O enfrentamento do preconceito e da discriminação que atingem grupos sociais vulnerabilizados é fundamental para combater a exclusão social e fomentar a equidade no acesso aos serviços de saúde. A discriminação pode ser definida como uma ação, omissão ou resposta comportamental que trata de forma diferenciada e negativa pessoas ou grupos sociais que são percebidos como socialmente desvalorizados por receberem atributos estigmatizantes e preconceituosos11 Parker R. Interseções entre estigma, preconceito e discriminação na saúde pública mundial. In: Monteiro S, Villela W, organizadores. Estigma e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. p. 25-46.. Estigma e preconceito são, na realidade, processos similares que envolvem categorização, rotulagem, estereotipagem e rejeição social, podendo acarretar discriminação e exclusão social. Enquanto preconceitos envolvem visões sociais mais amplas, os estigmas acionam elementos dessas visões em contextos de interações sociais, afetando negativamente as identidades.
Os estudos de discriminação social geralmente analisam a dimensão sistêmica e estrutural desses fenômenos, enfocando sua presença na reprodução social das desigualdades de acesso a bens e serviços. Parker11 Parker R. Interseções entre estigma, preconceito e discriminação na saúde pública mundial. In: Monteiro S, Villela W, organizadores. Estigma e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. p. 25-46. chama atenção para a importância de se compreender tais fenômenos na inter-relação entre cultura, poder e estruturas mais amplas de desigualdade social. O impacto da experiencia de discriminação sobre a saúde tem sido bem descrito pela literatura, estando associado tanto a transtornos de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, consumo abusivo de álcool e tabaco22 Massignam FM, Bastos JLD, Nedel FB. Discriminação e saúde: um problema de acesso. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):544-541. quanto a impactos negativos no acesso a bens e serviços de saúde.
O estigma se dirige não apenas a determinados segmentos populacionais, mas a doenças, ações e necessidades de saúde. Isso é evidenciado pelo conceito de racismo estrutural e denunciado pela simples existência (e rotulagem reversamente positiva) das doenças “negligenciadas”. Esse é um duplo fenômeno que desafia as políticas, programas e ações (in)existentes de saúde, e que impacta negativamente a busca de ajuda terapêutica e adesão ao tratamento - a exemplo da doença de Chagas, da hanseníase e da leishmaniose33 Weiss MG. Stigma and the social burden of neglected tropical diseases. PLoS Negl Trop Dis 2008; 2(5):e237.. Essas situações envolvem relações complexas entre estigma sofrido e estigma internalizado e/ou antecipado, quando se introjeta a expectativa de ser objeto de estigmatizações, podendo inclusive expressar-se em auto-estigmatização33 Weiss MG. Stigma and the social burden of neglected tropical diseases. PLoS Negl Trop Dis 2008; 2(5):e237..
Atualmente, evidencia-se um aumento da pluralidade teórico-metodológica e temática dos estudos sobre preconceitos, estigmas e discriminação. Os estudos de vulnerabilidade analisam os processos e contextos em que ações sociais e estruturas se articulam, aumentando riscos e danos à saúde e diminuindo o acesso a bens e recursos para lidar com essas “exposições aumentadas”. A perspectiva interseccional aponta a necessidade e ganho teórico-metodológico de avançarmos em análises mais complexas que incidem sobre as articulações entre diferentes sistemas de opressão. A discriminação que sofre uma mulher com deficiência, negra e transgênero é qualitativamente diferente da discriminação sofrida por uma mulher com deficiência, branca e cisgênero. Os estudos decoloniais analisam o processo histórico de “desumanização” e “bestialização” de certos corpos (mulher, indígena, deficiente, negro...), em um projeto de modernidade que universaliza uma visão particular de mundo. Esses e outros movimentos teórico-políticos de problematização e de contestação da transformação da diferença em uma alavanca para a subordinação social reclamam sentidos de justiça social mais amplos e inclusivos, que enriqueçam a experiência social de todos por meio da valorização efetiva da diversidade e da promoção do bem-viver como um bem comum.
Referências
- 1Parker R. Interseções entre estigma, preconceito e discriminação na saúde pública mundial. In: Monteiro S, Villela W, organizadores. Estigma e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. p. 25-46.
- 2Massignam FM, Bastos JLD, Nedel FB. Discriminação e saúde: um problema de acesso. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):544-541.
- 3Weiss MG. Stigma and the social burden of neglected tropical diseases. PLoS Negl Trop Dis 2008; 2(5):e237.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
06 Jan 2023 - Data do Fascículo
Jan 2023