Desafios relacionados ao clima organizacional da equipe de enfermagem de um hospital público - percepção dos enfermeiros

Elisabete Mesquita Peres de Carvalho Carmem Lúcia Marques de Brito Monique Batista Pimentel Villas Gracielle Cordeiro Muniz Leila Bernarda Donato Göttems Cristina Rosa Soares Lavareda Baixinho Sobre os autores

Resumo

O ambiente organizacional está relacionado com o grau de motivação de seus colaboradores. Essa percepção é essencialmente sentida, não se vê e nem se toca, mas tem uma existência real. Este estudo objetiva identificar as dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público do Distrito Federal. Metodologicamente foi realizado um estudo descritivo e exploratório caracterizado por uma abordagem qualitativa. A análise de conteúdo temática conduziu a três dimensões interpretativas: ambiente e condições de trabalho; comunicação, relacionamento interpessoal e fluxos de trabalho; e motivação para a melhoria do ambiente de trabalho. Os resultados apontam para um déficit de recursos humanos, escassez de recursos materiais, insumos, estrutura física precária, além de problemas de relacionamento interpessoal, como a (des)valorização do profissional enfermeiro e da enfermagem. Os desafios postos para os gestores estão para além da dimensão técnica e estrutural, da complexidade tecnológica dos equipamentos sem manutenção, desdobra-se pela dimensão humana, pelos sentimentos e pelas necessidades não atendidas (de valorização) da enfermagem, que precisa ser cuidada, valorizada, ouvida e vista no seu processo de cuidar.

Palavras-chave:
Hospital Público; Ambiente de Trabalho Colaborativo; Equipe de Enfermagem; Relacionamento interpessoal

Introdução

O clima organizacional corresponde à percepção dos trabalhadores de uma organização no que diz respeito ao seu ambiente de trabalho11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.. É importante conhecer esta percepção, pois o sentimento que as pessoas têm sobre a empresa tem um impacto profundo sobre como e quanto trabalham. Segundo Chiavenato22 Chiavenato I. Administración de Recursos Humanos. 9ª. ed. México: McGraw-Hill; 2017., o clima organizacional é a qualidade do ambiente organizacional percebida pelos membros da organização e que influencia no comportamento pessoal de cada profissional. Pode ser favorável quando proporciona satisfação das necessidades pessoais dos trabalhadores, desfavorável quando proporciona frustração das necessidades e neutro quando este clima é indiferente aos participantes, levando-os a não se importarem com o que aconteça na organização.

Essa percepção do clima é essencialmente sentida pelos trabalhadores, não se vê e nem se toca, mas tem uma existência real. Para cada trabalhador, em particular, o clima toma a forma de um conjunto de atitudes e expectativas que descrevem a organização, seja em termos de características estáticas, como o grau de autonomia, seja em termos de variáveis comportamentais. Dessa forma, o clima organizacional mapeia o ambiente interno da instituição, traduz as tensões e os anseios, apreende as satisfações e insatisfações pessoais, desenha um retrato dos problemas que a situação vivenciada provoca33 Keller E, Aguiar MAF. Análise crítica teórica da evolução do conceito de clima organizacional. Rev Terra Cultura Cad Ensino Pesq 2020; 20(39):91-113..

Apesar da pluralidade teórica acerca do assunto, determinadas dimensões são comuns à maioria dos autores quando se trata do clima organizacional das instituições de saúde, elenca-se segurança, relacionamento interpessoal, liderança, e motivação as mais abordadas44 Devi KM, Singh WC. Hospital staff perception of structural organizational climate dimension. Humanities Soc Sci Rev 2020; 8(2):744-755.

5 Ribeiro LAM, Veiga HMS. Bem-estar no trabalho: influência do clima organizacional entre trabalhadores hospitalares. Rev Psicol Saude 2022; 14(1):63-76.

6 Pantaleão PF, Veiga HMS. Bem-estar no trabalho: Revisão sistemática da literatura nacional na última década. HOLOS 2019; 5:1-24.
-77 Veiga HMS, Cortez PA. Preditores de bem-estar em trabalhadores identificados na literatura em Psicologia no Brasil. Rev Admin Mackenzie 2020; 21(4):1-29.. As organizações de saúde se apresentam como um dos importantes cenários em que as relações interpessoais acontecem e o ambiente hospitalar, embora dotado de nuances específicas, preserva a mesma dinâmica das demais organizações88 Mello RDCC, Reis LB, Ramos FP. Stress in nursing professionals: the importance of the organizational climate variable. Gerais: Rev Interinstit Psicol 2018; 11(2):193-207.. Um bom desempenho organizacional requer dos gestores uma elevada capacidade para fundir os vários elementos que compõem a estrutura organizacional destes.

A ambientação interna e os arranjos institucionais existentes nas organizações de saúde versus o grau de motivação de cada profissional são elementos importantes para a análise do clima organizacional que de certa forma, influencia na motivação, no desempenho, na qualidade dos serviços e na satisfação dos usuários e trabalhadores11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,99 Bracarense CF, Costa NDS, Raponi MBG, Goulart BF, Chaves LDP, Simões ALDA. Clima organizacional e intenção de rotatividade de enfermeiros: estudo de método misto. Rev Bras Enferm 2022; 75(4):e20210792.. O ambiente hospitalar, foco do presente estudo, apresenta-se como um cenário em que as relações interpessoais são necessárias para a execução das atribuições, embora dotado de nuances específicas, preserva a mesma dinâmica das demais organizações11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642..

Diante do exposto, este estudo tem como objetivo identificar as principais dificuldades relacionadas ao clima organizacional entre servidores de um hospital público do Distrito Federal, a fim de apresentar sugestões que possam melhorar o desempenho da equipe e a assistência ao paciente.

Metodologia

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa do tipo exploratório-descritivo. A abordagem qualitativa busca compreender as práticas e os discursos como ações humanas objetivadas, resultantes de interações sociais, visto que as particularidades do meio revelam aos sujeitos traços peculiares que são desvelados a partir dos significados que ele estabelece, considerando o amplo universo de crenças, valores, aspirações, significados, motivos e atitudes que estão inseridos no mundo das relações humanas e que não são perceptíveis em variáveis médias e estatísticas11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1010 Minayo MCDS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco; 2014..

A pesquisa foi realizada com 46 enfermeiros de um hospital público do Distrito Federal. Foram convidados enfermeiros de todos os setores assistenciais, inclusive os supervisores de enfermagem, o que caracteriza a amplitude da pesquisa. Foram definidos como critérios de inclusão dos participantes: ser enfermeiro(a), atuar nas unidades assistenciais do Hospital e aceitar participar da pesquisa. Como critérios de exclusão, ser enfermeiro(a), atuar nas unidades assistenciais do hospital pesquisado e não aceitar participar da pesquisa11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642..

Foi utilizada uma amostra não probabilística de conveniência11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1111 Vergara SC. Projetos e relatórios de pesquisa em Administração. São Paulo: Atlas; 2009. de 46 enfermeiros que atuam tanto na assistência quanto na gestão. Participaram enfermeiros que atuam no Pronto Socorro adulto, Pronto Socorro infantil, Centro Obstétrico, Alojamento Conjunto, UTI adulto, UTIN (UTI neonatal), Unidade de Clínica Médica (enfermaria), Unidade de Clínica Cirúrgica (enfermaria), Pediatria (enfermaria), Centro Cirúrgico e CME. Utilizou-se, como parâmetro da saturação amostral, o esgotamento de novos assuntos no discurso dos respondentes11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1212 Flick U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.. A coleta de dados das entrevistas ocorreu no período de 10 de outubro a 30 de novembro de 2021. Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada com questões abertas, de acordo com os objetivos do estudo11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642..

As entrevistas foram realizadas no local de trabalho dos enfermeiros, em ambiente escolhido por eles, após explicação do objetivo, da dinâmica da entrevista e da garantia do anonimato, foi solicitado autorização para gravação das entrevistas, esclarecendo que este procedimento facilitaria a realização do estudo. Na medida do possível, buscou-se tornar o ambiente o mais confortável possível, de maneira informal, sem impor barreiras a comunicação com os entrevistados.

Cada colaborador foi entrevistado uma única vez, não foi estabelecido tempo limite para a duração da entrevista11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.. Foram questionados sobre a percepção das principais dificuldades que corroboram a insatisfação no ambiente de trabalho e como essas dificuldades poderiam ser corrigidas. As entrevistas foram gravadas em mídia digital para posterior transcrição e análise dos dados11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.. Para assegurar o anonimato dos depoimentos, os respondentes foram identificados com a letra (E=Enfermeiro) seguido da numeração em ordinal e setor de origem dos sujeitos (E1-UTIN).

Os dados foram examinados por meio da análise de conteúdo de Bardin11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1313 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.. A partir da vivência dos pesquisadores no cenário pesquisado, foi procurado interpretar o fenômeno na percepção dos respondentes, resgatando dos discursos as falas significativas em relação ao clima organizacional e identificando os núcleos de sentido correspondentes. Os discursos colhidos por meio das entrevistas foram transcritos e lidos por diversas vezes cada um deles a fim de resgatar, desses discursos, as falas significativas que emergiram com o tema. Dessa forma, as falas dos respondentes foram reduzidas em unidades de significados e categorizadas em três núcleos de sentido: 1 - Ambiente e condições de trabalho; 2 - Comunicação, relacionamento interpessoal e fluxos de trabalho; e 3 - Motivação para a melhoria do ambiente de trabalho. Não foi utilizado softwares de apoio ao tratamento dos dados qualitativos.

Todos os caminhos metodológicos desse estudo obedeceram às normas da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (CEP/SES/DF) sob o Parecer nº 4.975.835, de 15 de setembro de 2021.

SciELO Data: https://doi.org/10.48331/scielodata.SOCI0F.

Resultados e discussão

Em relação às características dos participantes, todos são enfermeiros(as), 88,6% são do sexo feminino. A idade variou de 28 a 63 anos, com média de 45 anos. Com relação ao tempo de atuação no setor, 4,5% têm menos de 1 ano de atuação, e 35% contam mais de 10 anos, sendo que a média de tempo na SES/DF é de 20 anos.

A partir dos relatos foi possível encontrar três núcleos de sentido que foram divididos em três categorias temáticas permitindo fundamentar as interpretações feitas na discussão e interpretá-las de acordo com a produção científica.

Ambiente e condições de trabalho

As condições do ambiente de trabalho foi a principal dificuldade pontuada pelos respondentes e estão amplamente ligadas com a escassez de recursos humanos, com a sobrecarga de trabalho, escassez de recursos materiais, insumos e equipamentos sem manutenção. Em consonância com tais dados, Pol et al.11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1414 Pol P, Zarpellon LD, Matia G. Factors of (dis)satisfaction in the work of the nursing team in pediatric ICU. Cogitare Enferm 2014; 19(1):64-71. apontam que os profissionais de saúde esperam encontrar recursos, insumos e material disponíveis e adequados, bem como equipamentos e estrutura física apropriada para desempenhar com eficiência as funções peculiares a cada categoria. Para Nouri et al.11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1515 Nouri A, Sanagoo A, Jouybari L, Taleghani F. Contextual Barriers of Respectful Workplace in Nursing: A Focused Ethnography. Iran J Nurs Midwifery Res 2021; 26(4):349-354. a alta carga de trabalho, a escassez de recursos de enfermagem e o estresse laboral constituem barreiras para um ambiente de trabalho adequado e respeitoso.

Eu vejo que a gente tem como principal dificuldade, a falta de RH, a gente tem um déficit grande de RH, isso sacrifica as pessoas que estão na lida, e também precisamos pontuar que há uma falta de comunicação e de respeito entre as categorias que trabalham no setor, a enfermagem e a equipe médica, tem muitos problemas de comunicação e de respeito entre as equipes (E9-CO).

Estudos semelhantes, constatam que trabalhar com a falta persistente de recursos humanos, materiais e insumos, além de corroborar a insatisfação no ambiente de trabalho, há redução da qualidade da assistência prestada11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1616 Ferro D, Zacharias FCM, Fabriz LA, Schonholzer TE, Valente SH, Barbosa SM, Pinto IC. Absenteísmo na equipe de enfermagem em serviços de emergência: implicações na assistência. Acta Paul Enferm 2018; 31:399-408..

Vou pontuar a nossa dificuldade quanto enfermeiro, a gente está tendo poucos enfermeiros, pra está tendo que assumir a classificação de risco, e manter essa classificação ativa, o tempo inteiro e, a gente prejudica a assistência, porque fica um enfermeiro só na assistência com partos normais, o centro cirúrgico com as cesáreas, com os leitos de observação, com os recém-nascidos e mais os recém-nascidos graves, então um enfermeiro tendo que assumir toda essa responsabilidade assistencial, está muito difícil pra nós enfermeiros, está assumindo uma escala tão reduzida e com fluxo muito alto de trabalho[...] (E23-CO).

A exemplo das dificuldades relacionadas ao quantitativo de recursos humanos em toda a rede de atenção à saúde, estudos realizados com profissionais de enfermagem da atenção terciária demonstraram que o número excessivo de pacientes atribuídos por profissional são fatores de risco para a ocorrência de adoecimento entre enfermeiros11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1717 Souza VSD, Matsuda LM, Freitas GFD, Marcon SS, Costa MAR. The hidden experience of nursing professionals sued for error. Rev Esc Enferm USP 2021; 55:e03668.. De certa forma, as condições de trabalho influenciam diretamente nas atividades laborais, na saúde e na satisfação do trabalhador. Para Santos et al.11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1818 Santos TAD, Suto CSS, Santos JS, Souza EA, Góes MMDCSR, Melo CMM. Working conditions of nurses, nursing technicians, and assistants in public hospitals. Rev Min Enferm 2020; 24:e1339., em hospitais com condições de trabalho precarizadas, a demanda dos usuários para a satisfação de suas necessidades aumenta a intensidade do trabalho da equipe de Enfermagem, dado que precisam improvisar para substituir recursos, além de recriar a organização do próprio trabalho de modo a atender às necessidades, mesmo com número restrito de trabalhadores ou de insumos.

Acredito que a primeira dificuldade que se tem e que gera muita insatisfação é a falta de equipe fixa. É um setor que trabalha com bastante hora extra ultimamente, a equipe médica não é fixa também, não reconhece o local, não há uma continuidade no trabalho em função disso porque os pacientes tem necessidades e há uma grande demora na parte de exames dos pacientes que dificultam as altas e a gente está aqui é para trabalhar isso com eles né, o fato deles se desenvolverem e irem para os seus domicílios o mais breve possível (E5-UTIN).

A falta de equipe fixa foi uma dificuldade desvelada no cenário investigado. Essa dificuldade corrobora a quebra na manutenção da equipe de rotineiros (médicos, enfermeiros e outras categorias) que trabalham diariamente de forma horizontal na continuidade do cuidado e na formação do vínculo entre profissionais e pacientes/familiares. Ressalte-se a relevância da comunicação horizontalizada como potente ferramenta para a promoção de decisões compartilhadas que favorece a efetividade do trabalho em equipe1919 Chaves LDP, Mininel VA, Silva JAMD, Alves LR, Silva MFD, Camelo SHH. Supervisão de enfermagem para a integralidade do cuidado. Rev Bra Enferm 2017; 70:1106-1111.. No entanto, a oferta de hora extra para cobrir a escala de serviço foi a alternativa encontrada para não fechar os leitos hospitalares.

A principal dificuldade, que eu coloco como número 1 é falta de RH, mesmo que a gente tenha carga horária disponível, o número de afastamentos é muito grande. Aí eu tento entender por que a origem de tantos afastamentos e realmente se relaciona com questões de saúde mesmo dos servidores antigos [...] (E28-ALCON).

Hoje, o absenteísmo por doença é um dos maiores problemas no serviço público, como resposta a essa demanda, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal tem se utilizado dos processos de hora extra para todos os setores assistenciais, de forma a cobrir os afastamentos e manter o funcionamento das unidades. Estimativas apontam que, em 2040, a população brasileira em idade ativa será constituída por, aproximadamente, 57% de pessoas com mais de 45 anos. Todavia, esse efeito demográfico associado às condições de trabalho favorece o envelhecimento funcional, que se faz notar antes do envelhecimento cronológico, afetando a capacidade para o trabalho2020 Santi DB, Barbieri AR, Cheade MDFM. Absenteísmo-doença no serviço público brasileiro: uma revisão integrativa da literatura. Rev Bras Med Trab 2018; 16(1):71-81.. Dessa forma, considerando os servidores antigos lotados no Alojamento Conjunto (ALCON) do hospital pesquisado, é possível entender a maior prevalência dos afastamentos por doença nos servidores com mais tempo de serviço.

[...] Outra dificuldade que a gente percebe também e que isso acaba levando a um aumento do absenteísmo, é a sobrecarga de trabalho, que leva muitos colegas ao afastamento, atestados, e tudo mais, [...] então é isso que a gente percebe essa desvalorização, essa falta de apoio, que acaba levando a sobrecarga de trabalho e consequentemente a profissionais ficando mais doentes, insatisfeitos e, consequentemente produzindo menos, isso é uma cascata (E13-CO).

Com relação às condições dos equipamentos, os enfermeiros relataram que estão velhos e, sem contrato de manutenção. Mencionaram que o serviço de manutenção do próprio hospital é ineficiente, faltam recursos materiais e humanos para atender às demandas da instituição. Sugeriram o retorno dos contratos de manutenção preventiva e corretiva com as empresas especializadas, enfatizando que perdem tempo com processo de PDPAS (Programa de Descentralização Progressiva de Ações de Saúde) que não resolve, pois os equipamentos não são arrumados11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642..

O que eu tenho percebido ultimamente que faz gerar mais insatisfação é a falta de material médico-hospitalar, insumos, de material tecnológico, porque a UTI neonatal ela é muito baseada na tecnologia, então o nosso trabalho depende do equipamento, se a gente não tem o equipamento, a gente praticamente não funciona e o que tem acontecido ultimamente é o sucateamento dos equipamentos, além da falta dos insumos né, que a gente fica dando jeitinho, falta isso, falta aquilo, e a gente tem que fazer a coisa da forma certa sem ter o que é certo. Tem a parte dos equipamentos que não funcionam e, os que funcionam muito mal, se eu te mostrar o depósito onde está o material estragado que há muito tempo não tem manutenção [...] A gente trabalha numa condição muito ruim de coisas funcionando muito mal, apitando o tempo inteiro e é um lugar que era pra ser silencioso e não é, isso tem causado muita insatisfação na equipe (E12-UTIN).

Sem dúvida, as condições de trabalho influenciam diretamente nas atividades laborais, na saúde e na satisfação do trabalhador11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.. As longas jornadas de trabalho é um dos principais fatores que levam os trabalhadores a ficarem insatisfeitos, estressados, levando ao adoecimento11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,2121 Camargo SF, Almino RHSC, Diógenes MP, Oliveira Neto JPD, Silva IDSD, Medeiros LCD, Dantas KGR, Camargo JDDAS. Qualidade de vida no trabalho em diferentes áreas de atuação profissional em um hospital. Cien Saude Colet 2021; 26:1467-1476.,2222 Pimentel NDJS, Silva RRC, Oliveira YHA, Silva AGI. A satisfação dos trabalhadores de enfermagem como indicador de gestão. Rev Eletr Acervo Saude 2020; 55:e3258.. O estresse pode ocorrer quando as exigências do trabalho ultrapassam as habilidades do trabalhador para enfrentá-las, podendo acarretar um desgaste excessivo do organismo, interferindo na sua produtividade. Para Santos et al.11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1818 Santos TAD, Suto CSS, Santos JS, Souza EA, Góes MMDCSR, Melo CMM. Working conditions of nurses, nursing technicians, and assistants in public hospitals. Rev Min Enferm 2020; 24:e1339., em hospitais com condições de trabalho precarizadas, a demanda dos usuários para a satisfação de suas necessidades aumenta a intensidade do trabalho da equipe de Enfermagem, dado que precisam improvisar para substituir recursos, além de recriar a organização do próprio trabalho de modo a atender às necessidades, mesmo com número restrito de trabalhadores ou de insumos.

Eu acho que as maiores dificuldades são a falta de material e de equipamento, essas coisas estressam muito, a gente gasta muito tempo com coisas que a gente poderia fazer bem rápido, então eu acho que isso atrapalha bastante, quando a gente quer resolver uma coisa, um atendimento e você não tem aquele material que muitas vezes é simples e que poderia ter sido resolvido de forma rápida e simples (E14-UTIN).

Eu acho que as dificuldades que a gente tem como equipe, eu acho que assim, as minhas dificuldades mesmo, é de reconhecimento da equipe de enfermagem, e assim, no geral, falta de material, falta de insumos e por ser pronto socorro, eu acho que a sobrecarga, acho que isso acaba desestimulando muito a equipe [...] (E35- Pronto Socorro Adulto).

A estrutura física, a falta de material médico-hospitalar e equipamentos danificados sem manutenção são apontados como potenciais geradores de estresse ocupacional, com influência direta na qualidade do serviço prestado. Esses achados corroboram estudos em que se verifica que a estrutura física, materiais e equipamentos de boa qualidade, somados a profissionais qualificados e motivados, produzem saúde e são capazes de transformar insumos em resultados, otimizando o trabalho e proporcionando melhor qualidade de vida11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1616 Ferro D, Zacharias FCM, Fabriz LA, Schonholzer TE, Valente SH, Barbosa SM, Pinto IC. Absenteísmo na equipe de enfermagem em serviços de emergência: implicações na assistência. Acta Paul Enferm 2018; 31:399-408..

Um problema que a gente tem, é cama que não funciona [...] Outro ponto que não depende da equipe do hospital, mas é uma coisa muito acima é a questão de sobrecarga de trabalho, equipes desfalcadas, por exemplo, eu atualmente, aqui no setor, eu estou com quatro enfermeiros pra cobrir 100% da semana, dia e noite, então assim, fica muito puxado, por mais que se fale, “ah mais tem o processo de hora extra”, mas não é a mesma coisa que um servidor do quadro, muitas vezes um servidor de hora extra, ele vem aqui só para cumprir tabela, então a gente não pode apertar muito, se não a gente perde ele, ou se deseja implementar muita coisa, ele desiste de fazer no setor sabe, então a gente fica assim, num campo minado [...] então assim, se for pra enumerar, em primeiro lugar seriam camas e falta de RH (E32-Clínica Cirúrgica).

É válido ressaltar que o clima organizacional reflete um estado momentâneo da organização, que pode ser alterado com alguma mudança no ambiente ou no contexto11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,2323 Cardoso HF, Forlini JB, Dias JP. Climate and Organizational Support: Evaluation and Relationship between the Thematic Areas. CES Psicol 2019; 12(2):65-82.. No entanto, cabe destacar que em serviços públicos, como o hospital pesquisado, o Estado ocupa duplo papel: tanto de regulador e fiscalizador das condições de trabalho, com base nas normas regulamentadoras e outras normativas, quanto de empregador, que deve fornecer as condições de trabalho. Contudo, nota-se uma contradição: o mesmo Estado que regula e fiscaliza as condições de trabalho é o que também as precariza em seus serviços, colocando usuários e trabalhadores em risco, a exemplo dos serviços públicos de saúde11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1818 Santos TAD, Suto CSS, Santos JS, Souza EA, Góes MMDCSR, Melo CMM. Working conditions of nurses, nursing technicians, and assistants in public hospitals. Rev Min Enferm 2020; 24:e1339..

Comunicação, relacionamento interpessoal e fluxos de trabalho

Quanto a interação entre os servidores, a maioria dos respondentes considerou que pode ser melhorada. Destacou-se especificamente no Centro Obstétrico e no Pronto Socorro Adulto a fala sobre a (des)valorização do profissional enfermeiro e da enfermagem. Cada serviço hospitalar apresenta-se como um dos importantes cenários em que as relações interpessoais acontecem, e o ambiente hospitalar, embora cheio de especificidades (tensão, estressores crônicos, altas demandas, falta de recursos humanos, materiais e apoio social), tem a mesma dinâmica de muitas organizações2424 Hirschle ALT, Gondim SMGG. Estresse e bem-estar no trabalho: uma revisão de literatura. Cien Saude Colet 2020; 25(7):2721-2736..

No contexto do trabalho, é comum a existência de equipes caracterizadas pela baixa integração entre seus membros, comunicação não efetiva e comportamento não colaborativo11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,2525 Lage CEB, Alves MS. (Des)valorização da enfermagem: implicações no cotidiano do enfermeiro. Enferm Foco 2016; 7(3/4):12-16.. Para melhorar esse processo, o gestor deve dedicar atenção para os profissionais que integram a equipe e para as relações entre eles, já que ser “equipe” está fortemente associado à realização de tarefas, de atividades compartilhadas entre pessoas diferentes e que, juntas, alcançam um resultado almejado11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642..

O que colabora para a minha insatisfação é principalmente a falta de autonomia do enfermeiro, os médicos não respeitam aquilo que é falado pelo enfermeiro, a gente fala que não, eles vão lá e fazem, e assim, acho que tem uma falta de valorização mesmo e, a falta de trabalho em equipe né, porque na verdade nós somos uma equipe (E7-CO).

Inúmeras coisas, inclusive que já foram até citadas mas não vão pra frente, eu teria horas aqui pra falar de coisas que poderiam melhorar, a começar pela gestão local, que poderia ouvir as pessoas que estão há mais tempo, e não sobrecarregar a equipe como tem acontecido, de alguns dias ficar sobrando servidor e em outros dias faltando, aí no dia que você vem com o plantão faltando fica todo mundo estressado, se debatendo nos corredores e no outro dia, as pessoas mais tranquilas, então assim, é falta de ouvir mesmo o que as pessoas tem a dizer, e uma série de outras coisas em relação a gestão, assim, no geral, a gente não tem falta de anestesista, a gente tem sala ociosa, já foram dadas algumas sugestões com relação a isso, de anestesista não ficar em especialidade, mas ficar na sala, horário de cirurgia que não começa na hora, porque primeiro o cirurgião vai dar aula e depois ele vem pra começar a cirurgia nove da manhã, dez, aí a gente tem uma equipe que já ficou sem fazer nada até às nove da manhã, mas ela tem que estar ali porque tem uma cirurgia pra começar escalada naquela sala, então assim, são tantas as sugestões que já foram dadas e que a gente não vê nada acontecer que desanima; a marcação dos pacientes, os pacientes são marcados muito em cima da hora, então os pacientes chegam sem exames, despreparados, o número de suspensão de cirurgias é muito grande, então a sensação que eu tenho de verdade, é que durante vários dos meus plantões, eu fico, recebendo e vendo o dinheiro público ir embora, porque eu vejo a sala de cirurgia ociosa sem funcionar, e ainda me chamam às vezes para participar de reunião pedindo para aumentar número de cirurgia, não tem que aumentar turno de atendimento de cirurgia, tem que fazer produzir com as salas que a gente tem, essa produção não acontece por falta de que novamente, é a tal da gestão que não acontece na secretaria de saúde (E40-Centro Cirúrgico).

Eu acho que principalmente na parte do relacionamento interpessoal dos servidores, das próprias equipes, ali dentro do setor do pronto socorro, a gente não tem um bom relacionamento [...] porque muitas vezes o médico interfere muito na classificação de risco, às vezes não aceita uma classificação do enfermeiro, [...] a gente tem que trabalhar junto e o próprio servidor vai sentir mais satisfeito de estar colaborando com o colega, é toda uma equipe que precisa trabalhar de forma a fazer o serviço funcionar e acho que todos vão ficar mais satisfeitos (E43-Pronto Socorro Adulto).

Em consonância com esses achados, outros estudos2525 Lage CEB, Alves MS. (Des)valorização da enfermagem: implicações no cotidiano do enfermeiro. Enferm Foco 2016; 7(3/4):12-16.,2626 Ventura CAA, Mendes IAC, Silva ÍR, Marchi-Alves LM, Almeida EWS, Godoy SD. De autonomia roubada ao fortalecimento da profissão: conexões entre Enfermagem Brasileira e Africana. Esc Anna Nery 2021; 25(3):e20200265. relatam que fica claro que a falta de valor atribuída à profissão, os desmotiva, fazendo com que os próprios profissionais questionem sua importância e seu valor para a sociedade. As dificuldades encontradas são provenientes da falta de reconhecimento, de autonomia profissional e pela dificuldade de trabalho com a equipe multidisciplinar, especialmente com os médicos.

Quando se olha para as práticas em saúde percebe-se o quanto há para ser desconstruído e ressignificado nesse campo, pois a hegemonia exercida pelo poder biomédico atua como linha de força a agenciar os atos profissionais2727 Franco TB, Emerson EM. Trabalho, produção do cuidado e subjetividade em saúde: textos reunidos. São Paulo: Hucitec; 2013.. O enfermeiro e os demais profissionais não médicos da equipe multiprofissional desconhecem a força extraordinária que eles têm para a desconstrução desse modelo vigente e para operar mudanças radicais no modo de produzir o cuidado, onde o autogoverno do trabalhador sobre o seu processo de trabalho o coloca na posição de ser o principal agente de mudança.

Essa desvalorização relatada pelos enfermeiros reflete diretamente na satisfação do profissional em seu ambiente de trabalho. As dificuldades encontradas pelo enfermeiro, em relação à falta de autonomia, como reflexo da falta de reconhecimento de seu valor e importância para o setor de saúde são características presentes em diversos países. O preconceito vivenciado pela enfermagem é analisado nas relações sociais que corroboram a vivência da exclusão do enfermeiro, que muitas vezes aceita esta condição por estar inserido num contexto social em que esse conceito limitado está cristalizado2626 Ventura CAA, Mendes IAC, Silva ÍR, Marchi-Alves LM, Almeida EWS, Godoy SD. De autonomia roubada ao fortalecimento da profissão: conexões entre Enfermagem Brasileira e Africana. Esc Anna Nery 2021; 25(3):e20200265.. Muitos conflitos vivenciados pela enfermagem decorrem do predomínio do modelo biomédico, em que o profissional não consegue exercer a sua profissão de forma autônoma, sendo subordinado às ordens/aprovações que os médicos impõem.

Outro aspecto identificado nas falas dos participantes foi a insatisfação com a falta de rotinas e de fluxos de trabalho no hospital. O planejamento do trabalho em equipe constitui um dos componentes estratégicos de enfrentamento da crescente complexidade da organização dos serviços de atenção à saúde11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,2828 Silva GTRD, Varanda PAG, Santos NVCD, Silva NSBD, Salles RS, Amestoy SC, Queirós PJP. Management and leadership in the nurses' perception: A walk in the light of professional burocracy. Esc Anna Nery 2021; 26:e20210070.. Essas ações podem fazer com que trabalhadores se percebam no local de trabalho, identificando fragilidades e potencialidades, lembrando que cada trabalhador em seu ambiente de trabalho é único, dotado de capacidades e dificuldades e motivado por diferentes fatores11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,2323 Cardoso HF, Forlini JB, Dias JP. Climate and Organizational Support: Evaluation and Relationship between the Thematic Areas. CES Psicol 2019; 12(2):65-82..

Tem umas questões que são assim de organização de fluxos de trabalho, e o paciente acaba sendo prejudicado [...] essas coisas atrapalham e prejudicam o atendimento e deixa a gente assim bem insatisfeito (E14-UTIN).

O centro cirúrgico é um setor multidisciplinar, então você não consegue implementar nada, se não tiver o esforço das outras gestões junto, que inclui anestesiologista, cirurgião, bem como as outras clínicas também envolvidas porque o paciente passa por aqui, mas ele vem de um outro lugar e ele vai para um outro lugar, então se tudo isso não tiver redondo, a gente termina se estressando muito aqui dentro por esses motivos. Acho que a maior causa é isso é a falta de gerência que a gente tem sobre as outras equipes que estão aqui dentro, sabe, e aí você não consegue implementar nada, porque tudo que você vai implementar você só consegue alcançar a enfermagem, você não alcança as outras equipes e aí você cobra da sua equipe, por exemplo, que a cirurgia tem que entrar no horário do almoço e que a gente tem que se virar e que resolver, mas a UTI não quer receber o paciente na hora do almoço, a clínica cirúrgica não quer receber o paciente na hora do almoço, então assim, pra gente pode tudo, a gente tem que dar um jeito em tudo, mas os outros setores não estão alinhados no mesmo pensamento... entendeu? (E40-Centro Cirúrgico).

A resistência é algo natural do ser humano, principalmente quando se sente ameaçado no seu ambiente de trabalho. A resistência à mudança é uma das dimensões que influenciam os ambientes das organizações de saúde. Essa dimensão está relacionada com as alterações das rotinas de trabalho por outra mais eficiente e envolve a participação dos funcionários neste processo de implantação e adequação a um novo sistema. O processo de mudanças geralmente ocorre por meio de reuniões entre os gestores e os servidores, pois em qualquer proposta de mudança no processo de trabalho da instituição é importante envolver todos os servidores que serão atingidos direta ou indiretamente2929 Tagliocolo C, Araújo GCD. Clima Organizacional: um estudo sobre as quatro Dimensões de análise [Internet]. Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia (SEGeT); 2011 [acessado 2023 jun 10]. Disponível em: https://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos07/439_SEGeT%20-%20Clima%20Organizacional.pdf.
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Motivação para a melhoria do ambiente de trabalho

Os respondentes acreditam que a gestão pode investir em política de reposição de Recursos Humanos, reposição de materiais, de insumos e na busca de pactuação para os contratos de manutenção dos equipamentos, de forma a oferecer melhores condições de trabalho. Em estudo semelhante, constatou-se que quando a estrutura física é inadequada e persiste a falta de recursos humanos e materiais, equipamentos sucateados, além de corroborar a insatisfação no ambiente de trabalho, há redução da qualidade da assistência prestada11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1616 Ferro D, Zacharias FCM, Fabriz LA, Schonholzer TE, Valente SH, Barbosa SM, Pinto IC. Absenteísmo na equipe de enfermagem em serviços de emergência: implicações na assistência. Acta Paul Enferm 2018; 31:399-408..

Os discursos apontam a necessidade de priorizar momentos de interlocução coletiva junto a equipe, sugerem a realização de reuniões periódicas, com registro em ata e disponibilizadas em processo Sistema Eletrônico de Informações da Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal (SEI/GDF) para assinatura dos participantes11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.. Essas reuniões ordinárias e periódicas são fundamentais para o fortalecimento do trabalho em equipe, pois é nessa ocasião que a “roupa suja” pode ser lavada, os problemas comuns às equipes de trabalho e a todos os serviços são colocados e discutidos à luz da razão e do conhecimento técnico da equipe multiprofissional. Esses momentos propiciam o compartilhar das experiências coletivas e, proporcionam o estabelecimento da confiança entre os membros da equipe11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,1414 Pol P, Zarpellon LD, Matia G. Factors of (dis)satisfaction in the work of the nursing team in pediatric ICU. Cogitare Enferm 2014; 19(1):64-71..

Se tivesse assim uns olhos mais atentos dos níveis hierárquicos superiores, poderiam traçar estratégias porque não são problemas difíceis de serem corrigidos, mas eles precisam ser olhados com atenção, e precisam ser priorizados (E9-CO).

Então a gente precisa desse apoio justamente por sermos um setor de referência, tem que ter esse olhar mais próximo, esse olhar até com carinho pra justamente valorizar o servidor e valorizar o serviço em si (E13-CO).

A habilidade de liderança constitui uma das capacidades mais importantes no ambiente organizacional. A liderança constitui-se no processo de conduzir as ações e influenciar o comportamento e a mentalidade de outras pessoas para atingir os objetivos e as metas estabelecidas. No ambiente hospitalar ou em quaisquer organizações, a liderança vem imbricada a outra dimensão do clima organizacional, que é a motivação, sendo que cada colaborador terá uma percepção se motivando ou não2929 Tagliocolo C, Araújo GCD. Clima Organizacional: um estudo sobre as quatro Dimensões de análise [Internet]. Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia (SEGeT); 2011 [acessado 2023 jun 10]. Disponível em: https://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos07/439_SEGeT%20-%20Clima%20Organizacional.pdf.
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Na busca pela qualidade de vida no trabalho é preciso empenhar esforços para melhorar a qualidade de vida na organização, estabelecer cargos mais satisfatórios e produtivos para os colaboradores, implementar diferentes técnicas para reformular e alinhar junto aos colaboradores as funções e os processos de trabalho. A qualidade de vida elevada, pode ser alcançada mediante o esforço conjunto dos indivíduos e da organização3030 Souza NS, Kich MC, Cunha AS. Clima organizacional: Prevenindo o bem-estar dos colaboradores. Rev Cien Gerenc 2017; 21(34):145-150.. Para Rodrigues et al.3131 Rodrigues FMA, RPG, Martins MM. Cultura organizacional para a mudança num contexto hospitalar: uma perspectiva de enfermagem. Acta Paul Enferm 2023; 36:eAPE00551. embora seja possível individualizar condições tanto facilitadoras quanto dificultadoras do processo de implementação das mudanças, é fundamental considerá-las numa perspectiva sistêmica e integradora.

Criar uma rotina de reuniões onde as pessoas com maturidade levantassem os problemas, escrevessem em Ata, tudo documentado, pontuar esses problemas e ir tentando resolver de uma forma bem madura (E11-PED).

Educação em serviço e reuniões mensais, [...] em plataformas virtuais, às vezes reunir toda a equipe é muito complicado, mas eu acho que o supervisor tem essa visão de tentar integrar pelo menos os enfermeiros, porque a gente é propagador de melhorias aqui dentro [...] (E15-ALCON).

Apesar de todas as dificuldades, tanto os enfermeiros quanto os médicos, os técnicos de enfermagem, eles fazem de tudo pelo paciente, então assim, esse empenho, esse trabalho feito com amor, com dedicação, com interesse pelo paciente, um trabalho humanizado, em que você ver que é um trabalho feito realmente com amor, então esse é um dos pontos mais favoráveis e mais importantes que sustenta o nosso dia-a-dia de trabalho, ver que a equipe tem interesse de fazer todos os dias o seu melhor (E19-Pronto Socorro Adulto).

Segundo Borges et al.3232 Borges E, Queirós CML, Vieira MRFSP, Teixeira AAR. Perceptions and experiences of nurses about their performance in the COVID-19 pandemic. Rev Rene 2021; 22:e60790., não há dúvida de que o ambiente e a organização do trabalho são fundamentais para a qualidade de vida no trabalho, a segurança dos pacientes e a motivação dos servidores. Dessa forma, é importante promover nas organizações, culturas em que o envolvimento e o empoderamento dos profissionais se alinham com uma liderança transformacional, preditora de qualidade de cuidados nas organizações de saúde3131 Rodrigues FMA, RPG, Martins MM. Cultura organizacional para a mudança num contexto hospitalar: uma perspectiva de enfermagem. Acta Paul Enferm 2023; 36:eAPE00551.. Que os atuais gestores busquem a interlocução com os profissionais da assistência e, que estejam abertos às sugestões dos colaboradores que se sustentam no trabalho em equipe e objetivam promover mudanças e melhorias no ambiente laboral11 Carvalho EMP, Brito CLM, Villas MBP, Muniz GC. Dificuldades e potencialidades relacionadas ao clima organizacional dos servidores de enfermagem de um hospital público. New Trends Qualitative Res 2022; 13:e642.,3333 Dias GC, Furegato ARF. Satisfaction in, and impact of work on, the multidisciplinary team in a psychiatric hospital. Rev Enferm UERJ 2016; 24:e8164..

Considerações finais

Entendemos que os objetivos propostos para este trabalho foram alcançados. Foi possível obter uma compreensão geral sobre os principais desafios relacionadas ao clima organizacional dos servidores do hospital público pesquisado. Desvelado nas falas dos respondentes, como insatisfação relacionada às condições de trabalho, à falta de recursos humanos/sobrecarga de trabalho, à escassez de recursos materiais e insumos, e equipamentos sem manutenção.

Destacamos que em determinados setores, como o Centro Obstétrico e o Pronto Socorro adulto, a insatisfação maior foi pela desvalorização da enfermagem em detrimento às demais categorias; no Alojamento Conjunto, desvelado que os afastamentos por doença eleva as taxas de absenteísmo na unidade e sobrecarrega a equipe; na UTIN, além das dificuldades comuns a todos os setores, pontuaram a escassez de material médico-hospitalar, os equipamentos danificados e sem manutenção; a falta de organização de fluxos e protocolos de trabalho foi pauta dos respondentes, principalmente para o Centro Cirúrgico, CME, Centro Obstétrico e UTIN.

Os desafios postos para os gestores estão para além da dimensão técnica e estrutural, da complexidade tecnológica dos equipamentos sem manutenção, desdobra-se pela dimensão humana, pelos sentimentos e pelas necessidades não atendidas (de valorização) do enfermeiro e da enfermagem, que precisa ser cuidada, valorizada, ouvida e vista no seu processo de cuidar. Passa pelos sentimos e necessidades não atendidas da equipe da UTIN quando se desespera pela falta das incubadoras e dos demais equipamentos necessários ao funcionamento da Unidade e, pelo adoecimento dos profissionais do Alojamento Conjunto que elevam as taxas de absenteísmo da organização.

Sobre as limitações do presente estudo, destacamos que o período da coleta de dados ocorreu no contexto da pandemia, o que pode ter influenciado o clima organizacional.

Espera-se que os resultados encontrados possam subsidiar os gestores na promoção de estratégias direcionadas à gestão de pessoas, ambiente de trabalho, condições de trabalho, segurança no trabalho, cooperação, comunicação, valorização e reconhecimento, de forma a intervir nas condições consideradas inadequadas, aumentando a capacidade de manejo, enfrentamento e modificação do panorama identificado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Ago 2024

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2023
  • Aceito
    26 Mar 2024
  • Publicado
    28 Mar 2024
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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