Configuração das Redes de Atenção à Saúde no SUS: análise a partir de componentes da atenção básica e hospitalar

Lenir Aparecida Chaves Eli Iola Gurgel Andrade Alaneir de Fátima dos Santos Sobre os autores

Resumo

O estudo procura apontar diferentes configurações de Redes de Atenção à Saúde na atenção básica e hospitalar, a partir de características de cobertura, qualidade e resolubilidade nas macrorregiões de saúde. Estudo transversal, utilizou a técnica de análise de cluster e segmentou 103 macrorregiões em distintos perfis de cobertura, qualidade e resolubilidade: grupo 1 (alta cobertura/AB e média/AH; baixa qualidade AB-AH com alta resolubilidade); grupo 2 (alta cobertura/AB e baixa/AH; baixa qualidade AB-AH com média resolubilidade); e o grupo 3 (alta cobertura/AB e média/AH; alta qualidade AB-AH com alta resolubilidade). A cobertura na AB foi classificada como alta para 100% da população brasileira, e na AH, baixa para 9,70% e média para 90,29%. Qualidade/AB-AH é baixa para 58,54% e alta para 41,15%. A resolubilidade é alta para 90,29% e média para 9,70%. No Brasil, verifica-se expansão da cobertura com baixa qualidade/AB, insuficiência de leitos hospitalares e baixa qualidade/AH com alta resolubilidade. Todavia, prevalece alta qualidade AB-AH no Sudeste e no Sul. A estruturação das redes de saúde ainda se configura de baixa resolutividade, demandando estímulos à governança de arranjos interfederativos.

Palavras-chave:
Atenção primária à saúde; Atenção terciária à saúde; Cobertura de serviços de saúde; Qualidade; Acesso e avaliação da assistência à saúde; Regionalização da saúde

Introdução

No Brasil, a universalidade do direito à saúde, desde a Constituição de 1988, materializa-se em um Sistema Único de Saúde (SUS), constituído por ações e serviços públicos que, integrados em uma rede regionalizada e hierarquizada, exige a combinação de diferentes serviços e profissionais. Não obstante, aspectos epidemiológicos e demográficos da população, coincidentes com uma agenda de reforma do Estado, fortalecimento de políticas neoliberais, inovação científica e tecnológica e desigualdades sociais e regionais, impõem desafios para a organização de uma atenção à saúde integral, de qualidade e participativa11 Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Filho NA, Medina MG. Regionalização e Redes de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1791-1798.

2 Viana ALA, Lima LD, Bonifácio A, Shimizu H, Gimenez B. Relações Federativas e Regionalização no cenário da pandemia de Covid-19: em que e de que forma conseguimos avançar? In: 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde. Rio de Janeiro; 2020. p. 1-18.

3 Viana ALA, Iozzi FL. Enfrentando desigualdades na saúde: impasses e dilemas do processo de regionalização no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 2):e00022519.

4 Giovanella L, Franco CM, Almeida PF. Política Nacional de Atenção Básica: para onde vamos? Cien Saude Colet 2020; 25(4):1475-1481.
-55 Cajueiro JPM. O processo de regionalização do Sistema Único de Saúde no Brasil nos anos 2000: uma contribuição para o debate a partir do estudo da Região Metropolitana de Campinas [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2019..

Sabe-se que a atenção primária à saúde (APS), concebida como coordenadora do cuidado e ordenadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS), é um dos condicionantes da dinâmica regional66 Bousquat A, Giovanella L, Fausto MCR, Medina MG, Martins CL, Almeida PF, Campos SEM, Mota PHS. A atenção primária em regiões de saúde: política, estrutura e organização. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 2):e00099118.. Na atenção hospitalar (AH), os hospitais devem atuar de forma articulada à APS e orientados ao desenho da RAS loco-regional11 Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Filho NA, Medina MG. Regionalização e Redes de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1791-1798.,77 Souza JS, Martins JS, Rosado LB, Santos TBS, Pinto ICM. Gestão hospitalar no SUS: correlações entre rede de atenção e capacidade de gestão dos serviços. Divulg Saude Debate 2018; 58:46-57.,88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2017; 3 out.. Contudo, chama atenção a necessidade de desenvolvimento de programas de educação permanente na APS, com institucionalização das práticas de monitoramento e avaliação em equipes locais99 Facchini LA, Tomasi E, Dilélio AS. Qualidade da Atenção Primária à Saúde no Brasil: avanços, desafios e perspectivas. Saude Debate 2018; 42(1):208-223.. Já na AH, destaca-se a necessidade de aperfeiçoamento dos instrumentos contratuais, qualificando o papel do hospital na prestação de serviços e melhorando sua relação com o município e outros níveis de atenção77 Souza JS, Martins JS, Rosado LB, Santos TBS, Pinto ICM. Gestão hospitalar no SUS: correlações entre rede de atenção e capacidade de gestão dos serviços. Divulg Saude Debate 2018; 58:46-57..

No campo do planejamento e da gestão, a regionalização há muito se firmou como uma alternativa para o desenho de políticas públicas e, na saúde, a organização dos serviços em regiões de saúde como estratégia para tornar o sistema mais equitativo e eficiente22 Viana ALA, Lima LD, Bonifácio A, Shimizu H, Gimenez B. Relações Federativas e Regionalização no cenário da pandemia de Covid-19: em que e de que forma conseguimos avançar? In: 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde. Rio de Janeiro; 2020. p. 1-18.,33 Viana ALA, Iozzi FL. Enfrentando desigualdades na saúde: impasses e dilemas do processo de regionalização no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 2):e00022519.,55 Cajueiro JPM. O processo de regionalização do Sistema Único de Saúde no Brasil nos anos 2000: uma contribuição para o debate a partir do estudo da Região Metropolitana de Campinas [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2019.,77 Souza JS, Martins JS, Rosado LB, Santos TBS, Pinto ICM. Gestão hospitalar no SUS: correlações entre rede de atenção e capacidade de gestão dos serviços. Divulg Saude Debate 2018; 58:46-57.,1010 Brasil. Presidência da República. Decreto 7.508, de 28 de junho 2011. Regulamenta a Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da Saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 29 jun.. Estratégia que abrange a relação intergovernamental33 Viana ALA, Iozzi FL. Enfrentando desigualdades na saúde: impasses e dilemas do processo de regionalização no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 2):e00022519. e evidencia a importância de articulação de políticas regionais, da atenção básica e especializada, da regulação e da coordenação para integração das ações1111 Rache B, Rocha R, Nunes L, Spinola P, Malik AM, Massuda A. Necessidades de infraestrutura do SUS em preparo à COVID-19: leitos de UTI, respiradores e ocupação hospitalar. IEPS 2020; Nota Técnica 3:1-5..

Na política de monitoramento e avaliação para qualificação do SUS, dois instrumentos importantes para o planejamento e a estruturação das RAS no SUS foram implementados nos últimos anos: o Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade da Atenção Básica (PMAB-AB)1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). Manual instrutivo para as Equipes de Atenção Básica [Internet]. 2013. [acessado 2018 jul 16]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab//publicacoes/manual_instrutivo_PMAQ_AB2013.pdf
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e o Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde (PNASS)1313 Brasil. Secretaria-Executiva. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde [Internet]. 2015. [acessado 2018 jul 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnass_programa_nacional_avaliacao_servicos.pdf
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, instrumento de avaliação da assistência hospitalar.

Por outro lado, a insuficiência de recursos destinados ao SUS, as especificidades do federalismo brasileiro e o envolvimento de diferentes atores na prestação de serviços22 Viana ALA, Lima LD, Bonifácio A, Shimizu H, Gimenez B. Relações Federativas e Regionalização no cenário da pandemia de Covid-19: em que e de que forma conseguimos avançar? In: 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde. Rio de Janeiro; 2020. p. 1-18.,55 Cajueiro JPM. O processo de regionalização do Sistema Único de Saúde no Brasil nos anos 2000: uma contribuição para o debate a partir do estudo da Região Metropolitana de Campinas [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2019.,1414 Bousquat A, Giovanella L, Campos EMS, Almeida PF, Martins CL, Mota PHS, Mendonça MHM, Medina MG, Viana ALA, Fausto MCR, Paula DF. Atenção primária à saúde e coordenação do cuidado nas regiões de saúde: perspectiva de gestores e usuários. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1141-1154. conformam sistemas municipais desarticulados e com baixa relação intergovernamental1515 Projeto de Avaliação do Desenvolvimento do Sistema de Saúde (PROADESS). Monitoramento da assistência hospitalar no Brasil (2009-2017) [Internet]. 2019. [acessado 2020 jul 16]. Disponível em: https://www.proadess.icict.fiocruz.br/Boletim_4_PROADESS_Monitoramento%20da%20assistencia%
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, evidenciando, no SUS, a dinâmica entre cooperação e competição como uma das principais falhas1616 Ribeiro JM, Moreira MR, Ouverney AM, Silva CMFP. Políticas de saúde e lacunas federativas no Brasil: uma análise da capacidade regional de provisão de serviços. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1031-1044.. Com isso, APS e a atenção especializada se caracterizam por elevada fragmentação, frágil integração e comunicação entre os serviços, deficiência nos processos de regulação de acesso e carência de dispositivos efetivos de coordenação dos fluxos dos usuários e da agenda de especialistas1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade. Manual Instrutivo para as Equipes de Atenção Básica e NASF [Internet]. 2017. [acessado 2019 jun18]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/Manual_Instrutivo_3_Ciclo_PMAQ.pdf
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Viana e Iozzi33 Viana ALA, Iozzi FL. Enfrentando desigualdades na saúde: impasses e dilemas do processo de regionalização no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 2):e00022519. apontam que o par região e redes não teve seu fortalecimento amadurecido durante o processo de regionalização. Bousquat et al.1515 Projeto de Avaliação do Desenvolvimento do Sistema de Saúde (PROADESS). Monitoramento da assistência hospitalar no Brasil (2009-2017) [Internet]. 2019. [acessado 2020 jul 16]. Disponível em: https://www.proadess.icict.fiocruz.br/Boletim_4_PROADESS_Monitoramento%20da%20assistencia%
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, por sua vez, atentam para a dificuldade de consolidação das RAS sem uma APS robusta, capaz de coordenar o cuidado. Ao mesmo tempo, a APS não consegue exercer seu papel sem um sólido arranjo regional e articulação entre os entes federados.

Percebe-se que a coordenação federativa1818 Carvalho ALB, Jesus WLA, Senra IMVB. Regionalização no SUS: processo de implementação, desafios e perspectivas na visão crítica de gestores do sistema. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1155-1164. envolve aspectos relacionados a: planejamento e gestão; regulação; institucionalidade; financiamento; oferta de serviços; e construção de rede e fluxos assistenciais11 Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Filho NA, Medina MG. Regionalização e Redes de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1791-1798.,55 Cajueiro JPM. O processo de regionalização do Sistema Único de Saúde no Brasil nos anos 2000: uma contribuição para o debate a partir do estudo da Região Metropolitana de Campinas [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2019., demandando a integração entre os prestadores da rede básica municipal e da especializada regional33 Viana ALA, Iozzi FL. Enfrentando desigualdades na saúde: impasses e dilemas do processo de regionalização no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 2):e00022519., bem como o diálogo sobre o papel do hospital e de sua articulação com a APS e outros serviços no território88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2017; 3 out.,1313 Brasil. Secretaria-Executiva. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde [Internet]. 2015. [acessado 2018 jul 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnass_programa_nacional_avaliacao_servicos.pdf
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Neste enquadramento, o presente estudo tem como objetivo apontar as diferentes configurações de Redes de Atenção à Saúde na atenção básica (AB) e na atenção hospitalar (AH) a partir de características de cobertura, qualidade e resolubilidade nas macrorregiões de saúde1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Resolução nº 37, de 22 de março 2018. Dispõe sobre o processo de Planejamento Regional Integrado e a organização de macrorregiões de saúde. Diário Oficial da União 2018; 23 mar.. Com isso, busca-se identificar os desenhos prevalentes de organização regional para a oferta de serviços no SUS.

Método

Trata-se de estudo transversal2020 Medronho R, Carvalho DM, Bloch KV, Luiz RR, Verneck GL. Epidemiol. São Paulo: Atheneu; 2002. que utilizou como banco de dados a nota de certificação das equipes do 2º ciclo PMAQ-AB1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). Manual instrutivo para as Equipes de Atenção Básica [Internet]. 2013. [acessado 2018 jul 16]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab//publicacoes/manual_instrutivo_PMAQ_AB2013.pdf
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, a nota de desempenho dos hospitais avaliados no PNASS1313 Brasil. Secretaria-Executiva. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde [Internet]. 2015. [acessado 2018 jul 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnass_programa_nacional_avaliacao_servicos.pdf
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, apresentada em Chaves et al.2121 Chaves LA, Malta DC, Jorge AO, Reis IA, Tofoli GB, Machado LF, Santos AF, Andrade EIG. Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde - PNASS 2015-2016: uma análise sobre os hospitais no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2020; 24:e210002., a cobertura populacional EqAB do Sistema e-Gestor Atenção Básica, o total de leitos hospitalares (internação e complementares) para os municípios incluídos no DATASUS, conforme metodologia aplicada por Lima2222 Lima CP. Comparando a saúde no Brasil com os países da OCDE: explorando dados de saúde pública [dissertação]. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 2016., e a Autorização de Internação Hospitalar (AIH) do Sistema de Informação Hospitalar (SIH-RD/SUS) de 2016 do DATASUS, conforme metodologia aplicada por Morais2323 Morais MM. Regionalização da Assistência à Saúde no Estado de Minas Gerais: capacidade de provisão de serviços hospitalares na média complexidade [dissertação]. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; 2019. (Quadro 1). A escolha dos períodos analisados refere-se à coleta de dados do PMAQ-AB1313 Brasil. Secretaria-Executiva. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde [Internet]. 2015. [acessado 2018 jul 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnass_programa_nacional_avaliacao_servicos.pdf
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e à aplicação do questionário no PNASS1313 Brasil. Secretaria-Executiva. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde [Internet]. 2015. [acessado 2018 jul 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnass_programa_nacional_avaliacao_servicos.pdf
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Quadro 1
Objeto, característica, variável, forma de cálculo e indicador utilizado na análise de agrupamento/cluster.

Compreende-se AB e AH como espaços estratégicos para a organização do sistema de saúde, desafios centrais para a constituição de regiões e RAS no SUS11 Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Filho NA, Medina MG. Regionalização e Redes de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1791-1798.. Um país de forte orientação para a APS e expansão de cobertura pela Estratégia Saúde da Família (ESF) tem resultados em saúde melhores e mais equitativos2424 Mackinco J, Starfield B, Erinosho T. The Impact of Primary Healthcare on Population Health in Low- and Middle-Income Countries. J Ambulatory Care Management 2009; 32(2):150-171.. Já a AH, composta por uma combinação de processos de trabalho especializados e complexos e um ambiente no qual proliferam vários arranjos institucionais, constitui um desafio estratégico urgente para o SUS11 Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Filho NA, Medina MG. Regionalização e Redes de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1791-1798., no sentido de diagnosticar problemas e reorientar o planejamento1313 Brasil. Secretaria-Executiva. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde [Internet]. 2015. [acessado 2018 jul 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnass_programa_nacional_avaliacao_servicos.pdf
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. Segundo Facchini99 Facchini LA, Tomasi E, Dilélio AS. Qualidade da Atenção Primária à Saúde no Brasil: avanços, desafios e perspectivas. Saude Debate 2018; 42(1):208-223., qualidade é a medida essencial para avaliar a integralidade e a capacidade de resposta do SUS às necessidades de saúde do país. Já a oferta de serviços deve ser capaz de garantir a acessibilidade dos usuários na abrangência do território sanitário, promovendo a integração das ações na RAS2323 Morais MM. Regionalização da Assistência à Saúde no Estado de Minas Gerais: capacidade de provisão de serviços hospitalares na média complexidade [dissertação]. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; 2019..

O nível de análise foi a macrorregião de saúde, região ampliada que garante a resolutividade da RAS1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Resolução nº 37, de 22 de março 2018. Dispõe sobre o processo de Planejamento Regional Integrado e a organização de macrorregiões de saúde. Diário Oficial da União 2018; 23 mar.. O período utilizado para identificar as regiões de saúde foi 2018. Destacam-se alterações de abrangência das regiões, em diferentes períodos, influenciando seu quantitativo. A presente análise abrangeu 103 macrorregiões, das 104 estabelecidas no Plano Diretor de Regionalização (PDR) nos estados, englobando 5.552 municípios. A estimativa populacional utilizou dados disponíveis no e-Gestor Atenção Básica (julho/2015).

A técnica empregada foi a análise de cluster, que permite classificar elementos em grupos e identificar uma estrutura “natural” das observações com base em um perfil multivariado2525 Hair JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman; 2009.,2626 Mingoti AS. Análise de dados através de métodos de estatística multivariada: uma abordagem aplicada. Belo Horizonte: UFMG; 2017..

Previamente, as variáveis foram padronizadas, utilizando-se os valores das médias e desvio padrão (escores Z). Escolhida a medida de proximidade (similaridade) e adotada a similaridade de distância euclidiana, o procedimento de partição escolhido foi o método hierárquico2525 Hair JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman; 2009.. No procedimento de partição hierárquico, é necessário definir o algoritmo de aglomeração para determinar como a similaridade é definida entre agrupamentos de múltiplos membros no processo. O método de ligação completa foi utilizado para definir a similaridade entre dois agrupamentos. O processo de criação de agrupamentos gerou um diagrama em árvore (dendrograma)2525 Hair JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman; 2009.,2626 Mingoti AS. Análise de dados através de métodos de estatística multivariada: uma abordagem aplicada. Belo Horizonte: UFMG; 2017.. Por fim, utilizou-se a função NbClust (disponível na biblioteca NbClust: https://CRAN.R-project.org/package=NbClust) para avaliação do número ótimo de grupos.

Foram mensurados os escores médios para as variáveis e definida, pelos autores, uma escala para classificação dos agrupamentos a partir do percentil, sendo: baixa (abaixo do P50); média (entre P50 e P70) e alta (acima do P70). Para as variáveis que não apresentavam distribuição normal, a escala considerou como baixa (abaixo de 50,0), média (entre 50,0 e 70,0) e alta (acima de 70,0). Desse modo, os agrupamentos foram classificados da seguinte forma para as variáveis:

Qualidade na AB: baixa (abaixo 52,59), média (52,60 até 55,51), alta (acima 55,52).

Cobertura/Equipe Saúde Família: baixa (abaixo de 50,0), média (entre 50,0 e 70,0) e alta (acima 70,0).

Qualidade na AH (componente de risco e qualidade dos hospitais/PNASS): baixa (abaixo de 64,64), média (64,65 até 71,52), alta (acima 71,53)

Cobertura/leito hospitalar: baixa (abaixo 1,65), média (1,66 até 1,89), alta (acima 1,9).

Taxa de resolubilidade: baixa (abaixo de 50,0), média (entre 50,0 e 70,0) e alta (acima 70,0).

Posteriormente, a descrição dos agrupamentos comparou o escore médio obtido em cada variável com a escala de classificação construída. Desse modo, no estágio de interpretação, foi possível examinar as características dos agrupamentos e identificar as diferenças substanciais entre os agregados.

Por fim, aplicou-se o teste Shapiro-Wilk para avaliar se a distribuição se assemelha à distribuição normal e o teste Kruskal-Wallis para comparação das variáveis por região, agrupadas em perfis relacionados à cobertura, à qualidade e à resolubilidade. Todas as análises estatísticas foram realizadas por meio do software R (R Core Team, 2018).

Para a utilização de dados do PMAQ-AB, o projeto obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), número 1.275.911. Para os demais dados, utilizou-se banco de dados secundários de domínio público, sem identificação nominal, em conformidade com o Decreto do Governo Federal nº 7.724, 16 de maio de 20122727 Brasil. Presidência da República. Decreto 7.724, de 16 de maio 2012. Regulamenta a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que dispõe sobre o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do caput do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição. Diário Oficial da União 2012; 16 maio., e a Resolução nº 510, de 7 de abril de 20162828 Brasil. Presidência da República. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana, na forma definida nesta Resolução. Diário Oficial da União 2016; 24 maio..

Resultados

A estatística descritiva para o Brasil (Tabela 1) apresenta as variáveis de número 2 (cobertura populacional estimada pela EqAB) e de número 3 (componente de risco e qualidade dos hospitais/PNASS) com a maior variabilidade no conjunto dos elementos. A distribuição é normal para as variáveis de número 1 (componente de qualidade AB), número 3 (componente de risco e qualidade dos hospitais PNASS) e 4 (leitos por mil habitantes - SUS).

Tabela 1
Estatísticas descritivas para os valores originais das variáveis no estudo.

A Tabela 2 demonstra a média por estado para as variáveis de AB e AH, e na comparação entre as regiões há evidências de que pelo menos um indicador pertencente a uma região difere dos demais: 1) “componente de qualidade AB” - o Sul com o maior e o Norte com o menor indicador médio, existindo diferença entre as regiões Sudeste e Nordeste, Sudeste e Norte, Sul e Centro-Oeste, Sul e Nordeste, além de Sul e Norte; 2) “cobertura populacional estimada pela EqAB” - Nordeste apresentou o maior e Centro-Oeste o menor indicador médio, existindo diferença entre Nordeste e Centro-Oeste, além do Sudeste e Nordeste; 3) “componente de risco e qualidade dos hospitais avaliados no PNASS” - Sudeste o maior e o Norte o menor indicador médio, com diferença entre Norte e Nordeste, Sudeste e Nordeste, Sudeste e Norte, Sul e Nordeste, além de Sul e Norte; 4) “leitos por mil habitantes SUS” - Sul e Sudeste apresentaram os maiores e menores indicadores médios, respectivamente, existindo diferença entre Sul e Sudeste; e 5) “taxa de resolubilidade” - Sul teve o maior indicador médio e Nordeste o menor, havendo diferenças entre Sudeste e Nordeste e, por fim, Sul e Nordeste (teste Kruskal-Wallis, p < 0,05).

Tabela 2
Comparação entre as regiões e os estados para as variáveis de atenção básica e atenção hospital hospitalar no Brasil.

Características e distribuição espacial dos agrupamentos são apresentadas na Tabela 3 e na Figura 1. O grupo 1 (alta cobertura/AB e média/AH; baixa qualidade/AB-AH com alta resolubilidade) agrega 47 macrorregiões de saúde, tem maior percentual populacional (49,13%) e de municípios (48,23%), além de incidir em todas as regiões geográficas. Apresenta a nota média mais alta para cobertura e mais baixa para qualidade/AB-AH. No conjunto, indica um cenário intermediário para cobertura, qualidade e resolubilidade.

Tabela 3
Escores médios das variáveis para cada agrupamento e sua classificação (alto, médio e baixo), seguida das características para cada grupo.

Figura 1
Distribuição espacial dos grupos gerados na análise de cluster segundo macrorregião de saúde no Brasil.

O grupo 2 (alta cobertura/AB e baixa/AH; baixa qualidade/AB-AH com média resolubilidade) tem o menor número de macrorregiões (8), distribuídas no Centro-Oeste e Nordeste, com menor percentual populacional (9,7%) e de municípios (7,31%). Apresenta nota média mais baixa para cobertura/AB-AH e resolubilidade. Na comparação entre os grupos, indica o pior cenário.

O grupo 3 (alta cobertura/AB e média/AH; alta qualidade/AB-AH com alta resolubilidade), com 48 macrorregiões localizadas no Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, representa 41,15% da população brasileira e conta com 2.468 municípios. Apresenta nota média mais alta para qualidade/AB-AH e resolubilidade. Indica o melhor cenário para cobertura, qualidade e resolubilidade.

No geral, os grupos 1 e 2, com os piores resultados para qualidade/AB-AH, representam 58,54% da população brasileira, e o grupo 3, com os melhores resultados, 41,15%. A cobertura foi classificada como alta para 100% da população (grupos 1, 2 e 3) na AB, e na AH é média para 90,29% da população (grupos 1 e 3) e baixa para 9,7 % (grupo 2). A resolubilidade é alta para 90,29% da população (grupos 1 e 3) e média para 9,7% (grupo 2).

Por região, a distribuição dos agrupamentos demonstra que as macrorregiões do Norte foram classificadas no grupo 1. O Nordeste, com macrorregiões nos três grupos, concentra 66,66% no grupo 1; 16,66% no grupo 2; e 16,66% no grupo 3. Destaca-se um cenário de resolubilidade alta e baixa qualidade AB-AH para 83,33% das macrorregiões. O Centro-Oeste classifica 62,5% de macrorregiões no grupo 1. O Sudeste, tem macrorregiões nos grupos 1 (18,75%) e 3 (81,25%), divergentes para qualidade AB-AH, tendo Minas Gerais com 84,61% das macrorregiões no grupo 3 (melhor cenário) e São Paulo 88,23%. O Sul classifica 75% das macrorregiões no grupo 3, Santa Catarina exibe 100% das macrorregiões neste grupo.

No Brasil, chama atenção que na AB a nota média para qualidade é baixa em 77% dos estados, e para cobertura é alta em 85%. Verifica-se prevalência, no Sudeste e Sul, de macrorregiões classificadas no grupo 3 (melhor cenário). Além disso, mesmo a nota média para cobertura/AH sendo classificada como alta em alguns estados, não ocorreu classificação de agrupamentos com alta cobertura/AH, tendo o Sudeste a menor média entre as regiões.

Em todo o país, não foi identificada macrorregião que agregasse alta qualidade e cobertura AB-AH com alta resolubilidade, porém o grupo 3 é o que mais se aproxima desse cenário.

Discussão

O estudo permitiu um exame regional a partir da classificação das macrorregiões de saúde em grupos construídos pela semelhança (cobertura, qualidade e resolubilidade na AB-AH) e pela diferença entre as macrorregiões.

A análise evidenciou que, na AB, para 100% da população brasileira a cobertura é alta, conforme escala de classificação construída no estudo, sendo a média da variável de cobertura de aproximadamente 80% no território nacional. Também na AB, três quintos da população, 58,54%, acessam serviços de baixa qualidade e dois quintos, 41,15%, de alta. Os resultados demonstram um cenário de expansão da cobertura ESF, concordando com outros estudos99 Facchini LA, Tomasi E, Dilélio AS. Qualidade da Atenção Primária à Saúde no Brasil: avanços, desafios e perspectivas. Saude Debate 2018; 42(1):208-223.,2424 Mackinco J, Starfield B, Erinosho T. The Impact of Primary Healthcare on Population Health in Low- and Middle-Income Countries. J Ambulatory Care Management 2009; 32(2):150-171.,2929 Giovanella L, Bousquat A, Schenkman S, Sardinha LMV, Vieira MLFP. Cobertura da Estratégia Saúde da Família no Brasil: o que nos mostram as Pesquisas Nacionais de Saúde 2013 e 2019. Cien Saude Colet 2021; 26(Supl.1):2543-2556.. O acesso aos serviços de atenção básica aumentou, devido à transferência de recursos federais, porém ainda não se produziu uma equalização nos padrões de oferta entre os municípios3030 Marques E, Arretche M. Condicionantes locais da descentralização das políticas de saúde. Cad CRH 2003; 39:55-81. (Tabela 2).

Na AH, a cobertura é baixa para 9,70% e média para 90,29%. À semelhança da AB, 58,54% acessam serviços de baixa qualidade e 41,15% de alta. A resolubilidade é alta para 90,29% da população e média para 9,70%. Observa-se, na AH, baixa qualidade e média cobertura, com alta resolubilidade. Apesar do estudo indicar média cobertura para AH, com média de 1,7 no país (Tabela 2), verifica-se insuficiência de leitos, quando comparada com a média de leitos em países da OCDE3131 Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). Health at a glance 2019: OECD indicators. Paris: OECD; 2019.. Outra questão diz respeito à resolubilidade, que indica acessibilidade dos usuários para internação hospitalar de média complexidade.

Diante do apresentado, verifica-se na AB uma desigualdade de acesso ao nível considerado de alta qualidade, sugerindo fragilidade da centralidade de coordenação da APS na organização dos sistemas e redes77 Souza JS, Martins JS, Rosado LB, Santos TBS, Pinto ICM. Gestão hospitalar no SUS: correlações entre rede de atenção e capacidade de gestão dos serviços. Divulg Saude Debate 2018; 58:46-57.,1414 Bousquat A, Giovanella L, Campos EMS, Almeida PF, Martins CL, Mota PHS, Mendonça MHM, Medina MG, Viana ALA, Fausto MCR, Paula DF. Atenção primária à saúde e coordenação do cuidado nas regiões de saúde: perspectiva de gestores e usuários. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1141-1154.. Para AH, impõe-se a necessidade de um exercício avaliativo de sua efetividade sistêmica11 Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Filho NA, Medina MG. Regionalização e Redes de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1791-1798.,1515 Projeto de Avaliação do Desenvolvimento do Sistema de Saúde (PROADESS). Monitoramento da assistência hospitalar no Brasil (2009-2017) [Internet]. 2019. [acessado 2020 jul 16]. Disponível em: https://www.proadess.icict.fiocruz.br/Boletim_4_PROADESS_Monitoramento%20da%20assistencia%
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. Estudo recente apresenta situação crítica do sistema de saúde brasileiro para atender à demanda hospitalar gerada pela pandemia de COVID-193232 Noronha NVMS, Guedes GR, Turra CM, Andrade MV, Botega L, Nogueira D, Calazans JÁ, Carvalho L, Servo L, Ferreira MF. Pandemia por COVID-19 no Brasil: análise da demanda e da oferta de leitos hospitalares e equipamentos de ventilação assistida segundo diferentes cenários. Cad Saude Publica 2020; 36(6):e00115320.. Outro destaca que, particularmente em países de baixa e média renda, há necessidade de melhorar o acesso a cuidados de alta qualidade para pacientes criticamente enfermos no hospital3333 Razani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, Bozza FA. Characterisation of the first 250.000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med 2021; 9(4):407-418.. Porém, chama atenção o percentual da população com alta qualidade/AB-AH (41,15%), indicando a potencialidade do sistema brasileiro para o desenvolvimento de ações que incentivem uma melhoria sistêmica da qualidade da assistência prestada pelo SUS.

Entre as regiões, observou-se assimetrias intra e inter-regionais na atenção em saúde, concordando com outros estudos3434 Malta DC, Santos MAS, Stopa SR, Vieira JEB, Melo EA, Reis AAC. A cobertura da estratégia de Saúde da Família (eSF) no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Cien Saude Colet 2016; 21(2):327-338.,3535 Viacava F, Oliveira RAD, Carvalho CC, Laguardia J, Bellido JG. SUS: oferta, acesso e utilização de serviços de saúde nos últimos 30 anos. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1751-1762.. A região Norte teve os menores indicadores médios para qualidade/AB-AH; a Nordeste, maior média para cobertura/AB, corroborando dados de Giovanella et al.2929 Giovanella L, Bousquat A, Schenkman S, Sardinha LMV, Vieira MLFP. Cobertura da Estratégia Saúde da Família no Brasil: o que nos mostram as Pesquisas Nacionais de Saúde 2013 e 2019. Cien Saude Colet 2021; 26(Supl.1):2543-2556., e menor para resolubilidade; Centro-Oeste teve a menor média para cobertura/AB; Sul apresentou maior média para qualidade/AB, cobertura/AH e resolubilidade; e Sudeste o menor indicador médio para cobertura e o maior para qualidade na AH. Viana e Iozzi33 Viana ALA, Iozzi FL. Enfrentando desigualdades na saúde: impasses e dilemas do processo de regionalização no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 2):e00022519. destacam a equidade territorial como um dos maiores desafios na concretização da integralidade no SUS, sendo importante evidenciar o frágil papel assumido pelos estados, as desigualdades na distribuição de recursos, a concentração de serviços em grandes cidades, a pouca integração entre os serviços e a fragilidade do planejamento22 Viana ALA, Lima LD, Bonifácio A, Shimizu H, Gimenez B. Relações Federativas e Regionalização no cenário da pandemia de Covid-19: em que e de que forma conseguimos avançar? In: 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde. Rio de Janeiro; 2020. p. 1-18..

Viana et al.3636 Viana ALA, Machado CV, Baptista TWF, Lima LD, Mendonça MHM, Heimann LS, Albuquerque MV, Iozzi FL, David VC, Ibañez P, Frederico S. Sistema de saúde universal e território: desafios de uma política regional para a Amazônia Legal. Cad Saude Publica 2007; 23(Supl. 2):s117-s131. discutem a dimensão territorial e apontam que essa não tem sido fortemente incorporada à formulação de políticas de saúde. Acrescentam que a regionalização tem se direcionado mais para aspectos da organização da rede de serviços no âmbito intraestadual. Entretanto, também foram encontradas diferenças na classificação de macrorregiões em um mesmo estado, o que remete à dificuldade na articulação regional. Ribeiro et al.3737 Ribeiro JM, Moreira MR, Ouverney AM, Pinto LF, Silva CMFP. Federalismo e políticas de saúde no Brasil: características institucionais e desigualdades regionais. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1777-1789. concluíram que o federalismo brasileiro centralizado não produz forte coordenação local da política de saúde, devido a seus aspectos competitivos no plano subnacional e a fatores socioeconômicos, representando obstáculos importantes às políticas redistributivas. Observa-se fragilidade do planejamento regional3838 Albuquerque AC, Cesse EAP, Felisberto E, Samico IC, Frias PG. Avaliação de desempenho da regionalização da vigilância em saúde em seis Regiões de Saúde brasileiras. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 2):e00065218. e a necessidade de desenvolvimento de uma sólida capacidade institucional que considere o planejamento no enfrentamento das desigualdades estruturais nas regiões de saúde3939 Arretche M. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: FGV; 2012., fato reconhecido desde a promulgação do Decreto 7.508/20111010 Brasil. Presidência da República. Decreto 7.508, de 28 de junho 2011. Regulamenta a Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da Saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 29 jun..

Quase três quintos da população acessam serviços de baixa qualidade e dois quintos de alta. Uma das principais diretrizes do Ministério da Saúde (MS), no desenvolvimento da Política de Monitoramento e Avaliação para Qualificação do SUS, tem como objetivo avaliar o desempenho do sistema de saúde em dimensões estratégicas de acesso e qualidade3636 Viana ALA, Machado CV, Baptista TWF, Lima LD, Mendonça MHM, Heimann LS, Albuquerque MV, Iozzi FL, David VC, Ibañez P, Frederico S. Sistema de saúde universal e território: desafios de uma política regional para a Amazônia Legal. Cad Saude Publica 2007; 23(Supl. 2):s117-s131.. Apesar dos investimentos, os resultados apontam persistência de problemas na qualidade da atenção básica99 Facchini LA, Tomasi E, Dilélio AS. Qualidade da Atenção Primária à Saúde no Brasil: avanços, desafios e perspectivas. Saude Debate 2018; 42(1):208-223., como constatado em outros estudos. Tomasi et al.4040 Tomasi E, Fernandes PAA, Fischer T, Siqueira FCV, Silveira DS, Thumé E, Duro SMS, Saes MO, Nunes BP, Fassa AG, Facchini LA. Qualidade da atenção pré-natal na rede básica de saúde do Brasil: indicadores e desigualdades sociais. Cad Saude Publica 2017; 33(3):e00195815., avaliando aspectos da qualidade da atenção pré-natal na rede básica de saúde no Brasil, concluíram que apenas 15% das mulheres entrevistadas receberam uma atenção de qualidade.

No presente estudo, a cobertura/AB foi classificada como alta para 100% da população brasileira. É consenso entre estudiosos a ampliação equitativa do acesso e da utilização de serviços e ações de saúde da família4040 Tomasi E, Fernandes PAA, Fischer T, Siqueira FCV, Silveira DS, Thumé E, Duro SMS, Saes MO, Nunes BP, Fassa AG, Facchini LA. Qualidade da atenção pré-natal na rede básica de saúde do Brasil: indicadores e desigualdades sociais. Cad Saude Publica 2017; 33(3):e00195815., com aumento progressivo da ESF, chegando a 42.784 equipes em 20194141 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sala de Apoio à Gestão Estratégica [Internet]. 2020. [acessado 2021 maio 20]. Disponível em: https://sage.saude.gov.br/#>
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. Outros dados4242 Instituto Sulamaricano Gobierno En Saluda (ISAGS). Mapeamento e análise dos modelos de atenção primária à saúde nos países da América do Sul - Atenção Primária à Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: UNASUR; 2014. demonstram que, de 1998 a 2006, a cobertura da ESF de aproximadamente 7% alcançou 46% da população. Neves et al.4343 Neves RG, Flores TR, Duro SMS, Nunes BP, Tomasi E. Tendência temporal da cobertura Estratégia de Saúde da Família no Brasil, regiões e unidades da federação, 2006-2016. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(3):e2017170. corroboram ao indicar que, entre 2006 e 2016, as coberturas foram de 45,3% e 64%, respectivamente, com tendência crescente. Almeida et al.4444 Almeida ER, Sousa ANA, Brandão CC, Carvalho FFB, Tavaresi G, Silva KC. Política Nacional de Atenção Básica no Brasil: uma análise do processo de revisão (2015-2017). Rev Panam Salud Publica 2018; 42:e180. indicam ampliação de 2007 a 2017, variando de 48% a 64%. Em outro estudo4545 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? Brasília: OPAS; 2018., a cobertura na APS (ESF e outros modelos de atenção), entre 2008 e 2013, variou de 75,8% para 80,6%.

Todavia, concorda-se com Ouverney et al.4646 Ouverney AM, Noronha JC. Modelos de organização e gestão da atenção à saúde: redes locais, regionais e nacionais. In: Fundação Oswaldo Cruz. A saúde no Brasil em 2030 - prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro: organização e gestão do sistema de saúde [online]. Rio de Janeiro: Fiocruz/Ipea/Ministério da Saúde/Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 2013., pois mesmo frente ao cenário de expansão, não é possível concluir que a cobertura/AB seja uniforme no território nacional. Estudo que avalia as desigualdades socioeconômicas no desempenho das ESF com base no PMAQ sugere que fatores municipais são determinantes importantes na atuação das mesmas4747 Kovacs R, Barreto JOM, Silva EN, Borghi J, Kristensen SR, Costa DRT, Gomes LB, Junior GDG, Sampaio J, Jackson TP. Socioeconomic inequalities in the quality of primary care under Brazil's national pay-for-performance programme: a longitudinal study of family health teams. Lancet 2021; 9(3):331-339.. Outro estudo, analisando a implantação do Piso de Atenção Básica (PAB), concluiu que houve aumento do acesso a serviços de AB, porém a desigualdade entre os municípios não diminuiu3030 Marques E, Arretche M. Condicionantes locais da descentralização das políticas de saúde. Cad CRH 2003; 39:55-81.. A OPAS considera ainda que a baixa disponibilidade de médicos para atuar em áreas remotas do país é um fator limitante da expansão de cobertura da ESF4545 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? Brasília: OPAS; 2018.. Esse conjunto de constatações corroboram os dados de qualidade e cobertura encontrados no presente estudo, evidenciando a necessidade de novas análises que aprofundem a relação cobertura-qualidade no SUS.

Em todo o território nacional, não foi classificada macrorregião com alta cobertura/AH (acima de 1,9 leitos/mil habitantes), caracterizando enorme diferencial comparado ao número de leitos em sistemas universais. Em 2017, em países da OCDE, a média de leitos estava estimada em 4.7 leitos/mil habitantes3131 Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). Health at a glance 2019: OECD indicators. Paris: OECD; 2019.. Os resultados brasileiros demonstraram média cobertura para 90,29% da população e baixa para 9,70%, sugerindo diferenças regionais no acesso. Estudo que investiga as redes estabelecidas para diferentes tipos de demanda de serviços de saúde, entre elas a atenção hospitalar básica, demonstrou desigualdades no acesso, que é ainda mais marcante em relação a serviços mais complexos4848 Oliveira EXG, Carvalho MS, Travassos C. Territórios do Sistema Único de Saúde - mapeamento das redes de atenção hospitalar. Cad Saude Publica 2004; 20(2):386-402.. Outro estudo, trabalhando com o mapeamento do número de leitos de UTI (adultos no SUS) e de ventiladores e respiradores existentes no país, encontrou enorme heterogeneidade regional e escassez de recursos na maioria das regiões do país, indicando ser fundamental identificar as regiões mais vulneráveis para fortalecer a capacidade de resposta do sistema de saúde em âmbito regional e local1111 Rache B, Rocha R, Nunes L, Spinola P, Malik AM, Massuda A. Necessidades de infraestrutura do SUS em preparo à COVID-19: leitos de UTI, respiradores e ocupação hospitalar. IEPS 2020; Nota Técnica 3:1-5.. Dados do PROADES1616 Ribeiro JM, Moreira MR, Ouverney AM, Silva CMFP. Políticas de saúde e lacunas federativas no Brasil: uma análise da capacidade regional de provisão de serviços. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1031-1044. indicam, entre 2007 e 2019, um decréscimo no número de leitos curativos disponíveis no SUS em todas as grandes regiões, com exceção da Norte.

A situação é agravada pela concentração de hospitais em cidades de grande e médio porte11 Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Filho NA, Medina MG. Regionalização e Redes de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1791-1798. e nas regiões Sudeste, Sul e no litoral2121 Chaves LA, Malta DC, Jorge AO, Reis IA, Tofoli GB, Machado LF, Santos AF, Andrade EIG. Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde - PNASS 2015-2016: uma análise sobre os hospitais no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2020; 24:e210002., e pela forma como se distribuem socialmente no território nacional, concentrados nas áreas mais ricas das capitais4949 Negri Filho AA. Bases para um debate sobre a reforma hospitalar do SUS: as necessidades sociais e o dimensionamento e tipologia de leitos hospitalares em um contexto de crise de acesso e qualidade [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2016.. Estudo recente destaca que 30% das regiões de saúde (microrregiões) no país são particularmente vulneráveis, devido a uma combinação de infraestrutura de leitos de UTI aquém do mínimo e mortalidade por condições similares à COVID-19, acima da mediana nacional, destacando as regiões Sudeste e Nordeste1111 Rache B, Rocha R, Nunes L, Spinola P, Malik AM, Massuda A. Necessidades de infraestrutura do SUS em preparo à COVID-19: leitos de UTI, respiradores e ocupação hospitalar. IEPS 2020; Nota Técnica 3:1-5..

Nesse contexto, Viana et al.11 Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Filho NA, Medina MG. Regionalização e Redes de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1791-1798. chamam atenção para a integração do hospital à RAS e a liderança dos governos estaduais na organização regional e estadual da oferta especializada e hospitalar. Fica claro, conforme discutido por Chaves et al.2121 Chaves LA, Malta DC, Jorge AO, Reis IA, Tofoli GB, Machado LF, Santos AF, Andrade EIG. Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde - PNASS 2015-2016: uma análise sobre os hospitais no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2020; 24:e210002., que a distribuição da oferta de leitos precisa se fundamentar na conformação de arranjos regionais que consigam implementar11 Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Filho NA, Medina MG. Regionalização e Redes de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1791-1798. a devida inserção dos serviços hospitalares em um desenho sistêmico de rede. Negri Filho4949 Negri Filho AA. Bases para um debate sobre a reforma hospitalar do SUS: as necessidades sociais e o dimensionamento e tipologia de leitos hospitalares em um contexto de crise de acesso e qualidade [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2016., ao abordar a escassez de leitos, concluiu que a crise de acesso hospitalar constitui razão para uma agenda estratégica de reforma hospitalar brasileira, abrangendo5050 Brasil. Ministério da Saú de (MS). Reforma do Sistema de Atenção Hospitalar Brasileira [Internet]. 2004. [acessado 2018]. Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/1518.pdf
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as dimensões da crise social, financeira, política, organizacional, assistencial e de ensino e pesquisa.

A resolubilidade é alta para 90,29% da população e média para 9,7%, sugerindo acessibilidade a procedimentos de média complexidade na internação hospitalar. Entretanto, a cobertura/AH (classificada como média para 90,29% da população) indica insuficiência de leitos para atender às demandas da população, remetendo, de um lado, à necessidade de investigação da AH11 Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Filho NA, Medina MG. Regionalização e Redes de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1791-1798.,2121 Chaves LA, Malta DC, Jorge AO, Reis IA, Tofoli GB, Machado LF, Santos AF, Andrade EIG. Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde - PNASS 2015-2016: uma análise sobre os hospitais no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2020; 24:e210002.,5050 Brasil. Ministério da Saú de (MS). Reforma do Sistema de Atenção Hospitalar Brasileira [Internet]. 2004. [acessado 2018]. Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/1518.pdf
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, questão extremamente complexa e desafiadora, e de outro, aos impactos dessa escassez de leitos na qualidade hospitalar, corroborada por dados do presente estudo, em que 58,54% da população acessam serviços de baixa qualidade e 41,15% de alta.

Como limitação do estudo é importante destacar que a análise de agrupamento sempre criará grupos, e encontrá-los não valida sua existência, sendo necessário conciliar a interpretação dos dados quantitativos à contextualização conceitual2525 Hair JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman; 2009.. Por fim, não foram evidenciadas especificidades locais e microrregionais ou incluídos dados para a atenção especializada-ambulatorial não hospitalar, reconhecidamente um importante gargalo da assistência no SUS.

Considerações finais

São inegáveis os avanços implementados no campo da saúde pública desde a criação do SUS, em 1988. Destaca-se a contribuição para o acesso aos serviços de saúde e a expansão da ESF, com impactos positivos na saúde infantil e na redução da taxa de mortalidade e de internação por doenças cardiovasculares e acidente vascular cerebral4545 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? Brasília: OPAS; 2018.. E também a instituição da Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP), que estabeleceu as diretrizes para a organização do componente hospitalar na RAS, e a Política Nacional para os Hospitais de Pequeno Porte88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2017; 3 out., considerados importantes na configuração da assistência loco-regional, para garantir o acesso à internação hospitalar e diminuir as desigualdades regionais5151 Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Política Nacional de Atenção Hospitalar: diretrizes para a reorganização dos hospitais de pequeno porte - HPP. Brasília: CONASS; 2014..

No entanto, seja pela reconhecida crise do pacto federativo, pelos desafios do processo de descentralização, pela discussão do papel dos municípios ou pelo papel do setor privado da saúde e sua relação com o setor público, além da necessidade de aprimoramento dos mecanismos de participação social4545 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? Brasília: OPAS; 2018., grandes desafios estão colocados à gestão do sistema. Compreende-se que, sem financiamento adequado, regulação e participação pública na prestação de serviços, não é possível garantir acesso universal de acordo com as necessidades de saúde da população5252 Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde da Abrasco. Contribuição para uma agenda política estratégica para a Atenção Primária à Saúde no SUS. Saude Debate 2018; 42(Esp. 1):406-430..

O estudo também demonstrou a expansão da cobertura ESF, porém com baixa qualidade das ações e serviços de saúde. Contudo, mesmo não sendo encontrado agrupamento que agregasse alta cobertura, qualidade e resolubilidade, chama atenção que, para dois quintos da população, prevalece um cenário de alta cobertura/AB e média/AH, e alta qualidade/AB-AH com alta resolubilidade. Situação que remete à premência de investimentos no monitoramento e na qualificação do SUS, com o desenvolvimento de estudos que aprofundem a relação cobertura e qualidade e que possam também oferecer parâmetros comparativos com outros padrões de organização de sistemas de saúde internacionais.

Sabe-se que a relação interfederativa é um grande desafio no desenho de políticas públicas44 Giovanella L, Franco CM, Almeida PF. Política Nacional de Atenção Básica: para onde vamos? Cien Saude Colet 2020; 25(4):1475-1481.,99 Facchini LA, Tomasi E, Dilélio AS. Qualidade da Atenção Primária à Saúde no Brasil: avanços, desafios e perspectivas. Saude Debate 2018; 42(1):208-223.,5353 Albuquerque MV. O enfoque regional na política de saúde brasileira (2001-2011): diretrizes nacionais e o processo de regionalização nos estados brasileiros [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2013.. Frente ao apresentado no estudo, verifica-se que a institucionalização da gestão do SUS5555 Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). A regionalização da saúde no Brasil. São Paulo: IEPS; 2022. ainda se configura de baixa resolutividade no território nacional. Observa-se defasagem das relações intergovernamentais, que se reflete no funcionamento regional das redes de saúde e dificulta a cooperação entre os entes da federação5555 Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). A regionalização da saúde no Brasil. São Paulo: IEPS; 2022..

Desse modo, olhando para o futuro, compreende-se a importância de um planejamento que trate da gestão da relação entre os entes da federação para consolidação do sistema, chamando atenção para a efetivação de uma governança regional que incorpore a articulação com a APS e o fortalecimento de sua capacidade resolutiva. Para isso, impõe-se a necessidade de financiamento público adequado, a consideração das dimensões territoriais, bem como a interdependência e o papel político-administrativo dos entes federados.

Referências

  • 1
    Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Filho NA, Medina MG. Regionalização e Redes de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1791-1798.
  • 2
    Viana ALA, Lima LD, Bonifácio A, Shimizu H, Gimenez B. Relações Federativas e Regionalização no cenário da pandemia de Covid-19: em que e de que forma conseguimos avançar? In: 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde. Rio de Janeiro; 2020. p. 1-18.
  • 3
    Viana ALA, Iozzi FL. Enfrentando desigualdades na saúde: impasses e dilemas do processo de regionalização no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 2):e00022519.
  • 4
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2023
  • Aceito
    08 Ago 2023
  • Publicado
    10 Ago 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br