Da invisibilidade social: breve reflexão

Everardo Duarte Nunes Sobre o autor

Tornar visível a invisibilidade social em um relato não constitui uma tarefa fácil. O termo e o tema vêm se constituindo importante referencial no campo sociológico, com variantes que se orientam pelo instrumental da antropologia, psicologia social, ciência política, ética, literatura, artes plásticas, fotografia, etc. Teriam as palavras e as variantes apontadas a força suficiente para expor o complexo significado da vivência dos “invisíveis” que transitam ao lado dos “visíveis”? Certamente que não, mas a narrativa é necessária àqueles comprometidos com uma sociedade pautada pela igualdade e solidariedade. Ressalte-se que se aqui o interesse se configura na invisibilidade social e de saúde. Pesquisadores têm se dedicado a estudos que permeiam outras realidades, como a “invisibilidade dos tradutores”, a “invisibilidade” dos monumentos.

Há pouco tempo dizia-se que o tema era novo.

Realmente a sua história e teoria ainda estão sendo escritas, mas há alguns momentos que podem ser citados como de inflexão sobre o tema na vertente sociológica a partir do final dos anos 1980. Foi com o movimento feminista que a questão da depreciação do trabalho feminino (especialmente do trabalho da dona-de-casa) veio à tona e a socióloga norte-americana Arlene Kaplan Daniels (1930-2012) criou, em 1987, a expressão “invísible work”, retomada no ano seguinte em seu livro sobre carreiras invisíveis. Como escreve Daniels11 Daniels AK. Invisible work. Social Problems 1987; 34(5):403-415.: “Uma maneira de chamar a atenção para esse trabalho é mostrar como ele é construído, que esforço envolve e quanto custaria se fosse comprado no mercado”; prossegue [...] o trabalho da dona de casa “é privado; não há público além da família e o trabalho é personalizado e os membros da família o classificam como bem entenderem. Nessas circunstâncias, é por isso que as mulheres, os próprios familiares, não entendem alguns aspectos do trabalho”.

Revisões críticas do conceito de Daniels foram feitas, mas a sua originalidade marca um momento inaugural sobre o tema.

A pertinência da noção de “trabalho invisível” não fica ausente de outras pesquisas sobre o trabalho dos grupos de pessoas que são marginalizados, negligenciados e que são socialmente invisíveis de forma sistemática na sociedade.

Entre nós, as pesquisas do psicólogo Fernando Braga da Costa sobre garis tornaram-se clássicas e reproduzidas em outros locais diferentes do campus da Universidade de São Paulo-USP onde ele fez sua investigação. Estas foram iniciadas em 1994 como trabalho de pesquisa no curso de graduação e duraram oito anos. A sugestão do professor foi a de que os alunos deveriam se “engajar numa tarefa proletária exercida por pessoas de classes pobres”. Fernando escolheu trabalhar como gari nas ruas da Cidade Universitária da USP. Seu relato deu origem ao seu mestrado22 Costa FB. Garis - Um estudo de Psicologia sobre invisibilidade pública [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2002. e doutorado33 Costa FB. Moisés e Nilce: Retrato biográficos de dois garis. Um estudo de psicologia social a partir de observação participante e entrevistas [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2009.. Vestido como gari (pelo menos uma vez por semana) integrou-se aos trabalhadores e como relatou acabou tornando-se invisível aos olhos de seus colegas e professores que o desconheciam ao cruzarem por ele.

Sobre o material deste número temático cumpre observar que se diretamente os 19 resumos e as 73 palavras-chave não se referem diretamente à invisibilidade social, mas os temas abordados remetem a esse conceito. São exemplos: adolescentes institucionalizados, pessoas em situação de rua, serviço de limpeza, idosos, populações indígenas.

Sem dúvida, a importância do tema necessita ser aprofundado e pesquisado em suas variadas perspectivas.

Referências

  • 1
    Daniels AK. Invisible work. Social Problems 1987; 34(5):403-415.
  • 2
    Costa FB. Garis - Um estudo de Psicologia sobre invisibilidade pública [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2002.
  • 3
    Costa FB. Moisés e Nilce: Retrato biográficos de dois garis. Um estudo de psicologia social a partir de observação participante e entrevistas [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Out 2020
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