Espiritualidade e religiosidade para mulheres umbandistas e candomblecistas: representação social e implicações na saúde

Antonio Marcos Tosoli Gomes Carla Marins Silva Juliana de Lima Brandão Pablo Luiz Santos Couto Magno Conceição das Merces Michell Ângelo Marques Araújo Manuela de Mendonça Figueirêdo Coelho Sérgio Donha Yarid Sobre os autores

Resumo

O objeto de estudo se refere às representações da espiritualidade e da religiosidade para mulheres que pertencem às religiões afrodiaspóricas, em específico às que são fiéis da umbanda e do candomblé. Buscou-se analisar a estrutura representacional da espiritualidade e da religiosidade para mulheres umbandistas e candomblecistas com vistas a se pensar um modelo explicativo dessa construção simbólica e as implicações para a prática de cuidado na área da saúde. Estudo qualitativo, à luz das representações sociais em sua abordagem estrutural. Dados coletados com 207 mulheres umbandistas e candomblecistas por meio de evocações livres aos termos indutores espiritualidade e religiosidade, além da caracterização e da escala de religiosidade. As evocações foram submetidas às análises prototípica e de similitude com o Iramuteq, e os dados quantitativos, pela estatística descritiva. Os resultados mostram que os elementos centrais para a religiosidade são fé, crença, Deus e amor, enquanto para espiritualidade, fé, Orixás, Deus, paz e amor. A árvore de similitude explicita a centralidade da fé para a estruturação dessa representação. As representações se organizam ao redor da ideia de relação entre o humano e o divino.

Palavras-chave:
Espiritualidade; Religião; Estudos de gênero; Psicologia social; Afro-americanos

Introdução

O objeto de estudo deste artigo se refere às representações da espiritualidade e da religiosidade para mulheres que pertencem às religiões afrodiaspóricas, em específico às que são fiéis da umbanda e do candomblé. Sua importância se deve à hipótese teórica de que, apesar de serem conceitos distintos e fenômenos que podem acontecer de formas diferentes, e até em separado em contextos específicos, apresentam-se como uma mesma representação para grupos sociais brasileiros estudados11 Nogueira VPF, Gomes AMT, Apostolidis T, Collares-da-Rocha JCC, Souza KPDS, Mercês MC. As facetas da fé para pessoas que vivem com o vírus da imunodeficiência humana. Fragm Cult 2019; 29(4):726-734.,22 Nogueira VPF. As representações sociais da espiritualidade e da religiosidade para pessoas que vivem com HIV/Aids: estrutura de pensamento, enfrentamento da síndrome e cuidado de enfermagem [tese]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2019..

No caso das mulheres de religiões afrodiaspóricas, considera-se que essa hipótese pode ser confirmada na medida em que a espiritualidade e a religiosidade podem ser consideradas fenômenos espirituais e religiosos que se caracterizam pelo transe33 Altivo B. Reinadinho dos kamburekos. Rev Espaço Acad 2020; 20(225):37-49., pela sacralidade da existência, pela superação da dicotomia tradicional entre o sagrado e o profano, pela crença na presença de Orixás e Guias espirituais nos eventos do dia-a-dia44 Nascimento WS, Lima VIC. O sagrado e as mulheres quilombolas: experiência religiosa e rezadeiras da comunidade do Baixão-BA. Cad Campo 2021; 30(1):e172066., pela presença do divino em praticamente todos os aspectos do mundo55 Silveira SR. A constituição cultual religiosa afro-brasileira e sua relação com a religiosidade africana e o corpo. Diálogos 2021; 25(3):1806-201. e pela materialização do sagrado em objetos, assentamentos e fenômenos naturais33 Altivo B. Reinadinho dos kamburekos. Rev Espaço Acad 2020; 20(225):37-49..

O espaço dessas religiões, chamado de terreiros, ilês, tendas, casas e outros nomes que podem ser destacados, caracteriza-se por uma organização ritual, religiosa e humana para a concretização da relação entre o sagrado e os seres humanos, bem como sua constituição em um lugar de acolhimento e de convivência entre os indivíduos que compõem a comunidade66 Scorsolini-Comin F, Macedo A. O terreiro e a universidade: estudo de caso etnopsicológico em um terreiro de Umbanda de Ribeirão Preto-SP, Brasil. Diálogos 2021; 25(3):202-226..

Como consequência, o divino e o transcendente são realidades existenciais, quase tangíveis nas mais variadas situações, que geram atitudes e conformam decisões relevantes para as diversas áreas da vida humana, inclusive a saúde. O mundo espiritual e o mundo concreto se interpenetram em seus cotidianos, influenciando-se de forma mútua e de maneira intensa, de modo que sua separação se dá muito mais como um exercício do pensamento acadêmico do que como uma realidade presente na vida cotidiana das pessoas.

As dimensões da espiritualidade e da religiosidade são capazes de estimular ações de generosidade e empatia, assim como de solidariedade e cuidado, como expressões de vida baseadas nos princípios humanos77 Koenig HG. Espiritualidade no cuidado com o paciente. Por que, como, quando e o quê. São Paulo: Ed. FE; 2015., questões presentes nas raízes das religiões de matriz africana. De forma geral, os terreiros são instituições religiosas marcadas por acolhimento às pessoas de acordo com os seus próprios preceitos, regras e rituais, e se constituem em um apoio multidimensional, oferecendo explicações para o mundo à sua volta e para a sua vida, além de soluções para os mais variados problemas, inclusive os de saúde88 Gomes AMT. O terreiro de umbanda como espaço de cuidado: algumas reflexões. Rev Baiana Enferm 2021; 35:e45202..

Diante disso, define-se como objetivo deste estudo analisar a estrutura representacional da espiritualidade e da religiosidade para mulheres umbandistas e candomblecistas com vistas a se pensar um modelo explicativo dessa construção simbólica e as implicações para a prática de cuidado na área da saúde.

Os conceitos de espiritualidade e de religiosidade e as representações sociais como arsenal teórico

A abordagem da espiritualidade e da religiosidade, em quaisquer áreas de conhecimento, torna-se um desafio por diversos motivos, com contornos particulares no contexto da saúde. O primeiro deles é que esses dois conceitos se encontram na interface de diversos campos de conhecimento, a exemplo da teologia, da sociologia, da antropologia, da filosofia e da psicologia99 Cruz ER. Estatuto epistemológico da ciência da religião. In: Passos JD, Usarsk F, organizadores. Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas/Paulus; 2013. p. 37-49.. Ou seja, ambas podem ser abordadas de diferentes maneiras, vivenciadas de formas distintas e serem aspectos tão importantes para as pessoas que se tornam eixos centrais em suas existências, pelos quais vale a pena continuar a viver ou morrer 1010 Thiengo PCS, Gomes AMT, Spezani RS, Nogueira VPF, Barbosa DJ, Bernardes MMR, Peixoto ARS. Representação social da morte para estudantes de enfermagem. Cogit Enferm 2021; 26:e71628..

Sabe-se que a espiritualidade e a religiosidade não são sinônimas77 Koenig HG. Espiritualidade no cuidado com o paciente. Por que, como, quando e o quê. São Paulo: Ed. FE; 2015.,1111 Moreira-Almeida A, Koenig H. Spirituality and ophthalmology. Rev Bras Oftalmol 2021; 80(6):e0047.. A religiosidade envolve crenças, práticas e rituais relacionados ao transcendente, sendo este conceito preenchido por múltiplas apreensões, de acordo com as tradições religiosas (Jeová para os Judeus, a Trindade para os cristãos, Allah para os mulçumanos e assim sucessivamente)77 Koenig HG. Espiritualidade no cuidado com o paciente. Por que, como, quando e o quê. São Paulo: Ed. FE; 2015.. Em simultâneo, caracterizam-se por terem crenças específicas acerca da vida após a morte e sobre os papéis e condutas no contexto de determinados grupos sociais. Religião ou religiosidade apresentam-se como um constructo multidimensional que inclui crenças, comportamentos, rituais e cerimônias que são apreendidos e praticados em ambientes privados ou públicos, mas, de modo geral, derivados de tradições estabelecidas que se desenvolveram ao longo do tempo dentro de uma comunidade77 Koenig HG. Espiritualidade no cuidado com o paciente. Por que, como, quando e o quê. São Paulo: Ed. FE; 2015..

Por sua vez, espiritualidade é a conexão com o sagrado e o transcendente77 Koenig HG. Espiritualidade no cuidado com o paciente. Por que, como, quando e o quê. São Paulo: Ed. FE; 2015.. Relaciona-se à busca pessoal para a compreensão das respostas às questões últimas acerca da vida, do seu sentido e da relação com o sagrado e o transcendente, que pode ou não levar ao desenvolvimento de rituais religiosos e à formação de uma comunidade.

Ao mesmo tempo, destaca-se que tanto a religiosidade quanto a espiritualidade são objetos socialmente construídos e marcados por suas facetas culturais, coletivas e históricas, ainda que os fiéis tenham a ideia de uma origem sobrenatural ou determinada pelo transcendente, por exemplo, como os relatos de experiências de quase morte (EQM), em que há evidente relação com o quadro religioso-espiritual dos que a apresentam, salvo algumas exceções1212 Gomes AMT, Nogueira VPF. A teoria das representações sociais como possibilidade de leitura do fenômeno religioso e da espiritualidade na área da saúde. In: Nascimento A, Gianordoli-Nascimento I, Rocha MIA, organizadores. Representações sociais: campos, vertentes e fronteiras. Belo Horizonte: Ed. UFMG; 2021. p. 185-216.. Por isso, considera-se neste trabalho que se trata de objetos representacionais que têm densidade social e são reconstruídos sociocognitivamente pelas mulheres da umbanda e do candomblé na cotidianidade dos terreiros e na microdinâmica de seu dia a dia.

Assim, evidencia-se a existência de um universo reificado e um universo consensual que se encontram para sustentar as construções representacionais acerca desses dois objetos, como formas de conhecimentos distintas mas que se influenciam na conformação final de seu processo simbólico.

Para aprofundar a compreensão das representações sociais, a teoria afirma que não há distinção entre os universos exterior e interior de um indivíduo ou grupo, e dessa maneira deve-se considerar que sujeito e objeto não são necessariamente distintos1313 Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 1978.. Nessa esteira, Jean-Claude Abric1414 Abric JC. Las representaciones sociales: aspectos teóricos. In: Abric JC, organizador. Prácticas sociales y representaciones. México: Ed. Coyoacán; 1994. p. 11-32. (p. 12) contribui acrescentando que “para a teoria, não há uma realidade objetiva, toda realidade é representada, apropriada pelos indivíduos e reconstruída em seu sistema cognitivo e integrada em seu sistema de valores, que depende de sua história e do contexto social e ideológico que o circunda”.

Nesse ponto, pode-se trazer então, uma primeira definição de representação social: uma visão funcional do mundo que permite ao indivíduo, ou ao grupo, conferir sentido às suas condutas e entender a realidade mediante seu próprio sistema de referências, adaptando e definindo, desse modo, um lugar para si1414 Abric JC. Las representaciones sociales: aspectos teóricos. In: Abric JC, organizador. Prácticas sociales y representaciones. México: Ed. Coyoacán; 1994. p. 11-32.. Denise Jodelet1515 Jodelet D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: Jodelet D, organizadora. As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2001. p. 17-44. (p. 22) afirma que a representação social “é uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, tendo uma orientação prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Serge Moscovici1313 Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 1978. ressalta que a representação se caracteriza por ser um conjunto de explicações, conceitos, imagens e afirmações que se originam na vida diária e no curso de comunicações interindividuais.

Com relação à teoria do núcleo central, a abordagem que é, de modo específico, utilizada neste trabalho propõe que a significação de uma representação não se localiza somente nos elementos que as estruturam, mas também nas relações que esses conteúdos estabelecem entre si1414 Abric JC. Las representaciones sociales: aspectos teóricos. In: Abric JC, organizador. Prácticas sociales y representaciones. México: Ed. Coyoacán; 1994. p. 11-32.. Dessa maneira, o núcleo central possui basicamente duas funções, a geradora, por meio da qual se criam ou se transformam os significados dos demais elementos, e a organizadora, que organiza e estabiliza a representação, ao imprimir a natureza dos laços que unem os conteúdos1414 Abric JC. Las representaciones sociales: aspectos teóricos. In: Abric JC, organizador. Prácticas sociales y representaciones. México: Ed. Coyoacán; 1994. p. 11-32..

Tem, ainda, duas dimensões: a funcional, importante para a realização de uma tarefa, e que apresenta uma função operatória; e a normativa, em que uma norma, um estereótipo ou uma atitude estará no núcleo da representação, tratando-se, portanto, de uma marca socioafetiva, social ou ideológica1414 Abric JC. Las representaciones sociales: aspectos teóricos. In: Abric JC, organizador. Prácticas sociales y representaciones. México: Ed. Coyoacán; 1994. p. 11-32.. Sua constituição é determinada pelo contexto histórico, sociológico e ideológico, fortemente marcada pela memória coletiva do grupo que o criou e pelo sistema de normas com o qual tem ligação. Caracteriza-se por ser estável, coerente, resistente à mudança, e fornece, ao mesmo tempo, continuidade, consensualidade e permanência à representação1414 Abric JC. Las representaciones sociales: aspectos teóricos. In: Abric JC, organizador. Prácticas sociales y representaciones. México: Ed. Coyoacán; 1994. p. 11-32..

Em torno desse núcleo, organizam-se os elementos periféricos, que são os componentes mais acessíveis, vivos e concretos, com três funções primordiais: a concretização, permitindo a formulação da representação em termos concretos; a regulação, dimensionando os elementos novos ou menos importantes às orientações do núcleo central; e a defesa do núcleo, protegendo-o de mudanças progressivas ou abruptas1414 Abric JC. Las representaciones sociales: aspectos teóricos. In: Abric JC, organizador. Prácticas sociales y representaciones. México: Ed. Coyoacán; 1994. p. 11-32..

Por meio dos elementos periféricos, alojados ao redor do núcleo central, realiza-se a interface entre a realidade cotidiana e concreta e o sistema central, ao mesmo tempo em que esses elementos geram mobilidade, flexibilidade e funcionalidade ao objeto e/ou ideia representada1616 Sá CP. Núcleo central das representações sociais. Petrópolis: Vozes; 2002.. Por isso, pode-se compreender que as representações sociais apresentam um comportamento ambíguo, ou seja, são ao mesmo tempo, estáveis e móveis, rígidas e flexíveis, consensuais mas também marcadas por fortes diferenças interindividuais1414 Abric JC. Las representaciones sociales: aspectos teóricos. In: Abric JC, organizador. Prácticas sociales y representaciones. México: Ed. Coyoacán; 1994. p. 11-32..

Métodos

Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo e exploratório, baseado na teoria das representações sociais como proposto por Serge Moscovici1313 Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 1978. em sua abordagem estrutural, a partir das contribuições de Jean-Claude Abric1414 Abric JC. Las representaciones sociales: aspectos teóricos. In: Abric JC, organizador. Prácticas sociales y representaciones. México: Ed. Coyoacán; 1994. p. 11-32..

O estudo se desenvolveu de maneira virtual, com a utilização do formulário denominado Google Forms, distribuído segundo a técnica snowball entre pessoas e grupos de WhatsApp e plataformas virtuais como Facebook e Instagram de junho a outubro de 2020. Esse formulário foi composto por cinco partes, incluindo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a caracterização dos participantes, a escala de religiosidade de Duke e a coleta de evocações aos termos indutores espiritualidade e religiosidade. A caracterização englobou idade, religião, práticas religiosas antes e depois da pandemia e apoio religioso durante o isolamento social e o período da pandemia. Por sua vez, a escala de religiosidade de Duke se caracteriza por ter cinco questões, que englobam a religiosidade organizacional (uma questão), a religiosidade não-organizacional (uma questão) e a religiosidade intrínseca (três questões) 1717 Fleury LFO, Gomes AMT, Formida NS, França LCM, Figueiredo V, Mercês MC, Fleury M. Propriedades psicométricas da escala de religiosidade de Duke: estudo com estudantes universitários. Psicol Saude Doenças 2021; 22(2):645-658..

Com relação à coleta de evocações livres, foi solicitado que cada sujeito escrevesse três palavras que viessem imediatamente à sua cabeça quando lessem a palavra espiritualidade. A seguir, foi solicitado o mesmo procedimento para a palavra religiosidade. O formulário foi dirigido para mulheres que pertencessem à umbanda ou ao candomblé de qualquer parte do país. Ao final, 207 pessoas responderam ao instrumento e se tornaram participantes da pesquisa.

Os dados da caracterização foram analisados a partir da estatística simples e descritiva, ao passo que os dados das evocações o foram por meio da análise prototípica, com o suporte do quadro de quatro casas construído a partir do software Iramuteq. O quadro de quatro casas é organizado segundo dois critérios objetivos: a frequência média, que separa as palavras entre aquelas mais evocadas das menos evocadas, e o rang, que as divide entre as mais prontamente ou mais tardiamente evocadas. Desse modo, a frequência divide o quadro em superior (mais evocadas) e inferior (menos evocadas), enquanto o rang em esquerda (mais prontamente evocadas e, portanto, com menor rang) e direita (mais tardiamente evocadas e, portanto, com maior rang).

Desse jeito, formam-se quatro casas: a superior esquerda, com maior frequência e menor rang, onde se localizam os elementos que podem ser centrais; a superior direita, que possui alta frequência, mas também alto rang, configurando-se a primeira periferia. Alguns autores22 Nogueira VPF. As representações sociais da espiritualidade e da religiosidade para pessoas que vivem com HIV/Aids: estrutura de pensamento, enfrentamento da síndrome e cuidado de enfermagem [tese]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2019. referem que palavras localizadas nesta casa podem apresentar comportamentos centrais.

A inferior esquerda, mais conhecida como zona de contraste, onde se tem baixa frequência e baixo rang. Nesse espaço podem ser encontradas palavras que explicitam a existência de um subgrupo representacional, em contraste com os elementos que provavelmente compõem o núcleo central da representação. Na casa à direita, na parte inferior, está a segunda periferia, com baixa frequência e alto rang, sendo um conjunto de palavras que se ligam ao contexto imediato do grupo estudado, o que explicita uma dimensão prática e cotidiana.

Além da análise prototípica, realizou-se a análise de similitude para cada um dos termos estudados, buscando-se explicitar as relações internas entre os elementos e o índice de aproximação que cada dupla de palavras apresenta.

O presente estudo respeitou todos os requisitos éticos, conforme a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sua aprovação pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 31050020.0.0000.5282 e Parecer nº 4.380.513. Para tanto, os participantes tiveram acesso ao TCLE antes de começarem a responder ao formulário voluntariamente e tiveram o anonimato, o sigilo e a confidencialidade resguardados.

Resultados

Os sujeitos apresentaram, como idade mínima, 18 anos, máxima de 69 e mediana de 42, sendo 82 (40%) deles pertencentes ao candomblé e 125 (60%) à umbanda. Com relação aos candomblecistas, 73% pertencem à nação Ketu, 22% à Jeje e 5% à Angola. Do total dos sujeitos, 44% afirmaram o aumento de práticas religiosas durante a pandemia, 29% a diminuíram e 27% não relataram alteração nessas práticas.

Ao mesmo tempo, 92% relataram apoio da comunidade religiosa para o enfrentamento do isolamento social e do período de pandemia. Com relação à escala de religiosidade, os sujeitos apresentam um índice de religiosidade organizacional de 2,58, podendo variar de 1-6, enquanto a não-organizacional foi de 2,51 (com variação de 1-6), e a intrínseca de 1,63 (variando de 1 a 5), o que indica um elevado nível desta última, mas também uma presença importante das demais. Pode-se considerar, então, que esse grupo representa, em sua identidade social e em sua prática religiosa cotidiana, a comunidade à qual pertence.

A seguir serão expostos os quadros de religiosidade e de espiritualidade de mulheres que professam duas religiões consideradas de matriz africana: a umbanda e o candomblé. Com relação ao quadro de quatro casas de religiosidade (Quadro 1), destaca-se que foi construído por 16 palavras entre as 199 diferentes que formaram o corpus, além de ser organizado pela frequência mínima de 8, média de 20 e rang de 1,9.

Quadro 1
Quadro de quatro casas referente às evocações ao termo indutor “religiosidade”. Rio de Janeiro/RJ, 2022.

A análise de similitude ao termo indutor religiosidade chama a atenção para a estrutura apresentada na Figura 1.

Figura 1
Árvore máxima de similitude “religiosidade”. Rio de Janeiro/RJ, 2022.

Com relação ao quadro da espiritualidade (Quadro 2), destaca-se que foi construído com 14 palavras entre as 149 diferentes, tendo como valores para a sua organização, a frequência mínima de 6, a média de 26 e rang de 1,9.

Quadro 2
Quadro de quatro casas referente às evocações ao termo indutor “espiritualidade”. Rio de Janeiro/RJ, 2022.

Com relação à análise de similitude de espiritualidade, pode-se observar a organização interna entre os elementos apresentada na Figura 2.

Figura 2
Árvore máxima de similitude “espiritualidade”. Rio de Janeiro/RJ, 2022.

Quando se comparam os elementos que compõem os quadrantes relativos ao núcleo central e também à primeira periferia, sendo este último um espaço onde os elementos com características centrais podem ser encontrados, observa-se a seguinte distribuição: dois elementos são comuns como possíveis centrais aos dois termos indutores, fé e Deus, ao passo que Orixás se localiza no quadrante central para o objeto representacional espiritualidade e no da primeira periferia para religiosidade. Por sua vez, amor se localiza, para ambos, na primeira periferia. Como especificidade da representação da espiritualidade, destacam-se paz como possível núcleo central e caridade na primeira periferia.

No quadrante da zona de contraste, a religiosidade é composta por elementos como umbanda, prática e tempo, reforçando em particular a dimensão da crença, presente entre os elementos que podem ser considerados centrais, ao mesmo tempo em que uma das religiões é citada e, simultaneamente, destaca-se a dimensão do tempo. No caso da espiritualidade, os elementos que a compõem são vida, religião, Jesus e força, sendo que dois desses cognemas apresentam comportamentos de contraste: Jesus e religião. O primeiro em face das divindades das religiões estudadas, e o segundo por colocar, no bojo da representação da espiritualidade, a imagem da religião.

No que diz respeito à análise de similitude da religiosidade, destacam-se os papeis de organização de toda a estrutura do elemento fé e, na sequência, o de crença, amor e Deus. Já para espiritualidade, a estrutura é mantida e ligada também pelo elemento fé, ao passo que também apresenta, importante função os léxicos amor e Orixá.

Discussão

A partir dos dados apresentados, levanta-se a hipótese de que se trata de uma mesma representação, o que equivaleria a dizer que, para as participantes, a religiosidade e a espiritualidade são apreendidas como um mesmo fenômeno, ou que, ao menos em boa parte de sua construção simbólica e representacional, há uma importante sobreposição de elementos e sentidos. Esse resultado, de certa forma não surpreende, haja vista encontrar na literatura outras pesquisas que trabalharam com a espiritualidade e a religiosidade como objetos e/ou fenômenos representacionais, concluindo também tratar-se de uma mesma representação22 Nogueira VPF. As representações sociais da espiritualidade e da religiosidade para pessoas que vivem com HIV/Aids: estrutura de pensamento, enfrentamento da síndrome e cuidado de enfermagem [tese]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2019..

Após essa primeira inferência teórica, fundamental para a continuidade do presente manuscrito, destaca-se que as duas representações são organizadas ao redor de uma polaridade - a relação entre o humano (o polo da fé) e o divino (o polo de Deus), sendo esta polaridade a que liga os dois objetos em uma mesma representação construída por mulheres no contexto das religiões afrodiaspóricas estudadas. Ou seja, considera-se que, independentemente do grupo estudado e de suas particularidades, no contexto brasileiro, a espiritualidade e a religiosidade são representadas como um único objeto ou fenômeno representacional. Isso também evidencia a importância da espiritualidade no Brasil, traduzindo-se por questões práticas vinculadas e expressas pela religiosidade dos diversos grupos sociais.

No entanto, a representação social da religiosidade se desdobra na complexa estrutura da crença, que tende a se constituir como um eixo amalgamador da comunidade religiosa e organizador do modo como as pessoas desta comunidade se relacionam com o sagrado e o divino. É também a concretização cognitiva, moral e doutrinária desta dimensão relacional em um contexto grupal, comunitário e histórico específicos1818 Dravet F. Umbanda, religiosidade popular e o princípio de ordem/desordem. In: Camargo HW, organizador. Umbanda, cultura e comunicação: olhares e encruzilhadas. Curitiba: Syntagma Editores; 2019. p. 38-53.. Ainda no sentido do desdobramento desta mesma representação, destaca-se o elemento amor, que se configura com uma dupla face: princípio ético-comportamental a partir das bases teóricas da religião, e uma dimensão conceitual, em que o divino e a comunidade se caracterizam exatamente por esta perspectiva, ou seja, não é possível compreender o divino e a religião sem este atributo1919 Castro G. Imaginário, Umbanda e comunicação. In: Camargo HW, organizador. Umbanda, cultura e comunicação: olhares e encruzilhadas. Curitiba: Syntagma Editores; 2019. p. 55-68..

Ao mesmo tempo, a espiritualidade apresenta, também, como possíveis elementos centrais, Orixás e paz, o que se relaciona ao reforço da dimensão relacional do humano com o divino e a consequência desta relação em seu cotidiano pelo sentimento de paz. Na primeira periferia desta estrutura representacional podem ser percebidos os léxicos amor e caridade, em que o primeiro também se caracteriza por ser uma consequência do aspecto relacional da espiritualidade, enquanto o segundo por uma dimensão prática dos religiosos que se relaciona à condição básica de ser religioso pela ideia da caridade.

Outra inferência necessária é a influência da espinha dorsal do cristianismo nas representações da espiritualidade e da religiosidade, que pode ser vista, em especial, nas ideias de amor que estão em ambas as representações, assim como na prerrogativa da caridade na espiritualidade como um elemento indispensável para a comunidade de fé e sua forma de estar no mundo. A seguir, uma figura esquemática acerca da representação social da espiritualidade e da religiosidade para o grupo social (Figura 3) sintetiza os conteúdos e sentidos observados.

Figura 3
Organização esquemática acerca da RS da espiritualidade e da religiosidade para mulheres umbandistas e candomblecistas. Rio de Janeiro/RJ, 2022.

Como pode ser observado, as representações da espiritualidade e da religiosidade se configuram como uma relação entre o humano e o divino e a concretização desta relação no cotidiano, em que Deus se apresenta de maneira importante. No entanto, deve-se reconhecer a inespecificidade desse termo, o que abrange a ideia de um Deus criador e mantenedor de todas as coisas, sem ligá-lo, especificamente, às religiões afrodiaspórica e, possivelmente, com muita influência do cristianismo. A especificidade desta relação com o sagrado se dá na representação da espiritualidade, em que o léxico Orixás pode ser observado como um possível elemento central.

Diferentes estudos mostram a relação próxima que os Orixás têm, em especial, com os fiéis do candomblé e, de modo mais indireto porém importante, com os da umbanda por meio das entidades espirituais, que atuam sob as ordens e o poder dos Orixás2020 Cruz RCG. A relação com o Orixá como cultivo da experiência religiosa. Sacrilegens 2020; 16(2):232-249.,2121 Morais MA. A dimensão espacial na construção identitária umbandista. Espaç Geogr 2020; 23(1):265-281.. Os Orixás são um conceito complexo, que engloba simultaneamente o poder de determinados aspectos naturais e a ideia de ancestrais divinizados, contendo poder sobrenatural, características e comportamentos humanos e um misto de generosidade, compreensão e exigência2222 Santos Filho EF, Alves JBA. Construção e difusão do conhecimento por meio de contos africanos: a tradição oral sobre a cosmologia Iorubá. Rev HISTEDBR 2020; 20:e020024..

Mas pode-se, ainda, observar a presença do divino explicitamente cristão por intermédio do léxico Jesus na zona de contraste, o que reforça a inferência da influência dessa tradição religiosa nas representações, possivelmente em função da umbanda e de sua relação com a religião hegemônica. Dessa maneira, Deus, Orixás e Jesus são as facetas do divino que se mostram no conjunto das representações sociais da espiritualidade e da religiosidade.

A partir dessa dimensão comum a ambos os objetos, que se pode considerar como sendo a mesma representação, a especificidade da representação social da religiosidade se dá na relação comunitária mediada pelas crenças e princípios religiosos. E ao mesmo tempo, a especificidade da espiritualidade na relação que se estabelece consigo mesmo e com os demais no microespaço da convivência.

Os resultados empíricos deste estudo divergem de outras pesquisas desenvolvidas na área da saúde2323 Lemos CT. Espiritualidade, religiosidade e saúde: uma análise literária. Caminhos 2019; 17:688-708.,2424 Thiengo PCS, Gomes AMT, Mercês MC, Couto PLS, França LCM, Silva AN. Espiritualidade e religiosidade no cuidado em saúde: revisão integrativa. Cogit Enferm 2019; 24:e58692., em que se parte do pressuposto da diferença conceitual entre a espiritualidade e a religiosidade. No entanto, explicita algumas especificidades em sua estrutura mais externa e periférica, o que pode ser considerado como uma apreensão complexa da representação. Como já pontuado, mas vale a pena reforçar dada a importância, trata-se de uma mesma representação que se desdobra em uma dimensão comunitária no caso da religiosidade, como era de se esperar, e relacional intra e interpessoal, no da espiritualidade.

Percebe-se que a construção representacional que ora é exposta no presente manuscrito apresenta relação com a questão de gênero na medida em que se organiza ao redor da dimensão afetiva e relacional, o que se justifica pelo fato de a pesquisa ser desenvolvida exclusivamente com mulheres. Em outro estudo na área das representações sociais, também envolvendo a espiritualidade2525 França LCM, Gomes AMT, Dib RV, Couto PLS, Barbosa BFS, Mercês MC, Figueiredo VP. Representações sociais da espiritualidade entre homens e mulheres atendidos em um ambulatório de HIV/AIDS. Fragm Cult 2019; 29(4):648-659., mostrou-se esta especificidade representacional, em que as mulheres apresentam uma abordagem mais afetiva e conceitual, ao passo que os homens a manifestam de maneira mais pragmática e concreta.

Dessa forma, trata-se de ilustrações da manutenção dos estereótipos de gênero que atribuem papéis sociais diferentes a homens e mulheres, construídos socialmente. Tradicionalmente, a mulher é definida de forma sensível, altruísta e maternal2626 Scott JW, Urso GS. Gênero: ainda é uma categoria útil de análise? Albuquerque 2021; 13(26):177-186.. Ao mesmo tempo, confere-se destaque ao protagonismo feminino nas religiões inerentes ao campo afro-brasileiro, haja vista o papel das emoções ao promover a comunicação entre os homens e os seres sagrados, conforme habilidades sensíveis intrínsecas às sacerdotisas que se apresentam no cumprimento dos trabalhos, sobretudo mediante a lógica de cuidados2727 Carneiro JB, Giacomini SM. "Ninguém vem ao mundo a passeio": notas sobre sacerdócio feminino, cura e cuidado em terreiros de "umbanda traçada". Rev Antropol UFSCAR 2020; 12(1):280-302..

Além disso, a ideia presente de geração da vida, não só no sentido biológico, mas comunitário e espiritual, está no cerne da ideia do feminino nos terreiros, salientando-se a concepção da matripotência e de senioridade aglutinados ao redor do conceito de Iyá, que poderia ser traduzido como mãe. A partir da produção de Oyěwùmí, Iyá não é só um papel social, mas uma estrutura comunitária, um corpo coletivo e uma instituição que põe em funcionamento uma forma de convivência organizada pela senioridade, superando a ideia de laços somente pelo sangue e trazendo a corresponsabilidade econômica, política, social e grupal como centro do processo de gestão da vida cotidiana e da dinâmica comunitária2828 Medeiros CS, Silva IS. A matripotência nos terreiros de candomblés pelas mãos das Makotas. Problemata 2020; 11(5):5-19..

Nesse sentido, percebe-se a característica holística da representação das mulheres, em que se engloba o humano, o divino, a subjetividade, a intersubjetividade e a vida coletiva, em uma complexa construção simbólica, em que comando, proatividade, inclusão, bem-estar grupal, identidade social e perspectivas de vida estão presentes. Considerando que as construções sociais de gênero, que determinam essas representações, variam de acordo com época, contexto, classe, etnia, cultura e religião, defende-se que as estruturas simbólicas podem afetar vidas e práticas dos indivíduos nas relações interpessoais. Vale destacar que são papéis passíveis de questionamentos e mudanças como forma de fugir das prescrições sociais2626 Scott JW, Urso GS. Gênero: ainda é uma categoria útil de análise? Albuquerque 2021; 13(26):177-186..

Frente ao discutido, têm-se ainda alguns desafios que devem ser enfrentados a partir dos dados empíricos resultantes desta pesquisa. O primeiro é que o processo assistencial e a relação do sistema de saúde, assim como de suas unidades e de seus profissionais com os terreiros e as mulheres de terreiros, devem levar em consideração que espiritualidade e religiosidade estão juntas, em maior ou menor grau, para essas pessoas, devendo pautar determinadas ações e o planejamento do cuidado, incluindo as questões de gênero.

Nessa relação entre as unidades de saúde, incluindo o processo de formação dos profissionais, e o terreiro, destacam-se aspectos importantes, como a inclusão e o estímulo ao uso de acessórios sagrados que identificam o pertencimento religioso e espiritual dos fiéis e o processo de discussão com os profissionais e os demais usuários contra o preconceito e a discriminação, ainda bastante comuns2929 Cunha VF, Rossato L, Gaia RSP, Scorsolini-Comin F. Religiosidade/espiritualidade em saúde: uma disciplina de pós-graduação. Estud Interdiscip Psicol 2020; 11(3):232-251.. Ao mesmo tempo, a unidade de saúde deve englobar o terreiro como uma instituição cultural e complexa que se relaciona com a singularidade das pessoas que o compõem, assim como com seu caráter coletivo e plural, que conforma identidade social e pertença grupal.

Além disso, outro apontamento que merece atenção é que espiritualidade e religiosidade, quando contempladas na área da saúde, e principalmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), têm conceitos eurocêntricos, hierarquizados e característicos das religiões abraâmicas3030 Leite ALP, Stern FL, Guerriero S. Espiritualidade e saúde: polissemia, fragilidades e riscos do conceito. Horizonte 2021; 19(60):1015-1040.. Isto é, são carregados de construções hegemônicas (religiosas, de gênero, de raça, entre outras). Para as religiões de terreiro, as perspectivas se dão em caminhos cosmológicos distintos, sendo a inscrição sociocultural do grupo relevante a ponto de requerer apreciação própria no planejamento do cuidado.

O pensamento holístico e integral característico dessas religiões em que o ser humano está inserido em uma comunidade e nela encontra sua expressão no mundo, ao mesmo tempo em que há a conexão com a natureza e consigo mesmo no processo dos rituais religiosos, é uma dimensão importante a ser considerada pelos profissionais de saúde no processo de atendimento. O estímulo a ações que reforcem a vivência comunitária e o uso de recursos como banhos de ervas, por exemplo, são algumas das questões que podem ser citadas e incluídas também no plano de cuidado.

Considerações finais

Destaca-se a necessidade de desenvolvimento de outros estudos que deem conta do aprofundamento simbólico e representacional da espiritualidade e da religiosidade para diferentes grupos humanos e religiosos, uma vez que ambos os fenômenos se interpenetram e se influenciam mutuamente. Em especial, essa comunicação ocorre nas dimensões práticas da vida cotidiana, em que a espiritualidade remete à religiosidade vivida, e a religiosidade guarda, em si, uma fonte importante da dimensão espiritual.

Outra questão importante diz respeito à abordagem de gênero do presente estudo, que pode ter contribuído para a estruturação da representação ao redor da ideia de relação do humano com o divino, do humano com os seus pares e do humano consigo mesmo. Logo, nessas relações o humano parece ser envolto em uma complexa organização comunitária e uma importante inserção da natureza e do meio ambiente. Além disso, a mulher apresenta um papel acentuado e importante no seio dessa comunidade, em sua organização, em seu desenvolvimento, na transmissão de poder e na construção do que está ligado à religiosidade e à espiritualidade.

Ressaltam-se ainda as especificidades constitucionais de ambas as representações, embora se defenda aqui que se trata de uma única e mesma representação. Essas especificidades nos elementos periféricos se relacionam, no caso da religiosidade, à dimensão cognitiva e normativa que mantém unida a própria comunidade religiosa. Quanto à espiritualidade, esta se desdobra em efeitos da relação humano-divino no próprio fiel ou na ida deste em direção àqueles que necessitam, por meio da ideia da caridade.

Por fim, as unidades e os profissionais de saúde precisam abranger as necessidades e demandas das mulheres de terreiro como forma de prestar um cuidado integral e abrangente a essas pessoas e a essas comunidades religiosas. Isso inclui o respeito a seus objetos sagrados e seus recursos terapêuticos como fontes legítimas de cuidado e de cura. Assim, seria permitida a proposição de importantes medidas de proteção à vida, promoção da saúde, prevenção de doenças e incentivo a uma melhor qualidade de vida.

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  • Financiamento

    CNPq Bolsa de PQ 1D 311631/2020-7; Bolsa Prociência UERJ; FAPERJ APQ1 E-26/211.877/2021; e FAPERJ nº E-26/204.111/2022 - Bolsa de Doutorado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Set 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2022
  • Aceito
    10 Jan 2023
  • Publicado
    12 Jan 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br