Saúde mental de agentes comunitários de saúde no contexto da COVID-19

Anya Pimentel Gomes Fernandes Vieira-Meyer Sidney Feitoza Farias Franklin Delano Soares Forte Milena Silva Costa José Maria Ximenes Guimarães Ana Patrícia Pereira Morais André Luiz Sá de Oliveira Fernando José Guedes da Silva Júnior Elaine Ferreira do Nascimento Maristela Inês Osawa Vasconcelos Maria Socorro de Araújo Dias Felipe Proenço de Oliveira Maria de Fátima Antero Sousa Machado Marcia C. Castro Aisha Khizar Yousafzai Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste estudo foi analisar os fatores relacionados à saúde mental dos agentes comunitários de saúde (ACS) no contexto da COVID-19. Participaram 1.935 ACS de quatro capitais nordestinas e de quatro cidades do interior do Ceará. Foram coletados dados sociodemográficos e profissiográficos; SRQ-20; WHOQOL-Bref; exposição à violência; Escala de Autoeficácia Geral (EAEG); Escala Multidimensional de Suporte Social Percebido (MSPSS); informações relacionadas à COVID-19 e Escala de Ansiedade para Coronavírus (EAC). 40,5% exibiram SRQ > 7, sinalizando altos níveis de transtornos mentais comuns (TMC)/problemas de saúde mental. Utilizou-se a regressão linear múltiplas (backward). Observou-se que o aumento de risco de TCM foi influenciado pelos seguintes fatores: exposição à violência; EAC; não saber se teve COVID-19; desconhecer as variáveis que diminuíam o risco; os domínios físico e psicológico do WHOQOL-Bref; não ter aumento da jornada de trabalho; e não ter tido COVID-19. Os dados revelam a dinâmica multidimensional da saúde mental e ajudam a compreender a relação entre violência comunitária, COVID-19, qualidade de vida, idade e tempo de atuação na ESF com a saúde mental dos ACS.

Palavras-chave:
Agentes comunitários de saúde; COVID-19; Saúde mental; Violência; Atenção primária à saúde

Introdução

A pandemia da COVID-19 causou distintas repercussões no contexto de vida das pessoas. Em todo o mundo, milhões de indivíduos foram acometidos pelo novo coronavírus, outros foram a óbito ou ficaram sob risco de serem contaminados por diferentes predisposições, e estima-se um aumento expressivo do sofrimento psicológico, dos sintomas psíquicos e dos transtornos mentais de diversas pessoas devido ao cenário vivenciado11 Word Health Organization (WHO). Mental health and COVID-19: early evidence of the pandemic's impact: scientific brief, 2 March 2022 [Internet]. 2022. [cited 2022 jun 10]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/352189
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.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) avalia que, com a pandemia de COVID-19, a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou 25%22 United Nations (UN). Policy brief: COVID-19 and the need for actions on mental health [Internet]. 2020. [cited 2022 jun 10]. Available from: https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/un_policy_brief-covid_and_mental_health_final.pdf
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. O medo, a preocupação e o estresse são reações normais e compreensivas diante de ameaças, de incertezas ou do desconhecido, mas tais comportamentos foram exacerbados nesse contexto33 Noal DS, Passos MFD, Freitas CM, organizadores. Recomendações e orientações em saúde mental e atenção psicossocial na COVID-19. Brasília: Fundação Oswaldo Cruz; 2020..

Nos últimos dois anos, o mundo vem experienciando enormes transformações de forma súbita, visto que o cotidiano de todos mudou e foi preciso se adaptar rapidamente ao novo modo de existir. Além de controlar o medo de adoecer, o trauma de perder entes queridos com o novo coronavírus e a incerteza quanto às consequências de curto e longo prazos, as pessoas passaram a sofrer com o desemprego, a pobreza e a insegurança alimentar, desencadeando implicações na saúde mental44 Tausch A, E Souza RO, Viciana CM, Cayetano C, Barbosa J, Hennis AJ. Strengthening mental health responses to COVID-19 in the Americas: A health policy analysis and recommendations. Lancet Reg Health Am 2022; 5:100118.,55 Neves JA, Machado ML, Oliveira LDA, Moreno YMF, Medeiros MAT, Vasconcelos FAG. Unemployment, poverty, and hunger in Brazil in COVID-19 pandemic times. Rev Nutr 2021; 34:e200170.. Na tentativa de reduzir novos casos, as principais medidas adotadas pelas autoridades sanitárias, como o distanciamento e o isolamento social, provocaram mudanças significativas nas rotinas domiciliar e laboral das pessoas; além disso, acentuaram as desigualdades sociais e favoreceram o surgimento ou complicações de outras doenças pela descontinuidade do cuidado66 Carmo RM, Tavares T, Cândido AF, organizadores. Um olhar sociológico sobre a crise COVID-19 em livro. Lisboa: Observatório das Desigualdades; 2020..

Atualmente, a situação epidemiológica mundial da COVID-19 vem perdendo potência. Apesar de o governo brasileiro ter decretado o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin)77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria GM/MS nº 913, de 22 de abril de 2022. Declara o encerramento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (2019-nCoV) e revoga a Portaria GM/MS nº 188, de 3 de fevereiro de 2020. Diário Oficial da União 2022; 22 abr., a OMS manteve a emergência de saúde internacional relacionada ao coronavírus, devido à cobertura vacinal muito heterogênea entre os países e ao comportamento imprevisível do vírus no contexto de pandemia global66 Carmo RM, Tavares T, Cândido AF, organizadores. Um olhar sociológico sobre a crise COVID-19 em livro. Lisboa: Observatório das Desigualdades; 2020.. O reflexo desse cenário persiste e ainda não se tem clareza suficiente de todos os danos causados pela COVID-19. Porém, o aumento da carga de problemas de saúde mental pode ser considerado um dos efeitos mais importantes da pandemia em longo prazo88 Word Health Organization (WHO). Statement on the eleventh meeting of the International Health Regulations (2005) Emergency Committee regarding the coronavirus disease (COVID-19) pandemic [Internet]. 2022. [cited 2022 jun 10]. Available from: https://www.who.int/news/item/13-04-2022-statement-on-the-eleventh-meeting-of-the-international-health-regulations-(2005)-emergency-committee-regarding-the-coronavirus-disease-(COVID-19)-pandemic
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As evidências demonstram que as implicações para a saúde mental podem ter tempo mais longo e prevalência maior do que a própria pandemia, e que as repercussões psicossociais e econômicas podem ser imprevisíveis, considerando sua amplitude em diferentes contextos44 Tausch A, E Souza RO, Viciana CM, Cayetano C, Barbosa J, Hennis AJ. Strengthening mental health responses to COVID-19 in the Americas: A health policy analysis and recommendations. Lancet Reg Health Am 2022; 5:100118.,99 Reardon S. Ebola's mental-health wounds lingerin Africa. Nature 2015; 519(7541):13-14.. Assim, denota-se possível aumento da prevalência de suspeição dos transtornos mentais comuns (TMC) entre os profissionais de saúde, particularmente dos agentes de comunitários de saúde.

No campo da saúde do trabalhador, verifica-se que os profissionais de saúde da linha de frente tiveram impacto dramático em sua rotina. Eles estavam, independentemente do risco pessoal, envolvidos de maneira direta no enfrentamento da pandemia, forçados a tomar decisões difíceis e trabalhando sob pressão, uma situação sem precedentes. Preocupações e medos relacionados à COVID-19 contribuíram para um maior sofrimento psíquico, repercutindo em sintomas de estresse, aumentando a ansiedade e a depressão e elevando a probabilidade de desenvolver transtorno de saúde mental1010 Rosales Vaca KM, Cruz Barrientos OI, Girón López S, Noriega S, More Árias A, Guariente SMM, Zazula R. Mental health of healthcare workers of Latin American countries: a review of studies published during the first year of COVID-19 pandemic. Psychiatry Res 2022; 311:114501.,1111 Dal'Bosco EB, Floriano LSM, Skupien SV, Arcaro G, Martins AR, Anselmo ACC. Mental health of nursing in coping with COVID-19 at a regional university hospital. Rev Bras Enferm 2020; 73(Suppl. 2):e20200434.. Nessa perspectiva, os profissionais da atenção primária à saúde (APS), operacionalizada pela Estratégia Saúde da Família (ESF), como os agentes comunitários de saúde (ACS), foram impactados de diferentes formas1212 Vieira-Meyer APGF, Morais APP, Campelo ILB, Guimarães JMX. Violência e vulnerabilidade no território do agente comunitário de saúde: implicações no enfrentamento da COVID-19. Cien Saude Colet 2021; 26(2):657-668.,1313 Maciel FBM, Santos HLPCD, Carneiro RADS, Souza EA, Prado NMBL, Teixeira CFS. Agente comunitário de saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de pandemia de COVID-19. Cien Saude Colet 2020; 25(Supl. 2):4185-4195..

Os ACS cumprem função relevante no cuidado à saúde, favorecendo acesso aos serviços de saúde, mediando a construção de vínculos entre as famílias e as equipes da ESF/APS, fazendo visitas domiciliares, fornecendo orientações e apoio na resolução de demandas junto aos membros da equipe de saúde, entre outras ações. De fato, evidencia-se que a atuação dos ACS melhora os resultados de saúde em várias condições e contextos1414 Valle TMRN, Resnicow K, Nery M, Brentani A, Kaselitz E, Agrawal P, Mand S, Heisler M. A pilot study of a community health agent-led type 2 diabetes self-management program using motivational Interviewing-based approaches in a public primary care center in São Paulo, Brazil. BMC Health Serv Res 2017; 17(1):32., o que denota a importância desse profissional no enfrentamento da COVID-191313 Maciel FBM, Santos HLPCD, Carneiro RADS, Souza EA, Prado NMBL, Teixeira CFS. Agente comunitário de saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de pandemia de COVID-19. Cien Saude Colet 2020; 25(Supl. 2):4185-4195.. Compreende-se a saúde mental como essencial para o pleno desenvolvimento das ações de promoção e cuidado à saúde. Contudo, esses profissionais estão sujeitos aos desafios do território, e suas características antes e durante a pandemia, como a violência, podem influenciar em seu processo de trabalho na comunidade e em sua saúde mental1212 Vieira-Meyer APGF, Morais APP, Campelo ILB, Guimarães JMX. Violência e vulnerabilidade no território do agente comunitário de saúde: implicações no enfrentamento da COVID-19. Cien Saude Colet 2021; 26(2):657-668.,1515 Cremonese GR, Motta RF, Traesel ES. Implicações do trabalho na saúde mental dos Agentes Comunitários de Saúde. Cad Psicol Social Trab 2013; 16(2):279-293..

As condições estruturais e sociais dos territórios de grandes centros urbanos são hoje cenários de enorme vulnerabilidade social. Entre as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e os diferentes arranjos comunitários, a oferta de serviços e as ações de saúde precisam se fazer presente. Essa premissa faz com que o ACS seja, nesses cenários, o sujeito em constante enfrentamento de situações de violência, de insegurança alimentar, desemprego, entre outras condições de extrema desigualdade vivenciadas pelas comunidades assistidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, toda essa situação de vulnerabilidade social encontrada no território pode impactar negativamente na saúde mental e na qualidade de vida, podendo ter sido agravada no contexto da pandemia de COVID-191212 Vieira-Meyer APGF, Morais APP, Campelo ILB, Guimarães JMX. Violência e vulnerabilidade no território do agente comunitário de saúde: implicações no enfrentamento da COVID-19. Cien Saude Colet 2021; 26(2):657-668.,1616 Souza LJR, Freitas MSC. O agente comunitário de saúde: violência e sofrimento no trabalho a céu aberto. Rev Baiana Saude Publica 2011; 35(1):96-109..

Dessa forma, é estratégico investigar as repercussões da exposição continuada a esses fatores, mensurar suas percepções e capacidade de equilibrar e gerenciar suas emoções, a fim de apoiar a implementação de políticas públicas para a melhoria da saúde e a qualificação do processo de trabalho do ACS. Com essa prerrogativa, o objetivo deste estudo foi analisar os fatores relacionados à saúde mental dos ACS no contexto da COVID-19 em diferentes cenários.

Método

Trata-se de um estudo multicêntrico, transversal, em quatro capitais nordestinas brasileiras: Fortaleza (Ceará), João Pessoa (Paraíba), Recife (Pernambuco) e Teresina (Piauí), e quatro cidades do interior do Ceará: Crato, Juazeiro, Barbalha e Sobral.

A população do estudo envolveu os trabalhadores da APS que atuam como agentes comunitários de saúde. Segundo dados do sistema e-gestor do Ministério da Saúde referentes ao período de 2020, a população de ACS atuantes nos municípios era de 7.9091717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. e-SUS Atenção Primária [Internet]. [acessado 2022 set 14]. Disponível em: https://aps.saude.gov.br/ape/esus
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. O cálculo amostral aleatório simples foi efetuado para cada município, tendo como base erro amostral de 5%, nível de confiança de 95% e distribuição homogênea (80/20) da população estudada, totalizando uma amostra de 1.935 ACS. Esses profissionais foram sorteados e convidados a participar da pesquisa, considerando-se o seguinte critério de inclusão: ACS ativos no processo de trabalho; e como critérios de exclusão: ACS de férias ou licença por estarem doentes. Para o presente estudo, optou-se por analisar os dados por capitais e cidades do interior, compreendendo que esse desenho ajuda a entender as dinâmicas relacionadas à saúde mental (medida pelo instrumento Self-Reporting Questionnaire - SRQ20) nessas duas realidades.

Coleta de dados

Para garantir a padronização da coleta de dados em todas as cidades, procedeu-se ao treinamento da equipe de coletadores. Inicialmente, foram abordados aspectos teóricos sobre o projeto de pesquisa, a coleta de dados quantitativos, o protocolo de biossegurança, os aspectos éticos de pesquisa com seres humanos, o instrumento de coleta de dados e, finalmente, a definição dos papéis no processo de coleta: coletador, coordenador de campo, supervisor, a partir da técnica de simulação (role play). Essa etapa foi concluída com o planejamento da coleta de dados. O processo foi conduzido por profissionais com expertise na área, totalizando 12 horas.

Para realização da pesquisa, foi pactuada, junto aos gestores municipais, a autorização prévia para a coleta de dados. Dessa forma, foram facilitados o agendamento de dia e horário mais convenientes para a aplicação do questionário nas unidades de saúde da família. A coleta foi feita em uma sala reservada, sendo inicialmente apresentados os objetivos do estudo e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, o instrumento foi aplicado, com o coletador presente para dirimir dúvidas. A coleta ocorreu entre abril e agosto de 2021 e seguiu rigorosamente todas as normas de biossegurança determinadas pela Nota Técnica GVIM/GGTES/ANVISA nº 04/202018.

O instrumento utilizado continha dados sociodemográficos, profissiográficos, do SRQ-20 - Self-Reporting Questionnaire-20 (saúde mental); do WHOQOL-Bref - Questionário de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (qualidade de vida), de exposição à violência (viu/soube ou sofreu violência), escore de autoeficácia geral (Balsan et al. 2020), da Escala Multidimensional de Suporte Social Percebido (Multidimensional Scale of Perceived Social Support-MSPSS) e informações relacionadas à COVID-19, incluindo a Escala de Ansiedade para Coronavírus.

O SRQ-20, desenvolvido pela OMS, para questões relacionadas aos sintomas psicoemocionais, tem sido utilizado para mensuração de nível de suspeição de transtornos mentais comuns (TMC) em estudos brasileiros, especialmente em grupos de trabalhadores. É um importante instrumento de triagem para a saúde mental, adotado ponto de corte > 71919 Carmo MBB, Santos LM, Feitosa CA, Fiaccone RL, Silva NB, Santos DN, Barreto ML, Amorim LD. Screening for common mental disorders using the SRQ-20 in Brazil: what are the alternative strategies for analysis? Rev Bras Psiquiatria 2018; 40(2):115-122..

O WHOQOL-bref é um instrumento utilizado para a avaliação da qualidade de vida (QV), dividido em quatro domínios: “físico”, “psicológico”, “relações sociais” e “ambiente”2020 World Health Organization (WHO). Division of mental health and prevention of substance abuse. WHOQOL: measuring quality of life [Internet]. [cited 2022 set 14]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/63482
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,2121 Almeida-Brasil CC, Silveira MR, Silva KR, Lima MG, Faria CDCM, Cardoso CL, Menzel HK, Ceccato MDGB. Qualidade de vida e características associadas: aplicação do WHOQOL-BREF no contexto da Atenção Primária à Saúde. Cien Saude Colet 2017; 22(5):1705-1716.. A escala de ansiedade do coronavírus é uma escala curta utilizada para rastrear ansiedade relacionada à COVID-192222 Lee SA. Coronavirus Anxiety Scale: a brief mental health screener for COVID-19 related anxiety. Death Studies 2020 44(7):393-401., na qual as pontuações mais altas se referem a maior ansiedade.

A Escala de Autoeficácia geral2323 Balsan LAG, Carneiro LL, Bastos AVB, Costa VMF. Adaptação e validação da Nova Escala Geral de Autoeficácia. Aval Psicol 2020; 19(4):409-419. foi utilizada para medir a autoeficácia dos ACS. É sabido que indivíduos com uma percepção mais elevada de autoeficácia têm maior capacidade para controlar acontecimentos estressantes e maior determinação no momento de resolver essas situações, independentemente do tipo de problemática. Além disso, utilizou-se a Escala Multidimensional de Suporte Social Percebido (Multidimensional Scale of Perceived Social Support-MSPSS), desenvolvida por Zimet et al.2424 Zimet GD, Dahlem NW, Zimet SG, Farley GK. The multidimensional scale of perceived social support. J Pers Soc Psychol 1988; 52(1):30-41. Apoio ou suporte social podem ser entendidos como os recursos sociais que as pessoas percebem estar disponíveis ou que são realmente fornecidos, sendo relacionados a desfechos de saúde dos indivíduos.

Análise dos dados

Os dados foram analisados no software R. Para descrever as características da amostra, foram estimadas as frequências absolutas e relativas das variáveis nominais, bem como média e desvio padrão das variáveis quantitativas e intervalos de confiança de 95%. Os testes estatísticos foram aplicados considerando o nível de significância de 5%.

Tendo como desfecho a pontuação do SRQ-20, foi empreendida uma série de análises de regressão linear múltiplas, empregando o método backward de seleção de variáveis, via critério de informação Akaike (AIC), como caráter exploratório do modelo. Optou-se por três análises distintas: a primeira considerando os ACS de todas as cidades; a segunda apenas para as capitais; e a última com os municípios do interior do estado do Ceará.

Aspectos éticos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Ceará, parecer nº 4.587.955. Antes de responder ao questionário, o Termo de Consentimento foi assinado pelos ACS que aceitaram participar da pesquisa.

Resultados

Um total de 1.935 ACS responderam ao questionário nos oito municípios pesquisados: Fortaleza-CE (N = 364), João Pessoa-PB (N = 303), Recife-PE (N = 320), Teresina-PI (N = 309), Sobral-CE (N = 203), Juazeiro do Norte-CE (N = 215), Crato-CE (N = 127) e Barbalha-CE (N = 93).

Na Tabela 1 é possível observar o resultado da análise de frequência para as variáveis sociodemográficas dos participantes, assim como as relacionadas ao trabalho desenvolvido pelos ACS. Em linhas gerais, a maioria dos participantes é do sexo feminino (82,76%), com média de idade de 46 anos, sem companheiro(a) (58,2%), com filhos (81,0%), católica (65,8%), parda (71,8%), com o ensino médio completo (47,3%) e renda de até dois salários-mínimos. Os participantes desenvolvem em média quatro tipos de atividades distintas, além de realizarem por volta de quatro tipos de visitas domiciliares. A maioria atuou na linha de frente durante a pandemia (77,9%), apesar de não ter recebido treinamento para tal (84,0%). Pouco mais da metade dos respondentes indicou não ter assegurada a oferta de EPIs (54,6%), bem como não acredita que as normas de biossegurança do trabalho sejam suficientes (66,7%), ao passo que a maioria acredita que pode se infectar com coronavírus no trabalho (97,0%).

Tabela 1
Descritivo das variáveis sociodemográficas e profissiográfica dos participantes e de atuação na pandemia por capitais e cidades do interior do Nordeste.

De acordo com os participantes, houve adaptações no serviço para atender pacientes com COVID-19 (74,94%) e aumento na jornada de trabalho (48,41%). Além disso, a maioria considerou ser veículo de transmissão do coronavírus (94,5%), enquanto 74,0% tiveram um familiar com COVID-19 e 40,4% informaram ter tido COVID-19. Um total de 78,7% dos participantes indicou mudanças no processo de trabalho das equipes durante a pandemia. A Tabela 2 apresenta o resultado da análise descritiva dos instrumentos utilizados para avaliar os aspectos relacionados à percepção de violência, à ansiedade decorrente do coronavírus, a elementos relativos à saúde mental, ao suporte social e à qualidade de vida.

Tabela 2
Descritivo das variáveis profissiográficas dos participantes e de atuação na pandemia por capitais e cidades do interior do Nordeste.

Em relação ao modelo com todos os participantes, o modelo final é estatisticamente significativo [F (24, 1.319) = 82,89; p < 0,001; R² = 0,60; R² adj. = 0,59], formado por 20 preditores, que podem ser observados na Tabela 3. Ao observar os preditores, é possível notar variáveis que não apresentam significância estatística, porém foram retidas pelo modelo. Isso ocorre por conta de a presença dessas variáveis no modelo não implicarem uma piora no ajuste, mesmo não sendo significativa2525 Hair Jr. JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman; 2009.. Quando os dados de todos os municípios foram analisados conjuntamente, os preditores, aumentando o risco de TMC, foram a exposição à violência- EAC e não saber se teve COVID-19; enquanto os que diminuíram o risco foram: os domínios físico e psicológico do WHOQOL; não se considerar transmissor da COVID-19; não ter tido sua jornada de trabalho aumentada pela pandemia; e não ter contraído COVID-19.

Tabela 3
Preditores do SRQ-20, todos os participantes.

Por sua vez, no que se refere à análise considerando apenas as capitais, após sete etapas, identifica-se um modelo estatisticamente significativo [F (28, 805) = 53,16; p < 0,001; R² = 0,65; R² adj. = 0,64], sendo composto por 24 preditores, que podem ser observados na Tabela 4. Por fim, em relação aos municípios do interior, após 19 etapas, identifica-se um modelo estatisticamente significativo [F (17, 513) = 36,44; p < 0,001; R² = 0,55; R² adj. = 0,54]. A Tabela 5 apresenta os 12 preditores retidos no modelo.

Tabela 4
Preditores do SRQ-20, capitais.
Tabela 5
Preditores do SRQ-20, municípios do interior

Discussão

Este é um dos primeiros estudos a avaliar a saúde mental e fatores relacionados em ACS no Nordeste do Brasil durante a pandemia de COVID-19. Observou-se uma significativa parcela dos ACS com prevalência relativamente elevada de sofrimento mental (cerca de 40%, sendo maior para os ACS das capitais). Estudos anteriores2626 Li Z, Ge J, Yang M, Feng J, Qiao M, Jiang R, Bi J, Zhan G, Xu X, Wang L, Zhou Q, Zhou C, Pan Y, Liu S, Zhang H, Yang J, Zhu B, Hu Y, Hashimoto K, Jia Y, Wang H, Wang R, Liu C, Yang C. Vicarious traumatization in the general public, members, and non-members of medical teams aiding in COVID-19 control. Brain Behav Immun 2020; 88:916-919.

27 Wang C, Pan R, Wan X, Tan Y, Xu L, McIntyre RS, Choo FN, Tran B, Ho R, Sharma VK, Ho C. A longitudinal study on the mental health of general population during the COVID-19 epidemic in China. Brain Behav Immun 2020; 87:40-48.

28 Zhang J, Lu H, Zeng H, Zhang S, Du Q, Jiang T, Du B. The differential psychological distress of populations affected by the COVID-19 pandemic. Brain Behav Immun 2020; 87:49-50.
-2929 Varghese A, George G, Kondaguli SV, Naser AY, Khakha DC, Chatterji R. Decline in the mental health of nurses across the globe during COVID-19: a systematic review and meta-analysis. J Glob Health 2021; 11:05009. também observaram essa demanda de saúde mental no contexto da COVID-19 entre profissionais de saúde. As características e contextos dos ACS nas capitais e cidades do interior apresentaram diferenças em algumas variáveis, ratificando a pertinência de estudos que envolvam diferentes realidades. De maneira geral, as capitais apresentam maior porte, maior nível de violência, menor cobertura da ESF e foram inicialmente mais atingidas pela COVID-19. As capitais Fortaleza e Recife, por exemplo, com maior porte populacional e hubs aeroviários internacionais, foram mais afetadas (casos e mortes),no início da pandemia do que outros municípios.

Nosso estudo evidenciou associação, no modelo de regressão para todas as cidades, das seguintes variáveis com o aumento do SRQ-20 (pior indicador de saúde mental): violência (viu ou soube) nos territórios; aumento do índice de ansiedade do coronavírus; aumento do tempo de atuação da estratégia saúde da família; e o fato de receber mais de quatro salários-mínimos. A pior qualidade de vida nas dimensões física e psicológica e o aumento da idade também se associaram ao aumento do SRQ-20. Apesar de algumas diferenças entre o modelo de regressão quando os ACS de todos os municípios são analisados conjuntamente, em relação aos modelos quando os ACS são divididos em municípios do interior e capital, esses achados evidenciam a dinâmica multidimensional da saúde mental. Dessa forma, ajudam a descortinar a relação entre violência comunitária, COVID-19, qualidade de vida, idade e tempo de atuação na ESF com a saúde mental dos ACS. É interessante observar que, enquanto a idade parece ser um fator protetor, o tempo como ACS é um fator relacionado positivamente com transtornos mentais comuns, indicando que a práxis do ACS é indicador de risco para saúde mental. O cotidiano intenso de trabalho na atenção básica em tempos de COVID-19, a mudança da rotina laboral, a precarização do trabalho e a mudança de vida, como o distanciamento social, podem ser considerados fatores de risco para a saúde mental3030 Dal'Bosco EB, Floriano LSM, Skupien SV, Arcaro G, Martins AR, Anselmo ACC. Mental health of nursing in coping with COVID-19 at a regional university hospital. Rev Bras Enferm 2020; 73(Suppl. 2):e20200434.. Esses achados são importantes e merecem ser levados em consideração no desenvolvimento de políticas públicas.

A COVID-19 afetou a saúde mental da população de maneira geral3131 Xiang YT, Yang Y, Li W, Zhang L, Zhang Q, Cheung T, Ng CH. Timely mental health care for the 2019 novel coronavirus outbreak is urgently needed. Lancet Psychiatry 2020; 7(3):228-229.. No Brasil, estudo de Barros et al.3232 Barros MBA, Lima MG, Malta DC, Szwarcwald CL, Azevedo RCS, Romero D, Souza Júnior PRB, Azevedo LO, Machado ÍE, Damacena GN, Gomes CS, Werneck AO, Silva DRPD, Pina MF, Gracie R. Relato de tristeza/depressão, nervosismo/ansiedade e problemas de sono na população adulta brasileira durante a pandemia de COVID-19. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(4):e2020427. observou que 40,4% dos participantes se sentiram frequentemente tristes ou deprimidos, e 52,6% frequentemente ansiosos ou nervosos. Os trabalhadores da saúde que estiveram no enfrentamento da COVID-19 também foram afetados2929 Varghese A, George G, Kondaguli SV, Naser AY, Khakha DC, Chatterji R. Decline in the mental health of nurses across the globe during COVID-19: a systematic review and meta-analysis. J Glob Health 2021; 11:05009.,3333 Kang L, Ma S, Chen M, Yang J, Wang Y, Li R, Yao L, Bai H, Cai Z, Xiang Yang B, Hu S, Zhang K, Wang G, Ma C, Liu Z. Impact on mental health and perceptions of psychological care among medical and nursing staff in Wuhan during the 2019 Novel Coronavirus Disease Outbreak: a cross-sectional study. Brain Behav Immun 2020; 87:11-17.

34 Qiu J, Shen B, Zhao M, Wang Z, Xie B, Xu Y. A nationwide survey of psychological distress among Chinese people in the COVID-19 epidemic: implications and policy recommendations. Gen Psychiatry 2020; 33(2):e100213.

35 Holmes EA, O'Connor RC, Perry VH, Tracey I, Wessely S, Arseneault L, Ballard C, Christensen H, Cohen Silver R, Everall I, Ford T, John A, Kabir T, King K, Madan I, Michie S, Przybylski AK, Shafran R, Sweeney A, Worthman CM, Yardley L, Cowan K, Cope C, Hotopf M, Bullmore E. Multidisciplinary research priorities for the COVID-19 pandemic: a call for action for mental health science. Lancet Psychiatry 2020; 7(6):547-560.
-3636 Pappa S, Ntella V, Giannakas T, Giannakoulis VG, Papoutsi E, Katsaounou P. Prevalence of depression, anxiety, and insomnia among healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a systematic review and meta-analysis. Brain Behav Immun 2020; 88:901-907..

Os transtornos mentais comuns, medidos pelo SRQ-20, podem estar relacionados ao contexto de trabalho, manifestando-se por um conjunto de sintomas, entre os quais se destacam fadiga, irritabilidade, insônia, dificuldade de concentração, esquecimento e queixas somáticas. Contudo, não atendem plenamente aos critérios diagnósticos de ansiedade ou depressão, mas causam intenso sofrimento psíquico, o que pode resultar em perda funcional significativa, além de danos psicossociais à pessoa3737 Santos AMVS, Lima CA, Messias RB, Costa FM, Brito MFSF. Transtornos mentais comuns: prevalência e fatores associados entre agentes comunitários de saúde. Cad Saude Colet 2017; 25(2):160-168.,3838 Gonçalves DM, Stein AT, Kapczinski F. Avaliação de desempenho do Self-Reporting Questionnaire como instrumento de rastreamento psiquiátrico: um estudo comparativo com o Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR. Cad Saude Publica 2008; 24(2):380-390..

Assim, não é surpreendente que haja relatos de aumento de profissionais de saúde com sintomas de ansiedade, o que pode ser um precursor da depressão, que por sua vez pode repercutir na (ou se relacionar à) qualidade de vida2929 Varghese A, George G, Kondaguli SV, Naser AY, Khakha DC, Chatterji R. Decline in the mental health of nurses across the globe during COVID-19: a systematic review and meta-analysis. J Glob Health 2021; 11:05009.,3939 Teles MA, Barbosa MR, Vargas AM, Gomes VE, Ferreira EF, Martins AM, Ferreira RC. Psychosocial work conditions and quality of life among primary health care employees: a cross sectional study. Health Qual Life Outcomes 2014; 12:72.

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-4141 Assunção AA, Pimenta AM. Satisfação no trabalho do pessoal de enfermagem na rede pública de saúde em uma capital brasileira. Cien Saude Colet 2020; 25(1):169-180.. Entre os possíveis fatores estressores no grupo estudado, podemos citar o não treinamento dos ACS, a ausência de EPI, o fato de as normas de biossegurança estabelecidas não serem percebidas como suficientes e a mudança no processo de trabalho. Além disso, a maioria dos ACS acredita ser veículo de transmissão da COVID-19, e muitos tiveram casos de COVID-19 na família, o que também pode ser considerado um estressor. Estudo observou que o risco e o medo de infecção pelo vírus, adicionado ao distanciamento social (certo sentimento de solidão) e do convívio da família, além das questões econômicas e de incerteza com o futuro, causam a fadiga física e mental3333 Kang L, Ma S, Chen M, Yang J, Wang Y, Li R, Yao L, Bai H, Cai Z, Xiang Yang B, Hu S, Zhang K, Wang G, Ma C, Liu Z. Impact on mental health and perceptions of psychological care among medical and nursing staff in Wuhan during the 2019 Novel Coronavirus Disease Outbreak: a cross-sectional study. Brain Behav Immun 2020; 87:11-17..

Os resultados da presente pesquisa também indicaram associação negativa entre a autoeficácia e maior SRQ nos ACS. No contexto da COVID-19, ter maior autoeficácia é importante, pois significaria ter maior capacidade para lidar com os desdobramentos dessa doença na condição do viver e assim poder contribuir com resolução de problemas e tomadas de decisão mais coerentes4242 Heo YM, Lee M, Jang SJ. Intentions of frontline nurses regarding COVID-19 patient care: a cross-sectional study in Korea. J Nurs Manag 2021; 29(6):1880-1888.,4343 Shahrour G, Dardas LA. Acute stress disorder, coping self-efficacy and subsequent psychological distress among nurses amid COVID-19. J Nurs Manag 2020; 28(7):1686-1695..

Estudo de Xiong et al.4444 Xiong J, Lipsitz O, Nasri F, Lui LMW, Gill H, Phan L, Chen-Li D, Iacobucci M, Ho R, Majeed A, McIntyre RS. Impact of COVID-19 pandemic on mental health in the general population: a systematic review. J Affect Disord 2020; 277:55-64. observou a associação entre a menor autoeficácia e a ansiedade em enfermeiros durante a pandemia de COVID-19. Dessa forma, a autoeficácia pode apoiar e dar suporte à saúde mental, visando o bem-estar dos profissionais de saúde durante a pandemia4242 Heo YM, Lee M, Jang SJ. Intentions of frontline nurses regarding COVID-19 patient care: a cross-sectional study in Korea. J Nurs Manag 2021; 29(6):1880-1888.,4646 Lee J, Kang SJ. Factors influencing nurses' intention to care for patients with emerging infectious diseases: application of the theory of planned behavior. Nurs Health Sci 2020; 22(1):82-90., pois a autoeficácia está relacionada à motivação e à realização. Sujeitos com elevada autoeficácia não desistem facilmente, pelo contrário, aumentam o esforço para superação dos desafios4747 Salanova M, Lorente L, Chambel M, Martínez I. Linking transformational leadership to nurse's extra-role performance: the mediating role of self-efficacy and work engagement. J Adv Nurs 2011; 67(10):2256-2266..

A saúde mental, a qualidade de vida e a autoeficácia comprometidas contribuem para a redução do desempenho no trabalho (atrasos e erros), sendo fator de risco para acidentes no trabalho, conflitos entre membros de equipe e maior possibilidade de uso abusivo de medicamentos4848 Brandford AA, Reed DB. Depression in registered nurses: a state of the science. Workplace Health Saf 2016; 64(10):488-511.,4949 Junqueira MAB, Santos MA, Araújo LB, Ferreira MCM, Giuliani CD, Pillon SC. Sintomas depressivos e o uso de drogas entre os profissionais da equipe de enfermagem. Esc Anna Nery 2018; 22(4):e20180129..

O presente estudo revelou também a importância da identificação precoce de problemas com a saúde mental, que podem afetar outras áreas da vida, entre elas o trabalho. O conhecimento sobre fatores individuais e contextuais associados à saúde mental dos ACS é importante e pode contribuir para políticas de saúde mental e do trabalhador mais eficazes dirigidas a essa população, especialmente aqueles que trabalham em áreas de maior vulnerabilidade social e violência. Dessa forma, a criação de uma política de cuidado do cuidador pode contribuir para o suporte e o apoio ao ACS no exercício de seu ofício, melhorando seu processo de trabalho e ofertando condições dignas de trabalho, para que assim sua qualidade de vida e sua eficácia aumentem, melhorando também a atenção à saúde prestada à população.

É importante frisar que este estudo não ocorreu sem limitações, sendo seu caráter transversal uma delas, pois não permite estabelecer causa e efeito entre as variáveis analisadas. Contudo, realizou-se análise em vários níveis, permitindo avaliações de fatores contextuais que se relacionam à saúde mental dos ACS.

Conclui-se que, mesmo os ACS atuando em cidades nordestinas que apresentam peculiaridades distintas, cerca de 40% dos ACS apresentaram SRQ acima de 7, sinalizando altos níveis de TMC/problemas de saúde mental durante o enfrentamento da pandemia de COVID-19. Esse fato pode ter comprometido a qualidade e ou a continuidade da atenção à saúde das famílias adscritas nos territórios da ESF. Os achados evidenciaram a dinâmica multidimensional da saúde mental e ajudam a compreender a relação entre violência comunitária, COVID-19, qualidade de vida, idade e tempo de atuação na ESF com a saúde mental dos ACS. Espera-se que os resultados deste estudo subsidiem ações estratégicas que busquem promover a saúde mental e a qualidade de vida dos ACS, para que esses profissionais possam superar as sequelas emocionais vivenciadas e sentidas ao longo da pandemia de COVID-19 e desenvolver plenamente suas atividades.

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  • Financiamento

    Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Inova, Fundação Lemann - Harvard, Fundação Oswaldo Cruz - Rede PMA APS.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Ago 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2022
  • Aceito
    17 Abr 2023
  • Publicado
    03 Maio 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br