O ensino das boas práticas obstétricas na perspectiva dos preceptores da Residência

Elisabete Mesquita Peres de Carvalho Leila Bernarda Donato Göttems Dirce Bellezi Guilhem Sobre os autores

Resumo

Este trabalho teve como objetivo compreender como o tema das boas práticas obstétricas é ensinado nos programas de residência na percepção dos preceptores. Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, com triangulação de dados, de abordagem qualitativa. Participaram da pesquisa 35 profissionais, sendo 21 médicos e 14 enfermeiros. Os dados foram coletados entre março e junho de 2018. A análise teve o suporte do Software NVivo. Os núcleos de sentidos e as categorias foram identificados nas diversas etapas: nos projetos pedagógicos - os aspectos estruturantes, perfil de competências e políticas norteadoras do parto normal; nas entrevistas - abordagem teórico-prática e as práticas presentes na formação; e na observação participante - aspectos relacionados à estrutura dos cenários e à utilização das práticas. Foram observados possibilidades e limites na atuação dos preceptores no processo de formação, configurando-se em uma área que requer atenção contínua e direcionada ao fortalecimento dos processos pedagógicos, de forma a ampliar o potencial disruptivo dos novos profissionais de saúde.

Palavras-chave:
Formação profissional em saúde; Parto normal; Obstetrícia; Saúde da mulher

Introdução

O cenário de formação em saúde é um desafio pedagógico substancial a ser enfrentado pelos programas de residência11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.. Persiste a fragmentação do cuidado em saúde, no qual se prioriza a superespecialização e a sofisticação dos procedimentos, ignorando estratégias pedagógicas fundamentadas no ensino problematizado e na construção do saber coletivo22 Meneses JR, Ceccim RB, Martins GC, Meira IFF, Silva VM. Residências em saúde: os movimentos que as sustentam. In: Ceccim RB, Meneses LBA, Soares VL, Pereira AJ, Meneses JR, Rocha RCS, Alvarenga JPO. Formação de formadores para residências em saúde: corpo docente-assistencial em experiência viva; Porto Alegre: Rede UNIDA; 2018. p. 33-48.. A formação profissional em saúde é um processo complexo. Além disso, esse modelo tem potencializado a divisão técnica e social do trabalho em saúde33 Melo CMMD, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MCD, Mascarenhas SN. Autonomia profissional da enfermeira: algumas reflexões. Esc Anna Nery 2016; 20(4):e20160085..

A formação na modalidade “residência em saúde” é considerada de treinamento em serviço, tendo como base a aprendizagem pela prática cotidiana, a partir da exposição a situações próprias para a formação, que representam momentos do dia a dia profissional planejados de forma didática11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.. Além de contribuir para a construção ideológica pautada pela ética e pela identidade profissional, sua compreensão não se limita à de um projeto educacional de especialização isolado, mas de formação de força de trabalho para as instituições mantedoras de programas e de um espaço de política de saúde44 Feijó LP, Fakhouri Filho SA, Nunes MDPT, Augusto. Resident as a teacher: an introduction to teaching. Rev Bras Educ Med 2019; 43(2):225-230..

No contexto da formação em obstetrícia, distingue-se a Residência Médica e Áreas Profissionais de Saúde (Uniprofissional - Enfermagem Obstétrica), que são modalidades de ensino em nível de pós-graduação caracterizadas pelo treinamento em serviço e supervisionadas pelos profissionais habilitados. São consideradas o padrão-ouro dos cursos de pós-graduação lato sensu, prática marcada pela aquisição progressiva de atributos técnicos e relacionais no desenvolvimento do profissionalismo. São tidas como uma qualificação profissional diferenciada, pois possibilitam o desenvolvimento de saberes e competências profissionais, agregam segurança no desenvolvimento do trabalho e satisfação com a profissão55 Lima GPV, Pereira ALF, Barros GNF, Progianti JM, Araújo CLF, Moura MAV. Expectativas, motivações e percepções das enfermeiras sobre a especialização em enfermagem obstétrica na modalidade residência. Esc Anna Nery 2015; 19(4):593-599.,66 Silva LS, Natal S. Residência multiprofissional em saúde: análise da implantação de dois programas pela Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Trab Educ Saude 2019; 17(3):e0022050..

No cenário da produção de saúde, o sistema brasileiro ainda tem grandes desafios para a oferta de atenção integral e de qualidade às mulheres. Todavia, identificam-se cenários com potencial de agir sinergicamente para uma efetiva mudança na atenção ao parto e nascimento, com a implementação de boas práticas perinatais como política pública11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,77 Carvalho EMP, Amorim FF, Santana LA, Göttems LBD. Avaliação das boas práticas de atenção ao parto por profissionais dos hospitais públicos do Distrito Federal, Brasil. Cien Saude Colet 2019; 24(6):2135-2145.. A prática baseada em evidências é uma estratégia eficaz para melhorar a qualidade da assistência obstétrica88 Iravani M, Janghorbani M, Zarean E, Bahrami M. Barriers to implementing evidence-based intrapartum care: a descriptive exploratory qualitative study. Iran Red Crescent Med J 2016; 18(2):e21471., mas nem sempre é um processo fácil encorajar os profissionais de saúde a mudar as intervenções de rotina de acordo com essas práticas.

Considerando que a mudança no modelo de atenção ao parto pode se dar por meio da formação adequada de novos profissionais, forjados na expertise das boas práticas obstétricas, é fundamental refletir sobre perspectivas de formação que transcendam as abordagens de natureza técnico-pedagógica, pois o processo educativo é essencialmente social, relacional, comunicativo e político99 Paula L, Mello R. A práxis histórica de Paulo Freire como fundamentação para as pesquisas sobre formação de educadores. REA 2018; 26(1):6-23.,1010 Carvalho EMP. O processo de formação de enfermeir@s e médic@s na modalidade residência obstétrica a partir da percepção dos preceptores [Tese]. Brasília: Faculdade de Ciências da Saúde; 2020..

Dessa forma, diante do potencial do processo de formação para a mudança do modelo obstétrico e para a redução da morbimortalidade materna e neonatal, este estudo tem como objetivo compreender como o tema das boas práticas obstétricas é ensinado nos programas de residência (enfermagem e medicina) na percepção dos preceptores.

Método

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, com triangulação de dados, de abordagem qualitativa. Buscou-se desvelar processos sociais ainda pouco conhecidos, a partir dos relatos dos preceptores do curso de residência em obstetrícia. A abordagem qualitativa mostrou-se adequada, pois responde a questões muito particulares. Preocupa-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,1111 Minayo MCDS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.. A triangulação de dados surgiu como estratégia de diálogo, capaz de viabilizar o entrelaçamento entre a teoria e a prática e de agregar múltiplas fontes de evidência relativas a um mesmo conjunto de questões, visando corroborar a mesma descoberta11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,1212 Santos KDS, Ribeiro MC, Queiroga DEUD, Silva IAPD, Ferreira SMS. O uso de triangulação múltipla como estratégia de validação em um estudo qualitativo. Cien Saude Colet 2020; 25(2):655-664..

A pesquisa foi realizada com os educadores de uma instituição de ensino superior do Distrito Federal. Os participantes foram médicos obstetras e enfermeiras obstetras que atuam como preceptores do curso de residência. Foram definidos como critérios de inclusão dos participantes: atuar como preceptor dos cursos de residência médica ou de enfermagem obstétrica e concordar em participar da pesquisa.

Participaram 35 preceptores, sendo 14 enfermeiros e 21 médicos. Foram convidados preceptores de todos os serviços, o que caracteriza a amplitude da pesquisa. A amostra foi não probabilística e adotou critérios de conveniência11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,1313 Vergara SC. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas; 2009.. Utilizou-se como parâmetro da saturação amostral o esgotamento de novos assuntos no discurso dos respondentes11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,1414 Flick U. Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009..

A coleta de dados da entrevista e observação participante foram realizadas entre março e junho de 2018. A busca pelos projetos pedagógicos demandou um tempo maior e foi iniciada em agosto de 2017. Na análise dos documentos, buscou-se responder à seguinte questão: “As recomendações das diretrizes nacionais e internacionais de atenção ao parto estão contempladas textualmente nos projetos pedagógicos dos cursos de residência em obstetrícia?” Para a análise dos projetos pedagógicos, foram empregadas técnicas usuais de análise de conteúdo, a fim de decifrar, em cada texto, o núcleo emergente que atendesse ao propósito da pesquisa. Essa etapa consistiu em um processo de codificação, interpretação e inferências sobre as informações contidas nos projetos11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,1111 Minayo MCDS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014..

As entrevistas presenciais, com duração média de trinta minutos, foram guiadas por um questionário semiestruturado, que contemplou a seguinte pauta: como as boas práticas de atenção ao parto e nascimento são abordadas durante o programa de residência (o que é ensinado? Como é ensinado?)? Que práticas demonstrativamente úteis são utilizadas pelos residentes no trabalho de parto?11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104. As entrevistas foram gravadas em mídia digital para posterior transcrição e análise dos dados. Para o processo de análise de conteúdo1515 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011., utilizou-se o software NVivo 13, de apoio à análise de dados qualitativos (qualitative data analysis).

A observação participante foi realizada nos oito cenários investigados, com auxílio de um diário de campo, e duas temáticas foram identificadas: estrutura do cenário do parto (espaço para deambulação, utilização de banqueta de parto, bola, cavalinho, chuveiro para banho de aspersão e leitos PPP) e utilização de práticas na condução do parto e nascimento (categoria A - práticas demonstrativamente úteis e que devem ser encorajadas; categoria B - práticas claramente prejudiciais ou ineficazes; categoria C - práticas sem evidência suficientes para apoiar uma recomendação clara; e categoria D - práticas frequentemente utilizadas de modo inadequado. A observação participante possibilita obter uma perspectiva holística e natural do tema pesquisado1616 Mónico L, Alferes V, Parreira P, Castro PA. A observação participante enquanto metodologia de investigação qualitativa. CIAIQ 2017; 3:724-733.. Esta técnica foi empreendida com auxílio de um roteiro norteador, os itens categorizados como “sim” ou “não” objetivaram mostrar se determinadas ações eram realizadas ou não pelos preceptores no curso de residência obstétrica. Para a análise, foi considerada a presença ou ausência de aspectos referentes à ambiência e à utilização das práticas.

A triangulação dos dados entre os três produtos da pesquisa permitiu fazer a agregação da análise e a apreensão de uma realidade sob diversos ângulos, possibilitando o confrontamento de informações, de maneira a minimizar vieses resultantes de uma única perspectiva de análise1212 Santos KDS, Ribeiro MC, Queiroga DEUD, Silva IAPD, Ferreira SMS. O uso de triangulação múltipla como estratégia de validação em um estudo qualitativo. Cien Saude Colet 2020; 25(2):655-664..

Este estudo seguiu as determinações da Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, que dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal - CEP/SES/DF sob o Parecer nº 2.166.900, de 10 de julho de 2017.

Resultados e discussão

Projetos pedagógicos dos cursos

A busca pelos projetos pedagógicos dos programas de residência foi realizada mediante solicitação por correspondência eletrônica (e-mail) para os coordenadores dos cursos. Um projeto político-pedagógico implica estratégias e propostas práticas de ação. Para educar não basta indicar um horizonte e um caminho para se chegar lá. É preciso indicar como se chega lá e percorrer o caminho juntos. O projeto deve indicar grandes perspectivas, quais os valores que orientam a ação educativa, as ideologias em jogo, uma discussão do contexto local, nacional e internacional. Deve retratar as aspirações, ideais e anseios da comunidade acadêmica11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104..

Na modalidade de ensino da residência, 80% a 90% do curso se dá no cenário da prática assistencial, o que requer planejamento das ações do projeto pedagógico, não apenas sobre o que é ensinado, mas como é ensinado11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.. Para Freire1717 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2018., nas condições de verdadeira aprendizagem, os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do preceptor, igualmente sujeito do processo.

Nos projetos político-pedagógicos, buscou-se verificar se as políticas públicas relacionadas ao parto e nascimento estavam contempladas, conforme as recomendações do Ministério da Saúde (MS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Inicialmente, organizou-se o material, fez-se então a leitura dos projetos, buscando sínteses coincidentes e divergentes de ideias, e posteriormente foram definidas as seguintes categorias de análise: aspectos estruturais dos projetos; perfil de competências do egresso; e políticas públicas norteadoras do parto normal11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104..

O Quadro 1 apresenta as duas categorias identificadas nos projetos da residência médica, seguidas das unidades de registro. Os aspectos estruturantes do projeto pedagógico, bem como as competências a serem desenvolvidas pelos egressos, são similares nos projetos dos programas de residência médica analisados. Para além dos conteúdos, é preciso insistir que os significados dos objetivos educacionais não podem estar circunscritos aos conteúdos estabelecidos pelas tradições acumuladas, mas podem e devem ser revisados e modificados11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,1818 Sacristán JG. Saberes e incertezas sobre o currículo. Porto Alegre: Penso; 2013..

Quadro 1
Projetos político-pedagógicos do Programa de Residência Médica. Brasília/DF, 2019.

Embora o Brasil tenha editado políticas, programas e estratégias, desde a década de 1980, assim como em outros países latino-americanos, houve um crescimento alarmante das taxas de cesariana, tornando-se a principal via dos nascimentos. Dos três milhões de partos ocorridos anualmente, 55,5% são por cesariana, apesar da crescente criação de Centros de Parto Normal e de movimentos em prol do parto normal terem ganhado força11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,1919 Mascarenhas VHA, Lima TR, Silva FMD, Negreiros FS, Santos JDM, Moura MAP, Gouveia MTO, Jorge HMF. Evidências científicas sobre métodos não farmacológicos para alívio a dor do parto. Acta Paul Enferm 2019; 32(3):350-357..

Diante de um cenário de discussão sobre a autonomia das mulheres e do profissional médico, o Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestou-se por meio da Resolução nº 2.144/2016, esclarecendo que, desde que tenha recebido as informações sobre os riscos e benefícios do parto vaginal e da cesariana, é direito da gestante optar pela realização de cesariana em situações eletivas (a partir da 39ª semana)11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,2020 Vidal AT, Barreto JOM, Rattner D. Barreiras à implementação de recomendações ao parto normal no Brasil: a perspectiva das mulheres. Revista Panamericana de Salud Pública 2020; 44(164):1-7..

O Quadro 2 apresenta as três categorias identificadas, seguidas das unidades de registro. O projeto político-pedagógico do curso de residência de enfermagem traz, de forma contextual, todos os programas e políticas do MS para estimular a promoção do parto normal e humanizado11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104..

Quadro 2
Projeto político-pedagógico do Programa de Residência em Enfermagem Obstétrica. Brasília/DF, 2019.

Faz referência aos programas governamentais desenvolvidos para a melhoria da saúde maternal com foco na atenção ao parto e nascimento, com forte potencial de redução da mortalidade materna. Aborda o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), considerado referência ao superar a perspectiva materno-infantil e tratar a mulher para além da sua especificidade reprodutiva11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,2121 Leal MDC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, Victora C. Saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil nos 30 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). Cien Saude Colet 2018; 23(6):1915-1928..

Cita também o relatório técnico “Assistência ao parto normal: um guia prático” (OMS, 1996), que classifica as práticas segundo utilidade, eficácia e risco, para orientar a conduta do profissional no manejo do trabalho de parto e parto. A partir desse documento, foi possível a provocação dos profissionais para repensar o parto como um evento que transcende aspectos estritamente biológicos11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,2222 Organização Mundial de Saúde (OMS). Assistência ao parto normal: guia prático. Genebra: OMS; 1996..

Aborda, ainda o Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento (PHPN), que tem como objetivo central instituir procedimentos adequados para a atenção ao parto e nascimento e incluir um trabalho com as parteiras tradicionais. Também ressalta a importância da Rede Cegonha, que incorporou as ações de programas anteriores para garantir acesso, acolhimento e resolutividade na atenção ao parto e nascimento, ao crescimento/desenvolvimento da criança até os 24 meses e ao planejamento reprodutivo11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,2121 Leal MDC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, Victora C. Saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil nos 30 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). Cien Saude Colet 2018; 23(6):1915-1928..

Como a última atualização do projeto político-pedagógico do curso de enfermagem foi em 2016, não contempla, portanto, as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, o mais recente documento do MS, elaborado em parceria com sociedades científicas e representantes da sociedade civil, com recomendações baseadas em evidências sobre questões relacionadas às vias de parto. A elaboração das Diretrizes seguiu métodos sistemáticos descritos na literatura para adaptação à realidade local de diretrizes clínicas já existentes11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,2020 Vidal AT, Barreto JOM, Rattner D. Barreiras à implementação de recomendações ao parto normal no Brasil: a perspectiva das mulheres. Revista Panamericana de Salud Pública 2020; 44(164):1-7..

Dessa forma, o projeto pedagógico do curso de enfermagem traz conteúdos que corroboram a promoção de mudanças de paradigmas assistenciais voltados à prática da saúde baseada em evidências científicas11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.. Para Leal2323 Leal MDC, Bittencourt SDA, Esteves-Pereira AP, Ayres BVDS, Silva LBRAD, Thomaz EBAF, Domingues RM SM. Progress in childbirth care in Brazil: preliminary results of two evaluation studies. Cad Saude Publica 2019; 35(7):e00223018., a presença da enfermeira obstetra na equipe de atenção ao parto está associada a melhores resultados no trabalho de parto e parto, à redução de intervenções desnecessárias, inclusive cesarianas, ao aumento da satisfação das mulheres, ao uso apropriado de tecnologias benéficas e a desfechos perinatais positivos.

Entrevistas com os preceptores

Dentro do objetivo proposto, buscou-se verificar na fala dos preceptores como as boas práticas são discutidas no programa de residência, o que é abordado, como é abordado e quais práticas são mais utilizadas no serviço. As entrevistas foram feitas entre março e junho de 2018, os participantes foram referenciados pela categoria profissional (M = médico, E = enfermeiro), seguido de número cardinal (E1 ou M1, e assim sucessivamente)11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104..

O Quadro 3 é uma síntese das respostas relacionadas a como as boas práticas são abordadas durante o programa de residência (o que é ensinado? Como é ensinado?) e quais práticas são utilizadas. Buscou-se promover a interação entre o conteúdo manifesto nos documentos e o conteúdo das falas dos respondentes.

Quadro 3
Ensino das boas práticas no programa de residência, segundo os preceptores. Brasília, 2019.

Segundo os preceptores, eles ensinam as boas práticas recomendadas pelas diretrizes nacionais e internacionais de assistência ao parto normal e buscam o alinhamento entre a teoria e a prática, desde a sala de aula até os cenários de práticas. No entanto, quando se analisam os projetos pedagógicos da medicina, verificam-se lacunas quanto à descrição de políticas públicas com referências à promoção das boas práticas no parto normal11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.. Essa discrepância entre o que consta no projeto pedagógico e as práticas declaradas pelos preceptores sinaliza a reprodução do currículo oculto na formação dos residentes, fato que já acontece na graduação médica2424 Santos VH, Ferreira JH, Alves GCA, Naves NM, Oliveira SL, Raimondi GA, Paulino DB. Currículo oculto, educação médica e profissionalismo: uma revisão integrativa. Interface (Botucatu) 2020; 24:e190572..

O currículo de um programa de formação é composto por múltiplas dimensões. Destacam-se a dimensão oficial ou o currículo oficial, que corresponde àquilo que está escrito em um documento institucional, com um marco legal e normativo, que proporciona o plano pedagógico que os docentes devem colocar em prática. Se constitui em uma referência para os dirigentes. No entanto, existe a dimensão operacional do currículo, que consiste no que é ensinado e avaliado na prática, envolve todas as ações reais entre professores e estudantes e difere do anterior porque cada professor faz uma interpretação. E há o currículo oculto, que é aquele que existe no processo de aprendizagem mas não está corporificado no currículo formal, portanto não é oficialmente reconhecido. Pode ter um impacto maior no estudante, pois se relaciona com raça, sexo, religião ou outras questões que são desconhecidas2525 Muñoz YG, Vanegas NAR. Factores del currículo oculto en la práctica formativa de pregrado de medicina. Bogotá: Universidad El Bosque; 2019.. Resulta das relações interpessoais que se desenvolvem na esfera acadêmica, com destaque para aquelas que emergem de situações cotidianas e não se encontram estabelecidas no conjunto de saberes contemplados no currículo formal2424 Santos VH, Ferreira JH, Alves GCA, Naves NM, Oliveira SL, Raimondi GA, Paulino DB. Currículo oculto, educação médica e profissionalismo: uma revisão integrativa. Interface (Botucatu) 2020; 24:e190572..

Considera-se que parte dos preceptores de hoje ainda são fruto do modelo de formação antigo, que viveram como alunos-residentes, e reproduzem os modelos biomédicos, fugindo à promoção da prática problematizadora que leva o estudante/residente a questionar e refletir sobre os fatos com os quais se deparam, levando à formação de uma consciência crítica. E pensar não é apenas “raciocinar”, “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado, é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,2626 Freitas DA, Santos EMS, Lima LVS, Miranda LN, Vasconcelos EL, Nagliate PC. Saberes docentes sobre processo ensino-aprendizagem e sua importância para a formação profissional em saúde. Interface (Botucatu) 2016; 20(57):437-448.. Assim, é necessária uma análise aprofundada e contínua sobre as experiências de formação educacionais e profissionais que compõem as várias dimensões do currículo do programa de residência, principalmente aquelas que acontecem de forma não intencional, relacionadas especialmente ao desenvolvimento de valores e atitudes, que compõem o “pano de fundo” do processo de aprendizagem2424 Santos VH, Ferreira JH, Alves GCA, Naves NM, Oliveira SL, Raimondi GA, Paulino DB. Currículo oculto, educação médica e profissionalismo: uma revisão integrativa. Interface (Botucatu) 2020; 24:e190572..

A necessidade de mudança na formação profissional com sustentação teórico-prática do cuidado obstétrico humanizado é uma das estratégias pensadas pela Rede Cegonha2121 Leal MDC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, Victora C. Saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil nos 30 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). Cien Saude Colet 2018; 23(6):1915-1928. para a implementação de uma assistência que privilegie o bem-estar da parturiente e do recém-nascido. Além disso, tal modelo busca ser o menos invasivo possível, considerando tanto os processos fisiológicos quanto os psicológicos e o contexto sociocultural11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104..

Considera-se que reaprender é muito mais difícil do que aprender na formação inicial, e que a mudança no modelo de atenção ao parto pode se dar por meio da formação adequada de novos profissionais, forjados na expertise das boas práticas obstétricas. Com base nisso, é fundamental refletir a respeito de perspectivas de formação que transcendam as abordagens de natureza técnico-pedagógica, pois o processo educativo é essencialmente social, relacional, comunicativo e político11 Carvalho EMP, Göttems LBD, Guilhem DB. A temática das boas práticas obstétricas no contexto do projeto político-pedagógico da residência. NTQR 2020; 3:93-104.,88 Iravani M, Janghorbani M, Zarean E, Bahrami M. Barriers to implementing evidence-based intrapartum care: a descriptive exploratory qualitative study. Iran Red Crescent Med J 2016; 18(2):e21471..

Segundo Merhy2727 Merhy EE. O desafio que a educação permanente tem em si: a pedagogia da implicação. Interface (Botucatu) 2005; 9(16):172-174., há treinamentos que são necessários para a aquisição de certas técnicas de trabalho e que podem ser supridos sem muita dificuldade. Esse autor afirma que a educação e o trabalho em saúde caminham literalmente imbricados, um produz o outro, tanto para a construção da competência do trabalhador quanto para a expressão de seu lugar enquanto sujeito produtor de cuidado. Para Feuerwerker2828 Feuerwerker LCM. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2014., uma prática potencializa a outra; uma não acontece sem a outra. Por isso, não é possível pensar mudanças na formação sem a produção concomitante de muitos processos de ação nos territórios e nas unidades construídas de modo compartilhado. Em conformidade com o pensamento de Freire1717 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2018., verifica-se que os formadores apresentam possibilidades e limites, enquanto seres históricos e inacabados que sofrem condicionamentos provocados pelo contexto sociocultural e econômico ao qual pertencem, ao mesmo tempo em que desenvolvem forte potencial para a mudança.

Observação participante

Na observação participante, foi possível conhecer os cenários de atuação dos preceptores da residência, bem como verificar a presença ou ausência de recursos disponíveis na utilização das práticas e quais delas são orientadas na atenção ao parto e nascimento. A observação participante possibilita a compreensão das relações entre os indivíduos e destes com as instituições, assim como as práticas, perspectivas e opiniões dos sujeitos de pesquisa, cuja apreensão não seria possível por meio de outras técnicas1111 Minayo MCDS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014..

Dos oitos cenários práticos dos programas de residência, apenas dois apresentaram estrutura física planejada para a deambulação da paciente no manejo do trabalho de parto. Os demais, apesar da ausência de ambiente adequado, viabilizam essa prática no espaço físico dos corredores da unidade. Os leitos PPP’s (pré-parto, parto e pós-parto) estão presentes na ambiência de todos os cenários, colaborando para que a parturiente tenha sua privacidade preservada durante todo o processo de trabalho de parto e parto e possa receber o acompanhante de sua escolha, seja do sexo masculino ou feminino.

A utilização das práticas identificadas na observação participante vai ao encontro das respostas das entrevistas. As tecnologias leves de cuidado são ofertadas pelos preceptores por meio dos métodos não farmacológicos de alívio da dor. A parturiente tem acesso a bola, cavalinho, banho morno de aspersão, massagem e banqueta de parto como alternativa a posições verticalizadas para o nascimento. No entanto, cada mulher, dependendo de sua cultura, crenças e religião, escolhe aquelas que trazem mais conforto e bem-estar durante o processo de parturição.

Além dos benefícios de suporte no trabalho de parto e parto para os desfechos perinatais, mulheres com acompanhantes declaram ter sofrido menos violência no parto e demonstram mais satisfação com a assistência recebida. A presença da enfermeira obstetra na equipe de atenção ao parto tem impacto positivo na redução das cesarianas e na utilização das boas práticas recomendadas pela OMS e pelo MS2323 Leal MDC, Bittencourt SDA, Esteves-Pereira AP, Ayres BVDS, Silva LBRAD, Thomaz EBAF, Domingues RM SM. Progress in childbirth care in Brazil: preliminary results of two evaluation studies. Cad Saude Publica 2019; 35(7):e00223018.. Estudos consideram que o sucesso para esse alinhamento depende da habilidade do preceptor, que deve transcender o conhecimento técnico para um atendimento humanizado, seguro, adequado e oportuno2929 Gismalla MDA, Kaliya-Perumal A-K, Habour AB, Mohammed MEI. Does perception of clinical competency correlate with perception of training efficiency? Journal of Medical Education 2017; 16(4):221-226.,3030 Campbell OM, Calvert C, Testa A, Strehlow M, Benova L, Keyes E, Donnay F, Macleod D, Gabrysch S, Rong L, Ronsmans C, Sadruddin S, Koblinsky M, Bailey P. The scale, scope, coverage, and capability of childbirth care. The Lancet 2016; 388(10056):2193-2208.. A literatura científica traz evidências que apoiam a importância da boa preceptoria na obstetrícia3131 Lukasse M, Lilleengen AM, Fylkesnes AM, Henriksen L. Norwegian midwives' opinion of their midwifery education - a mixed methods study. BMC Med Educ 2017; 17(1):80..

Em uma revisão sistemática de estudos qualitativos3232 World Health Organization (WHO). Recommendations non-clinical interventions to reduce unnecessary caesarean sections. Geneva: WHO; 2018., identificou-se que as mulheres desejam apoio emocional, ser informadas e participar da tomada de decisão sobre o nascimento de seus filhos. O ensino desses aspectos requer habilidade do preceptor, de forma a possibilitar que ele compreenda quando as intervenções se tornam necessárias por haver indicações válidas, sendo fundamental que a paciente esteja ciente da necessidade e dos riscos e que consinta o procedimento3333 Jansen L, Gibson M, Bowles BC. First do no harm: interventions during childbirth. The J Perinat Educ 2013; 22(2):83-92..

Embora muito se tenha avançado na utilização de boas práticas pelos preceptores, desvelou-se que ainda persistem algumas práticas consideradas claramente prejudiciais, como o uso da posição de litotomia e os esforços de puxos prolongados e dirigidos. O toque vaginal por mais de um profissional, prática estratificada entre as utilizadas de modo inadequado, ainda é utilizado com a justificativa de tratar-se de hospitais de ensino.

Belizan3434 Belizan M, Meier A, Althabe F, Codazzi A, Colomar M, Buekens P, Belizan J, Walsh J, Campbell MK. Facilitators and barriers to adoption of evidence-based perinatal care in Latin American hospitals: a qualitative study. Health Educ Res 2007; 22(6):839-853. identificou barreiras que impedem os profissionais de aderir às práticas baseadas em evidências: barreiras pela dificuldade de acessar as informações atualizadas; devido à escassez crônica de recursos humanos, que limita o tempo para estudar porque acreditam que as práticas não mudam; porque não percebem os resultados ruins com a prática atual; porque veem a pressão para mudar a prática como uma imposição; pela falta de diretrizes clínicas explícitas, entre outras.

Toda intervenção realizada em situação de normalidade é desnecessária. Na melhor hipótese, é inútil. Na pior hipótese, é prejudicial para a mãe e o bebê, pois aumenta o risco de complicações. Sabe-se comprovadamente que intervenções desnecessárias, realizadas sem indicação, prejudicam a progressão natural do trabalho de parto e cursam com iatrogenias3535 Çalik KY, Karabulutlu Ö, Yavuz C. First do no harm-interventions during labor and maternal satisfaction: a descriptive cross-sectional study. BMC Pregnancy Childbirth 2018; 18(1):415..

Para Koblinsky3636 Koblinsky M, Moyer CA, Calvert C, Campbell J, Campbell OM, Feigl AB, Graham WJ, Hatt L, Hodgins S, Matthews Z, McDougall L, Moran AC, Nandakumar AK, Langer A. Quality maternity care for every woman, everywhere: a call to action. The Lancet 2016; 388(10057):2307-2320., apesar da diversidade de modelos de prestação de cuidados, o ponto de partida é o mesmo para todos os países: garantir que toda mulher, em qualquer lugar, seja colocada em um ambiente seguro. Todo serviço precisa de normas claras sobre os cuidados que devem ser prestados às mulheres no ciclo gravídico-puerperal. A implantação desses protocolos corrobora a ampliação do acesso às boas práticas assistenciais pelas parturientes.

Considerações finais

Na percepção dos educadores, eles abordam a temática das boas práticas recomendadas pelas diretrizes nacionais e internacionais de assistência ao parto normal desde a sala de aula até os cenários de práticas. Observou-se que o projeto político-pedagógico do curso de enfermagem contempla as recomendações do MS e da OMS. O curso tem como eixo norteador a ideologia do cuidado centrado na mulher, o incentivo à utilização das boas práticas obstétricas, a redução das intervenções desnecessárias, a desmedicalização da saúde, o fomento à autonomia e ao protagonismo da mulher. Quanto aos projetos político-pedagógicos da residência médica, esses ainda não contemplam de forma textual as recomendações do MS e da OMS relacionadas à temática das boas práticas no parto e nascimento.

Desvelou-se que persiste a utilização de algumas práticas claramente prejudiciais; que o ensino da residência requer atenção contínua e direcionada ao fortalecimento dos processos pedagógicos nas diferentes dimensões do currículo e na qualificação dos atores envolvidos na formação e organização dos serviços de atenção ao parto; que é importante o suporte institucional que permite o aperfeiçoamento do profissional, que é concebido na prática mas têm um universo de ação, de saberes e competências que vão além dos saberes docentes e devem ser pesquisados, sistematizados e desenvolvidos.

Ratifica-se que esses cursos apresentam grande potencial para mudar o modelo de atenção ao parto, desde que as políticas e programas do MS estejam contempladas no projeto político-pedagógico e no ensino prático-assistencial, e entranhadas no habitus profissional dos saberes construídos e produzidos nas interações subjetivas da equipe de trabalho que compõem as dimensões operacionais e ocultas dos currículos. Esforços colaborativos entre os atores formadores, profissionais de saúde e a gestão são fundamentais para a implementação bem-sucedida do ensino das boas práticas de atenção ao parto normal que são abordadas tanto na teoria como na prática clínica.

Por fim, recomenda-se aprimorar a articulação ensino-serviço, de forma que a instituição de ensino possa oferecer melhores condições, que permitam ao preceptor reformular a sua prática com a construção de novos conceitos, que são reelaborados em uma dimensão teórico-metodológica com um suporte adequado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Maio 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2021
  • Aceito
    03 Dez 2021
  • Publicado
    05 Dez 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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