Controle do Aedes: criação, recepção e percepções de campanhas audiovisuais em saúde pública em diferentes comunidades do Brasil

Ádria Jane Albarado Ana Valéria Machado Mendonça Elizabeth Alves de Jesus Maria Fátima de Sousa Sobre os autores

Resumo

Com a finalidade de compreender a estratégia de comunicação adotada pelo Ministério da Saúde para a prevenção de doenças causadas pelo aedes e analisar a percepção da comunidade quanto aos vídeos sobre dengue, chikungunya e Zika veiculados entre 2014 e 2017, apresenta-se análise qualitativa realizada a partir de uma entrevista em profundidade com informante-chave do Núcleo de Comunicação do Ministério da Saúde e de rodas de conversa com a comunidade de quatro regiões brasileiras. A estratégia adotada pelo Ministério apoia-se na Teoria Hipodérmica por questões financeiras e logísticas, mas campanhas analisadas não alcançaram a maioria dos participantes das rodas. Estes julgam que as informações mais importantes em campanhas de prevenção são os cuidados e não as possíveis sequelas, diferente do que foi argumentado pelo(a) informante-chave. A comunidade considera a regionalização e a abordagem de características socioambientais, culturais e econômicas importantes, mas o MS não considera a regionalização de campanhas efetiva. Conclui-se que os vídeos não suprem as necessidades da população e devem ser utilizados de forma integrada a outras ações de informação, educação e comunicação em saúde para a eficácia do controle das doenças.

Palavras-chave:
Prevenção de doenças; Aedes; Comunicação em saúde; Pesquisa qualitativa

Estabelecendo contextos

Comunicação e saúde possuem aproximações desde 1920, época em que o modelo de saúde dominante tinha na propaganda e na educação sanitária estratégias de enfrentamento das doenças no Brasil e no mundo11 Araújo IS, Cardoso JM. Comunicação e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2007.. O Ministério da Saúde (MS) realiza, histórica e tradicionalmente, campanhas públicas de comunicação no Brasil e, com o surgimento da febre chikungunya, em 2014, e do vírus Zika e sua relação com o aumento de casos de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas em 201522 Valle D, Pimenta DN, Aguiar R. Zika, dengue e chikungunya: desafios e questões. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2016 Jun [acessado 2017 Nov 9]; 25(2):419-422. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742016000200419&lng=pt. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000200020.
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, viu-se uma expansão significativa de propagandas televisivas contra o vetor das referidas arboviroses. Isso porque diante do cenário de tripla carga de doença - dengue, chikungunya e Zika -, o grande desafio dos governantes foi implementar ações de prevenção eficazes, bem como informar a população quanto aos riscos e à importância da colaboração para o controle dos vetores destas arboviroses.

Há muito tempo utilizadas como instrumentos no combate a endemias, campanhas televisivas de saúde baseiam-se em uma das primeiras teorias da comunicação de massa, a Teoria Hipodérmica. Esta faz parte dos estudos denominados Mass Research Communication, realizados inicialmente entre 1920 e 1940, a partir de paradigmas psicológicos, sociológicos e antropológicos22 Valle D, Pimenta DN, Aguiar R. Zika, dengue e chikungunya: desafios e questões. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2016 Jun [acessado 2017 Nov 9]; 25(2):419-422. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742016000200419&lng=pt. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000200020.
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. O principal objetivo destes estudos era a investigação dos efeitos da exposição aos meios de comunicação de massa sobre os modos de percepção e comportamento das pessoas, bem como seu impacto sobre a cultura, as formas de organização social, política e econômica33 Wolf M. Teorias das comunicações de massa. 6ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2012.,44 Albuquerque A. Estudos de mídia. In: Citelli A, Berger C, Baccega MA, Lopes MIV, França VV, organizadores. Dicionário de Comunicação: escolas, teorias e autores. São Paulo: Contexto; 2014. p. 260-266..

Há cisões quanto à função das campanhas na saúde pública. Não se nega o papel estratégico, nem o potencial que têm, porém, há estudos que demonstram o quão são limitadas, principalmente para a transformação de atitudes, práticas sociais e ideologias55 Tóth M, Laro R. O potencial limitado das campanhas massivas de comunicação para a transformação de comportamentos sociais. In: Paulino FO, organizador. Comunicação e Saúde. Brasília: Casa das Musas; 2009. p. 45-53.. Em geral, campanhas privilegiam anúncios informativos para prevenir doenças66 Vasconcelos WRM. Oliveira-Costa MS. Mendonça AVM. Promoção ou prevenção? Análise das estratégias de comunicação do Ministério da Saúde no Brasil de 2006 a 2013. Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde [Internet]. 2016 jun. [acessado 2017 Abr 7];10;2. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1019
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e as divergências não surpreendem se observadas as perspectivas da gestão e da população em seus respectivos contextos políticos e sociais.

A partir de autores dedicados à metodologia e ao tema empregados neste estudo, fruto de investigação de mestrado, a comunicação em saúde pode ser definida como campo de estudos que se refere a processos dialógicos e à utilização de estratégias comunicacionais, os quais devem respeitar os direitos à informação, à educação e à saúde. Sua finalidade inclui a prevenção de enfermidades, o incentivo à cidadania por meio da participação social, da transparência na gestão, bem como a promoção da melhoria da qualidade de vida das pessoas em diferentes contextos sociais, por meio de relações interpessoais, da mídia e do conhecimento77 Albarado AJ, Prado EJ, Mendonça AVM. Um, dois, três - gravando: as campanhas audiovisuais do Ministério da Saúde sobre dengue, chikungunya e Zika de 2014 a 2017. Revista Eletrônica de Comunicação Informação & Inovação em Saúde [Internet]. 2019 [acessado 2019 Maio 21];13:75-86. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1596/2254
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Como a vigilância em saúde e as campanhas se dão em âmbito público, um conceito que apoia as discussões nesta investigação é o de comunicação pública. Bucci88 Bucci E. O Estado de Narciso: a comunicação pública a serviço da vaidade particular. São Paulo: Companhia das Letras; 2015. afirma que esta é composta de ações informativas e interlocuções, pesquisas de opinião, colocadas em prática com recursos públicos e a partir de decisões transparentes e inclusivas. Além disso, o autor afirma que estas ações devem ser abertas à fiscalização, tanto da sociedade quanto dos órgãos de controle, em especial, às críticas e aos apelos da sociedade civil organizada. No tocante à função da comunicação pública, Bucci88 Bucci E. O Estado de Narciso: a comunicação pública a serviço da vaidade particular. São Paulo: Companhia das Letras; 2015. pontua que ela “existe para promover o bem comum e o interesse público”.

O conceito adotado à comunicação de riscos é o do grupo de trabalho de comunicação do Regulamento Sanitário Internacional (RSI) da Organização Mundial da Saúde (OMS), que aponta Comunicação dos Riscos como processo de troca de informação em tempo real, aconselhamento e pareceres entre peritos ou funcionários públicos e pessoas cuja sobrevivência, saúde ou bem-estar econômico ou social estejam sob ameaça. O objetivo desta comunicação é colaborar para que as pessoas em situação de risco sejam capazes de tomar decisões informadas para diminuir os efeitos da ameaça, bem como adotem medidas adequadas para se prevenir, buscando mudanças de comportamento positivas e mantendo a confiança99 Hyer RN, Covelho VT. Comunicação eficaz com a mídia durante emergências de Saúde Pública: um manual da OMS. Brasília: Ministério da Saúde (MS); 2009..

Os resultados aqui apresentados se originam de uma investigação inserida junto ao Projeto Arbocontrol, financiado pelo Ministério da Saúde, e realizado em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), no âmbito do Laboratório de Educação, Informação e Comunicação em Saúde (LabECoS) e do Núcleo de Estudos em Saúde Pública (Nesp) da UnB. Dele, integra o subprojeto “Gestão da informação, educação e comunicação no controle das arboviroses dengue, Zika e chikungunya”, que traz entre seus objetivos conhecer as atividades e as práticas realizadas em relação às referidas ações de comunicação em saúde.

A partir do projeto de base, busca-se compreender a estratégia de comunicação adotada pelo Ministério da Saúde para a prevenção de doenças causadas pelo aedes. Além disso, pretende-se analisar a percepção da comunidade quanto às campanhas sobre as arboviroses dengue, chikungunya e Zika veiculadas pelo MS no período de 2014 a 2017. A análise da percepção dá-se a partir de relatos originados em rodas de conversa com munícipes de Vilhena-Rondônia; João Pessoa-Paraíba; Anápolis-Goiás; Cascavel-Paraná; das regiões Norte, Nordeste, Centro-oeste e Sul brasileiras, respectivamente.

Métodos

O paradigma metodológico deste relato de pesquisa é o compreensivo-interpretativo. Para Minayo et al.1010 Minayo MCS, Deslandes SF, Gomes R. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Editora Vozes; 2016., essa teoria responde questões qualitativas e coloca no centro a compreensão da realidade humana vivida socialmente. Suas bases teórico-metodológicas foram desenvolvidas por Max Weber e o marco para essa corrente foi a sua definição de Sociologia. Investiga, portanto, as expressões humanas presentes nas relações, nos sujeitos e nas representações. Refere-se também à vida das pessoas e lida com “[...] o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”, bem como “[...] aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas”1010 Minayo MCS, Deslandes SF, Gomes R. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Editora Vozes; 2016..

Por sua natureza aplicada, esta pesquisa buscou produzir conhecimentos dirigidos à gestão da comunicação em saúde e ao uso de materiais audiovisuais para a prevenção e o controle das arboviroses dengue, chikungunya e Zika. O percurso adotado no processo investigativo deu relevância ao pensamento que “fornece bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas, culturais”1111 Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 7ª ed. São Paulo: Editora Atlas SA; 2019..

A escolha metodológica se deu pela complexidade do fenômeno, pois aborda um problema de saúde pública para o qual a mudança de hábitos é crucial à sua resolução. Trata-se de um estudo que envolve objetivos descritivos sobre a compreensão e a avaliação das pessoas com relação às campanhas. Portanto, é imprescindível considerar as subjetividades dos atores e realidades sobre os quais o problema se desenvolve. Para tanto, articula as técnicas e os procedimentos das pesquisas bibliográfica, documental e observacional1212 Marconi MDA, Lakatos EM. Fundamentos de metodologia científica. 8ª ed. São Paulo: Editora Atlas; 2017., uma vez que a equipe de pesquisa teve participação direta com a população dos municípios visitados, a fim de obter informações sobre suas percepções quanto às campanhas, aos cuidados de prevenção e ao controle das arboviroses.

Coleta de dados

A entrevista em profundidade foi a técnica empregada para coletar informações junto ao informante-chave da coordenação da Assessoria de Comunicação do Ministério da Saúde. A referida entrevista foi solicitada via email institucional - disponível no portal do Ministério da Saúde - após a realização da análise das campanhas de prevenção às arboviroses e observações de lacunas identificadas em um estudo anterior77 Albarado AJ, Prado EJ, Mendonça AVM. Um, dois, três - gravando: as campanhas audiovisuais do Ministério da Saúde sobre dengue, chikungunya e Zika de 2014 a 2017. Revista Eletrônica de Comunicação Informação & Inovação em Saúde [Internet]. 2019 [acessado 2019 Maio 21];13:75-86. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1596/2254
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, lacunas estas que só poderiam ser esclarecidas com os responsáveis pela criação das peças. A partir da análise citada também foi feita a elaboração do roteiro com questões norteadoras para a realização da entrevista, cuja duração foi de duas horas. O áudio da conversa foi gravado, transcrito e codificado com a sigla “IC”, de informante-chave.

Roda de conversa foi a segunda técnica de coleta de dados empregada na pesquisa. Esta consiste em um “método de participação coletiva de debate acerca de determinada temática a partir da qual é possível dialogar com os sujeitos, que se expressam e escutam seus pares e a si mesmos por meio do exercício reflexivo”1313 Moura AF, Lima MG. A Reinvenção da Roda: Roda de Conversa, um instrumento metodológico possível. Interfaces da Educ 2014; 5(15):24-35.. Foram realizados dois pilotos para alinhamento do roteiro das rodas de conversa em Brasília-DF e em Luziânia-GO.

Para esta análise foram investigadas quatro atividades realizadas em Vilhena-RO; João Pessoa-PB; Anápolis-GO; e, Cascavel-PA, que foram codificadas como “RCV”, “RCJ”, “RCA” e “RCC”, respectivamente. Nas siglas, “R” significa “roda” e as demais letras correspondem às iniciais das cidades onde ocorreram as respectivas rodas de conversa. Os municípios investigados foram incluídos conforme critérios do Projeto Arbocontrol, ao qual se integra esta análise1414 Albarado AJ, Mendonça AVM, Jesus EA, Fernandes N, Brito PT, Sousa MF. Análise da recepção de campanhas audiovisuais de saúde no Brasil: um estudo qualitativo sobre a percepção da população no controle do aedes. In: Anais do 8º Congresso Ibero-americano de Investigação Qualitativa, 2019; Lisboa, Portugal. p. 1343-1354..

Foram consideradas as seguintes questões: localização urbana segundo a Classificação e Caracterização dos Espaços Rurais e Urbanos do Brasil1515 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Informações Básicas Municipais: Perfil dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE; 2018.; participação dos respectivos municípios no Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa) nos anos de 2016 e 2017; e adesão do município ao Programa Saúde na Escola (PSE). A articulação do campo foi feita com antecedência, por meio de ligações telefônicas e apoio de secretarias de saúde e de educação, bem como de lideranças comunitárias ou outros atores estratégicos à mobilização social desses participantes. Assim, foi agendada a ida dos pesquisadores ao município, conforme disponibilidade dos parceiros para recepção da equipe e observação de feriados municipais, dentre outros impeditivos. Na ocasião, os participantes convidados para as rodas de conversa encontravam os investigadores no local disponibilizado pelo município. Estes variaram entre salas de aula, ginásios, auditórios de centros de saúde e outros espaços.

Cada roda de conversa contou com dez pessoas e teve a duração de 1h30min. Os participantes eram maiores de 18 anos de idade; de ambos os sexos; responsáveis pela casa e residentes dos municípios visitados. A maioria dos participantes eram mulheres, negras, com idade entre 42 e 66 anos, com ensino fundamental incompleto. Excluíram-se conselheiros de saúde, professores e profissionais de saúde, pois nos pilotos, observou-se que tais atores monopolizavam os diálogos, influenciando ou silenciando os demais participantes. Incluiu atividades de apresentação; aquecimentos inespecífico e específico; desenvolvimento - momento em que foram exibidos os filmes das campanhas sobre as arboviroses como elementos estimuladores do diálogo com os participantes -; e comentários para finalização1616 Rasera EF. Social constructionist perspectives on group work. Ohio: Taos Institute Publications; 2015..

Os dados foram coletados de abril a junho de 2018. Além de questões sobre percepções quanto aos vídeos em si, a atividade abrangeu assuntos sobre práticas de educação, informação e comunicação em saúde do cotidiano dos participantes observadas nas campanhas e na revisão da literatura pertinente. A condução do trabalho em campo foi realizada por trios compostos por pesquisadores e estudantes de doutorado, mestrado e/ou iniciação científica, das áreas de Saúde Coletiva, Psicologia, Medicina ou Farmácia. Os diálogos foram gravados, transcritos e categorizados a partir de questões temáticas. Além disso, os pesquisadores adotaram o diário de campo para aprofundar a compreensão dos cenários visitados.

Conforme determina a Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, o estudo observou os aspectos éticos relativos à pesquisa com seres humanos. Foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB e aprovado em 20 de abril de 2018. Durante sua realização, os participantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa e somente tornaram-se indivíduos da investigação após serem orientados sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que teve uma via assinada e entregue pelos pesquisadores aos participantes da pesquisa.

Análise e interpretação dos dados

A estratégia analítica adotada na investigação é o da análise de conteúdo de Bardin1717 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70 LDA; 2011.. A técnica explora o campo das comunicações e suas significações e revela elementos sublinhados em conteúdos explícitos para além das aparências e dos objetivos funcionais do que é comunicado em campanhas1717 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70 LDA; 2011.. Os resultados da entrevista e das rodas de conversa foram analisados e discutidos à luz da literatura pertinente.

Para este relato em particular, foram observadas questões desde a criação das campanhas audiovisuais - em especial relativas à entrevista com o informante-chave e com a comunidade, temas referentes aos vídeos apresentados nas rodas de conversa. Estes, abordaram as três arboviroses em campanhas publicadas em diferentes períodos. Os filmes foram coletados no portal do Ministério da Saúde e agrupados em dois blocos, um sobre prevenção, orientações e cuidados, e outro sobre personagens reais com relatos sobre as consequências da infecção pelas doenças.

As percepções e as respostas da entrevista em profundidade e das rodas de conversa foram agrupadas em cinco categorias temáticas a saber: 1) audiência; 2) objetivos, estética e informações; 3) representatividade e identificação; 4) cuidados, os quais contaram com as subcategorias facilidades, dificuldades e outros; e 5) qualidade das campanhas.

Resultados e discussão

Para a primeira categoria, consideraram-se as respostas dos participantes sobre terem assistido ou não aos filmes e, em qual mídia, em caso de respostas positivas. Os aspectos teóricos e conceituais dessa categoria envolvem os estudos da Mass Communication Research33 Wolf M. Teorias das comunicações de massa. 6ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2012.,44 Albuquerque A. Estudos de mídia. In: Citelli A, Berger C, Baccega MA, Lopes MIV, França VV, organizadores. Dicionário de Comunicação: escolas, teorias e autores. São Paulo: Contexto; 2014. p. 260-266.,99 Hyer RN, Covelho VT. Comunicação eficaz com a mídia durante emergências de Saúde Pública: um manual da OMS. Brasília: Ministério da Saúde (MS); 2009.,1818 De Fleur M, Ball-Rokeach S. Teorias da Comunicação de Massa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 1993.,1919 Mattelart A, Mattelart M. História das teorias da comunicação. 8ª ed. São Paulo: Edições Loyola; 2005. e do Pensamento Contemporâneo Latino-americano sobre recepção e mediação2020 Temer ACRP, Nery VCA. Para entender as teorias da comunicação. Uberlândia: Edufu; 2009.

21 Berger CLBRK, Schwaab R. Escola Latino-americana de comunicação. In: Citelli A, Berger CLBRK, Baccega MA, De Lopes MIV, França VV, Camargo RZ, Bendassolli PF, organizadores. Dicionário de comunicação: escolas, teorias e autores. São Paulo: Editora Contexto; 2014. p. 200-209.
-2222 Jacks N, Ronsini VM. Pensamento Contemporâneo Latino-Americano. In: Citelli A, Berger CLBRK, Baccega MA, De Lopes MIV, França VV, Camargo RZ, Bendassolli PF, organizadores. Dicionário de comunicação: escolas, teorias e autores. São Paulo: Editora Contexto; 2014. p. 349-358..

Na segunda categoria, incluíram-se percepções sobre a compreensão dos objetivos das campanhas a exemplo, se eram informativas2323 Melo JM, Assis F. Gêneros e formatos jornalísticos: um modelo classificatório. Intercom-Revista Brasileira de Ciências da Comunicação 2016; 39(1):39-56., sensacionalistas, sobre comunicação de riscos99 Hyer RN, Covelho VT. Comunicação eficaz com a mídia durante emergências de Saúde Pública: um manual da OMS. Brasília: Ministério da Saúde (MS); 2009., dentre outras relacionadas à prevenção e ao controle das arboviroses. No quesito sensacionalismo, considerou-se a definição que afirma que se trata do uso e efeito de assuntos sensacionais com a intenção de causar impacto e chocar a opinião pública2424 Neiva E. Dicionário Houaiss de Comunicação e Multimídia: sensacionalismo. São Paulo: Publifolha; 2013.. Este é um modo atual de produção discursiva da informação, acionado a partir de “critérios de intensificação e exagero gráfico, temático, linguístico e semântico, contendo em si valores e elementos desproporcionais, destacados, acrescentados ou subtraídos no contexto de representação e construção do real social”2525 Pedroso RN. A construção do discurso de sedução em um jornal sensacionalista. São Paulo: Annablume; 2001..

A terceira categoria, por sua vez, reuniu pontos sobre o reconhecimento das respectivas realidades cultural, social, econômica, geográfica, dentre outros aspectos retratados nos vídeos. O suporte para esta categoria vem dos determinantes sociais e ambientais em saúde2626 Filho AB, Buss PM, Esperidião MA. Promoção da Saúde e seus fundamentos: Determinantes Sociais Ação Intersetorial e Políticas Públicas Saudáveis. In: Paim JS, Almeida-Filho N, organizadores. Saúde Coletiva Teoria e Prática. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 305-326..

No tocante aos ‘cuidados’, a quarta categoria considerou as ações dos participantes para a prevenção e o controle das arboviroses. Estas foram divididas nas subcategorias: facilidades de cuidado; dificuldades de cuidado e outros cuidados. Na primeira, incluíram-se respostas e temas que facilitam as ações; na segunda, as que dificultavam; e, na terceira, outros, não destacados nas campanhas. Nesta perspectiva, compreende-se cuidado como um “[...] ‘modo de fazer na vida cotidiana’ que se caracteriza pela ‘atenção’, ‘responsabilidade’, ‘zelo’ e ‘desvelo’ ‘com pessoas e coisas’ em lugares e tempos distintos de sua realização”2727 Pinheiro R. Dicionário da educação profissional em saúde: cuidado. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2009..

A quinta categoria, enfim, abrange aspectos sobre a qualidade das campanhas, em especial quanto ao atendimento de seu objetivo, linguagem, locação e enredo empregados, bem como conteúdo. Para tanto, as percepções e as avaliações dos participantes foram interpretadas sob a ótica da Comunicação Pública e com base na afirmações de Zémor traduzidas e comentadas por Brandão2828 Brandão E. A Comunicação Pública: o cidadão, o Estado e o Governo. In: Martins L, Brandão E, Matos H, Duarte J, Zémor P. Comunicação Pública. Brasília: Casa das Musas; 2003. p. 76-103.: “Ouvir o usuário significa ter capacidade para dar uma resposta não estereotipada, levar em consideração o usuário e o conteúdo preciso do problema que ele está colocando” e “Ao mesmo tempo em que ele respeita e se submete à autoridade das instituições públicas, ele protesta sobre a falta de informação, ou sobre suas mensagens mal construídas, incompletas ou mal divulgadas”2828 Brandão E. A Comunicação Pública: o cidadão, o Estado e o Governo. In: Martins L, Brandão E, Matos H, Duarte J, Zémor P. Comunicação Pública. Brasília: Casa das Musas; 2003. p. 76-103..

Os resultados demonstram que a televisão não é mais decisiva para elevar a audiência das campanhas de saúde pública. Em João Pessoa-PB, apenas três participantes afirmaram ter visto os vídeos. Vilhena-RO foi o local onde mais pessoas viram as peças, seguida de Anápolis-GO. Os demais participantes das rodas não lembraram de tê-las visto ou simplesmente não as assistiram, ainda que sejam ações sazonais e fiquem no ar pelo menos por quatro meses.

A entrevista confirmou que a principal estratégia de comunicação do MS baseia-se na Teoria da Bala Mágica:

O meu objetivo, e tenho que ter isso muito claro quando trabalho no Governo Federal, eu tenho que atingir o maior número de pessoas possíveis com uma mesma mensagem. (IC)

Para alcançar tal objetivo, investe maior parte de seus recursos na divulgação de campanhas na TV aberta2929 Albarado AJ. Campanhas audiovisuais do Ministério da Saúde contra dengue, Zika e chikungunya nos anos de 2014 a 2017: análise das estratégias de comunicação em saúde [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2018., embora saiba que esta ação não tenha mais a efetividade esperada:

A TV perdeu muito espaço e as pesquisas de comunicação, de mídia, indicam isso. Não é mais 100% como era antigamente [...] ela ainda é o espaço de maior credibilidade. (IC)

Os achados das rodas de conversa demonstram as falhas desta estratégia. O MS ainda trata a recepção como mera etapa do processo de comunicação verticalizado e institucional que pratica, enquanto o que temos hoje é, na verdade, uma audiência menos controlada, dotada de acesso às mídias alternativas, que produz e escolhe o que quer consumir da comunicação diante da ampliação do acesso, em especial, o conquistado via internet2929 Albarado AJ. Campanhas audiovisuais do Ministério da Saúde contra dengue, Zika e chikungunya nos anos de 2014 a 2017: análise das estratégias de comunicação em saúde [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2018.,3030 Tondato MP. Estudos de recepção e audiência. In: Citelli A, Berger CLBRK, Baccega MA, Lopes MIV, França VV, organizadores. Dicionário de comunicação: escolas, teorias e autores. São Paulo: Contexto; 2014. p. 304-312..

No tocante aos objetivos, estética e informações, as pessoas demonstraram ter clareza que as mensagens objetivam mobilizar para a prevenção e orientar sobre cuidados e ações para eliminar criadouros do mosquito, bem como a capacidade de identificar as histórias de personagens reais. Destaca-se que a estética dos filmes não é diretamente apontada, mas a forma como as pessoas a observam pode ser notada mediante as palavras usadas para descrevê-las, num paradoxo entre prevenção/cuidado versus perdas/sofrimento.

As peças com tom escuro falam sobre perdas e sequelas, bem como o som dramático ao fundo, demonstram a adoção de uma abordagem mais sensacionalista, devido à necessidade de a gestão mostrar a seriedade do problema:

Foi intencional, para quebrar aquele padrão de comercial de TV, que é tudo cerveja, aquela felicidade toda. Para. Vamos refletir, porque é um sofrimento para aquela pessoa e é real. É uma pessoa verdadeira, pode acontecer com qualquer um. (IC)

Alguns participantes citaram que as campanhas têm mesmo que ‘chocar’, pois ‘infelizmente’ a população só se preocupa em fazer algo se seu incentivo for o medo.

Com relação à categoria representatividade e identificação, os participantes de Vilhena-RO e João Pessoa-PB não comentaram ou responderam quando perguntados se percebiam que a realidade apresentada nos vídeos no que diz às casas, ruas, objetos, dentre outras coisas, se pareciam com a deles ou se eles se identificavam com a situação. Um silêncio muito revelador. Para além das diferenças demonstradas no desenho dos municípios e nas respostas dadas pelos próprios participantes das rodas apresentados anteriormente, as descrições dos diários de campo dos pesquisadores revelaram o quão há diferenças nas realidades dos municípios, inclusive, pelas regiões do país.

As campanhas pouco se preocupam com os determinantes sociais de saúde das respectivas regiões, principalmente sobre o território e o ambiente2626 Filho AB, Buss PM, Esperidião MA. Promoção da Saúde e seus fundamentos: Determinantes Sociais Ação Intersetorial e Políticas Públicas Saudáveis. In: Paim JS, Almeida-Filho N, organizadores. Saúde Coletiva Teoria e Prática. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 305-326.. As peças trazem, em grande maioria, locais pavimentados; limpos; residências de concreto; acesso à coleta de lixo, transporte público e água tratada. O que não é padrão na realidade do Brasil, sobretudo quando analisada por regiões ou dados diretamente ao saneamento básico. Dados do Perfil dos Municípios Brasileiros (Munic) de 2017 mostram que somente 41,5% do total de 5.570 municípios brasileiros possuíam Plano Municipal de Saneamento, sendo que Norte e Nordeste estão entre as que possuem menos municípios com o plano3131 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Informações Básicas Municipais: Perfil dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE; 2018..

Comentários dos próprios participantes corroboram a relevância de considerar os determinantes sociais e a estratégia da regionalização ao apontarem diferenças que vão desde o uso de ‘lajes’ à cultura. Além das situações sobre os determinantes, a identificação poderia colaborar para aumentar a mobilização, pois é fato que quando as pessoas se reconhecem e se veem representadas, a sensação de corresponsabilização e pertencimento aumenta2929 Albarado AJ. Campanhas audiovisuais do Ministério da Saúde contra dengue, Zika e chikungunya nos anos de 2014 a 2017: análise das estratégias de comunicação em saúde [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2018.. Entretanto, o MS mantém a massificação das mensagens:

A gente tenta trazer personagens que representem a população, porque aí você representa um pouco da regionalização, mas ainda assim é uma campanha de massa. (IC)

A regionalização na comunicação em saúde é fragilizada e a articulação com gestores locais é falha, principalmente no tocante à logística das ações de comunicação do âmbito federal por deficiências na coordenação temporal e logística de distribuição de material para estados e municípios, em especial, os impressos3232 Montoro T. Retratos da comunicação em saúde: desafios e perspectivas. Interface Botucatu [periódico na internet] 2008 [acessado 2018 Jul 21]; 12(25):445-448. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832008000200020&lng=en&nrm=iso.
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. A insistência no formato de 1920 impede a gestão de pensar alternativas e mais uma vez demonstra a necessidade de tais ações se preocuparem com a realidade do país e buscarem meios efetivos para informar e orientar sobre cuidados na prevenção e no controle da dengue, chikungunya e Zika. Embora a regionalização não se demonstre eficaz para a gestão, faz-se necessária pela situação de saúde da população das diferentes regiões do país, assolada, sazonalmente, pelas arboviroses.

Sobre os cuidados, as pessoas afirmaram, em unanimidade, que a limpeza é a ação fácil, seja da própria casa ou de utensílios como vasos, caixas d’água ou potes de animais. A limpeza das calhas foi apontada como dificuldade, principalmente porque para limpá-la, é preciso subir escadas. Uma situação discutida nas rodas de João Pessoa-PB, Anápolis-GO e Cascavel-PR, relaciona-se à orientação ‘converse com seus vizinhos’, uma problemática dificuldade, inclusive com relatos de violência e medo:

Você vê, eu mesma entrava naquela chácara [...] O dia que eu entrei, o vigia falou: ‘A mulher mandou meter fogo em quem entrar’. (RCA)

Outros cuidados e práticas adotados pelos participantes e não citados objetivamente nos vídeos apresentados nas rodas de conversa22 Valle D, Pimenta DN, Aguiar R. Zika, dengue e chikungunya: desafios e questões. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2016 Jun [acessado 2017 Nov 9]; 25(2):419-422. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742016000200419&lng=pt. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000200020.
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se referiram a práticas de controle químico dos insetos com água sanitária, repelentes e inseticidas industrializados ou naturais, como a queima de casca de laranja e alfazema. A partir dos relatos observa-se que as campanhas audiovisuais veiculadas nacionalmente não têm suprido a necessidade de informação e orientação por parte da população que, por sua vez, acaba adotando práticas inclusive perigosas devido às ‘velhas questões da desinformação’22 Valle D, Pimenta DN, Aguiar R. Zika, dengue e chikungunya: desafios e questões. Epidemiol. Serv. Saúde [Internet]. 2016 Jun [acessado 2017 Nov 9]; 25(2):419-422. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742016000200419&lng=pt. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000200020.
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Entretanto, o MS optou por não mais abordar cuidados ou compartilhar orientações nas campanhas nacionais:

As pessoas não queriam mais ouvir sobre os criadouros, aquilo que a gente falou durante anos [...] ‘O que vocês querem ouvir então?’ ‘Queremos ouvir pessoas reais nessas campanhas’ e aí veio o estalo, precisamos contar histórias reais, pois as pessoas sabem o que têm que fazer, mas elas não fazem’. (IC)

Nas rodas de conversa, todavia, as informações mais importantes para a população eram sobre os cuidados para prevenção, orientações de como eliminar os criadouros e buscar ajuda nas unidades de saúde frente a qualquer sintoma das doenças. A maioria das pessoas então, ressaltou os cuidados, o que contradiz, diretamente, a afirmação do MS.

Por fim, quanto à qualidade das campanhas, segundo a comunidade é preciso ir além dos vídeos e, quando utilizá-los, fazê-lo estrategicamente, de forma integrada a outras ações, principalmente em regiões mais problemáticas - e com o auxílio dos agentes de saúde:

Eu acho que as campanhas, pelo menos que a gente tem, são satisfatórias [...] porque eu entendo que essa questão do cuidado é mais cultural, muda muito de região para região. Por exemplo, estamos aqui na cidade em uma região aonde a estrutura de coleta de lixo é satisfatória, aonde o cuidado com os terrenos baldios também não deixa a desejar, mas há cidades em que não há. Acho que se você massificar a instrução e a orientação em geral, não é bem a solução, mas sim ela focalizar. As áreas mais deficitárias, onde o pessoal tem uma cultura de maior relaxamento e onde os focos são maiores [...] acho que precisam de um investimento maior que a gente. Mas no geral, também é necessário, claro. (RCC)

A necessidade do diálogo com profissionais de saúde para abordar questões sobre as arboviroses ficou evidente nas falas, inclusive com sugestões de como abordar as pessoas. O diálogo, enfim, é o que as pessoas mais precisam e sentem falta para se prevenirem e cuidarem de sua saúde e da comunidade. É claro que os esforços estratégicos de comunicação não podem dispensar as campanhas massivas, mas estas devem contar com ações dirigidas. “É fundamental garantir, através de forte comunicação interpessoal, que as mensagens massivas penetrem rapidamente as redes de conversação nas localidades, caso contrário, as próprias mensagens tendem a dispersar-se e a perder força”3333 Henriques MS, Mafra RLM. Mobilização Social em Saúde: o papel da comunicação estratégica. In: Santos A. Venâncio D, organizadores. Caderno mídia e saúde pública. Belo Horizonte: Escola de Saúde Pública/FUNED; 2006. p.101-111.. Isso é possível em encontros em que haja escuta e troca, feitos, basicamente porta a porta, olhando nos olhos das pessoas. As campanhas, mesmo quando produzidas e pré-testadas de modo planejado, pouco mudam comportamentos sociais em proporção aos investimentos que demandam.

Considerações finais

A população percebeu que somente a utilização de campanhas audiovisuais de massa não é suficiente para mobilizá-la, informá-la e orientá-la para controlar e prevenir a proliferação do mosquito aedes ou o surgimento de infecções por dengue, chikungunya e Zika vírus. Apesar de tratar-se da principal estratégia abordada pelo Ministério da Saúde, em especial se considerados os investimentos financeiros realizados, em quatro diferentes regiões a noção de “campanhas” é muito mais ampla que a veiculação de peças de 30 segundos em rede nacional. A percepção da população é a mesma que a de pesquisadores da área, elas não devem ser descartadas, porém, precisam ser repensadas, considerando os determinantes sociais, econômicos, culturais e ambientais das diferentes regiões brasileiras.

Outrossim, carecem ser articuladas e integradas a outras ações intrassetoriais de informação, educação e comunicação em saúde, em especial as que envolvem comunicação interpessoal e participação social. As pessoas pedem por ações de comunicação regionalizadas, baseadas no diálogo e no direito à informação e à comunicação, numa linguagem acessível e que transmita credibilidade e confiança, principalmente com médicos e enfermeiros responsáveis pelos primeiros cuidados em caso de adoecimento. Os relatos apontam ainda, a necessidade da comunicação se apresentar de forma transversal na saúde e de ser, neste contexto, uma preocupação que vai além da sensibilização por meio do medo e da tristeza, não somente nas abordagens para a prevenção de dengue, chikungunya e Zika, mas em todas as outras relativas ao cuidado individual e coletivo da saúde.

O foco na eliminação do vetor das doenças e o silêncio quanto aos fatores sociais e econômicos por parte do MS priorizam a prevenção a partir de dados epidemiológicos, todavia não contribuem para que as pessoas desenvolvam senso crítico quanto às suas reais necessidades de cuidados integrais à saúde e até mesmo repensem realidades sociais e relações com o ambiente enquanto cidadãos. Como apontado pelos participantes das rodas de conversa, é necessário maior integração entre os gestores do nível federal, estadual e municipal, bem como com setores além da saúde. Outro destaque é a sazonalidade das campanhas. Deve-se realizar ações contínuas para a prevenção das arboviroses em questão, não apenas no período em que há epidemia das doenças. Nesse sentido, focar na prevenção e na promoção da saúde dos indivíduos, antecipando-se à reemergência das doenças, faz-se imperativo na comunicação em saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Fev 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2020
  • Aceito
    15 Abr 2020
  • Publicado
    17 Abr 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br