Resumo
O trabalho analisou o efeito das Consultas Públicas (CP) e suas contribuições nas recomendações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC). Trata-se de estudo descritivo e retrospectivo, com abordagem qualiquantitativa, com fonte de dados secundárias de acesso público, entre 2012 e 2017. Elaborou-se banco de dados para caracterizar as CP de medicamentos e suas contribuições, o que permitiu identificar casos de reversões entre a recomendação preliminar e final da CONITEC. Analisou-se as contribuições nos casos de reversão para caracterização de eixos argumentativos e tipo de embasamento. Das 307 demandas de incorporação, 205 destes passaram por CP, com 23.894 contribuições. A reversão das recomendações ocorreu em 9% das CP abertas (15 medicamentos), todas no sentido da não incorporação para incorporação. Principais eixos argumentativos trataram de benefícios clínicos e menores eventos adversos, prevalecendo o envio de experiências clínicas e opiniões. Evidencia-se avanços nos processos de incorporação de tecnologias no SUS pela realização da CP e ficou claro o desafio que os tomadores de decisão enfrentam nos espaços institucionais para o aprimoramento da participação social no sentido de fortalecer o benefício público.
Palavras-chave:
Medicamentos; Avaliação de Tecnologias em Saúde; Tomada de Decisão; Participação da Comunidade; Sistema Único de Saúde
Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS) se responsabiliza pela garantia de acesso universal, equânime e integral à saúde, incluindo as tecnologias em saúde (TS) que podem ser utilizadas no seu âmbito11 Vieira FS. Desafios do Estado quanto à incorporação de medicamentos no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ipea; 2019.. Isso promoveu ajustes ao longo do tempo sobre o processo decisório a respeito da incorporação de TS, muitas vezes permeado pela tensão entre a absorção destas e a limitação de recursos econômicos que desafiam a integralidade e a sustentabilidade do SUS11 Vieira FS. Desafios do Estado quanto à incorporação de medicamentos no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ipea; 2019.,22 Souza KAO, Souza LEPF, Lisboa ES. Ações judiciais e incorporação de medicamentos ao SUS: a atuação da Conitec. Saude Debate 2018; 42(119):837-848..
A Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) estuda as políticas públicas a partir da perspectiva de suas implicações clínicas, sociais, éticas e econômicas, relacionadas ao desenvolvimento, difusão e uso de TS a partir de aspectos como eficácia, efetividade, segurança, custos, custo-efetividade, entre outros33 Silva AS, Sousa MSA, Silva EV, Galato D. Social participation in the health technology incorporation process into Unified Health System. Rev Saude Publica 2019; 53:109..
Sem desmerecer os aspectos clínicos e tecnocráticos existe, principalmente a partir da discussão realizada em 2016 no Fórum Global de Políticas da Associação Internacional de ATS (Health Technology Assessment International Global Policy Forum), o esforço de valorizar os impactos éticos, legais e sociais44 Sampietro-Colom L, Thomas S. Rethinking Stakeholder Engagement and Technology Access in Health Technology Assessment: Reactions to Policy Forum Discussions. Int J Technol Assess Health Care 2016; 32(4):200-202..
O processo evolutivo de ATS no país passou por mudanças que envolvem, dentre outros, a criação do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) em 2000, passando pela Comissão de Incorporação de Tecnologias, todos vinculados ao Ministério da Saúde (MS)55 Caetano R, Silva RM, Pedro ÉM, Oliveira IAG, Biz AN, Santana P. Incorporação de novos medicamentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, 2012 a junho de 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(8):2513-2525.. Em 2011, a Lei Federal nº 12.401 instituiu a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde (CONITEC), constituída por um Plenário e Secretaria-executiva. Esta Comissão assessora o MS nas decisões relacionadas à incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos médicos e procedimentos no SUS55 Caetano R, Silva RM, Pedro ÉM, Oliveira IAG, Biz AN, Santana P. Incorporação de novos medicamentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, 2012 a junho de 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(8):2513-2525.,66 Brasil. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União; 2011..
Como parte do processo avaliativo, a CONITEC, durante a análise das demandas a ela submetidas, prevê espaços de participação social, como a realização de consultas públicas (CP), que ocorre após publicação de sua recomendação preliminar e antecede o parecer de recomendação final do Plenário da Comissão77 Caetano R, Hauegen RC, Osorio-de-Castro CGS. A incorporação do nusinersena no Sistema Único de Saúde: uma reflexão crítica sobre a institucionalização da avaliação de tecnologias em saúde no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(8):e00099619.. Isso oportuniza à sociedade submeter contribuições e sugestões, tanto de caráter técnico-científico quanto da experiência de pacientes, cuidadores e familiares88 Brasil. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União; 2011..
A Lei supramencionada, também prevê a possibilidade de avaliação por processos simplificados que são aqueles isentos de exigência de CP no seu fluxo avaliativo. Segundo a CONITEC, avaliações por meio de processos simplificados envolvem propostas de interesse público relevante, medicamentos com tradicionalidade de uso ou nova apresentação. Além disso, tratam de tecnologias de custo e impacto orçamentário baixos para o SUS; relacionadas à elaboração ou revisão de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas99 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Budesonida, Beclometasona, Fenoterol, Salbutamol, Formoterol e Salmeterol para o Tratamento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) [Internet]. 2012 [acessado 2022 ago 15]. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/incorporados/medicamentos_dpoc_final.pdf.
https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/... .
Os medicamentos foram a principal tecnologia demandada (62% do total) junto à CONITEC no período entre 2012 e julho/201655 Caetano R, Silva RM, Pedro ÉM, Oliveira IAG, Biz AN, Santana P. Incorporação de novos medicamentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, 2012 a junho de 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(8):2513-2525. instituída em 2011, assessora o Ministério da Saúde nas decisões relacionadas à incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos e procedimentos no Sistema Único de Saúde. O estudo investigou o processo de recomendação pela Conitec e o perfil das demandas e incorporações de medicamentos, de janeiro/2012 a junho/2016. A fonte de dados baseou-se nos registros disponíveis no site da Conitec. Demandas foram classificadas pelos tipos de submissão, de tecnologia e demandante. Medicamentos incorporados foram analisados segundo as classificações Anatômico-Terapêutica-Química e Internacional de Doença (CID). Dados recentes mostraram desfecho semelhante, pois entre 2012-2019 totalizou-se 804 demandas para avaliações, das quais 69%, 18% e 13% corresponderam, respectivamente, a medicamentos, procedimentos e a produtos para a saúde1010 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Relatório de Gestão 2019 [Internet]. 2020 [acessado 2020 nov 19]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_gestao_ministerio_saude_2019.pdf.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco... . No mesmo período, contabilizou-se 420 CP publicadas pela CONITEC, com 190 mil contribuições recebidas1010 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Relatório de Gestão 2019 [Internet]. 2020 [acessado 2020 nov 19]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_gestao_ministerio_saude_2019.pdf.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco... . Ainda, o medicamento é a TS que mais mobiliza a participação da sociedade1111 Lopes ACF, Novaes HMD, Soárez PC. Participação social na gestão de tecnologias em saúde em âmbito federal no Brasil. Rev Saude Publica 2020; 54:136..
A CP tem sido apontada como a principal e mais frequente estratégia para a participação social em ATS, que vem crescendo nos últimos anos1111 Lopes ACF, Novaes HMD, Soárez PC. Participação social na gestão de tecnologias em saúde em âmbito federal no Brasil. Rev Saude Publica 2020; 54:136.,1212 Gagnon MP, Tantchou Dipankui M, Poder TG, Payne-Gagnon J, Mbemba G, Beretta V. Patient and public involvement in health technology assessment: update of a systematic review of international experiences. Int J Technol Assess Health Care 2021; 37(1):e36.. Elas são consideradas instrumento de publicidade e transparência usado pela administração pública para obter informações, opiniões e críticas da sociedade a respeito de determinado tema, constituindo mecanismo relevante na formulação e definição de políticas públicas, incluindo o processo de ATS no SUS33 Silva AS, Sousa MSA, Silva EV, Galato D. Social participation in the health technology incorporation process into Unified Health System. Rev Saude Publica 2019; 53:109..
A ampliação da discussão e da possibilidade de participação de uma diversidade maior de atores visaria contemplar essas diversas perspectivas no debate. Como essa participação e seus possíveis impactos ainda são recentes e pouco estudados, compreender esta forma de “escuta”, como o envolvimento social tem ocorrido e de que modo pode interferir no processo decisório da CONITEC são pontos a serem explorados, podendo possibilitar melhor compreensão de potencialidades e limitações desta estratégia33 Silva AS, Sousa MSA, Silva EV, Galato D. Social participation in the health technology incorporation process into Unified Health System. Rev Saude Publica 2019; 53:109.,1313 Silva AS. O envolvimento do público no processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde: experiências mundiais e proposições para sua ampliação no Brasil [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2013..
Não encontramos outros artigos que, ademais da contabilização das consultas públicas quanto à incorporação de medicamentos33 Silva AS, Sousa MSA, Silva EV, Galato D. Social participation in the health technology incorporation process into Unified Health System. Rev Saude Publica 2019; 53:109.,1111 Lopes ACF, Novaes HMD, Soárez PC. Participação social na gestão de tecnologias em saúde em âmbito federal no Brasil. Rev Saude Publica 2020; 54:136.,1414 Castro R, Elias FTS. Envolvimento dos usuários de sistemas de saúde na Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS): uma revisão narrativa de estratégias internacionais. Interface (Botucatu) 2017; 22(64):97-108., também analisassem de forma mais qualitativa as contribuições realizadas focalizando as reversões de posição do Plenário da CONITEC.
Desse modo, a compreensão a respeito da influência das CP e suas contribuições sobre a direcionalidade dos pareceres de recomendação emitidos pelo Plenário da CONITEC suscita importantes questões do papel da participação social no processo de incorporação de medicamentos no SUS, que foi assim foco do estudo. Por esse motivo, o objetivo deste artigo foi analisar as mudanças de posição de recomendação do Plenário da CONITEC após consecução das consultas públicas quanto à incorporação de medicamentos.
Métodos
Tratou-se de estudo descritivo, exploratório e retrospectivo das demandas relacionadas a medicamentos analisadas pela CONITEC entre 01/01/2012 e 31/12/2017, considerado o ano de abertura das CP, desde que a deliberação final tivesse sido também concluída por meio de publicação neste período, que envolveu desde o ano de início das atividades da CONITEC até o do fechamento do estudo. Nas situações com processos simplificados, assumiu-se como referência o ano de recomendação final devido a disponibilidade da informação.
Contexto do estudo
No fluxo previsto para o processo avaliativo vigente no momento da pesquisa, a CP ocorria entre o parecer presente no relatório preliminar e a recomendação final (relatório de recomendação), resultado da análise pelos membros do plenário da CONITEC. Ao cabo, esse parecer final de recomendação era homologado pelo secretário da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE), formalizados em portaria ministerial.
O relatório preliminar continha dados de evidência, avaliações econômicas (incluindo impacto orçamentário), sendo publicado antes da realização da CP, permitindo compreender o posicionamento prévio do plenário da CONITEC (incorporação/não incorporação; exclusão/não exclusão e ampliação ou não de uso da tecnologia). O relatório de recomendação final, além das informações contidas no parecer inicial discorria sobre elementos do processo da CP (quantitativo de contribuições e alguma apreciação qualitativa), trazendo como desfecho a deliberação final, com duas possibilidades excludentes: (1) Manutenção do posicionamento prévio; e (2) Alteração/Reversão da recomendação inicial.
Como já destacado, demandas de incorporação por meio de processos simplificados não exigem a realização de CP, consequentemente não permitem identificar ocorrência de reversão de posição nos pareceres das recomendações emitidas pelo Plenário da CONITEC.
A materialização da CP ocorria por meio do preenchimento online dos formulários para contribuição técnico-científico (FTC) e/ou de experiência ou opinião (FEO) no tempo estabelecido (máximo de 20 dias), permitindo assim a manifestação da opinião de diversos atores da sociedade (definidos aqui como tipos de contribuintes) quanto ao processo de tomada de decisão. Cada CP estava atrelada ao seguimento avaliativo de pelo menos uma tecnologia demandada junto à CONITEC, podendo uma mesma CP apresentar mais que uma avaliação como o caso da CP 25/2016.
Ambos os formulários disponíveis para envio de contribuições de CP eram igualmente iniciados por uma seção de caracterização do participante. O FEO apresentava três campos de perguntas com o objetivo de conhecer a opinião do participante sobre: (1) a recomendação inicial da CONITEC, (2) a experiência prévia com o medicamento em análise e (3) a experiência prévia com outros medicamentos indicados para a condição clínica em questão. O FTC estava estruturado em cinco blocos de perguntas: (1) as evidências clínicas, (2) a avaliação econômica, (3) o impacto orçamentário, (4) a recomendação inicial da CONITEC, e (5) aspectos adicionais.
Fonte de dados e informações de interesse
O trabalho foi estruturado em três etapas principais: (1) Extração e atualização dos dados relacionados aos medicamentos do projeto de pesquisa fonte1515 Caetano R, Silva RM, Pedro ÉM, Oliveira IAG, Biz AN, Santana P. Incorporação de novos medicamentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, 2012 a junho de 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(8):2513-2525.; (2) Identificação e descrição das situações em que ocorreram alteração de recomendação após realização da CP; e (3) Análise específica dos casos de reversão da recomendação prévia.
Foram extraídos dados quanto aos principais demandantes, se houve abertura de CP, as justificativas disponíveis nos relatórios de recomendação pré e pós-CP, a quantificação das CP, os tipos de contribuintes, tipo de embasamento da contribuição enviada e os principais eixos argumentativos com relevância para a ATS.
Quanto às reversões, foram observadas a quantidade e o tipo de embasamento das contribuições (se evidência científica, experiência clínica ou opinião) recategorizadas como Evidências Científicas/Administrativa, Experiência Clínica e Opinião; e identificação dos tipos de contribuintes (Governamental; Indústria; Instituição de saúde; Instituição de ensino e pesquisa; Sociedades Médicas; Associação de Pacientes e outras ONG; Profissionais de Saúde; Paciente/Familiar; e Outras). O conteúdo das contribuições foi classificado segundo eixos argumentativos comuns ao processo de ATS (Benefícios clínicos, Novas evidências científicas, Menores efeitos adversos, Evidência de avaliação econômica, Impacto orçamentário e Equidade e ética). O tipo de embasamento e os eixos argumentativos são sumarizados no Quadro 1.
Por fim, os relatórios finais foram analisados buscando-se identificar a justificativa central que fundamentou o parecer da recomendação CONITEC em grandes temáticas: (1) econômicas (custo tratamento, negociação de preço, tributação); (2) clínicas (sobrevida, efetividade clínica etc.); (3) ambas e (4) sem clareza. Somente contribuições do FTC foram analisadas, pelo fato destes se aproximarem dos eixos argumentativos propostos.
Análise
Quantificou-se o total de medicamentos avaliados no período tanto nos processos simplificados quanto os que tiveram abertura de CP. Foi realizada a distribuição das CP segundo os tipos de contribuintes por ano e do tipo de embasamento das contribuições enviadas.
Os medicamentos envolvidos nas CP com reversão de decisão foram classificados de acordo com o Sistema Anatômico-Terapêutico-Químico, ou ATC (sigla em inglês de Anatomical Therapeutic Chemical)1616 WHO Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology. Guidelines for ATC classification and DDD assignment 2021 [Internet]. 24ª ed. Oslo: WHO; 2020 [cited 2021 ago 17]. Disponível em: https://www.whocc.no/filearchive/publications/2021_guidelines_web.pdf.. Os eixos argumentativos apresentados, o tipo de embasamento das contribuições e a temática central do parecer final da CONITEC foram categorizados por consenso dos autores com base no conteúdo dos relatórios finais de recomendação. A frequência dos eixos argumentativos e o tipo de embasamento apresentados foram expressos em quartis de tal forma: muito pouco presente 0-25%, pouco presente >25-50%, moderadamente presente >50-75%, muito presente >75-100%.
Os dados que suportam os resultados do manuscrito estão disponíveis no repositório SciELO Data (https://doi.org/10.48331/scielodata.4SP3XA).
Resultados
A CONITEC avaliou 307 medicamentos no período analisado, com demandas relacionadas à incorporação, exclusão ou alteração de uso. Foram identificadas 205 CP realizadas, sendo contabilizadas 23.894 contribuições entre 2012 e 2017, com 38 a 72 medicamentos avaliados em um mesmo ano. Houve variação na proporção de processos simplificados (sem abertura de CP), que tendeu a diminuir ao longo do tempo, prevalecendo a análise por CP, que alcançou 78,9% em 2017.
Nestes casos, não foi possível a observação de realização de CP e da possibilidade de ocorrência de alterações de posição, tendo em vista a emissão de apenas um relatório de avaliação, com parecer final do plenário da CONITEC. No período, 66,8% dos medicamentos contaram com a abertura da CP no seu processo avaliativo (Tabela 1). Não se identificou tendência temporal em nenhum dos aspectos analisados.
O perfil dos contribuintes (Tabela 2) mudou ao longo do tempo, ainda que reconhecendo a limitação que a autorreferência impõe. Nos primeiros três anos analisados, os mais envolvidos nas manifestações eram as próprias estruturas governamentais, a indústria, instituições de saúde e de pesquisa, além das associações de pacientes, ou seja, segmentos de caráter institucional. Nos últimos três anos, prevaleceram contributos com características individuais, como de profissional de saúde, pacientes ou familiares. De maneira mais discreta, mas ainda presentes estiveram às associações de pacientes e as sociedades médicas.
Foram excluídas da análise 61 CP abertas no período, mas que não possuíam desfecho de recomendação final do Plenário publicado até o final de 2017. Das 144 CP relacionadas aos medicamentos apenas 13, envolvendo um total de 15 medicamentos, apresentaram reversão da recomendação, todas de não incorporação para incorporação. Duas delas contemplaram mais do que um medicamento, as CP 25/2016 com avaliação de três medicamentos (insulinas análogas de ação rápida para diabetes melitus tipo 1) e da 31/2016 com 33 soluções otológicas para o tratamento da otite externa aguda (OEA).
Contabilizaram-se 6.455 contribuições, com participação de diversos tipos de contribuintes. As CP 25/2016 e 21/2017 (fumarato de dimetila para esclerose múltipla) apresentaram o maior número de contribuições, correspondendo juntas a 2845 contribuições, cerca de 44% do verificado no período estudado.
Ainda que com oscilações, o envio de contribuições tendeu ao aumento. Houve também casos com baixo número de contribuições: as CP 22/2014 (abatacepte) e 31/2016 (diferentes medicamentos tópicos para OEA), em que se contabilizou apenas 10 e 7 contribuições, respectivamente.
A maior parte dos medicamentos nos quais foram identificados os casos de reversões era do grupo de antineoplásicos e imunomoduladores (Tabela 3).
As principais categorias argumentativas oriundas das contribuições estiveram relacionadas principalmente aos benefícios clínicos e menores efeitos adversos; por outro lado, o conteúdo relacionado ao impacto orçamentário foi, de forma geral, menos presente. O tipo de contribuição enviada foi, em sua maioria, embasado em experiência clínicas ou de opiniões. Evidências científicas/administrativas estiveram presentes em apenas quatro CP, correspondentes à incorporação dos medicamentos Erlotinibe, Fumarato de Dimetila, Gefitinibe e Tobramicina inalatória (Quadro 2).
Caracterização geral do eixo argumentativo nas contribuições às consultas públicas dos medicamentos com status de reversão de posição e síntese principal de fundamento de justificativa usado pela CONITEC para a alteração de posição e Tipo de embasamento das contribuições enviadas. Brasil, 2012 a 2017.
Com relação às justificativas ou temáticas centrais presentes nos relatórios de recomendação do Plenário da CONITEC, verificou-se maciça participação relacionada a questões econômicas (70%), tais como de negociações de preço (Quadro 2).
Discussão
O medicamento é tecnologia sanitária mais solicitada junto à CONITEC com frequente recomendação de incorporação, tanto aquelas que se referem a produtos totalmente novos como para nova indicação de uso1313 Silva AS. O envolvimento do público no processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde: experiências mundiais e proposições para sua ampliação no Brasil [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2013.,1515 Caetano R, Silva RM, Pedro ÉM, Oliveira IAG, Biz AN, Santana P. Incorporação de novos medicamentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, 2012 a junho de 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(8):2513-2525..
Das 307 demandas de avaliação de medicamentos relacionadas à incorporação, exclusão ou alteração de uso, 205 resultaram em CP, das quais em 13 houve reversão de recomendação da decisão preliminar, todas no sentido de não incorporação para incorporação.
Houve redução dos processos simplificados (aqueles em que não há abertura de CP) entre 2012-2017. No entanto, este formato persistiu sendo expressivo, variando de 57,4% em 2013, quando alcançou a maior proporção, a 21,1% em 2017. Todos os processos simplificados tiveram origem interna ao Ministério da Saúde, convergindo com o demonstrado em outros trabalhos1111 Lopes ACF, Novaes HMD, Soárez PC. Participação social na gestão de tecnologias em saúde em âmbito federal no Brasil. Rev Saude Publica 2020; 54:136.,1717 Caetano R, Silva RM, Pedro ÉM, Oliveira IAG, Biz AN, Santana P. Incorporação de novos medicamentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, 2012 a junho de 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(8):2513-2525. instituída em 2011, assessora o Ministério da Saúde nas decisões relacionadas à incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos e procedimentos no Sistema Único de Saúde. O estudo investigou o processo de recomendação pela Conitec e o perfil das demandas e incorporações de medicamentos, de janeiro/2012 a junho/2016. A fonte de dados baseou-se nos registros disponíveis no site da Conitec. Demandas foram classificadas pelos tipos de submissão, de tecnologia e demandante. Medicamentos incorporados foram analisados segundo as classificações Anatômico-Terapêutica-Química e Internacional de Doença (CID. Ainda que este mecanismo esteja previsto na legislação1818 Brasil. Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2011., não é claro o critério de quando deva ser aplicado, além de inviabilizar a realização de CP, envolvendo a participação social e, consequentemente impede estudos sobre mudanças de posição da CONITEC entre os pareceres de recomendação preliminares e finais.
Polanczyk1919 Polanczyk CA. Experiências Internacionais em Avaliação de Tecnologias em Saúde: implicações para o Brasil. São Paulo, Porto Alegre: IESS, IATS; 2021. menciona que o mecanismo de consulta pública é adotado por agências de incorporação de TS de diferentes países, como Inglaterra, Canadá, Alemanha e Austrália. Ademais, nos países em que os processos de ATS estão mais estruturados, como estes citados, entende-se como necessária a separação entre quem avalia (agências ou equivalente) e o tomador de decisão (governos), visando a mitigação de que possíveis conflitos de interesses contaminem esses dois processos1313 Silva AS. O envolvimento do público no processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde: experiências mundiais e proposições para sua ampliação no Brasil [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2013.,1515 Caetano R, Silva RM, Pedro ÉM, Oliveira IAG, Biz AN, Santana P. Incorporação de novos medicamentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, 2012 a junho de 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(8):2513-2525.. No caso do Brasil, a CONITEC é formada por um Plenário na qual mais da metade dos membros (7 em 13) são de estruturas do próprio MS.
Apesar de não ter sido identificado estudo internacional que tratasse do volume de reversões das agências de ATS, estudo nacional que descreveu a participação social durante o processo de incorporação de TS pela CONITEC, verificou um quantitativo de seis medicamentos com mudanças de posição entre a recomendação preliminar e final, todas também no sentido de não incorporação para incorporação, divergindo de nosso achado de 15 mudanças de posição no mesmo período, porém convergindo quando à direcionalidade33 Silva AS, Sousa MSA, Silva EV, Galato D. Social participation in the health technology incorporation process into Unified Health System. Rev Saude Publica 2019; 53:109..
A despeito de importantes oscilações, o número de contribuições às CP cresceu quase quatro vezes no período analisado. Algumas CP tiveram elevada quantidade de contributos (CP 21/2017) e outras pouco (CP 31/2016). É interessante observar que mesmo CP com poucos contributos, caso da 22/2014 (abatecepte) e da 31/2016 (medicamentos tópicos para OEA), resultaram em reversão da recomendação inicial. De acordo com os respectivos relatórios, na 22/2014, as questões econômicas foram de fundamental importância. O mesmo medicamento já havia sido submetido à análise em 2012 e não incorporado naquele momento. Na CP 31/2016 não houve clareza na condução do estudo nem na tomada de decisão2020 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Relatório de Recomendação nº 133: Abatacepte para o tratamento da Artrite Reumatoide Moderada a Grave [Internet]. 2015 [acessado 2019 fev 20]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2015/Abatacepte-SC_final.pdf.
http://conitec.gov.br/images/Relatorios/... ,2121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Relatório de Recomendação nº 253: Medicamentos tópicos para Otite Externa Aguda [Internet]. 2017 [acessado 2019 fev 20]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2017/Relatorio_MedicamentosTopicos_OtiteExterna_final.pdf.
http://conitec.gov.br/images/Relatorios/... .
Houve grande ampliação da participação de pacientes e familiares nas CP sobre medicamentos durante os seis anos de análise, que pode ser resultante do emprego de algumas estratégias utilizadas pela CONITEC, visando justamente a ampliação e o envolvimento desses tipos de contribuintes. São exemplos os Relatórios para Sociedade, mídias sociais digitais, listas de e-mail etc. Embora tenha aumentado, ainda há desafios para que os processos avaliativos estejam orientados também por dimensões sociais e éticas33 Silva AS, Sousa MSA, Silva EV, Galato D. Social participation in the health technology incorporation process into Unified Health System. Rev Saude Publica 2019; 53:109..
Outro ponto é saber se essas contribuições individuais podem estar instruídas ou influenciadas por organizações como a indústria farmacêutica, que tem papel de destaque no volume de demandas por incorporação, com interesses do mercado distintos das prioridades no SUS11 Vieira FS. Desafios do Estado quanto à incorporação de medicamentos no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ipea; 2019.. Nesse sentido, é possível que, a exemplo do que ocorre em outros países, em momento anterior ou inicial à abertura da CP, a empresa fabricante da tecnologia monitore e acione os espaços sociais, tais como grupos de contribuintes de interesse (profissionais de saúde, sociedades médicas, associações de pacientes e outras ONGs) que sinergicamente podem fazer pressão pela incorporação2222 Lima SGG, Brito C, Andrade CJC. O processo de incorporação de tecnologias em saúde no Brasil em uma perspectiva internacional. Cien Saude Colet 2019; 24(5):1709-1722..
A CP não é plena garantia da participação da sociedade, como expressão de cidadania, que precisa contar com atuação cada vez mais qualificada33 Silva AS, Sousa MSA, Silva EV, Galato D. Social participation in the health technology incorporation process into Unified Health System. Rev Saude Publica 2019; 53:109.,1111 Lopes ACF, Novaes HMD, Soárez PC. Participação social na gestão de tecnologias em saúde em âmbito federal no Brasil. Rev Saude Publica 2020; 54:136.. A possibilidade de existência de mecanismos de e-democracia (participação ou democracia virtual) per si não legitima ou garante a plenitude do envolvimento, que requer a existência de instâncias, formatos, informação e comunicação efetiva para fortalecimento do processo de ATS, além do reconhecimento da sua capacidade de escolha em decisões de saúde1313 Silva AS. O envolvimento do público no processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde: experiências mundiais e proposições para sua ampliação no Brasil [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2013..
A identificação autorreferida preenchida no formulário eletrônico de CP da CONITEC pode levar a inconsistências tanto no tipo de contribuinte quanto no seu conteúdo. Ajustes poderiam ser pensados para melhor caracterização destes contribuintes e na qualidade da informação submetida.
Foram observadas distorções no preenchimento de identificações ligadas aos segmentos sociais. Por exemplo, na CP 16/2013, formulários autorreferidos como indústria apresentavam teor de manifestação compatível com a fala de usuário/paciente2323 Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Contribuições da Consulta Pública n. 16 de 2013: erlotinibe para câncer de pulmão de não pequenas células [Internet]. 2013 [acessado 2019 fev 20]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Contribuicoes/2013/Contribuicao_CP16_2013_erlotinibe.pdf.
http://conitec.gov.br/images/Consultas/C... . Encontrou-se também distorções na utilização dos formulários, na qual pacientes usaram o FTC, contrariando a recomendação de uso do FEO. Alguns problemas poderiam ser corrigidos com ajustes no sistema. Por exemplo, após o usuário identificar sua qualificação para a contribuição, o sistema poderia oferecer-lhe o formulário mais adequado. Adicionalmente, poderia existir controle e bloqueio de mensagens repetidas.
Sobre os medicamentos que sofreram reversão da decisão inicial (não incorporação para incorporação), esta pode indicar que as alterações nas recomendações da CONITEC, após análise das contribuições enviadas quando da realização da CP, têm atuado de forma a oportunizar uma segunda chance para a incorporação da tecnologia.
Mais da metade das CP revertidas diziam respeito à classe de antineoplásicos e imunomoduladores, indicados para tratamento de câncer, artrite reumatoide e esclerose múltipla. A mudança de posição ficou concentrada em produtos indicados para doenças não transmissíveis, compatível com o padrão geral de incorporação que tem sido realizado pela CONITEC2424 Santana RS, Lupatini EO, Leite SN. Registro e incorporação de tecnologias no SUS: barreiras de acesso a medicamentos para doenças da pobreza? Cien Saude Colet 2017; 22(5):1417-1428..
Diversas decisões (tofacitinibe, rivastigmina e fumarato de dimetila) estabeleceram a incorporação condicionada à necessidade de atualização ou elaboração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas no SUS, fato também observado em outro estudo1515 Caetano R, Silva RM, Pedro ÉM, Oliveira IAG, Biz AN, Santana P. Incorporação de novos medicamentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, 2012 a junho de 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(8):2513-2525..
Nas avaliações do fingolimode, insulinas análogas, fumarato de dimetila e rivastigmina transdérmica, identificou-se o fenômeno da recorrência de submissões, isto é, sucessivas demandas da mesma tecnologia, até a recomendação favorável de incorporação. Essa situação, já apontada por Caetano et al.1515 Caetano R, Silva RM, Pedro ÉM, Oliveira IAG, Biz AN, Santana P. Incorporação de novos medicamentos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, 2012 a junho de 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(8):2513-2525., mostra que as posições antes contrárias da CONITEC tinham relação com as propostas iniciadas para usos mais amplos dos medicamentos que, posteriormente, acabavam se restringindo em termos das indicações de uso, para serem, enfim, incorporados.
Outro aspecto identificado nas reversões foi a ação da indústria farmacêutica enquanto demandante. Sua argumentação se pautava em pontos destacados nos relatórios preliminares indicados como limitadores para a incorporação. Sua atuação durante o processo se baseou estrategicamente sobre temas relacionados a ajustes no preço e outras possibilidades, como a realização de transferência de tecnologia, via parceria de desenvolvimento produtivo (PDP), exemplificados pela rivastigmina adesivo transdérmico e o perturzumabe. A PDP é instrumento concebido para fortalecer o complexo econômico industrial da saúde, que enfatiza a inovação e a redução da dependência do Brasil sobre a produção de fármacos e medicamentos2525 Gadelha CAG, Temporão JG. Desenvolvimento, Inovação e Saúde: a perspectiva teórica e política do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1891-1902.. Deste modo, percebe-se a utilização desta agenda para o favorecimento da incorporação de tecnologias no SUS.
Foi possível depreender que a CP é utilizada como estratégia de influência quanto à decisão de alocação de recursos, uma vez que muito da argumentação das situações de reversão tiveram eixo na questão econômica.
As dimensões econômicas foram frequentemente mencionadas como justificativa central da CONITEC, como desfecho relacionado à revisão e/ou negociação de preços (redução de preços nas compras públicas) ou indicação à adesão de convênio de desoneração tributária, principalmente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). De fato, os preços dos medicamentos são cruciais para o desenvolvimento dos sistemas de saúde e constituem-se importante barreira para o seu acesso, tanto para famílias quanto para governos e, têm papel destacado especialmente nos sistemas públicos universais, cujo direito à saúde e o acesso a medicamentos estão presentes2626 Dias LLS, Santos MAB, Pinto CDBS. Regulação contemporânea de preços de medicamentos no Brasil - uma análise crítica. Saude Debate 2019; 43(121):543-558..
Uma outra questão é que o processo de ATS é permeado por interesses muitas vezes conflitantes. Pode existir, durante a consecução da CP, tensionamento por parte principalmente de fabricantes, associações de paciente, médicos, profissionais da saúde pela pressão pelo financiamento público de tecnologias que muitas vezes possuem evidências científicas insuficientes para incorporação e seu uso racional. Tanto que o National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE), que realiza o papel semelhante ao da CONITEC para o sistema de saúde inglês, se apoia em evidências e no suporte oriundo da perspectiva de profissionais de saúde e de pacientes, visando reduzir pressões exercidas, como da indústria farmacêutica, associações de pacientes, grupos políticos, sociedades profissionais2222 Lima SGG, Brito C, Andrade CJC. O processo de incorporação de tecnologias em saúde no Brasil em uma perspectiva internacional. Cien Saude Colet 2019; 24(5):1709-1722.. Cabe ter presente que tecnologias novas nem sempre são melhores opções terapêuticas que as existentes, pois podem não ser uma opção segura2727 Lessa F, Ferraz MB. Health technology assessment: the process in Brazil. Rev Panam Salud Publica 2017; 41:e25..
Os clássicos atributos da ATS, como evidências de eficácia, efetividade, segurança e custo-efetividade são centrais no processo de incorporação estabelecido no SUS, e estiveram presente nas contribuições submetidas. Elementos relacionados aos benefícios clínicos e segurança foram mais citados. Ambos guardam relação com a segurança sanitária e minimização de riscos, essenciais para a proteção da saúde pública e fundamentos do trinômio da regulação sanitária: qualidade, segurança e eficácia2828 Gava CM, Bermudez JAZ, Pepe VLE. Novos medicamentos registrados no Brasil: podem ser considerados como avanço terapêutico? Cien Saude Colet 2010; 15(Supl. 3):3403-3412..
Apesar de existirem diretrizes nacionais para considerar os impactos sociais, éticos e legais no processo avaliativo, tais atributos ainda apareceram de forma secundária. Mesmo assim, os elementos basilares da ATS vem sendo empregados como ferramenta para apoiar a tomada de decisão da incorporação de novas tecnologias, ainda que apresentando limitações em sua aplicação, como por exemplo, o desbalanço das questões econômicas vis-à-vis à equidade e à ética1313 Silva AS. O envolvimento do público no processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde: experiências mundiais e proposições para sua ampliação no Brasil [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2013.,2929 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes metodológicas: avaliação de desempenho de tecnologias em saúde. Brasília: MS; 2017..
O cenário traz inúmeros desafios para que a CP cumpra seu papel de expressão de participação social em tempos que a ampliação de espaços de discussões democráticas é tão importante. Assim, o grau de qualidade da informação é imprescindível para efetividade dessa estratégia. Elementos condicionados à assimetria de informações pelos diferentes tipos de contribuintes, observada neste trabalho pela complexidade de elementos técnicos sobre o processo de incorporação de tecnologias, podem ter influências e se constituírem, ao mesmo tempo, barreiras para uma adequada participação social1111 Lopes ACF, Novaes HMD, Soárez PC. Participação social na gestão de tecnologias em saúde em âmbito federal no Brasil. Rev Saude Publica 2020; 54:136.,3030 Castro R, Elias FTS. Envolvimento dos usuários de sistemas de saúde na Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS): uma revisão narrativa de estratégias internacionais. Interface (Botucatu) 2018; 22(64):97-108..
Investir na divulgação do campo da ATS, informar e dar publicidade aos temas de interesse de discussão do Plenário, possuir um sistema de informações tanto via redes sociais como na mídia comum podem ser estratégias interessantes, além daquelas já iniciadas por meio do Relatório para Sociedade e outros, que objetivam conter assimetrias de informações33 Silva AS, Sousa MSA, Silva EV, Galato D. Social participation in the health technology incorporation process into Unified Health System. Rev Saude Publica 2019; 53:109..
Permanece latente o cenário de dependência dos investimentos em mecanismos de envolvimento dos diversos contribuintes na participação social em ATS. Há também necessidade de mudança de paradigma do plenário, em privilegiar outros aspectos que não só argumentações econômicas.
As políticas públicas para o envolvimento dos usuários em decisões de saúde, embora iniciadas, ainda precisam envidar esforços para atender as expectativas dos usuários, que buscam garantias de acesso à saúde e às TS. Esses usuários incluem tanto aqueles com doenças de grande expressão epidemiológica quanto aqueles com doenças raras3131 Novaes HMD, Soárez PC. Doenças raras, drogas órfãs e as políticas para avaliação e incorporação de tecnologias nos sistemas de saúde. Sociologias 2019; 21(51):332-364..
Algumas limitações precisam ser apontadas. O estudo utilizou registros obtidos de documentos oriundos dos relatórios e dos formulários de CP, que nem sempre são completamente fidedignos. Por exemplo, as informações de identificação dos participantes apresentaram falhas, como identificação e preenchimento dos formulários virtuais. Isso pode levar a inconsistências tanto na origem do tipo de contribuinte quanto no seu conteúdo. Outra limitação se refere à heterogeneidade nos conteúdos dispostos pelos relatórios, o que redundou em maior arbitrariedade nas categorizações empregadas no estudo. Finalmente, a análise das contribuições com alteração de posicionamento da CONITEC foi feita com base nos FTC, o que pode ter reduzido a captação de manifestações de segmentos sociais, como pacientes e familiares.
O estudo verificou que as contribuições influenciaram nos processos de reversão, porém não necessariamente a sua quantidade foi o fator fundamental. Embora identificadas maiores frequências de eixos argumentativos ligados a benefícios clínicos e menores efeitos adversos, pareceu que as argumentações relacionadas ao impacto orçamentário tiveram maior precisão.
Ademais da valorização do mecanismo de CP, é importante avançar no sentido de que a ATS considere aspectos que extrapolem as comprovações orçamentárias e clínicas, buscando a sustentabilidade do sistema, mas sem detrimento dos aspectos éticos e sociais.
Nesse sentido, os agentes públicos precisam aprimorar os espaços institucionais para que a ATS e o processo de incorporação sejam melhor compreendidos e transparentes.
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
16 Jan 2023 - Data do Fascículo
Fev 2023
Histórico
- Recebido
07 Jan 2022 - Aceito
31 Ago 2022 - Publicado
02 Set 2022