Resumo
Este ensaio explora as convergências e singularidades do diálogo entre a educação popular (EP) e a educação alimentar e nutricional (EAN) a partir de fragmentos biográficos do percurso formativo da graduação em Nutrição de três docentes universitários que constituíram as suas trajetórias acadêmico-profissional mediados pela Educação Popular. Inspirando-se na autobiografia, as narrativas revelaram que as indignações iniciais com as desigualdades sociais foram mobilizadoras do percurso formativo, possibilitando a compreensão dos fenômenos da fome, do sofrimento e do cuidado humano. Assim, o exercício de buscarem espaços e oportunidades na qual pudessem conhecer e experienciar o trabalho social em contextos de vulnerabilidades mostrou-se decisivo nas construções pessoais e profissionais, revelando as contradições dos modelos tradicionais de formação e foram o ponto de partida para a gênese do pensamento crítico. Assim, pretende-se oferecer pistas para compreender as interfaces entre EP e EAN, na convergência de ações em torno da luta contra a fome e pelo Direito à Alimentação, sem, entretanto, reduzir-se uma à outra, quando a alimentação e nutrição se projetam no horizonte das práticas.
Palavras-chave:
Educação Popular; Educação Alimentar e Nutricional; Autobiografia
Introdução
Este ensaio intenta, a partir de fragmentos biográficos de três docentes de Instituições de Ensino Superior (IES) públicas, graduados em Nutrição, analisar as trajetórias acadêmico-profissional na produção de saberes e fazeres mediados pelo diálogo entre Educação Popular (EP) e Educação Alimentar e Nutricional (EAN) no contexto do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável. As três trajetórias consideram os diferentes contextos históricos e políticos vivenciados pelos autores, sendo duas autoras com relatos situados a partir de meados anos 1980 e outro a partir do início dos anos 2000, multideterminados pelo campo da alimentação, nutrição e saúde, destacando os fenômenos da fome e obesidade, dentro de um processo de instituição de políticas públicas voltadas para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável em interface com o Direito à Saúde.
A escolha da autobiografia enquanto abordagem metodológica se deu por entender que a historização da vida quando compartilhada contribui para a construção da subjetividade e promove o sentimento de pertencimento ao mundo11 Kofe S. Manica D, Modesto AL, Rodrigues CC, Souza CS, Silva CM, Bruno F, Dulley I. Vida & Grafias: narrativas antropológicas, entre biografia e etnografia. Rio de Janeiro: Lamparina & FAPERG; 2015.,22. Práticas autobiográficas contemporâneas: as videografias de si. DOC Online 2009; 6:141-157., bem como para o reconhecimento da história do outro, na relação com o tempo histórico e entrelaçando-o com a vida em sociedade. Concordando com Camargo33 Camargo A. Os Usos da História Oral e da História de Vida: trabalhando com elites políticas. Rev Cien Soc 1984; 27(1):5-28. e Alberti44 Alberti V. Narrativas na história oral. In: XXII Simpósio Nacional de História. João Pessoa: ANPUH-PB; 22-27 jul 2003., a história de vida constitui-se em um instrumento valioso, uma vez que se coloca justamente no ponto de intersecção das relações entre o que é exterior ao indivíduo e aquilo que ele traz dentro de si, podendo ser considerada instrumento privilegiado para análise e interpretação, na medida em que incorpora experiências subjetivas mescladas a contextos sociais. Recordar é uma produção de sentidos que se dá sempre em relação ao mundo e a realidade em que se vive. Quando narramos, damos sentido aos acontecimentos que, ao serem sistematizados criticamente e compartilhados, podem ser potentes para engendrar processos gerais de mudança55 Chagas R. As narrativas de vida como ferramenta para a formação e a pesquisa em educação e saúde. Diversitates Int J 2014; 6(2).. Destaca-se a abordagem de fragmentos autobiográficos também a partir de hooks, que reconhece a importância da experiência para a compreensão do mundo, seus conflitos e paradoxos conferindo identidade para os processos teórico-sociais66 hooks b. Ensinando o pensamento crítico: sabedoria prática. Trad. Bhuvi Libano. São Paulo: Elefante; 2020..
Fragmentos biográficos dos percursos formativos dos docentes
O encontro de Lígia Amparo com as encruzilhadas da EP e EAN
A minha principal motivação para decidir pelo curso de Nutrição eu atribuo ao fenômeno da fome. Nos idos de 1984, o Brasil passava por uma ebulição política com o “fim do milagre econômico” e a iminência das eleições indiretas, ansiando setores da sociedade civil brasileira por uma redemocratização do Brasil. Esta transição irá acontecer no ano seguinte, o ano do meu ingresso ao curso de nutrição da Universidade Federal da Bahia.
Considero a minha geração como de filhas e filhos da ditadura militar. Com isso, tive uma infância e adolescência muito silenciosa em relação ao que acontecia no país neste período. Para mim, as imagens do mundo chegavam, ainda que “borradas” e pouco compreensíveis, pela TV brasileira, especialmente, pelo Jornal Nacional. Ali eu via as imagens de um homem barbudo falando para multidões - que virá a ser presidente em um futuro próximo -, imagens do Planalto Nacional, intercaladas com imagens da fome no Nordeste. Iniciava-se falar efetivamente na palavra fome...
Estava fazendo, em 1984, cursinho pré-vestibular. Egressa de uma Escola Técnica acostumada com os estudos reduzidos para o mundo do trabalho, no cursinho paradoxalmente, foi o despertar para as distintas áreas do saber, em particular as áreas de humanidades que me fez desistir de fazer Engenharia. Afetava-me o fenômeno da fome e estes novos saberes me mobilizaram para tentar entendê-la. Vale também salientar que o despertar para as disciplinas da área de humanidades não me retiraram o prazer nos estudos das ciências naturais e a compreensão dos seus fenômenos. Diante destas incertezas que afetam milhares de jovens na decisão a um curso de ensino superior, busquei os órgãos da universidade de apoio a escolha profissional, idas e vindas, decidi fazer nutrição. Por quê? Porque ao analisar a sua estrutura curricular, o curso apresentava disciplinas de distintas áreas e me interessava a temática da fome.
Como a vasta maioria dos cursos de nutrição - como acontece até hoje - nos primeiros semestres do curso no ciclo básico, a área de humanidades era bastante incipiente. Bioquímica, anatomia, fisiologia, química etc. perfazem este percurso curricular que provocou fissuras no propósito, parecendo que a interdisciplinaridade e a temática da fome somente compunham o meu universo onírico. Tentei desistir, fui para outro curso e acabei retornando. Neste retorno, alguns movimentos foram importantes para decidir as minhas trajetórias futuras: primeiro, a busca de disciplinas nas franjas do currículo a exemplo de Cultura Baiana, Sociologia e a emblemática experiência da Antropologia. Esta era uma disciplina introdutória com um professor bastante experiente e muito atento à área da nutrição com as interfaces com a antropologia. Sempre sinalizava temáticas que interessavam, nem sempre as alcançava, mas as acolhia. Tivemos a oportunidade de realizar uma visita - a minha primeira visita - a uma comunidade indígena no estado da Bahia. Uma experiência formidável. Desejei fazer o meu trabalho em uma disciplina final de curso nesta comunidade, mas não foi possível.
Segundo, a importância do movimento estudantil. Foi ali que a minha formação política se consolidava tanto como cidadã, como profissional, e ainda a formação nas temáticas mais amplas que diziam respeito aos nossos objetos de estudo e de trabalho profissional como a fome e a segurança alimentar e nutricional, esta temática estava iniciando a se conformar no cenário brasileiro. Uma terceira, foi ter tido a felicidade de ter na ENUFBA docentes sensíveis às causas sociais e políticas, desenvolvendo trabalhos nas comunidades periféricas da cidade de Salvador, e aqui dou um destaque muito especial no Projeto Cansanção. Cansanção é um município baiano situado na região do Semiárido, que eu até então desconhecia, o Sertão Nordestino e a seca.
Nascida e criada na capital Salvador, as idas mensais durante 10 anos à Cansanção, 346 km de distância, possibilitaram contrastar aquelas imagens gravadas em minha memória emanadas pelas telas das TVs à época, com as encontradas sem a mediação tecnológica. Este encontro com o campo, juntamente com estudantes e profissionais de distintas formações, foi fundante para o entendimento de EP. Foi um profundo desvelar de camadas erigidas pelo curso monodisciplinar e monoepistêmico da nutrição.
Primeiro, os homens e mulheres do campo. As imagens de corpos sob um sol escaldante, chapéu de palha conduzindo uma carroça com mandioca, ou as imagens áridas da terra, crianças desoladas sem nome, sem identidade foi dando lugar ao humano, ao “demasiadamente humano”. O povo do campo tinha nome, identidade, voz, desejos, interesses, raiva, intriga, tudo que integra o humano. Segundo, é que na prática da nutrição, as ações a serem desenvolvidas não se configuravam tecnologias “prontas” a serem aplicadas em um aspecto do humano - a relação da nutrição com o corpo biomédico. Era necessário ouvir, ouvir a comunidade, ouvir os colegas, e criar estratégias de trabalho com estas ideias oriundas do diálogo e, fundamentalmente, de modo colaborativo. Aprendi que o mundo da vida é soberano e que os saberes disciplinares precisam respeitá-lo. Aprendi que que o mundo da vida é complexo, portanto, somente saberes complexos (entre)disciplinares podem dar conta desta realidade. Saberes populares e saberes científicos demandavam um outro patamar de relação mais horizontal e profícuo. Aprendi, aprendi, e aprendi muito...
Ingressei no projeto Cansanção ainda estudante e saí já com atividades como docente cujos detalhes desta aprendizagem, embora profundamente relevantes, não cabe neste breve relato. Foi com esta bagagem que iniciei a minha carreira acadêmica como docente, desenvolvendo projetos nas comunidades periféricas soteropolitanas - projetos de extensão, estágio de nutrição social, projeto docente-assistencial-comunidade e projetos de pesquisa e formação. Foi na graduação que encontrei a professora de Educação Nutricional que passava encantando pelos corredores, animando a organização de um dos maiores Congressos Brasileiros de Nutrição que ocorreu em Salvador, em 1989, com a alcunha de Fome: uma questão política, em um momento político de transição fundamental para a história do país. Esta professora muito renomada no país, desenvolvendo um trabalho destacado de nutrição voltado para as comunidades vulnerabilizadas como denominamos hoje, também integrava o projeto Cansanção. Depois da experiência da disciplina de Antropologia, organizei a minha coragem sufocada pela timidez e busquei a professora para falar dos meus anseios no curso. Não recordo o que e como a abordei, recordo do local onde a conversa aconteceu.
O ingresso no curso de nutrição e as interlocuções continuadas também se configuravam na sua sala de aula na disciplina de Educação Nutricional. Foi através do campo de saberes e práticas de Educação Nutricional, hoje Educação Alimentar e Nutricional, que fui aprendendo mais sobre os determinantes da fome - a obra de Flávio Valente, sobre as políticas de alimentação e nutrição, a obra de Francisco Vasconcelos, os cursos de extensão sobre economia política, que me conduziram para assumir a educação alimentar e nutricional como um dos espaços mais relevantes do meu trabalho acadêmico-profissional na área da alimentação e nutrição.
A EAN como tem sido alcunhada na última década depois da publicação do Marco de Educação Alimentar e Nutricional para Políticas Públicas, pelo então Ministério de Desenvolvimento Social, parecia o espaço de fluidez tanto entre a nutrição com a EP como entre as ciências da nutrição e as ciências sociais e humanas. Vi na EAN como as ciências da nutrição mais “reduzida” e os seus dispositivos de atuação - diagnóstico, prescrição dietética -, encontrando o seu nó górdio que é o encontro com o outro, humano, na sua inteireza. A metrificação da nutrição - do corpo e da comida - esbarram nos desejos, na cultura e no mundo da vida. Somos corpos desejantes, portando nossas marcas identitárias, que são subversivos mesmo no inconsciente às instituições do normativo. Simplesmente somos, existimos, e desejamos muito mais do que o império de uma dieta. Segui me doutorando nas ciências sociais, atuando com a antropologia, mas a EAN segue também sendo este elo de encontro entre a alimentação e cultura com a nutrição e o nutricionista. Segui mediando a disciplina de EAN e desenvolvendo projetos de pesquisa e formação e experimentando uma “outra” EAN na qual a EP é constitutiva desta perspectiva aqui filiada.
Vivências, aprendizados e insurgências de Anelise Rizzolo nas intersecções entre EP e EAN
Olhar para o passado nos permite reconstruir trajetórias. As narrativas que escolhemos se conectam com o lugar que ocupamos no presente. Não há um só caminho para EP, há caminhos diversos, mas não há um caminho de volta. Toda vez que olhamos para trás não existe mais a estrada que nos trouxe até aquele lugar e isso pode ser muito inspirador.
Eu compreendo a prática de EP como um conjunto de vivências, processos, relações e subjetividades, a partir de uma ruptura com o processo educativo tradicional. Começo a reflexão pensando sobre estes momentos/marcadores ao longo da trajetória de formação. O meu desconforto com as estruturas que invizibilizavam os problemas, ignoravam a realidade e impediram a dimensão crítica, foram aspectos centrais para essa história. Mas vamos começar do início, a Nutrição chegou para mim quando eu buscava me entender na relação com a vida. Escolhi Nutrição em um impulso. Inquieta com as mazelas, desigualdades e injustiças sociais do mundo, abracei a nutrição pela possibilidade do novo, de uma promessa que causava espanto na década de 1990: Nutrição?? O que é isso? Ah, a profissão do futuro! Contudo, além disso, eu descobri outras coisas: a difícil relação com o meu corpo, a distorção da imagem, conflitos e problemas de autoestima que me levaram a enxergar no universo alimentar uma alternativa de diálogo, cuidado e busca pela cura. Um desejo de pacificar as angústias silenciosas que eu não sabia com quem ou como lidar.
Diferente do que eu imaginava, o curso partiu da premissa de que o corpo é uma “máquina” que se pode “programar” para um funcionamento ótimo. As disciplinas do básico, ignoravam a dimensão humana. Aprendi sobre as formas e as funções biológicas com a ideia de que o corpo opera no automático. Sem dor, sem tristezas, emoções e/ou significados. Eu que tentava controlar meus afetos, acreditei e piorei os traços de transtorno alimentar. Virei especialista em calorias e composição nutricional. Uma versão completa da tabela de composição de alimentos. Foi preciso muitos anos de psicanálise e autoconhecimento para transformar este sofrimento em sabedoria.
Gaúcha de Pelotas, estudei na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e participei de iniciativas que me levaram, precocemente, para a realidade, entre elas, um estágio extracurricular em puericultura em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) da periferia. Eu estava no quarto semestre, acabara de cursar a disciplina materno-infantil e após participar como entrevistadora de campo de estudo do Centro de Pesquisas Epidemiológicas/UFPel, realizei o estágio que durou 30 dias e mudou completamente minha relação com a Nutrição.
O cotidiano das práticas em serviço com a comunidade me interpelou com questões: Como introduzir alimentos no primeiro ano de vida para crianças que não têm moradia digna? O que orientar para mães que amamentam e não tem sequer renda para o “feijão com arroz”? Como falar sobre evitar “assaduras” para mães que não conseguiam comprar fraldas descartáveis e usavam panos? Como dizer que a amamentação deveria ser feita em um lugar calmo e sereno quando elas viviam em uma casa de dois ou três cômodos, com 5 filhos, o marido e a sogra? Ali me percebi patética e incapaz de desempenhar o meu papel sozinha. Nenhuma orientação nutricional faria sentido fora do contexto social e neste ambiente me reconheci em uma equipe de saúde, uma comunidade de aprendizados com escuta e empatia. Atuando na atenção básica, a relação indissociável entre ensino, pesquisa e extensão se fez presente, a dimensão ética das relações me atropelou e descobri que somos sujeitos do processo de ensino-aprendizagem.
Nos anos de discente, vivenciei processos políticos de defesa da universidade no contexto da redemocratização e pela conquista da autonomia universitária. Entendi que todos os direitos sociais são conquistados com luta e aprendi que o SUS é um patrimônio do povo brasileiro, com professoras mulheres (Cora, Denise, Fátima e Marilda). Elas me convocaram a assumir responsabilidades e participar de um projeto coletivo de defesa de direitos para o alcance da cidadania. Me engajei socialmente a partir de um processo pedagógico de formação universitária na década de 1990. Como militante do movimento estudantil e integrante da Executiva Nacional dos Estudantes de Nutrição (ENEN), eu tinha muitos planos para transformar o mundo: queria ser Nutricionista! E caí no mundo atuando nas três áreas de atuação: a alimentação coletiva, a clínica e a saúde coletiva - que me levou para a experiência da docência.
O reencontro com a universidade foi precoce, como professora substituta, com 26 anos na UnB (1996). A primeira disciplina que assumi foi Educação Nutricional (ainda sem o alimentar) e o estudo de Paulo Freire, em especial o livro Comunicação ou Extensão?, colocou em rota de colisão a minha proposta de transformação social que se viu aprisionada na ementa da disciplina que eu precisava planejar. Meu mundo virou de cabeça para baixo! A partir de então, trabalhei em diferentes instituições de ensino superior como professora substituta, visitante, pesquisadora colaboradora, tutora… Entre elas a UFSC, onde como supervisora de campo da Residência Multiprofissional em Saúde da Família ao lado de Neila Machado e Marco Da Ros, trilhei um caminho de enorme aprendizado com tropeços, dúvidas, partilhas e compreensão da vivência sobre EP.
Hoje reconheço nessas vivências, as primeiras marcas da práxis pedagógica, pela ousadia e pelo desafio que impõe aos sujeitos que nela acreditavam. Seguindo minha trajetória, sem deixar de lado a maternidade, a vida foi enroscada na relação marido/filhos. Escolhas simultâneas, e muito desejadas, que com renúncias, estudo, divórcio, boas ajudas e fôlego, tive êxito. Me tornei uma educadora com o exercício das contradições de ser mulher branca e mãe em um país desigual e racista que não valoriza a ciência e ainda não democratizou o acesso à educação de nível superior. Confesso que acreditei que a docência universitária seria um espaço sensível para a prática da Educação/Extensão Popular, mas as instituições ainda estão arraigadas aos modelos cartesianos e seus dilemas conteudistas, mesmo com os emaranhados tecnológicos cada vez mais abundantes. Sua estrutura hermética de grade curricular tem, historicamente, dificultado essa experiência.
É curioso perceber como os processos de formação em Nutrição são refratários aos movimentos de reflexão da EP. A raiz mono-epistêmica dos cursos de nutrição, tem dificultado a construção de saberes interdisciplinares. Não há educação como prática de liberdade sem coragem, pois sempre haverá dificuldades, mas é preciso compreendê-la como uma etapa do processo de desenvolvimento intelectual crítico77 hooks b. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora Martins Fontes; 2017., só assim é possível consolidar um processo de ação-reflexão-ação (práxis). É essencial criar vínculos, aprofundar reflexões, gerar sentidos e provocar rupturas frente aos modelos que (de)formam o olhar da totalidade ao longo da trajetória acadêmica.
O nutricionista é um educador permanente na prática profissional, por isso promover laços entre educadores e educandos (profissionais e pacientes/usuários), não diz respeito apenas às relações de educação formal, mas principalmente aos processos educativos interdisciplinares. Qualquer processo educativo que não permita dialogar com as necessidades sociais da sociedade, deixa de cumprir sua principal tarefa que é estabelecer uma comunicação, uma linguagem para com o cuidado em saúde, seja individual ou coletivo. A comunicação é o primeiro passo para o processo educativo. Sem escuta não há processo de emancipação. Processos educativos que definem previamente os saberes a partilhar, tendem a gerar frustrações para ambos, educador e educando. Diálogo e amorosidade são práticas que nos fazem assumir a responsabilidade do que pode, ou não dar certo, mas com a garantia da escolha e tentativa compartilhada. A questão é abrir espaço para compreender a permeabilidade profícua dos processos educativos emancipatórios da educação popular em diálogo com os saberes interculturais no campo da alimentação e nutrição.
A Nutrição e o artesanato do cuidado na experiência de Pedro Cruz
Como jovem estudante iniciando o curso de Nutrição, na Universidade Federal da Paraíba, inquietava-me constantemente a distância que os componentes curriculares ofertados no início do curso tinham em relação à prática mesma do profissional de nutrição. Apesar de saber relativamente alguns elementos básicos da prática do nutricionista (até por já ter, à época, passado por atendimentos nutricionais), ansiava por poder começar a ver a nutrição se expressar concretamente no cuidado das pessoas e eu queria fazer parte disso, me envolvendo em oportunidades efetivas onde pudesse cuidar das pessoas, ou, como pensava na época, “passar uma dieta” para as pessoas. Para minha decepção, os primeiros semestres do curso dedicaram-se intensa e exaustivamente às dimensões biológicas, fisiológicas e anatômicas do corpo humano, bem como enfocavam a doença e sua dinâmica bioquímica. Lembro de ter a sensação de que estava fazendo muito mais um curso de bacharelado em ciências biológicas do que um curso da área de saúde, voltado ao cuidado e à nutrição. Eu queria muito cuidar das pessoas.
Quando criança, lembro que tinha duas principais brincadeiras nas quais fantasiava ser profissional em ação: uma era de médico e a outra de professor. A medicina, à época, me encantava não pela profissão em si, mas porque representava para o jovem Pedro o cuidado - a possibilidade de escutar as pessoas e seus problemas, acolher e orientar tratamentos que ajudassem a superar sofrimentos, angústias e dores. O sofrimento humano sempre me incomodou e me mobilizou. Assim, via na medicina uma possibilidade de exercer essa solidariedade e essa contribuição no enfrentamento ao sofrimento das pessoas. Contudo, momentos antes de definir minha escolha no vestibular, optei por Nutrição, por avaliar que não conseguiria ser aprovado no curso de Medicina. Segui a Nutrição porque, alguns anos antes, tinha iniciado um processo profícuo de cuidado quanto ao excesso de peso. Fiz atendimento com nutricionista, seguia uma dieta rigorosa e praticava, com muito entusiasmo, exercícios físicos em uma academia. Para alguém que, desde muito criança, lutou muito contra o bullying, finalmente superar a obesidade e se ver “magro” era empolgante. Contudo, nos primeiros semestres do curso, nada vi de nutrição, tampouco de cuidado em saúde.
Inquieto com essa situação, comecei a procurar avidamente oportunidades de projetos na universidade, que pudessem me manter engajado em alguma ação que me permitisse saborear um pouco do que seria a prática da nutrição. Na época, isso era difícil, pois a grande maioria dos projetos de extensão e de pesquisa não aceitavam estudantes dos primeiros períodos do curso. Eu estava como que condenado por minha “ignorância” profissional - cursando só as disciplinas do ciclo básico biofisiopatológico e bioquímico, não poderia fazer nada na biologia (por ser estudante de nutrição), tampouco podia fazer algo na saúde, porque só se aceitavam estudantes mais experientes em períodos mais avançados do ciclo profissional. Foi então que uma oportunidade, que me levou até a Comunidade Maria de Nazaré, no bairro do Funcionário II, em João Pessoa-PB, e ao Projeto de Extensão “Educação Popular e Atenção à Saúde da Família”, o PEPASF, do Departamento de Promoção da Saúde da UFPB. Tive a felicidade de conseguir adiantar uma disciplina que originalmente era do sexto período de nutrição, chamada “Desenvolvimento da Comunidade e Comunicação”. Nela, o docente abordou intensamente a nutrição sob a perspectiva do cuidado, sobretudo o cuidado articulado com o enfrentamento às desigualdades sociais que geravam os problemas de saúde, em especial a fome e a miséria. E, dentre as atividades, nos encaminhou para conhecer o trabalho do PEPASF. Como uma das estudantes da turma já atuava no Projeto há um bom tempo, ela guiou a turma nessa visita.
A visita foi em um sábado de manhã e encontrei com a estudante do Projeto em uma parada de ônibus, para que nos acompanhasse durante todo o trajeto até a comunidade, de maneira que a turma visitante não se perdesse. Ao longo do percurso traçado pelo ônibus em sua rota longa do centro da cidade até a comunidade, fomos conversando, avidamente, com essa estudante veterana, e a questão central que inquietava os estudantes menos experientes era: “como trabalhar nutrição e dietas com pessoas economicamente pobres? Como fazer uma dieta adequada para alguém que está em situação de fome? O que o nutricionista tinha a fazer em um cenário como esse?”. Ao longo do caminho, a estudante foi tecendo fios de seu fazer na comunidade que foram me encantando, respondendo com propriedade, firmeza e muita convicção a essas perguntas e deixando nítido que SIM, nós da nutrição podemos e devemos atuar nesse contexto e com essas pessoas. A questão, portanto, não era SE deveríamos ou poderíamos atuar, mas COMO atuar. Nessa altura, minha visão da abordagem do nutricionista era bastante restrita à única experiência que eu tinha tido de atendimento nutricional. Nutrição era a determinação, por parte do profissional, do que as pessoas deveriam comer para perder peso. Não era recomendação, era determinação. Não era para terem acesso a alimentação ou combater a desnutrição, era para perder peso. E isso não era um problema para mim, naquele contexto, pois eu via a figura imponente e autoritária do nutricionista como importante para me ajudar a não “sair da dieta”, obedecê-la fielmente, pois eu acreditava intensamente que só seguindo o mandado pelo nutricionista era que eu conseguiria atingir meu objetivo de emagrecer. Meus gostos próprios pouco importavam; e sim o objetivo. Apesar de gostar de comer, e ter comidas com muito significado afetivo em minha vida, eu entendia que o papel do nutricionista era “prescrever” a dieta, como um remédio para quem precisasse emagrecer e “entrar em forma”. Com essa visão, fui sendo surpreendido no relato da estudante de nutrição que atuava há certo tempo no PEPASF, quando ela me relatava como trabalhava a questão alimentar com as pessoas e as famílias na comunidade.
Primeiro, incomodava-me que ela jamais falava em “dieta”, mas falava muito em “dinâmicas”, em “conversa”, em “oficina”, em “construção”. Essas palavras pareciam-me muito estranhas para a atuação de um profissional de saúde, ainda mais para um nutricionista, que deveria (a meu ver, na época) “indicar às pessoas o que comer, como comer, quando comer e em que quantidade comer”. Contudo, enquanto tudo isso me inquietava, ao mesmo tempo me encantava. Uma curiosidade imensa tomava conta de mim, provavelmente porque o outro lado profissional com o qual brincava quando criança parecia despertar de dentro de mim - o professor. O depoimento da estudante pareceria me dizer que a nutrição seria algo não ditado pelo nutricionista, mas ensinado. E ensinado não apenas para as pessoas, mas com as pessoas. O relato dela me trazia a sensação de uma ação artesanal, de um artesanato do cuidado. Em sua narrativa, ela dizia, por exemplo, como procurava abordar as pessoas, antes de tudo, construindo relações e conexões verdadeiras com elas. Conhecendo suas realidades, contextos, suas dinâmicas de vida, suas aflições e dificuldades. Ela as visitava semanalmente, de maneira que podia acompanhar como se desenrolava a trama dos fios da vida de cada pessoa e cada família na comunidade. Ela nos dizia que, desse modo, ia compreendendo que não adiantava dizer às famílias e às pessoas o que elas deveriam comer ou como deveriam comer, mas precisava construir com as famílias os caminhos do comer, considerando os obstáculos sociais locais e as condições de cada família. Além do mais, ela nos dizia o quanto foi constatando que pouco adiantava impor às pessoas o que comer, quando muitas vezes as pessoas não cumpriam, não apenas pela questão da possibilidade financeira, mas também pelos gostos e pelos desejos. Ela foi dizendo o quanto descobria que o nosso fazer enquanto nutricionista era potencializado quando a dieta se tornava algo também prazeroso para pessoas, conectado com os costumes, os desejos e a cultura da própria comunidade.
Ao final da viagem de ônibus, cheguei na Comunidade com a “cabeça virada” e até um pouco tonto. Mas, ao mesmo tempo, ávido por ver tudo aquilo na prática. E inquieto com as muitas possibilidades que descobri naquela conversa. Cuidar poderia ser não apenas ajudar impondo normas de comportamento e tratamento para as pessoas, mas poderia também ser educar, no sentido de conversar, ensinar, aprender. Cuidar poderia ser artesanar a saúde das pessoas junto com as pessoas. Isso me animava de um jeito que não posso descrever. Possivelmente, porque, ainda que inconscientemente, os dois Pedros brincantes de criança - o médico (cuidador) e o professor, viam finalmente a possibilidade de serem um só. Desde esse dia em diante, não consegui mais parar de ir na comunidade. Peguei o artesanato do cuidado como profissão e não desisti mais.
Muitos caminhos foram percorridos, dentre os quais uma atuação de quatro anos na Comunidade Maria de Nazaré e no PEPASF, onde fiz “minha universidade” de como cuidar das pessoas de um modo construído, compartilhado, solidário, afetuoso e engajado. Mais do que isso, descobri que esse artesanato tinha nome e fundamentação teórica e metodológica: a Educação Popular (EP). A partir de então, venho dedicando minha vida a pensar caminhos, alternativas e abordagens da EP que provoquem a nutrição, enquanto ciência e profissão, a sair do lugar do normativo e do prescrito, e se desloque para o lugar de companheira das pessoas em suas lutas pela vida, em suas jornadas pelo direito à alimentação e pelo direito de comer com realização, com felicidade e com satisfação. Que o comer faça parte de um projeto maior de bem viver.
O mal-estar como ponto de inflexão
As narrativas denotam que um primeiro elemento que se mostrou fundante para as trajetórias de buscas dos(as) sujeitos(as) pela educação alimentar e nutricional em uma perspectiva crítica e emancipatória foi a indignação com as vulnerabilidades sociais e os processos de fome, miséria e iniquidades sociais e humanas. Por diferentes caminhos, nossos(as) três protagonistas entraram no curso de nutrição com inquietações, incômodos e perplexidades frente a tais situações. Cada protagonista trilha um caminho que é acessado a partir das suas experiências e subjetividades mobilizadas pelas memórias e lembranças, processos de migração, vivências familiares, do trabalho, bem como das crenças, religiosidade, linguagem, ciência etc., o que as configuram como experiências também resultantes de estruturas e processos sociais88 Giordani RCF, Hoffmann-Horochovski MT. O cuidado com o corpo e a obrigatoriedade da saúde: sobre hexis e poder na modernidade. Cien Saude Colet 2020; 25(11):4361-4368.. Destaca-se que estes incômodos com as questões sociais mais amplas não pareceram estar desconectados com os incômodos pessoais com as próprias experiências corporais vivenciadas diante de uma ética contemporânea que impõe uma corporalidade única para uma vida considerada saudável99 Silva EM, Barbosa V. O encontro da pedagogia do oprimido com a teologia da libertação nas comunidades eclesiais de base: formação de lideranças em perspectiva ética e política. Rev Devir Educ Lavras 2020; 4(2):393-410..
Sentimentos e processos permeados pela indignação, pelo incômodo, pela perplexidade e pela interrogação mobilizaram, nessas pessoas, o desejo de trilhar outros caminhos e buscar rotas que remassem na direção da mudança. Tais deslocamentos convergem com os conceitos de “situação-limite” e de “inédito viável”, categorias presente nos escritos de Paulo Freire. Para o autor, as situações-limites vivenciadas pelo cotidiano dos sujeitos passam a ser percebidas como um “percebido-destacado”, e são rompidas pelos “atos-limites”, neste caso, a busca de rotas formativas outras nos currículos dos cursos, para a busca do “inédito-viável.”1010 Freire P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra; 2014..
Parece evidente que as estruturas curriculares tradicionais são insuficientes para dialogar com a realidade social. Não é de hoje que a universidade problematiza sobre a importância de engajar educadores e educandos para a construção de um saber-fazer crítico e capaz de propor novas perguntas para paradigmas antigos. Nesse sentido vale ressaltar o movimento que, nos últimos anos, perpassa as várias instituições de ensino superior em torno do processo de curricularização da extensão. Esse movimento indica avanços no sentido do maior reconhecimento da necessidade de uma inserção curricular da extensão, pela valorização que a vivência estudantil detém em sua inserção na realidade e na comunicação discente com os sujeitos dos territórios, seus problemas e as dinâmicas concretas do viver. Contudo, também inspira cuidados, pois a curricularização deve não apenas corresponder a uma creditação, mas a inserção de uma prática extensionista aprofundada nos cursos, a qual precisa ser preservada, aprimorada e fortalecida ao longo do processo curricular, entre eles: não perder de vista a abordagem dialógica com as pessoas, a indissociabilidade com o ensino e a pesquisa para a transformação social inclusiva e equitativa. Ademais, requer uma atenção para os efeitos da disciplinarização e dos riscos de aprisionamento da extensão em currículos tradicionais e cartesianos e fomentar a dimensão de protagonismo discente como experiência crítica e (trans)formadora1111 Corrêa EJ, organizador. Fórum de Pró-Reitores e Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX). Coordenação Nacional do FORPROEX. Extensão Universitária: organização e sistematização. Belo Horizonte: Coopmed; 2007..
No que se refere à temporalidade das narrativas, há de demarcar os contextos nos quais foram vivenciados, diante da luta histórica para a garantia do direito à alimentação, bem como ao acesso a políticas públicas capazes de proteger esse direito e de promover ações visando sua afirmação junto às populações em situação de vulnerabilidades sociais. Na época da formação de nossos(as) protagonistas, em especial Anelise e Lígia, nos anos 1980, período da redemocratização brasileira, essa realidade era desafiada pela escassez de um tecido de políticas públicas que enfrentasse a questão da fome. Já no caso de Pedro, a sua inserção na graduação já se dava durante os primeiros anos de formulação de políticas mais consistentes de SAN, os anos 2000, que também traziam outros desafios a exemplo do lidar com a fome, ao lado da emergência do fenômeno da obesidade. Entretanto, em que pese os distintos períodos, os currículos pouco mudaram, levando aos nossos percursos a explorar as rotas das poucas disciplinas optativas e quase que raras obrigatórias, juntamente com o movimento estudantil, para conformar outros saberes e fazeres que dessem conta de uma contínua ampliação do conhecimento das ações e políticas de promoção da SAN.
Certamente, a persistência dos(as) três protagonistas na área de Saúde Coletiva se deu, em boa medida, por terem encontrado em espaços outros, seja na extensão, seja no movimento estudantil, seja na pesquisa social, ou ainda no encontro com pessoas marcantes na trajetória, como alguns docentes, possibilidades a partir das quais suas inquietações fossem acolhidas, problematizadas e desdobradas, permitindo-lhes compreender que poderiam ir se formando e se apropriando de metodologias e de conhecimentos outros. E é neste encontro com o outro no seu lócus de produção da existência dos sujeitos que se desvelaram a incipiência da dieta e de outros dispositivos hegemônicos da formação do nutricionista, e de organização curricular do curso superior de Nutrição, para dar conta da abordagem aos processos de fome e do sofrimento humano.
As narrativas evidenciaram as interrogações dos estudantes extensionistas bastante recorrentes: como “ensinar alguém a comer” em situação de fome? ou em situações indignas de vida como moradia, educação dentre outros direitos violados? Os limites da ciência monoepistêmica e eurocentrada da nutrição em encontro com a realidade concreta, possibilita desvelar as suas contradições. Neste esteio, outros encontros fundantes dos estudantes de nutrição que emergiram como a EPS possibilitaram bases para a construção de saberes e fazeres e, que, de certo modo, confluem também para uma educação alimentar e nutricional emancipatória. Aqui a fome amplia os sentidos de um lugar vinculado a desnutrição nas dimensões biológicas para uma dimensão sociopolítica como também existencial e subjetiva que integra a experiência humana. A fome é um fenômeno humano e das violações dos direitos e que consecução do Direito à Alimentação Adequada e Saudável só se concebe em concomitância com a garantia dos demais Direitos Humanos, logo, a ação é mais ampla, interdependente, pluridimensional e interdisciplinar.
Assim, dos três protagonistas, dois se identificam como educadores populares e uma com o campo da Educação Alimentar e Nutricional, entretanto, as trajetórias se encontram na convergência de produção de significados e percepção do outro como sujeito da ação pedagógica, comprometida com os processos, enfrentamento das iniquidades sociais e desigualdades múltiplas que figuraram na futura (e atual) prática docente dos protagonistas desta narrativa.
Considerações finais
As narrativas demarcam a importância das trajetórias na construção das identidades profissionais e como o questionamento das estruturas dos modelos tradicionais de formação foram o ponto de partida para a gênese do pensamento crítico. A práxis pedagógica pode ter em seu processo a desobediência e o conflito como parte da ação dialógica. Gadotti destaca no prefácio da obra Educação e Mudança de Paulo Freire1212 Freire P. Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra; 2018., que a EP acolhe as contradições e antagonismos como elementos pedagógicos. É o reconhecimento do conflito que promove a compreensão e o entendimento dos problemas. Entretanto, foi o desconforto, o estranhamento e o desejo de cuidar entre os pares que os levou a buscar outros caminhos, leituras, diálogos, saberes para a construção de uma ciência cidadã, engajada com a realidade para a transformação social.
Por fim, ainda que de modo iniciático, inspirando-se na autobiográfica, este ensaio se propôs a dar visibilidade às experiências singulares dos interlocutores através da escrita de si, de modo a apreender e compreender os nossos próprios cursos pessoais e profissionais e, a um só tempo, a constituição dos campos de EP e EAN do modo entrecruzado e convergente na luta contra a fome e pelo Direito à Alimentação. A EAN e EP, com suas distintas trajetórias que se aproximam e/ou se cruzam em momentos diferentes das suas histórias, podem se fundir sem, entretanto, reduzir-se uma à outra, quando a alimentação e nutrição se projetam no horizonte das práticas. Espera-se que também inspire a outros trabalhos a partir destas perspectivas no qual pode-se ler e compreender um fenômeno mais amplo através das biografias dos sujeitos.
Referências
- 1Kofe S. Manica D, Modesto AL, Rodrigues CC, Souza CS, Silva CM, Bruno F, Dulley I. Vida & Grafias: narrativas antropológicas, entre biografia e etnografia. Rio de Janeiro: Lamparina & FAPERG; 2015.
- 2Práticas autobiográficas contemporâneas: as videografias de si. DOC Online 2009; 6:141-157.
- 3Camargo A. Os Usos da História Oral e da História de Vida: trabalhando com elites políticas. Rev Cien Soc 1984; 27(1):5-28.
- 4Alberti V. Narrativas na história oral. In: XXII Simpósio Nacional de História. João Pessoa: ANPUH-PB; 22-27 jul 2003.
- 5Chagas R. As narrativas de vida como ferramenta para a formação e a pesquisa em educação e saúde. Diversitates Int J 2014; 6(2).
- 6hooks b. Ensinando o pensamento crítico: sabedoria prática. Trad. Bhuvi Libano. São Paulo: Elefante; 2020.
- 7hooks b. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora Martins Fontes; 2017.
- 8Giordani RCF, Hoffmann-Horochovski MT. O cuidado com o corpo e a obrigatoriedade da saúde: sobre hexis e poder na modernidade. Cien Saude Colet 2020; 25(11):4361-4368.
- 9Silva EM, Barbosa V. O encontro da pedagogia do oprimido com a teologia da libertação nas comunidades eclesiais de base: formação de lideranças em perspectiva ética e política. Rev Devir Educ Lavras 2020; 4(2):393-410.
- 10Freire P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra; 2014.
- 11Corrêa EJ, organizador. Fórum de Pró-Reitores e Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX). Coordenação Nacional do FORPROEX. Extensão Universitária: organização e sistematização. Belo Horizonte: Coopmed; 2007.
- 12Freire P. Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra; 2018.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
17 Jun 2024 - Data do Fascículo
Jun 2024
Histórico
- Recebido
02 Ago 2023 - Aceito
03 Jan 2024 - Publicado
05 Jan 2024