais, a saúde e a violência. Os jovens também tiveram aulas de informática e, como estímulo, receberam uma bolsa-auxílio mensal. Como trabalho de conclusão do projeto, eles desenvolveram pesquisas de caráter social em seus próprios bairros sobre temas como o alcoolismo, o uso de drogas e a gravidez na adolescência, em que puderam desenvolver um olhar crítico e investigativo sobre os problemas de suas comunidades. O projeto contou com a participação de 13 educadores e três coordenadores do CEPEDOC2727. Fernandez JCA, Sacardo DP, Andrade DA. Jovens Pesquisadores Sociais: a formação de jovens no Projeto de Proteção ao Jovem em Territórios Vulneráveis – Protejo de Osasco, SP. São Paulo: CEPEDOC Cidades Saudáveis; 2010..

Mais recentemente alguns projetos têm sido realizados junto com a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, Divisão de Doenças Crônicas Não transmissíveis (DVDCNT) do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD). O primeiro deles foi um projeto de Capacitação em Avaliação de projetos, por meio de um curso realizado em 2013, destinado a representantes do DVDCNT. Participaram 28 Grupos de Vigilância Epidemiológica (GVE) e das 17 Regionais de Saúde do Estado de São Paulo. Um livro publicado, patrocinado pela Secretaria de Estado da Saúde, descreve a contribuição relevante para a prática da Promoção da Saúde na ótica da avaliação de sua efetividade e dos determinantes sociais da Saúde2828. Fernandez JCA, Moraes MA, organizadores. Avaliação de projetos de promoção da Saúde na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. São Paulo: Hucitec, Cepedoc cidades Saudáveis; 2014..

Um novo projeto de avaliação sobre a efetividade das ações de atividade física de responsabilidade do mesmo DVDCNT está atualmente em execução. Trata-se de uma avaliação do Programa Academia da Saúde no Estado de São Paulo a partir da perspectiva da promoção da saúde. Lançado nacionalmente pelo Ministério da Saúde do Brasil, o Programa Academia da Saúde busca contribuir para a promoção da saúde e a produção do cuidado e de modos de vida saudáveis da população. Configura-se como um ponto de atenção no território, complementar ao cuidado integral e fortalecedor das ações de promoção, articuladas com as Estratégias da Saúde da Família (ESF), com os Núcleos de Apoio à Saúde da Familia (NASF) e com a vigilância em saúde (especialmente relacionado às Doenças Crônicas Não Transmissíveis). Em uma perspectiva mais ampla, a implementação das Academias da Saúde nos territórios pressupõe a articulação das estratégias e políticas do Sistema Único de Saúde com as diretrizes e pressupostos da promoção da saúde e da PNPS. O processo avaliativo em Promoção da Saúde, em curso desde julho de 2015, se propõe a realizar sua avaliação, comprometida com o processo de tomada de decisões e com a transformação de realidades, fazendo do próprio uma oportunidade para aprendizado coletivo em termos de estratégias de Promoção da Saúde.

O acompanhamento do programa Academia da Saúde supõe um desafio interessante para garantir que seus polos se tornem espaços de promoção da saúde amplos e aproveitem as experiências acumuladas para, além de seus eixos de atividade, atender de forma geral as seguintes áreas temáticas prioritárias da PNPS: alimentação saudável, práticas corporais/atividades físicas; prevenção e controle do tabagismo, redução da morbimortalidade por uso abusivo de álcool e outras drogas, redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito, prevenção da violência e cultura da paz. Neste momento o CEPEDOC, com sua experiência e acúmulo teórico, com a liberdade que teve de desenvolver projetos que pareciam não se articular com as prioridades do Ministério da Saúde e com a implementação da política, é capaz de se aproximar do tema “estilos de vida saudáveis” sem correr o risco de estar interferindo na autonomia dos sujeitos, denunciando a constante naturalização da questão da dominação e submissão, fomentando, junto com a promoção de comportamentos saudáveis, a reflexão sobre as condições injustas que fazem perdurar a pobreza e a violência, preparando os funcionários do setor saúde para identificar a alienação e o conformismo com as desigualdades, sentidas como naturais ou normais.

A designação do CEPEDOC como Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde em 2008, numa etapa de maior maturidade intelectual e prática, representou uma oportunidade para a realização de novas propostas assim como para a projeção do CEPEDOC na arena internacional através de projetos colaborativos com outros países, em especial aqueles da América Latina e do Caribe. Abriu-se espaço para que uma ONG da América Latina participasse da realização de projetos e políticas que apoiem processos participativos na Região e em horizontes mais amplos, estabelecendo novas parcerias e disseminando as vantagens de ter uma PNSP, cujas atividades estejam resultando na melhoria das condições de vida das comunidades em seus territórios.

O primeiro Projeto realizado sob uma Carta Acordo com a OPAS denominou-se Práticas populares de cuidado à saúde em comunidades de terreiros e tratava-se de um estudo qualitativo de interesse do Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP). O objetivo era sistematizar informações, conhecimentos e modelos de intervenção necessários ao enfrentamento das iniquidades em saúde, em âmbito nacional, que atingem comunidades de terreiros, tendo como foco as práticas populares de cuidado e suas interfaces com o sistema de saúde. O projeto ocorreu entre 2013 e 2015. Ainda não foram publicados os resultados do estudo, mas estes já estão sendo utilizados como mobilizadores de discussões sobre equidade social, especialmente relacionadas à raça e religião.

Outra iniciativa do Centro Colaborador da OMS é o projeto de cooperação internacional entre o CEPEDOC, a Organização Pan-Americana da Saúde da Colômbia e o Ministério da Saúde e Proteção Social (MSPS) da Colômbia, que teve início em novembro de 2015. Foram firmadas três Cartas Acordo entre as instituições que objetivam a elaboração ou atualização de diretrizes nacionais em três temas prioritários: Cidades Saudáveis, Entornos Saudáveis e Atividade Física. Os três projetos que compõe esta iniciativa estão firmemente ancorados nas premissas do referencial da promoção da saúde no que diz respeito à criação de ambientes saudáveis, orientados à reflexão sobre a construção de espaços físicos e sociais que possibilitem qualidade de vida. A preocupação da OPAS e do MSPS de analisar propostas e oportunidades para a promoção de políticas públicas saudáveis e intersetoriais está em consonância com a proposta de atuação do CEPEDOC e as premissas da PNPS revisada.

Discussão

O CEPEDOC, sendo uma ONG, sempre atuou com liberdade na escolha dos projetos, priorizando ações que buscassem o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos e a equidade social tão necessária para a consecução da qualidade de vida, na perspectiva dos sujeitos dos processos, e do ideario de Cidades Saudáveis voltados para a produção social da saúde e melhoria da qualidade de vida e da saúde urbana44. Duhl LJ. The Healthy city: its function and its future. Health Promotion 1986; 1(1):55-60.. A questão do financiamento e do avanço de uma proposta mais democrática, preocupada com o empoderamento de sujeitos para que eles sejam capazes de se mobilizar para exigir ações sobre os determinantes sociais da saúde representou uma grande dificuldade, embora teoricamente alinhadas com a Política.

Ao ser chamado para avaliar a PNPS em 2011, com vistas a sua revisão, seu representante oficial, expressou ao rever as propostas do Ministério que muitos princípios da Promoção da Saúde, especialmente a intersetorialidade, foram desenvolvidos em programas locais de atividade física, nutrição e controle da violência com financiamento do Ministério da Saúde. Entretanto a questão da participação, do desenvolvimento da autonomia dos sujeitos, não foi muito enfatizada, sugerindo que a PNPS estava sendo implementada com um apelo mais comportamentalista, sem muita criatividade e mobilização dos atores locais que repetem o que sempre fizeram. A análise do território relacionada à materialidade territorial em suas múltiplas dimensões, às relações de poder, às bases da produção econômica, às relações que consideram questões simbólicas, às relações sociais e à construção da subjetividade e identidade pessoal não têm sido objeto dos projetos desenvolvidos em função da PNPS. Mais ainda a aplicação deste conceito no enfrentamento das questões de saúde em articulação ao de vulnerabilidade social, que produzem desigualdades socioespaciais, degradação ambiental e injustiças ambientais muito menos tem sido aplicadas. A concepção de território aplicada à promoção da saúde nas cidades brasileiras permitiria visualizar a fragmentação, a perda da identidade e o reconhecimento do lugar pelas pessoas, questões que precisam ser recuperadas e enfrentadas nos próximos projetos a serem financiados em função da PNPS. Estas concepções, que sempre perpassam os projetos do CEPEDOC, não vêm sendo experimentadas nos projetos selecionados para serem apoiados pelo Ministério da Saúde em diversas localidades nacionais, o que demonstra que o CEPEDOC falha em suas parceiras com esta instituição, não cobrando espaços de troca de experiências e referenciais em função da PNPS, para enfrentar a cultura normativa ainda muito presente na implementação da política. Ao longo da história do CEPEDOC seus dirigentes criaram mecanismos promotores de articulações entre o poder público e as instituições da sociedade nas cidades e entre as cidades e com o próprio Ministério, mas sempre com grandes resistências para sua efetivação.

A única alternativa conhecida para ampliar o movimento foi o convite do CEPEDOC em 2006 a sete universidades brasileiras, localizadas nas cinco regiões do país, envolvidas com Promoção da Saúde para concorrer ao Edital MCT-CNPQ/MS-SCT-DECIT, na linha de apoio do Determinantes Sociais da Saúde. Foi desenvolvido então o Projeto Multicêntrico já mencionado “Saúde e desenvolvimento local: análise dos progressos em relação aos objetivos do milênio relacionados à saúde nas cidades brasileiras que desenvolvem agendas sociais”. Juntas, as universidades puderam, como dizem Zioni e Westphal2929. Zioni F, Westphal MF. O enfoque dos determinantes sociais da saúde sob o ponto de vista da Teoria Social. Saúde Soc 2007; 16(3):26-34., sentir-se como vivendo em uma sociedade que se interroga sobre seus objetivos, que elabora uma nova representação sobre si mesma, que busca novos discursos sobre as relações homem/sociedade, homem/natureza, saúde/sociedade. Como experiências concretas, as agendas, bem como os outros projetos de Cidades Saudáveis desenvolvidos pelo CEPEDOC, apresentam-se como espaço da construção da cidadania e de seu enraizamento, pois possibilitam aos diversos sujeitos e atores sociais se expressarem e participarem de sua construção mediante a constituição da pauta de ações para o poder público local, na perspectiva de uma democracia associativa, que mobiliza grupos e coletividades para a participação e para a integração de ações.

A questão de formação de redes intersetoriais é outro grande desafio da implementação da PNPS; o CEPEDOC não avançou muito neste aspecto. A última tentativa conjunta dos Centros Nacionais dedicados à Promoção da Saúde para a formação de um Fórum de Redes de Cidades Saudáveis exigiu um grande trabalho de formulação que não se concretizou e com ele foram as esperanças atuais de mudar a forma de aplicação dos referencias da Promoção da Saúde no território nacional. Atualmente, o CEPEDOC está voltando esforços para compreender como a nova proposta da OMS de Saúde em Todas as Políticas33. Organização Mundial de Saúde (OMS). Salud en todas las políticas- Marco para la Acción de los países. Geneva: OMS; 2013. se alinha com os pressupostos teóricos e os princípios de ação da promoção da saúde para a formação de redes intersetoriais.

A revisão da PNPS foi outra das atividades em que as lideranças deste Centro se inseriram, realizando uma pesquisa com professores de outras universidades envolvidos com ações de Promoção da Saúde. Utilizando o método Delphi, apontaram-se mudanças nos objetivos e nas ações propostas e outras sugestões Também se inseriram virtualmente nas discussões gerais e na formulação da nova PNPS, trazendo excelentes contribuições.

Conclusões

O CEPEDOC, uma das primeiras ONGs brasileiras dedicadas à Promoção da Saúde, ao longo de seus 15 anos de existência, sempre preocupou-se com este ideário e com os valores e princípios defendidos desde a Carta de Ottawa, assim como esforçou-se para ser parceiro constante do Ministério da Saúde e da OPAS/OMS. Desenvolveu vários projetos com diferentes características e mudou o seu perfil inicial com o passar do tempo, com a reflexão sobre as experiências realizadas apoiadas por literatura especializada.

Essa apresentação sumária de suas iniciativas demonstra que tanto as contradições como os acordos geraram bons resultados, e que no curso da transição paradigmática, as distorções sempre aconteceram. Vale ressaltar que os projetos desenvolvidos na maior parte das vezes não representavam escolhas do Ministério da Saúde, mas sempre estiveram alinhados ao referencial explicitado e aos objetivos da PNPS.

A esperança se concentra agora nos possíveis efeitos que a Conferencia Mundial a ser realizada em maio de 2016 em Curitiba possa trazer para um mudança de fundo nas práticas de Promoção da Saúde que esta nova política revisada deveria implementar.

A luta pela hegemonia não cessa e o CEPEDOC, comprometido com a contra-hegemonia continua lutando, juntamente com ONGs, universidades e outras instituições, por um espaço maior para desenvolver novas ideias utilizando os referenciais da Promoção da Saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2016
  • Aceito
    04 Abr 2016
  • Revisado
    06 Abr 2016
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