Resumo
O objetivo foi verificar a associação entre fatores individuais e organizativos do sistema de saúde com o tempo para o início do tratamento do câncer de pulmão pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Minas Gerais. Estudo de coorte retrospectiva com pacientes que iniciaram o tratamento para o câncer de pulmão pelo SUS de 2008 a 2015. Foram selecionadas variáveis sociodemográficas, clínicas e organizativas do sistema de saúde. O modelo de regressão logística avaliou a associação do desfecho do início do tratamento em até 60 dias após o diagnóstico com as variáveis explicativas selecionadas. Utilizou-se a odds ratio (OR) e o respectivo intervalo de confiança (95%) para mensurar a força de associação. A maioria dos tratamentos para o câncer de pulmão em Minas Gerais foram iniciados em até 60 dias após o diagnóstico, entretanto, ser do sexo masculino e diagnosticado em estadiamento IV aumentaram a chance de iniciar o tratamento em até 60 dias; todavia o aumento da idade, iniciar o tratamento por radioterapia, e o local de residência, diminuíram. O tempo para início do tratamento está associado a características individuais e à provisão de serviços nas macrorregiões, e as desigualdades observadas possivelmente se originam a partir do melhor ou pior acesso da população aos serviços prestados.
Palavras-chave:
Câncer de pulmão; Tempo para início do tratamento; Regionalização; Desigualdade em saúde
Introdução
Em 2018, o câncer de pulmão foi o mais incidente no mundo, com exceção do câncer de pele não melanoma, sendo o mais frequente em homens e o terceiro em mulheres11 Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre AL, Jemal A. Cancer Statistics 2018: GLOBOCAN Estimates of Incidence and Mortality Worldwide for 36 Cancers in 185 Countries. Ca Cancer J Clin 2018; 68:394-424.. No triênio 2020-2022, são previstos para o Brasil 30.200 novos casos de câncer de pulmão para cada ano, sendo o terceiro mais incidente entre os homens e o quarto entre as mulheres. Para Minas Gerais a estimativa é de 2.990 novos casos de câncer de pulmão em 202022 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2019., sendo que no quinquênio 2014-2018 esta foi a segunda principal causa de óbito por neoplasias tanto em homens quanto em mulheres33 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). ATLAS online de Mortalidade. Rio de Janeiro: INCA; 2020. [acessado 2020 Nov 2]. Disponível em: https://mortalidade.inca.gov.br/MortalidadeWeb/.
Para fins terapêuticos e prognósticos, o câncer de pulmão divide-se em câncer de pulmão de pequenas células (CPPC) e câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP). Ambos apresentam caráter agressivo, alta letalidade, baixa taxa de cura e baixa sobrevida. A média cumulativa total da sobrevida em cinco anos varia entre 13% e 21% em países desenvolvidos e entre 7% e 10% em países em desenvolvimento44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas em Oncologia. Secretaria de Atenção à Saúde - Brasília: MS; 2014.. Estudo brasileiro de âmbito nacional evidenciou sobrevida inferior a um ano de 45% e superior a cinco anos de 16%, com maior sobrevida específica nos pacientes nos estádios 0, I e II e menor nos pacientes com nos estádios III e IV55 Polato CPB, Bonfante GMS, Andrade EIG, Acurcio FA, Machado CJ, Cherchiglia ML. Análise de sobrevida em pacientes com câncer de pulmão tratados no Sistema Único de Saúde no Brasil entre 2002 e 2003. Cad Saude Colet 2013; 21(2):173-181.. Os tumores diagnosticados em estágios iniciais têm melhor prognóstico66 Forrest LF, Adams J, Rubin G, White M. The role of receipt and timeliness of treatment in socioeconomic inequalities in lung cancer survival: population-based, data-linkage study. Thorax 2015; 70(2):138-145.,77 Souza MC, Vasconcelos AGG, Rebelo MS, Rebelo PAP, Cruz OG. Perfil dos pacientes com câncer de pulmão atendidos no Instituto Nacional do Câncer, segundo a condição tabagística, 2000 a 2007. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(1):175-88. e o atraso no manejo do câncer de pulmão aumenta o potencial de progressão da doença, reduzindo a possibilidade de tratamento com intenção curativa88 Evans SM, Earnest A, Bower W, Senthuren M, McLaughlin P, Stirling R. Timeliness of lung cancer care in Victoria: a retrospective cohort study. Medical J Australia 2016; 204(2): 75-75..
Existe uma variação significativa no tempo de acesso ao tratamento para o câncer de pulmão em todo o mundo99 Jacobsen MM, Silverstein SC, Quinn M, Waterston LB, Thomas CA, Benneyan JC, Han PKJ. Timeliness of access to lung cancer diagnosis and treatment: a scoping literature review. Lung Cancer 2017; 112:156-164.. Na Inglaterra, 96% dos pacientes receberam primeiro tratamento para câncer dentro de um mês após o diagnóstico em 2019-20201010 National Health Services. Waiting Times for Suspected and Diagnosed Cancer Patients 2019-20 Annual Report. [internet] 2020. [cited 2020 Out 26]. Available from: https://www.england.nhs.uk/statistics/wp-content/uploads/sites/2/2020/07/Cancer-Waiting-Times-Annual-Report-201920-Final.pdf
https://www.england.nhs.uk/statistics/wp... . No Canadá, entre 2015 e 2019, pelo menos 97% dos pacientes receberam tratamento de radioterapia em até 28 dias, e 50% iniciaram o tratamento em até 9 dias1111 Canadian Institute for Health Information (CIHI). Benchmarks for treatment and wait time in Canada. Canadá: CIHI; 2020. [cited 2020 Out 26]. Available from: http://waittimes.cihi.ca/All/radiation. No Brasil, cerca de 70% dos pacientes diagnosticados com câncer de pulmão, entre 2013 e 2019, iniciaram o tratamento em até 60 dias após o diagnóstico, havendo diferenças entre as regiões do país onde o menor percentual observado foi na região norte1212 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Relatório Painel - oncologia. 2019b. Rio de Janeiro: INCA; 2019. p. 28. [acessado 2020 Out 26]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/publicacoes/relatorios/relatoriopainel-oncologia.
Estudos internacionais verificaram associação entre o tempo de espera para tratamento e características dos pacientes, tais como escolaridade, raça, cor de pele, renda e local de moradia. De modo geral, os pacientes com características associadas à vulnerabilidade social têm maiores atrasos no tratamento99 Jacobsen MM, Silverstein SC, Quinn M, Waterston LB, Thomas CA, Benneyan JC, Han PKJ. Timeliness of access to lung cancer diagnosis and treatment: a scoping literature review. Lung Cancer 2017; 112:156-164.. No Brasil, estudo que utiliza dados secundários de âmbito nacional, entre 2000 a 2014, encontrou que o tempo para início do tratamento para câncer de pulmão foi maior para a população feminina1313 Costa GJ, Mello MJG, Ferreira CG, Bergmann A, Thuler LCS. Increased incidence, morbidity and mortality rates for lung cancer in women in Brazil between 2000 and 2014: an analysis of three types of sources of secondary data. Lung Cancer 2018; 125:77-85.. Outro estudo utilizando dados de registros hospitalares de câncer, 2000-2011, notou que o tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento foi maior nos casos de pacientes com 70 anos ou mais; no entanto, essa diferença não foi estatisticamente significativa1414 Costa GJ, Mello MJG, Ferreira CG, Thuler LCS. Undertreatment trend in elderly lung cancer patients in Brazil. J Cancer Res Clin Oncol 2017; 143(8):1469-1475.. Em relação ao câncer de mama feminino, foram observadas, no Brasil, variabilidade dos fatores associados à demora para o início do tratamento entre as regiões em relação às variáveis cor da pele, anos de estudo, estado conjugal, estadiamento, ano do diagnóstico e encaminhamento ao Sistema Único de Saúde (SUS)1515 Medeiros GC, Bergmann A, Aguiar SSD, Thuler LCS. Análise dos determinantes que influenciam o tempo para o início do tratamento de mulheres com câncer de mama no Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(6):1269-1282.. Verificou-se ainda vazios sanitários, sobretudo no Norte do país, e indícios de escassez de atendimento até mesmo em regiões onde a oferta de serviços é maior1616 Oliveira EXG, Melo ECP, Pinheiro RS, Noronha CP, Carvalho MS. Acesso à assistência oncológica: mapeamento dos fluxos origem-destino das internações e dos atendimentos ambulatoriais. O caso do câncer de mama. Cad Saude Publica 2011; 27(2):317-326..
Em um esforço para reduzir atrasos foi publicada, em novembro de 2012, a Lei 12.7321717 Brasil. Lei 12.732, 22 de novembro 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Brasília; 2012., que estabelece o prazo de até 60 dias para o início do tratamento após o diagnóstico e, em consonância, a Política Nacional para Prevenção e Controle do Câncer define como responsabilidade dos Estados, Distrito Federal e Municípios a organização da assistência oncológica, e orienta os fluxos de referência para que os usuários sejam atendidos dentro do prazo previsto1818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria número 874, de 16 de Maio de 2013. Institui a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: MS; 2013..
A regionalização da saúde, eixo estruturante da gestão do SUS, tem sido o instrumento de ordenação do fluxo da assistência de média e alta complexidade. A partir da base territorial são estabelecidas as regiões de saúde que norteiam as programações físicas e orçamentárias. Deste modo, municípios pactuam ofertas e demandas de acordo com seus perfis e necessidades1919 Alves MJM, Bustamante-Teixeira MT, Ferreira RP, Oliveira CM, Azevedo CB, Souza AIS. A regionalização e a organização das redes de assistência na macrorregião sudeste de Minas Gerais: limites e desafios na programação dos serviços para a assistência ao câncer de mama. Rev Atencao Primaria Saude 2010; 13(Supl.1):S26-S34..
Minas Gerais possui 853 municípios, sendo a maioria de pequeno porte (84% até 25 mil habitantes), agrupados em 13 macrorregiões de saúde (Centro, Centro Sul, Jequitinhonha, Leste, Leste do Sul, Oeste, Sul, Sudeste, Norte, Nordeste, Noroeste, Triângulo do Norte, Triângulo do Sul), com 31 serviços credenciados na atenção oncológica especializada hospitalar no período de 2008 a 2015. A distribuição dos serviços apresentava-se desigual, pois as macrorregiões Jequitinhonha e Nordeste não possuíam serviços habilitados em oncologia pelo SUS, as macrorregiões Centro Sul e Leste do Sul possuíam apenas o serviço de quimioterapia e a macrorregião Noroeste somente os serviços de quimioterapia e radioterapia2020 Minas Gerais. Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG). Deliberação CIB-SUS/MG Nº 2.144 de 15 de Julho 2015 - Diagnóstico e Diretrizes para o Plano da Rede de Atenção em Oncologia. Governo do Estado de Minas Gerais; 2015..
Ao considerarmos o câncer de pulmão como problema de saúde pública que requer diagnóstico e tratamento oportuno, o objetivo deste estudo foi verificar a associação entre fatores individuais dos pacientes e de organização do sistema de saúde com o início do tratamento do câncer de pulmão em até 60 dias após o diagnóstico, pelo SUS em Minas Gerais, no período de 2008 a 2015.
Métodos
Estudo de coorte retrospectiva que utilizou como fonte de dados a “Base Nacional em Oncologia” ou “Base ONCO15”, uma coorte nacional de base populacional que contém todos os registros de pacientes em tratamento oncológico no SUS, entre 2000 e 2015, a fim de habilitar o seguimento da coorte. A Base ONCO15 é um subconjunto da Base Nacional de Saúde, centrada no indivíduo, construída por técnicas de vinculação de registros usadas para integrar dados dos principais Sistemas de Informação do SUS: Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA), Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) de 2000 a 20152121 Guerra Júnior AA, Pereira RG, Gurgel EIG, Cherchiglia M, Dias LV, Ávila JD, Santos N, Reis A, Acurcio FA, Meira Junior W. Building the National Database of Health centred on the individual: Administrative and epidemiological record linkage - Brazil, 2000-2015. Intern J Population Data Sci 2018; 3(1)..
A população do estudo foi composta por pacientes que iniciaram o tratamento para o câncer de pulmão pelo SUS no período de janeiro de 2008 a outubro de 2015, residentes no estado de Minas Gerais no primeiro tratamento recebido, com idade igual ou acima de 19 anos, que não receberam tratamento anterior para nenhum outro tipo de câncer, e que possuíam as informações de data do diagnóstico, data do primeiro tratamento recebido e estadiamento no momento do diagnóstico. Optou-se pelo período de 2008 a 2015, porque as informações eram mais recentes e completas e a partir de 2008 ocorreu a unificação dos códigos de procedimentos dos sistemas de informação ambulatorial e hospitalar, o que facilitou o trabalho de identificação dos tratamentos realizados.
Foram excluídos pacientes: com tratamento exclusivamente cirúrgico, pois a AIH não contempla as informações de estadiamento e data do diagnóstico; que não apresentavam estadiamento ou apresentavam estadiamento zero, considerando tratar-se de erro de informação; com tratamento anterior para outro tipo de câncer pela impossibilidade de garantir tratar-se de câncer primário; sem informação da data do diagnóstico e início do tratamento, pelo fato da variável resposta depender diretamente destas informações. A Figura 1 apresenta os critérios de elegibilidade da população do estudo.
Fluxograma da seleção dos pacientes do estudo de acordo com os critérios de inclusão e exclusão.
A variável resposta foi obtida a partir do “intervalo diagnóstico/tratamento” que correspondeu ao número de dias entre a data do diagnóstico (confirmação histopatológica - não havendo diferenciação quanto ao tipo histológico) e a data do início do tratamento do câncer (cirurgia, quimioterapia ou radioterapia), categorizado em ≤ 60 dias e ≥ 61 dias, com base na Lei 12.732 que estabelece o prazo de até 60 dias para o início do tratamento oncológico1717 Brasil. Lei 12.732, 22 de novembro 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Brasília; 2012..
As covariáveis explicativas incluídas no estudo foram: I) Sociodemográficas: sexo, idade, faixa etária, macrorregião de residência. II) Clínicas: estadiamento do câncer, primeiro tratamento recebido, tratamentos durante o período e suas combinações; finalidade da quimioterapia; finalidade da radioterapia; cirurgias realizadas; comorbidades; óbito durante o período, por tempo e se relacionado ao câncer de pulmão; tempo de acompanhamento no estudo; período do diagnóstico. III) De organização do sistema de saúde: macrorregião de saúde no primeiro tratamento; fluxo do atendimento. O fato da base de dados utilizada ser um banco de dados administrativo não permitiu a análise de variáveis como tipo histológico, tabagismo, anos de estudo, cor da pele, limitando a análise dos fenômenos observados.
A quimioterapia foi categorizada em paliativa (melhora na qualidade da sobrevida) e não paliativa (curativa, adjuvante, neoadjuvante ou prévia), e a radioterapia em paliativa (trata o tumor sem influenciar a sobrevida) e não paliativa (neoadjuvante ou citorredutora, adjuvante e curativa)2020 Minas Gerais. Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG). Deliberação CIB-SUS/MG Nº 2.144 de 15 de Julho 2015 - Diagnóstico e Diretrizes para o Plano da Rede de Atenção em Oncologia. Governo do Estado de Minas Gerais; 2015..
As cirurgias realizadas para o câncer de pulmão foram definidas de acordo com os 6 primeiros dígitos do código Sigtap 041205 (procedimento cirúrgico, cirurgia torácica, pulmão), tais como, lobectomia pulmonar, ressecção em cunha, tumorectomia/biopsia de pulmão a céu aberto, pneumonectomia.
Para calcular o número de comorbidades (0, 1-3, ≥ 4), investigou-se retrospectivamente todos os códigos CID-10 registrados no Banco de Dados Nacional de Saúde referentes a cada paciente. O período de lookback foi estendido até a data mais antiga dos registros do banco de dados (01/01/2000).
O dado de estadiamento foi retirado da APAC, mesmo para aqueles pacientes cujo primeiro tratamento oncológico tenha sido a cirurgia. Foram utilizadas as macrorregiões de saúde definidas no documento “Minas Gerais, diagnóstico e diretrizes para o plano da rede de atenção em oncologia. 2015”2020 Minas Gerais. Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG). Deliberação CIB-SUS/MG Nº 2.144 de 15 de Julho 2015 - Diagnóstico e Diretrizes para o Plano da Rede de Atenção em Oncologia. Governo do Estado de Minas Gerais; 2015..
A análise descritiva dos dados se deu por meio de distribuições de frequências absolutas e relativas para variáveis qualitativas e medidas de tendência central (mediana) e de variabilidade (intervalo interquartílico) para variáveis contínuas. O teste qui-quadrado de Pearson foi utilizado para verificar diferenças de proporções entre variáveis categóricas e, para comparação das variáveis contínuas, foram utilizadas as abordagens paramétrica e não paramétrica dos testes t de Student e U de Mann-Whitney, respectivamente. Foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk para verificar a suposição de normalidade das variáveis numéricas.
Para ilustrar o deslocamento geográfico dos pacientes no primeiro tratamento recebido foi construído um diagrama que representa o fluxo origem-destino que se configura a partir do número de pessoas que se dirigem entre um par formado pela origem (local de residência) e o destino (local de tratamento)1616 Oliveira EXG, Melo ECP, Pinheiro RS, Noronha CP, Carvalho MS. Acesso à assistência oncológica: mapeamento dos fluxos origem-destino das internações e dos atendimentos ambulatoriais. O caso do câncer de mama. Cad Saude Publica 2011; 27(2):317-326.. As macrorregiões de saúde foram definidas como a unidade geográfica e o fluxo origem-destino representado através de ligações simples entre a macrorregião de residência e a macrorregião de tratamento, com ambas pertencendo ao mesmo nível.
O modelo de regressão logística foi utilizado para verificar a associação entre a variável resposta no início do tratamento em até 60 dias e as covariáveis explicativas selecionadas, quais sejam: sexo, idade, estadiamento, primeiro tratamento recebido, macrorregião de tratamento, fluxo de atendimento, comorbidades e macrorregião de residência. Foi utilizada a razão de chances (odds ratio (OR)) para mensurar a força de associação e observado o respectivo intervalo de confiança (IC 95%). Foram utilizados modelos univariados para cada covariável explicativa em associação com a variável resposta. Foram consideradas elegíveis para o modelo multivariado todas as covariáveis com p-valor <0,20, sendo excluídas comorbidades e fluxo de tratamento. Para o modelo multivariado, o critério de significância para manutenção das covariáveis foi p-valor <0,05, sendo excluída a macrorregião de tratamento. As possíveis interações entre as variáveis foram analisadas utilizando regressão logística, as quais não foram significativas. Utilizou-se o teste de Hosmer-Lemeshow para verificar o bom ajuste do modelo final, tendo como critério p-valor >0,05. A presença de multicolinearidade entre as variáveis explicativas foi verificada por meio dos fatores de inflação de variância. Todos os procedimentos estatísticos foram executados no software livre R, versão 3.3.4 (R Foundation).
Este estudo cumpre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, estabelecidas na Resolução 466 de 12 de dezembro de 2012. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais e aprovada em 21 de maio de 2015 CAAE: 44121315.2.0000.5149.
Resultados
Foram incluídos neste estudo 4.789 pacientes, a maioria do sexo masculino, com mediana de idade de 63 anos (56-72 anos) e diagnosticados nos estádios III e IV. O primeiro tratamento recebido por 80,8% dos pacientes foi a quimioterapia. Do total de pacientes, 43,2% receberam quimioterapia exclusiva, seguida da combinação quimioterapia e radioterapia (37,7%). Em relação à radioterapia, a diferença entre os tipos paliativa e não paliativa foi de apenas 1,5%. Dos 119 procedimentos cirúrgicos realizados como primeiro tratamento, 31,9% foram lobectomia. Observou-se pelo menos uma comorbidade em 90,8% dos pacientes. Quanto ao óbito, 3.563 pacientes morreram durante o período de acompanhamento do estudo, dos quais 53,3% faleceram em até seis meses após o início do tratamento, 24,6% entre seis meses e um ano, e 22,1% após um ano. Do total de óbitos, 79,6% relacionaram-se ao câncer de pulmão. Cerca de 60% dos pacientes foram acompanhados por seis meses, tendo como período máximo de seguimento 88 meses. Receberam primeiro tratamento dentro da macrorregião de residência 82,2% dos pacientes e 73,4% foram atendidos antes da vigência da Lei 12.732/2012. (Tabela 1).
Verificou-se que 81,9% dos pacientes iniciaram tratamento em até 60 dias a partir da data do diagnóstico, com mediana do tempo de espera de um mês e tempo de espera de acordo com o primeiro tratamento recebido (cirurgia, quimioterapia, radioterapia) de um mês nas três modalidades. Em relação ao percentual de atendimentos em até 60 dias, observou-se melhor desempenho para quimioterapia (82,8%), seguido pela radioterapia (76,0%) e cirurgia (75,6%) (dados não apresentados em tabela).
A macrorregião com maior percentual de pacientes residentes no primeiro tratamento foi a Centro, seguida por Sul e Sudeste e as menores foram Jequitinhonha e Nordeste. Quanto ao percentual de pacientes residentes atendidos em até 60 dias verificou-se que pelo menos 64,5% em cada macrorregião foram atendidos no prazo estabelecido. Destacaram-se Triângulo do Sul, Norte e Sudeste com os maiores percentuais (Tabela 2).
A Figura 2 ilustra o fluxo origem-destino segundo a macrorregião de saúde. As faixas ilustram o deslocamento dos pacientes da coluna “origem” para a coluna “destino” no primeiro atendimento recebido. Do total de atendimentos realizados, 62% aconteceram nas macrorregiões Centro, Sudeste e Sul. Observou-se que a macrorregião Centro é a que menos desloca e a que mais recebe pacientes de outras localidades. Dentre todas, as que menos apresentaram fluxo foram Centro, Sudeste e Norte e as que mais deslocaram Jequitinhonha e Nordeste, que por não possuírem serviços oncológicos habilitados durante o período tiveram 100% dos seus residentes atendidos em outras macrorregiões. Já Centro Sul, Leste do Sul e Noroeste tiveram cerca de 70% dos atendimentos realizados em outras macrorregiões. Os pacientes residentes da Leste do Sul, em sua grande maioria (54,1%), se deslocaram para a Sudeste, os da Centro Sul (64,8%) para a macrorregião Centro, e da Noroeste (35,8%) para outros estados. Dos 338 pacientes que iniciaram o tratamento em outros estados, 86,7% foram tratados no estado de São Paulo, sendo que 82,2% residiam nas macrorregiões Triângulo do Norte, Triângulo do Sul e Sul.
Representação gráfica do fluxo origem-destino segundo macrorregião de residência e macrorregião de tratamento dos pacientes com câncer de pulmão que iniciaram o tratamento no Sistema Único de Saúde. Minas Gerais, 2008-2015.
A regressão logística multivariada mostrou que os homens apresentaram chance 22% maior de serem atendidos em até 60 dias quando comparados às mulheres. À medida que a idade aumentou, ocorreu diminuição na chance de se iniciar o tratamento dentro do prazo, assim como iniciar o tratamento na modalidade radioterapia quando comparada à quimioterapia. Por outro lado, ser diagnosticado com estadiamento IV aumentou em 1,32 vezes a chance de ter o tratamento iniciado em até 60 dias, quando comparado ao estadiamento I. A macrorregião de residência estava associada ao tempo para início da terapia oncológica. A macrorregião Jequitinhonha apresentou chance 74% menor de iniciar o tratamento em até 60 dias quando comparada à Norte (referência). As macrorregiões que apresentaram razões de chance (estatisticamente significantes) menores que a referência (Norte) foram: Nordeste (0,34), Leste do Sul (0,38), Centro (0,41), Leste (0,44), Oeste (0,53) e Jequitinhonha (0,26). As demais macrorregiões que apresentaram razões de chance menores que a macrorregião Norte, bem como aquelas que apresentaram razões de chance maiores não mostraram resultados estatisticamente significantes. (Tabela 3).
O teste de Hosmer-Lemeshow indicou bom ajuste do modelo (p-valor 0,27). Não foram encontradas evidências de multicolinearidade entre as variáveis explicativas do modelo.
Discussão
A maioria dos tratamentos para o câncer de pulmão em Minas Gerais foram iniciados em até 60 dias após o diagnóstico, entretanto, ser do sexo masculino e diagnosticado em estadiamento IV aumentaram a chance de iniciar o tratamento em até 60 dias; todavia o aumento da idade, iniciar o tratamento por radioterapia e o local de residência diminuíram a chance de iniciar o tratamento em até 60 dias.
Este estudo mostrou que a maioria dos pacientes é do sexo masculino, reforçando achados de outros estudos brasileiros77 Souza MC, Vasconcelos AGG, Rebelo MS, Rebelo PAP, Cruz OG. Perfil dos pacientes com câncer de pulmão atendidos no Instituto Nacional do Câncer, segundo a condição tabagística, 2000 a 2007. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(1):175-88.,2222 Abrao FC, Abreu IRLB, Rocha RO, Munhoz FD, Rodrigues JHG, Younes RN. Impact of the delay to start treatment in patients with lung cancer treated in a densely populated area of Brazil. Clinics (Sao Paulo) 2017; 72(11):675-680.,2323 Franceschini JP, Jamnik S, Santoro IL. Sobrevida em uma coorte de pacientes com câncer de pulmão: papel da idade e do sexo no prognóstico. J Bras Pneumol 2017; 43(6):431-436. sendo que a diferença na ocorrência do câncer de pulmão entre os sexos está relacionada às características de exposição ao tabaco, que ao longo dos anos foi mais expressiva no sexo masculino, mesmo com o tabagismo apresentando aumento entre as mulheres2424 Tsukazan MTR, Vigo Á, Silva VD, Barrios CH, Rios JO, Pinto JAF. Câncer de pulmão: mudanças na histologia, sexo e idade nos últimos 30 anos no Brasil. J Bras Pneumol 2017; 43(5):363-367.,2525 Malta DC, Abreu DMX, Moura L, Lana GC, Azevedo G, França E. Tendência das taxas de mortalidade de câncer de pulmão corrigidas no Brasil e regiões. Rev Saude Publica 2016: 50(33)..
Destaca-se que cerca de 80% dos tratamentos para o câncer de pulmão em Minas Gerais foram iniciados em até 60 dias como encontrado em outra pesquisa2222 Abrao FC, Abreu IRLB, Rocha RO, Munhoz FD, Rodrigues JHG, Younes RN. Impact of the delay to start treatment in patients with lung cancer treated in a densely populated area of Brazil. Clinics (Sao Paulo) 2017; 72(11):675-680.. Observou-se que as mulheres apresentaram menor chance de iniciar o tratamento em até 60 dias em comparação aos homens. Estudo que utilizou dados secundários nacionais, de 2000 a 2014, notou resultado semelhante, em que o tempo para início do tratamento foi maior para a população feminina1313 Costa GJ, Mello MJG, Ferreira CG, Bergmann A, Thuler LCS. Increased incidence, morbidity and mortality rates for lung cancer in women in Brazil between 2000 and 2014: an analysis of three types of sources of secondary data. Lung Cancer 2018; 125:77-85.. Outro estudo com pacientes oncológicos tratados pelo SUS evidenciou que as mulheres tiveram 16% menos chances de serem hospitalizadas, bem como média de tempo de permanência 2% menor2626 Feliciana Silva F, Macedo da Silva Bonfante G, Reis IA, André da Rocha H, Pereira Lana A, Leal Cherchiglia M. Hospitalizations and length of stay of cancer patients: A cohort study in the Brazilian Public Health System. PLoS ONE 2020; 15(5):e0233293.. Uma análise de tendência temporal da falta de acesso a serviços de saúde no Brasil entre 1998 e 2013 verificou que a procura por serviços de saúde sempre foi maior entre as mulheres, no entanto, o acesso para elas apresentou piores resultados2727 Nunes BP, Flores TR, Garcia LP, Chiavegatto Filho ADP, Thumé E, Facchini LA. Tendência temporal da falta de acesso aos serviços de saúde no Brasil, 1998-2013. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(4):777-787., o que é reforçado pelos Dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 20192828 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2020. 85p.. Tais diferenças podem ser fruto da organização social e de gênero cuja histórica desigualdade de gênero e poder entre homens e mulheres acaba por refletir na forma com que são tratados pelos sistemas de saúde2929 Rodrigues TF. Desigualdade de gênero e saúde: avaliação de políticas de atenção à saúde da mulher. Rev Cantareira 2015; 22(1):203-216.. Deste modo, a despeito da concepção de que os homens são menos engajados no próprio cuidado, o que justificaria piores resultados em saúde, os dados anteriores suscitam a necessidade de discutir os mecanismos institucionais que lhes conferem vantagens no acesso aos serviços em detrimento das mulheres.
A faixa etária acima de 60 anos é predominante e reforça o fato do câncer de pulmão ser uma doença que acomete os idosos na maioria dos casos77 Souza MC, Vasconcelos AGG, Rebelo MS, Rebelo PAP, Cruz OG. Perfil dos pacientes com câncer de pulmão atendidos no Instituto Nacional do Câncer, segundo a condição tabagística, 2000 a 2007. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(1):175-88.,2222 Abrao FC, Abreu IRLB, Rocha RO, Munhoz FD, Rodrigues JHG, Younes RN. Impact of the delay to start treatment in patients with lung cancer treated in a densely populated area of Brazil. Clinics (Sao Paulo) 2017; 72(11):675-680.
23 Franceschini JP, Jamnik S, Santoro IL. Sobrevida em uma coorte de pacientes com câncer de pulmão: papel da idade e do sexo no prognóstico. J Bras Pneumol 2017; 43(6):431-436.-2424 Tsukazan MTR, Vigo Á, Silva VD, Barrios CH, Rios JO, Pinto JAF. Câncer de pulmão: mudanças na histologia, sexo e idade nos últimos 30 anos no Brasil. J Bras Pneumol 2017; 43(5):363-367.. A diminuição nas chances de atendimento em até 60 dias com o aumento da idade foi um achado fortemente associado à variável resposta. Estudo britânico encontrou evidências semelhantes3030 Forrest LF, Adams J, White M, Rubin G. Factors associated with timeliness of post-primary care referral, diagnosis and treatment for lung cancer: population-based, data-linkage study. Br J Cancer 2014; 111(9):1843-1851., assim como pesquisa nacional1414 Costa GJ, Mello MJG, Ferreira CG, Thuler LCS. Undertreatment trend in elderly lung cancer patients in Brazil. J Cancer Res Clin Oncol 2017; 143(8):1469-1475., cujo resultado apontou para o fato da idade avançada representar uma tendência ao subtratamento na terapia contra o câncer de pulmão. Concordamos com os autores que a idade não deve determinar o recebimento do tratamento por estes pacientes e que é necessário compreender e superar as barreiras que comprometem a assistência aos idosos.
A maioria dos diagnósticos de câncer de pulmão acontecem nos estádios III e IV, ou seja, com a doença em fase avançada2323 Franceschini JP, Jamnik S, Santoro IL. Sobrevida em uma coorte de pacientes com câncer de pulmão: papel da idade e do sexo no prognóstico. J Bras Pneumol 2017; 43(6):431-436.,3131 Dalton SO, Frederiksen BL, Jacobsen E, Steding-Jessen M, Østerlind K, Schüz J, Johansen C. Socioeconomic position, stage of lung cancer and time between referral and diagnosis in Denmark, 2001-2008. Br J Cancer 2011; 105(7):1042-1048.. Por outro lado, uma pesquisa realizada no Brasil2222 Abrao FC, Abreu IRLB, Rocha RO, Munhoz FD, Rodrigues JHG, Younes RN. Impact of the delay to start treatment in patients with lung cancer treated in a densely populated area of Brazil. Clinics (Sao Paulo) 2017; 72(11):675-680. encontrou número menos expressivo de diagnósticos tardios, mas por terem avaliado apenas pacientes submetidos a procedimento cirúrgico, essa diferença pode ser entendida.
Nesse estudo o estadiamento funcionou como um “agilizador” do atendimento, o que é bastante evidenciado na literatura. Pesquisas apontam que os outros tipos de tratamento demoraram mais a começar do que os paliativos88 Evans SM, Earnest A, Bower W, Senthuren M, McLaughlin P, Stirling R. Timeliness of lung cancer care in Victoria: a retrospective cohort study. Medical J Australia 2016; 204(2): 75-75.,99 Jacobsen MM, Silverstein SC, Quinn M, Waterston LB, Thomas CA, Benneyan JC, Han PKJ. Timeliness of access to lung cancer diagnosis and treatment: a scoping literature review. Lung Cancer 2017; 112:156-164.,3232 Tracey E, McCaughan B, Badgery-Parker T, Young J, Armstrong BK. Patients with localized non-small cell lung cancer miss out on curative surgery with distance from specialist care. ANZ J Surg 2015; 85(9):658-663. fortalecendo nossas evidências.
A quimioterapia mostrou melhor desempenho em relação ao tipo do primeiro tratamento dentro do prazo. Estudo britânico também concluiu que pacientes submetidos à quimioterapia tiveram mais chance de iniciar o tratamento dentro do prazo alvo em relação a outras modalidades3030 Forrest LF, Adams J, White M, Rubin G. Factors associated with timeliness of post-primary care referral, diagnosis and treatment for lung cancer: population-based, data-linkage study. Br J Cancer 2014; 111(9):1843-1851.. É importante destacar que o tratamento quimioterápico apresentava maior oferta de serviços, estando ausente apenas nas macrorregiões Jequitinhonha e Nordeste1919 Alves MJM, Bustamante-Teixeira MT, Ferreira RP, Oliveira CM, Azevedo CB, Souza AIS. A regionalização e a organização das redes de assistência na macrorregião sudeste de Minas Gerais: limites e desafios na programação dos serviços para a assistência ao câncer de mama. Rev Atencao Primaria Saude 2010; 13(Supl.1):S26-S34., o que pode ter contribuído para este resultado.
A cirurgia foi a modalidade com menor percentual de pacientes atendidos em até 60 dias, o que é corroborado por outros estudos99 Jacobsen MM, Silverstein SC, Quinn M, Waterston LB, Thomas CA, Benneyan JC, Han PKJ. Timeliness of access to lung cancer diagnosis and treatment: a scoping literature review. Lung Cancer 2017; 112:156-164.,3030 Forrest LF, Adams J, White M, Rubin G. Factors associated with timeliness of post-primary care referral, diagnosis and treatment for lung cancer: population-based, data-linkage study. Br J Cancer 2014; 111(9):1843-1851.. A distância entre a residência do paciente e os serviços especializados diminuem as chances de realizar cirurgia potencialmente curativa e as taxas de cirurgias variam de acordo com as regiões de saúde, havendo variações geográficas no seu recebimento1616 Oliveira EXG, Melo ECP, Pinheiro RS, Noronha CP, Carvalho MS. Acesso à assistência oncológica: mapeamento dos fluxos origem-destino das internações e dos atendimentos ambulatoriais. O caso do câncer de mama. Cad Saude Publica 2011; 27(2):317-326.,3232 Tracey E, McCaughan B, Badgery-Parker T, Young J, Armstrong BK. Patients with localized non-small cell lung cancer miss out on curative surgery with distance from specialist care. ANZ J Surg 2015; 85(9):658-663.. O serviço de cirurgia não era ofertado nas macrorregiões Centro Sul, Noroeste, Leste do Sul, Jequitinhonha e Nordeste2020 Minas Gerais. Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG). Deliberação CIB-SUS/MG Nº 2.144 de 15 de Julho 2015 - Diagnóstico e Diretrizes para o Plano da Rede de Atenção em Oncologia. Governo do Estado de Minas Gerais; 2015.. Entretanto, não houve significância estatística desta variável no modelo final.
A associação da modalidade radioterapia com a variável resposta, mostrou uma diminuição em 34% nas chances de iniciar o tratamento dentro do prazo quando comparada à quimioterapia. O Brasil apresenta um déficit em relação a essa oferta, o que acaba por impactar no tempo, havendo listas de espera para início do tratamento radioterápico3333 Araujo LH, Baldotto C, Castro Júnior. G, Katz A, Ferreira CG, Mathias C, Mascarenhas E, Lopes GL, Carvalho H, Tabacof J, Martínez-Mesa J, Viana LS, Cruz MS, Zukin M, De Marchi P, Terra RM, Ribeiro RA, Lima VCC, Werutsky G, Barrios CH. Câncer de pulmão no Brasil. J Bras Pneumol 2018; 44(1):55-64.. Minas Gerais também apresentava déficits não havendo radioterapia na Centro Sul, Leste do Sul, Jequitinhonha e Nordeste2020 Minas Gerais. Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG). Deliberação CIB-SUS/MG Nº 2.144 de 15 de Julho 2015 - Diagnóstico e Diretrizes para o Plano da Rede de Atenção em Oncologia. Governo do Estado de Minas Gerais; 2015.. A literatura mostra que pacientes nesta modalidade são menos propensos a receberem o tratamento dentro do prazo3434 Labbé C, Anderson M, Simard S, Tremblay L, Laberge F, Vaillancourt R, Lacasse Y. Wait times for diagnosis and treatment of lung cancer: a single-centre experience. Current Oncology 2017; 24(6):367-373. uma vez que os serviços estão concentrados em poucos locais, devido à infraestrutura complexa necessária para o seu funcionamento1616 Oliveira EXG, Melo ECP, Pinheiro RS, Noronha CP, Carvalho MS. Acesso à assistência oncológica: mapeamento dos fluxos origem-destino das internações e dos atendimentos ambulatoriais. O caso do câncer de mama. Cad Saude Publica 2011; 27(2):317-326..
A identificação de comorbidade em mais de 90% dos pacientes pode ser justificada pelo perfil etário da população2323 Franceschini JP, Jamnik S, Santoro IL. Sobrevida em uma coorte de pacientes com câncer de pulmão: papel da idade e do sexo no prognóstico. J Bras Pneumol 2017; 43(6):431-436.. A comorbidade pode influenciar na oferta do tratamento como também na sobrevida66 Forrest LF, Adams J, Rubin G, White M. The role of receipt and timeliness of treatment in socioeconomic inequalities in lung cancer survival: population-based, data-linkage study. Thorax 2015; 70(2):138-145., no entanto, não foi verificada significância estatística em relação ao tempo para início do tratamento do câncer de pulmão.
A ocorrência de óbito foi bastante expressiva e o câncer de pulmão foi a principal causa básica encontrada, reforçando suas características de doença letal, que apresenta alta taxa de mortalidade e baixa sobrevida99 Jacobsen MM, Silverstein SC, Quinn M, Waterston LB, Thomas CA, Benneyan JC, Han PKJ. Timeliness of access to lung cancer diagnosis and treatment: a scoping literature review. Lung Cancer 2017; 112:156-164.,3535 Thomas AA, Pearce A, O'neill C, Molcho M, Sharp L. Urban-rural differences in cancer-directed surgery and survival of patients with non-small cell lung cancer. J Epidemiol Community Health 2017; 71(5):468-474.. No Brasil há uma tendência no aumento da taxa de óbito por câncer de pulmão entre as mulheres e um declínio entre os homens, o que resulta das intervenções nacionais para redução da prevalência do tabagismo2525 Malta DC, Abreu DMX, Moura L, Lana GC, Azevedo G, França E. Tendência das taxas de mortalidade de câncer de pulmão corrigidas no Brasil e regiões. Rev Saude Publica 2016: 50(33).. Estudo recente no Brasil concluiu que as mulheres tiveram uma taxa de sobrevivência melhor quando comparadas aos homens, apesar dos motivos para tal diferença não estarem claros e de haver divergências entre a literatura publicada3636 Costa GJ, Silva GTD, Ferreira CG, Mello MJG, Bergmann A, Thuler LCS. Brazilian Women With Lung Cancer Have a Higher Overall Survival Than Their Male Equivalents: A Cohort Study. Clin Lung Cancer 2020; 6:S1525-7304(20)30162-5..
A mediana do tempo de acompanhamento dos pacientes foi de 8,22 meses e estudo brasileiro2222 Abrao FC, Abreu IRLB, Rocha RO, Munhoz FD, Rodrigues JHG, Younes RN. Impact of the delay to start treatment in patients with lung cancer treated in a densely populated area of Brazil. Clinics (Sao Paulo) 2017; 72(11):675-680. encontrou resultado semelhante com mediana de sete meses. Como a letalidade foi elevada, é possível entender o curto período de acompanhamento.
A macrorregião de residência afetou negativamente a chance de iniciar o tratamento em até 60 dias. As macrorregiões que apresentaram menor razão de chances foram aquelas em que não havia serviços de oncologia habilitados no período, Jequitinhonha e Nordeste. Algumas pesquisas mostram que diferenças regionais influenciam não apenas no tempo, como também nos desfechos observados corroborando as evidências aqui apontadas88 Evans SM, Earnest A, Bower W, Senthuren M, McLaughlin P, Stirling R. Timeliness of lung cancer care in Victoria: a retrospective cohort study. Medical J Australia 2016; 204(2): 75-75.,1616 Oliveira EXG, Melo ECP, Pinheiro RS, Noronha CP, Carvalho MS. Acesso à assistência oncológica: mapeamento dos fluxos origem-destino das internações e dos atendimentos ambulatoriais. O caso do câncer de mama. Cad Saude Publica 2011; 27(2):317-326.,3232 Tracey E, McCaughan B, Badgery-Parker T, Young J, Armstrong BK. Patients with localized non-small cell lung cancer miss out on curative surgery with distance from specialist care. ANZ J Surg 2015; 85(9):658-663.,3535 Thomas AA, Pearce A, O'neill C, Molcho M, Sharp L. Urban-rural differences in cancer-directed surgery and survival of patients with non-small cell lung cancer. J Epidemiol Community Health 2017; 71(5):468-474.,3737 Kim JOA, Davis F, Butts C, Winget M. Waiting time intervals for non-small cell lung cancer diagnosis and treatment in Alberta: quantification of intervals and identification of risk factors associated with delays. Clinical Oncology 2016; 28(12):750-759.,3838 Nur U, Quaresma M, De Stavola B, Peake M, Rachet B. Inequalities in non-small cell lung cancer treatment and mortality. J Epidemiol Community Health 2015; 69(10):985-992.. A fragmentação espacial das atividades terapêuticas tende a diminuir a adesão ao tratamento, uma vez que os pacientes devem seguir fluxos distintos para que todas as suas necessidades sejam atendidas3939 Silva MJS, Melo ECP, Osorio-de-Castro CGS. Origin-destination flows in chemotherapy for breast cancer in Brazil: implications for pharmaceutical services. Cien Saude Colet 2019; 24(3):1153-1164.. Um estudo sobre o câncer de mama concluiu que o deslocamento pode levar a dificuldades adicionais, sendo o acesso geográfico ao tratamento de fundamental importância1616 Oliveira EXG, Melo ECP, Pinheiro RS, Noronha CP, Carvalho MS. Acesso à assistência oncológica: mapeamento dos fluxos origem-destino das internações e dos atendimentos ambulatoriais. O caso do câncer de mama. Cad Saude Publica 2011; 27(2):317-326..
A distância dos centros de tratamento impacta negativamente nos resultados da doença, e residir em áreas remotas aumentou a taxa de mortalidade de pacientes diagnosticados com diversos tipos de câncer em estudo recente realizado no Reino Unido4040 Turner M, Fielding S, Ong Y, Dibben C, Feng Z, Brewster DH, Black C, Lee A, Murchie P. A cancer geography paradox? Poorer cancer outcomes with longer travelling times to healthcare facilities despite prompter diagnosis and treatment: a data-linkage study. Br J Cancer 2017; 117(3):439-449.. Em um sistema de saúde hierarquizado é esperado que haja o deslocamento para o acesso aos serviços de saúde de média e alta complexidade, contudo fluxos não previstos e longas distâncias percorridas sinalizam a necessidade de melhor atuação sobre o planejamento e a regulação das redes4141 Saldanha RF, Xavier DR, Carnavalli KM, Lerner K, Barcellos C. Estudo de análise de rede do fluxo de pacientes de câncer de mama no Brasil entre 2014 e 2016. Cad Saude Publica 2019; 35(7):e00090918..
Do total de atendimentos, 62% aconteceram nas macrorregiões: Centro, Sudeste e Sul, onde concentravam-se 19 dos 31 serviços de saúde habilitados no estado. A concentração dos serviços de saúde em algumas localidades bem como a ausência em outras compromete o acesso e os resultados da assistência prestada.
Estudos recentes mostraram desigualdades regionais no acesso ao tratamento para o câncer de pulmão, tanto no que diz respeito ao diagnóstico e tratamento oportuno4242 Gerson R., Zatarain-Barrón ZL, Blanco C, Arrieta O. Access to lung cancer therapy in the Mexican population: opportunities for reducing inequity within the health system. Salud Publica Mex 2019; 61(3):352-357.,4343 Rodriguez-Barranco M, Salamanca-Fernández E, Fajardo ML, Bayo E, Chang-Chan YL, Expósito J, García C, Tallón J, Minicozzi P, Sant M, Petrova D, Luque-Fernandez MA, Sánchez M-J. Patient, tumor, and healthcare factors associated with regional variability in lung cancer survival: a Spanish high-resolution population-based study. Clin Transl Oncol 2018; 21(5):621-629. quanto no que se refere a ações preventivas e curativas acerca da doença4444 Liu Y, Astell-Burt T, Liu J, Yin P, Feng X, You J, Page A, Zhou M, Wang L. Spatiotemporal variations in lung cancer mortality in China between 2006 and 2012: a multilevel analysis. Int J Environ Res Public Health 2016; 13(12):1252.. Pacientes diagnosticados e tratados fora da região sofrem impactos tanto na adesão ao tratamento quanto na qualidade de vida4545 Jeyakumar HS, Wright A. Improving regional lung cancer optimal care pathway compliance through a rapid-access respiratory clinic. Intern Med J 2020; 50(7):805-810. e a elevada distância percorrida tanto para internações quanto para terapia cria dificuldades adicionais ao tratamento e à recuperação pós-cirúrgica4545 Jeyakumar HS, Wright A. Improving regional lung cancer optimal care pathway compliance through a rapid-access respiratory clinic. Intern Med J 2020; 50(7):805-810..
O deslocamento de pacientes das macrorregiões Triângulo do Norte, Triângulo do Sul e Sul para o estado de São Paulo concentrou-se em uma cidade do interior cujo estabelecimento é um centro de tratamento para os mais diversos tipos de câncer. Por serem regiões circunvizinhas, a proximidade pode facilitar a ocorrência desse fenômeno, juntamente com o fato desta instituição se destacar como referência atraindo não apenas pacientes de regiões limítrofes como também de todos os estados do Brasil4646 Moraes AG. Turismo de saúde: dimensionamento das tipologias dos meios de hospedagens na região que compreende a Fundação Pio XII. Turismo y Desarrollo Local 2012; 5(12).. Fluxos inesperados podem comprometer planos existentes de regionalização da saúde4141 Saldanha RF, Xavier DR, Carnavalli KM, Lerner K, Barcellos C. Estudo de análise de rede do fluxo de pacientes de câncer de mama no Brasil entre 2014 e 2016. Cad Saude Publica 2019; 35(7):e00090918. e, como estas macrorregiões possuem as três modalidades de tratamento, a ausência de serviços não é uma justificativa para esse deslocamento. Conhecer as causas dessa migração seletiva pode ser uma forma de compreender o fluxo não regulado dos usuários pela rede assistencial.
Após o término do período do estudo, 2015, foram habilitados três novos serviços de oncologia em Minas Gerais e, em 2019, a Rede de Atenção em Oncologia do estado contava com 34 hospitais habilitados. A macrorregião Centro passou a ter um novo serviço de quimioterapia e outro de quimioterapia e radioterapia e a macrorregião Nordeste, que até então não possuía serviços habilitados, passou a ter o serviço de quimioterapia4747 Minas Gerais. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG). Documento CACON E UNACON habilitados em Minas Gerais. 2019. [acessado 2020 Out 25]. Disponível em: https://www.saude.mg.gov.br/index.php?option=com_gmg&controller=document&id=20389-cacon-e-unacon-habilitados-em-minas-gerais&task=download.
https://www.saude.mg.gov.br/index.php?op... . A habilitação de novos serviços na macrorregião Centro, que já contava com maior número de unidades de atendimento, e o fato de Jequitinhonha ainda permanecer sem habilitação, reforça as diferenças aqui encontradas sinalizando que possivelmente as desigualdades permanecem.
São limitações desta pesquisa: a impossibilidade de avaliar pacientes submetidos a cirurgia exclusiva visto que a cirurgia é comumente recomendada para pacientes em estágios iniciais do câncer de pulmão e tal ausência poderia reduzir a proporção de pacientes diagnosticados nesses estágios; a incapacidade de verificar se o fato de entre 2008 e 2015 terem sido aplicadas a 6ª e 7ª edição de estadiamento para o câncer modificou as decisões terapêuticas e consequentemente o prognóstico dos pacientes; a impossibilidade de averiguar covariáveis como tipo histológico, tabagismo, anos de estudo, cor da pele, entre outros, já que a base é um banco de dados administrativos.
A qualidade, a integridade e a validade dos dados são pontos fortes do estudo. A ligação dos dados das APAC, AIH e SIM permitiu a inclusão de uma ampla gama de pacientes que não poderiam ser analisados isoladamente. O número de registros avaliados é bastante representativo e pode contribuir no direcionamento de outras pesquisas.
Conclusão
Este estudo identificou que a maioria dos tratamentos para câncer de pulmão em Minas Gerais inicia-se no tempo previsto pela Lei dos 60 dias. No entanto, observou-se que o tempo para início do tratamento está associado a características individuais e a fatores relacionados à provisão de serviços nas macrorregiões.
As diferenças observadas guardam relação com a distribuição dos serviços de saúde na atenção oncológica sinalizando a existência de vazios assistenciais e sobrecarga de algumas regiões, o que acaba por impactar no tempo para início do tratamento. Com isso, conclui-se que a provisão de cuidados em saúde acontece de forma diferente conforme a localidade de moradia dos pacientes, e que as desigualdades observadas possivelmente se originam a partir do melhor ou pior acesso da população aos serviços prestados.
Agradecimentos
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
11 Mar 2022 - Data do Fascículo
Mar 2022
Histórico
- Recebido
27 Jul 2020 - Aceito
18 Fev 2021 - Publicado
20 Fev 2021